RESUMO
Objetivo: verificar a existência de associação entre a ideação suicida, o suporte social e os sintomas ansiosos-depressivos entre os estudantes de Ciências da Saúde.
Método: estudo quantitativo e transversal. A coleta de dados ocorreu de novembro de 2020 a julho de 2021, em Sergipe - Brasil, utilizando-se o Questionário Sociodemográfico, Questionário de Ideação Suicida, Escala de Satisfação com o Suporte Social e Escala de Ansiedade, Depressão e Estresse. Foram estimados coeficientes de regressão linear simples e múltipla e razões de chance.
Resultados: dos 190 entrevistados, 57 (30%) apresentaram baixa satisfação com o suporte social, 66 (34,8%) relataram sintomas de depressão grave ou muito grave, 32 (16,8%) possuíam potencial risco de suicídio, podendo ser aumentada em 18% em pessoas com depressão.
Conclusão: estresse, ansiedade e depressão, são os fatores de risco para a ideação suicida em estudantes da saúde. O suporte social torna-se um aliado no controle emocional, na diminuição do sofrimento psíquico e a precipitação de transtornos mentais de estudantes.
DESCRITORES: Estudantes de Ciências da Saúde; Saúde Mental; Ideação Suicida; Depressão; Apoio Social
ABSTRACT
Objective: To verify the existence of an association between suicidal ideation, social support, and anxious-depressive symptoms among Health Sciences students.
Method: Quantitative, cross-sectional study. Data collection took place from November 2020 to July 2021 in Sergipe - Brazil, using the Sociodemographic Questionnaire, Suicidal Ideation Questionnaire, Satisfaction with Social Support Scale, and Anxiety, Depression, and Stress Scale. Simple and multiple linear regression coefficients and odds ratios were estimated.
Results: Of the 190 interviewees, 57 (30%) had low satisfaction with social support, 66 (34.8%) reported symptoms of severe or very severe depression, 32 (16.8%) had a potential risk of suicide, which can be increased by 18% in people with depression.
Conclusion: Stress, anxiety, and depression are risk factors for suicidal ideation in health students. Social support becomes an ally in emotional control, in the reduction of psychological suffering, and in the precipitation of mental disorders in students.
KEYWORDS: Students, Health Occupations; Mental Health; Suicidal Ideation; Depression; Social Support
RESUMEN
Objetivo: Comprobar la existencia de una asociación entre la ideación suicida, el apoyo social y los síntomas ansioso-depresivos entre los estudiantes de Ciencias de la Salud.
Método: cuantitativo, estudio transversal. La recogida de datos tuvo lugar de noviembre de 2020 a julio de 2021, en Sergipe - Brasil, utilizando el Cuestionario Sociodemográfico, el Cuestionario de Ideación Suicida, la Escala de Satisfacción con el Apoyo Social y la Escala de Ansiedad, Depresión y Estrés. Se estimaron los coeficientes de regresión lineal simple y múltiple y las odds ratio.
Resultados: de los 190 entrevistados, 57 (30%) estaban poco satisfechos con el apoyo social, 66 (34,8%) presentaban síntomas de depresión grave o muy grave, 32 (16,8%) tenían un riesgo potencial de suicidio, que puede aumentar en un 18% en las personas con depresión.
Conclusión: El estrés, la ansiedad y la depresión son factores de riesgo de ideación suicida en los estudiantes de sanidad. El apoyo social se convierte en un aliado en el control emocional, en la reducción del sufrimiento psicológico y en la precipitación de los trastornos mentales en los estudiantes.
DESCRIPTORES: Estudiantes de Ciencias de la Salud; Salud Mental; Ideación Suicida; Depresión; Apoyo Social
HIGHLIGHTS
A ideação suicida está associada aos sintomas de depressão.
30% dos estudantes demonstraram baixa satisfação com o suporte social.
49% dos alunos apresentaram níveis de ansiedade grave/muito grave.
O suporte social é um aliado no combate ao suicídio.
INTRODUÇÃO
O ingresso do jovem na universidade representa um momento de mudanças e possibilidades, pode ser um processo desafiador e angustiante, o que o torna suscetível a uma vulnerabilização da saúde mental. Os conflitos existenciais, os traços psicopatológicos latentes e, no extremo, o processo suicida, podem emergir como resultado da interação entre as características pessoais, as circunstâncias sociais e culturais1.
Diante de um cenário de transformações, expectativas, angústias e distanciamento familiar, em alguns contextos, os estudantes universitários necessitam ter acesso a um suporte externo, para gerir interna e externamente a alta carga de demandas e exigências da universidade. O suporte social pode estar, ou não, integrado à família, e deve ser a informação de que o indivíduo faz parte de uma rede baseada em solidariedade, esse tipo de informação desempenha função importante para resistir aos eventos extenuantes e estressores da vida acadêmica2.
Sabe-se que a graduação em Ciências da Saúde demanda vasto tempo de treinamento de habilidades que podem levar ao sofrimento crônico e à precipitação de transtornos mentais3. Os estudantes de Medicina têm sido alvo de estudos nacionais e internacionais, uma vez que é uma população com maior frequência de sofrimento mental e de ideação suicida4-5.
Cerca de 16% a 28% da população adulta jovem brasileira apresenta estados emocionais mistos, em que há alterações no sono, apetite, dificuldade de concentração, irritabilidade e queixas somáticas6. Nos estudantes universitários a frequência desses estados varia de 18,5% a 44,9%1-7. Ademais, a faixa etária predominante de universitários brasileiros é de 18 a 29 anos, o que converge com a faixa etária de maior risco para o suicídio2-8.
O cenário pandêmico tornou todo esse ambiente ainda mais preocupante. A mudança do sistema de ensino para a modalidade remota, as incertezas em relação ao futuro, a limitação dos recursos para o seguimento das aulas, especialmente para os estudantes mais carentes e o distanciamento social, podem ter causado repercussões muito negativas na saúde mental dos estudantes9.
Diante do impacto pandêmico que afetou os estudantes, as Instituições de Ensino Superior precisaram adotar medidas urgentes para minimizar o sofrimento psicológico causado. Portanto, tornou-se essencial realizar uma pesquisa sobre os efeitos da pandemia nas condições emocionais dos estudantes universitários.
Nessa perspectiva, o objetivo deste estudo foi verificar a existência de associação entre a ideação suicida, o suporte social e os sintomas ansiosos-depressivos entre os estudantes de Ciências da Saúde.
MÉTODO
Trata-se de um estudo observacional, de corte transversal e abordagem quantitativa. Aconteceu de forma digital, por meio do link https://forms.gle/bjt3aeMXMGj6Mgs78. O preenchimento ocorreu pelo Google Forms, devido à transição para aulas virtuais durante a primeira onda da COVID-19. A divulgação da pesquisa ocorreu via e-mail e redes sociais do Grupo de Estudos PLENAMENTE - Abordagens em Saúde Mental.
O grupo desenvolve estudos relativos à saúde mental e suas implicações na assistência, no ensino, na qualidade de vida, e na compreensão dos significados do sofrimento psíquico. Realiza propostas de implementação de práticas em saúde mental junto às populações específicas, no âmbito da promoção e prevenção em saúde mental.
Os participantes da pesquisa foram estudantes de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Sergipe (UFS), a qual possui 4.091 estudantes matriculados. A coleta ocorreu entre os meses de novembro de 2020 e julho de 2021.
A amostra foi não probabilística, composta por 190 estudantes representando 4,64% dos acadêmicos matriculados nos cursos: Enfermagem, Medicina, Fisioterapia, Nutrição, Terapia Ocupacional, Farmácia, Odontologia e Fonoaudiologia, todos com matrícula ativa na instituição.
Participaram da pesquisa os estudantes maiores de 18 anos, ativos na instituição. Foram excluídos os alunos com matrícula ativa que haviam trancado o curso por um período ou mais.
O questionário sociodemográfico teve como objetivo a caracterização da amostra e com as seguintes variáveis: idade, sexo, procedência, cidade/estado, escolaridade, curso, período/ciclo atual, repetição de ano letivo, estado civil, relacionamento afetivo, moradia, renda familiar, religião, cor da pele, profissão/ocupação, relação no ambiente de trabalho e social, condições físicas de trabalho, presença de doença, tipo de terapia, uso de drogas e outras.
De modo a identificar o potencial risco de suicídio entre os estudantes, foi empregado o escore do Questionário de Ideação Suicida (QIS). Este questionário é constituído por 30 itens, para cada item sete alternativas, numa escala do tipo Likert10.
No que diz respeito à consistência interna, no estudo de validação do QIS para a população portuguesa foi obtido um valor do Alfa de Cronbach de 0,96. O QIS é utilizado no Brasil em diversas pesquisas científicas, com o objetivo de avaliar o nível de ideação suicida11-12.
A Escala de Satisfação com o Suporte Social (ESSS) possui quatro dimensões, sendo elas: Satisfação com Amizades (SA), Intimidade (IN), Satisfação com a Família (SF), Atividades Sociais (AS), foi adaptada para o português do Brasil13 e apresenta boa qualidade psicométrica quando aplicada aos universitários brasileiros e portugueses14.
A avaliação de cada dimensão resulta da soma das pontuações dos itens referentes a cada dimensão específica. A nota final da escala resulta da soma da totalidade dos itens. O escore pode variar entre 15 e 75, e quanto maior o valor alcançado, maior o suporte social percebido. O escore obtido na ESSS entre 0 e 39 foi considerado como baixo suporte social, valores entre 40 e 57 foi considerado como médio suporte social, enquanto valores acima de 58 refletia alto suporte social14.
A Escala de Ansiedade, Depressão e Estresse (DASS-21) tem como objetivo avaliar a depressão, a ansiedade e o estresse na última semana. É composta por três subescalas com sete itens cada, a escala foi validada para o português brasileiro15. O Alfa de Cronbach foi de 0,92 para a depressão, 0,90 para o estresse e 0,86 para a ansiedade, indicando uma boa consistência interna para cada subescala16.
As respostas são dadas em uma escala Likert de quatro pontos, que variam entre zero (discordo totalmente) e três (concordo totalmente). Os escores globais para os três constructos são calculados como a soma dos escores para os sete itens relevantes multiplicados por dois. As variações de escores correspondem aos níveis de severidade de sintomas, que variam entre “normal” e “muito grave”16.
Os dados foram registrados e armazenados em Microsoft Office Excel® 2013. As variáveis categóricas foram descritas por meio de frequência absoluta e relativa percentual, as variáveis discretas foram expressas em medidas de tendência central e dispersão.
A hipótese de igualdade das medidas de tendência central foi testada por meio do teste de Mann-Whitney. A hipótese de aderência das variáveis contínuas e a distribuição normal foi testada por meio do teste de Shapiro-Wilks. A hipótese de independência entre as variáveis categóricas foi testada por meio dos testes Qui-Quadrado e de Pearson.
Foram estimados coeficientes de regressão linear simples. As razões de chances brutas e ajustadas foram estimadas por meio de regressão logística. O nível de significância adotada foi de 5% e o software utilizado foi o R Core Team 2021 (versão 4.1.0).
O estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da UFS, sob e Parecer nº 4.460.756.
RESULTADOS
Dos 190 participantes da pesquisa, 121 (63,7%) tinham idade entre 20 e 25 anos, 143 (75,3%) eram do sexo feminino, e 180 (94,7%) tinham estado civil de solteiro. A maioria dos estudantes morava na zona urbana 171 (90%), desses 115 (67,2%) na capital do estado. O curso que teve maior participação na pesquisa foi Enfermagem correspondendo a 106 estudantes (55,8%), seguido de Medicina 25 (13,2%) e Nutrição 22 (11,6%), como demonstra a tabela 1.
Quanto à medida de satisfação com o suporte social, 57 (30%) apresentaram baixa satisfação, 82 (43%) satisfação média, e 51 (26,9%) alta satisfação. Os níveis de severidade dos sintomas depressivos foram classificados em: normal, mínimo, moderado, grave e muito grave. Frente a isso, 84 (44,2%) relataram sintomas normais e mínimos, 40 (21,1%) moderados, 21 (11%) graves, e 45 (23,7%) muito graves.
Em relação aos níveis de estresse, 77 (40,4%) apresentaram sintomas normais e mínimos, 34 (17,8%) sintomas moderados, e 79 (41,5%) nível de severidade grave e muito grave. No que se refere à ansiedade, 65 (34,2%) tinham sintomas normais e mínimos, 32 (16,8%) apresentaram sintomas moderados e, 93 (49%) grave e muito grave.
O potencial risco de suicídio entre os estudantes demonstrou que 32 (16,8%) possuíam potencial risco de suicídio e psicopatologia latente. A tabela 2, demonstra as variáveis sociodemográficas associadas ao potencial risco e às razões de chance para cada variável associada, àquelas que não possuem os valores de Odds Ratio (OR) não fizeram parte da modelagem final.
A tabela 3 demonstra a associação entre os resultados das escalas utilizadas neste estudo com a ideação suicida e as razões de chance para cada escala. A satisfação com o suporte social foi um forte fator protetivo para a ideação suicida (p<0,001; OR 0,93 (0,90-0,96)), todos os domínios da escala foram associados à ideação suicida, sendo os domínios satisfação com a família e atividades sociais mais fortemente associados (p<0,001).
DISCUSSÃO
A caracterização sociodemográfica da população estudada assemelhou-se ao que foi encontrado em estudos nacionais e internacionais com estudantes da área da saúde7-12. Houve uma predominância do sexo feminino, renda familiar entre um e três salários-mínimos, estado civil solteiro e faixa etária entre os 18 e 21 anos14-16.
O suporte social desempenha um papel crucial na prevenção do sofrimento psíquico durante a transição para o Ensino Superior, quando os jovens enfrentam demandas psicológicas e sociais significativas. A sensação de solidão é comum nesse período, já que os estudantes frequentemente se afastam de suas famílias e amigos para seguir com os estudos2. Isso justifica os resultados de satisfação média e baixa com o suporte social, conforme evidenciado neste estudo.
Esta investigação apontou a prevalência significativa de sintomas depressivos graves, interpretando-se que o aumento desses sintomas possa ter sido influenciado pelo isolamento social decorrente da pandemia da COVID-19. Essa conclusão é respaldada por um estudo9 conduzido em Nova York em 2020, no qual a avaliação da prevalência de ansiedade e depressão entre os alunos de Medicina durante a primeira onda da COVID-19, revelou que 45% dos participantes apresentavam sintomas depressivos.
Diante dessa gravidade, a manifestação de sintomas de sofrimento mental, tal como a ansiedade e o estresse, em qualquer faixa de severidade, e em qualquer grupo populacional é motivo de preocupação, pois, na ausência de intervenção rápida, podem evoluir para sintomas de maior gravidade e limitação17. Isso ocorre, porque o desenvolvimento de transtornos mentais graves depende da frequência do sofrimento, dos fatores de proteção e dos fatores de risco, os quais precisam estar em equilíbrio.
Nesse contexto, ao analisar o nível de estresse e sua relação com os comportamentos de risco à saúde dos estudantes universitários, uma pesquisa nacional constatou que mais da metade dos participantes apresentaram algum sintoma de estresse16. Embora apenas poucos alunos tenham apresentado fases mais graves de estresse, é importante ressaltar que a detecção dessas fases menos severas também indica a necessidade de atenção, uma vez que, esses eventos estressores, quando recorrentes, aumentam o potencial risco de suicídio18.
Os resultados relacionados à ansiedade podem ter sofrido influência do momento pandêmico, que afetou completamente a vida dos estudantes, trazendo incerteza sobre seus estudos, sobre o futuro e as possíveis perdas de familiares19. Isso ocorreu, uma vez que as universidades e as escolas fecharam suas portas e adotaram o distanciamento social como método de contenção da pandemia da COVID-19.
A diminuição do contato social entre os alunos, como consequência do distanciamento, contribuiu para o aumento do consumo de álcool e o agravamento dos sintomas de ansiedade e de depressão20. Alguns estudos realizados no Brasil em 2018 e 2020 revelaram que essa estratégia pode levar a desfechos negativos; como a diminuição da qualidade de vida, o baixo desempenho e engajamento acadêmico, evasão, desenvolvimento do transtorno de ansiedade e até a ideação suicida17.
Por sua vez, a ideação suicida demanda uma atenção especial e pode estar correlacionada à ausência de suporte social adequado, bem como à presença de sintomas ansiosos e depressivos não tratados. Trata-se da consideração por parte do indivíduo de encerrar a própria vida e pode surgir como um fator preexistente, tanto em tentativas de suicídio, quanto em casos em que o ato suicida é consumado21.
A prevalência de potencial risco para a ideação suicida e a psicopatologia latente foi considerada alta, 37 (17,8%), embora seja menor que o encontrado em outro estudo brasileiro realizado em 2020 (22% a 36%)9. Contudo, o fenômeno merece atenção, uma vez que se trata de um processo multicausal de abordagem complexa, e os participantes desta investigação fazem parte da faixa etária de maior risco8.
Diversos estudos têm identificado os fatores associados à ideação suicida, abrangendo os aspectos como a classe econômica, a faixa etária, o envolvimento em práticas religiosas, o histórico de tentativas de suicídio na família e entre amigos, os padrões de consumo de álcool, além dos sintomas depressivos durante a adolescência22-23. É importante ressaltar que os sintomas depressivos se destacaram como os mais fortemente relacionados à ideação suicida.
O fenômeno da ideação suicida afeta mais frequentemente os adultos jovens, sendo a faixa etária entre 18 e 25 anos considerada de maior risco24. Esta faixa etária coincide com a entrada na universidade e com a transição para a idade adulta, momento em que os indivíduos enfrentam uma variedade de desafios emocionais. Portanto, os períodos iniciais da vida acadêmica tendem a ser mais desafiadores para esses jovens25.
Na perspectiva de caracterizar os comportamentos da autolesão não suicida, um estudo realizado em Portugal, com 1.763 adolescentes, com idades entre 14 e 22 anos, constatou que os indivíduos de procedência rural, devido aos problemas sociais significativos e o baixo estrato socioeconômico, apresentaram maiores chances de ideação suicida. Destaca-se, ainda, que o isolamento social e as dificuldades na área do emprego e da educação constituem-se como importantes fatores de risco26.
Morar em zona rural pode implicar em menor acesso aos bens, serviços e informações de qualidade, devido às grandes dimensões continentais do Brasil e à má distribuição de renda, que favorecem a exclusão. O isolamento social imposto pela pandemia, a dificuldade de acesso, o medo de contrair o vírus e o distanciamento da universidade podem ter sido gatilhos para o sofrimento mental27.
Neste estudo, a religião foi identificada como um fator de risco para a ideação suicida, o que contradiz com outros achados da literatura. Uma pesquisa brasileira investigou a associação da tentativa de suicídio com as variáveis relacionadas aos aspectos socioeconômicos e demográficos em uma coorte de mulheres em um município brasileiro, no qual a religião foi considerada um fator de proteção para a ideação suicida e o suicídio28.
Em concordância com alguns autores, a afiliação religiosa pode ter um efeito protetor contra as tentativas de suicídio devido ao suporte social inerente. No entanto, a relação entre a religião e suicídio é complexa, pois as diferentes afiliações religiosas oferecem diferentes graus de suporte social e acolhimento29. Portanto, o tipo de religião e a forma como é vivenciada podem ser os aspectos mais decisivos nessa questão.
A dimensão da intimidade e a satisfação com a família no constructo de suporte social também foi associada à ideação suicida. Famílias disfuncionais, que não oferecem suporte adequado, podem não fornecer ao acadêmico as estratégias de enfrentamento necessárias diante do sofrimento. Uma pesquisa realizada em 2021 sobre o risco de suicídio corrobora essa afirmativa, ao concluir em seus resultados que filhos não satisfeitos com a configuração familiar constituem um fator de risco para a ideação suicida30.
Portando, fica evidente que o estresse na vida acadêmica pode ser resultado do alto grau de exigência e das demandas aos estudantes, sendo que nenhum fator de risco individual pode explicar isoladamente a ideação suicida. Entretanto, o estresse, a ansiedade, a depressão e as dificuldades com o suporte social podem tornar o indivíduo susceptível à ideação suicida, e na ausência de intervenção oportuna, esses fatores podem desencadear tal comportamento17.
A limitação deste estudo está relacionada à adaptação da coleta de dados ao meio digital, devido à impossibilidade de realização de coletas presenciais, durante o primeiro pico da pandemia da COVID-19. Isso resultou em uma redução na adesão dos participantes, o que teve um impacto direto na composição da amostra.
CONCLUSÃO
O estudo revelou uma forte associação entre a ideação suicida e os sintomas de estresse e ansiedade, associados à baixa satisfação social durante a pandemia da COVID-19 e agravados pelas medidas de distanciamento social. Esses fatores exerceram um impacto negativo abrangente na qualidade de vida, no desempenho acadêmico e na saúde mental dos indivíduos afetados, especialmente entre os adultos jovens que residem em áreas rurais e não têm afiliação religiosa.
Desse modo, os dados deste estudo servem de subsídio para a criação de estratégias de enfrentamento aos eventos estressores e adaptativos do início da vida universitária. Além disso, auxiliam na formulação de mecanismos que visam avaliar as condições emocionais, com o objetivo de diminuir o sofrimento mental e prevenir o surgimento de transtornos.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
22 Jul 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
18 Set 2023 -
Aceito
23 Abr 2024