RESUMO
O artigo objetiva apontar alguns limites quanto ao uso da noção de “necropolítica” no tocante à leitura da letalidade violenta. Como referência para análise, proponho analisar o problema das mortes ocasionadas por intervenção policial em duas escalas: uma local, referente a um “caso” ocorrido no Morro da Providência; outra mais ampla, que diz respeito à lógica espacial das mortes ocasionadas pela polícia na metrópole carioca. Defendo a ideia de que tal problema possui particularidades no Rio de Janeiro, não sendo possível universalizar os significados da morte quando pensamos na chave específica das ações letais praticadas pelo Estado.
Palavras-chave: necropolítica; violência; arrego; ilegalismos; morte
ABSTRACT
Necropolitics: A Critical Essay According to the Logics of ‘Arrego’ in Rio de Janeiro aims to evince some limits on the use of the term “necropolitics” to analyse police killings. I propose to scrutinize the problem of killings caused by law enforcement agents on two different scales: in a local slum scale referring to a “case” occurred in Morro da Providência, in Rio de Janeiro; in an intercity scale, which concerns the spatial logic of police killings across the city. I support the idea that the problem of police killings has particularities in Rio de Janeiro, that indicates the impossibility of universalize the meanings of death when it comes to the deadly force practiced by the state.
Keywords: necropolitics; violence; arrego; illegality; death
Introdução
Um autor que vem ganhando crescente popularidade no Brasil entre antropólogos e sociólogos, mas também entre profissionais de outras áreas, como filosofia, direito, literatura, ciência política, psicologia, história e geografia, é o camaronês Achille Mbembe. O interesse pelas suas ideias se deu principalmente a partir da tradução recente de duas de suas obras para a língua portuguesa: o ensaio Necropolítica (MBEMBE, 2018a), originalmente publicado em 2003 nos EUA, e o livro Crítica da razão negra (Idem, 2018b), originalmente publicado em 2013 na França. Ambos foram lançados pela n-1 Edições, embora Necropolítica também tenha sido traduzido e publicado em língua portuguesa anteriormente pela revista Arte e Ensaios, da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) (Idem, 2016).
No referido ensaio, o autor procura chamar atenção para as várias maneiras pelas quais as condições de precariedade extrema na contemporaneidade e as armas de fogo são dispostas com o objetivo central de destruir pessoas e criar “mundos de morte” (Idem, 2018a, p. 71), com particular ênfase para a configuração do problema nas periferias do sistema capitalista.
Passados pouco mais de 16 anos da primeira publicação da obra, a aceitação do autor e o crescente uso da noção de “necropolítica” em diferentes trabalhos acadêmicos no Brasil impressionam. Um breve levantamento bibliográfico1 realizado no Portal de Periódicos Capes e no Google Scholar nos dá uma pequena amostra do cenário. A base da Capes fornece 105 resultados referentes a artigos indexados com o termo “necropolítica” de 2009 até 2019. Desses, 21 estão em língua portuguesa, sendo que mais da metade deles foram publicados nos últimos três anos (precisamente 11) e não há qualquer artigo indexado pelo termo antes de 2012 em nosso idioma. Já na base do Google, mais ampla, foram verificados 1820 resultados gerais entre artigos, teses, dissertações, monografias, resenhas, papers e programas de curso (sem patentes e citações) para o mesmo período. Do total, 514 estão em língua portuguesa, sendo que 347 (67,5%) contabilizam as publicações somente nos últimos dois anos2. Na referida base de dados, não há menção a qualquer trabalho em língua portuguesa indexado pelo termo antes de 2009.
De um ponto de vista qualitativo, os temas abordados pelos trabalhos são muito diversos. Eles versam, de modo geral, sobre a produção da morte em populações nativas pelos impactos de grandes projetos ligados à mineração e à expansão do agronegócio (PEDRO e SANTOS, 2018; PENIDO, 2018; MONDARDO, 2019), o problema da “seletividade penal” e do racismo no sistema prisional (CARVALHO, 2018; REBOUÇAS e SANTOS, 2018; UZIEL et al., 2018), políticas públicas de saúde sobre populações vulneráveis (OLIVEIRA, 2018; NETO, 2018; MATOS e TOURINHO, 2018), o controle técnico-burocrático do Estado sobre a vida dos mortos (MEDEIROS, 2017, 2018), entre outros. No entanto, a maior parte deles se debruça sobre facetas específicas da violência sobre a vida dos vivos, em especial no tocante à dimensão de gênero (RUCOVSKY, 2015; BENTO, 2018; CAVALCANTI et al., 2018; GOMES, 2018; STEFANI MEDEIROS, 2019) e, sobretudo, à dimensão racial das mortes produzidas pela letalidade violenta (ALVES, 2011; RIBEIRO JÚNIOR, 2016; BERTRANI GOMES, 2017; MIRANDA, 2017; CARDOSO, 2018). Grosso modo, todas essas obras se relacionam, de uma maneira maior ou menor, com a ideia contida em Mbembe (2018a) sobre uma (necro)política centrada na produção da morte em larga escala - o que talvez sinalize um dos traços fundamentais da contemporaneidade como um mundo em crise sistêmica segundo o autor.
Como forma de contribuir para um possível aprofundamento do debate, o presente artigo3 objetiva apontar alguns limites para o uso da noção de “necropolítica” na leitura sobre a letalidade violenta, com particular atenção para o papel que os “arregos” exercem nas ações letais operadas por agentes do Estado. Defendo a ideia de que não seja possível universalizar os significados da morte quando pensados nessa chave específica de leitura.
Para refletir sobre o problema, descrevo inicialmente o caso do menino Eduardo Felipe Santos Victor, de 17 anos, assassinado por cinco policiais militares lotados na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Morro da Providência, em 2015, na cidade do Rio de Janeiro4. A partir de sua leitura, aponto, na seção seguinte, alguns limites analíticos que a noção de necropolítica traz para a compreensão das ações letais praticadas por policiais. Sustento meu argumento por meio da análise da letalidade policial em duas escalas complementares: uma local, que diz respeito ao “caso Eduardo”, e outra mais ampla, que compreende a lógica espacial das mortes ocasionadas por intervenção policial na metrópole carioca. Na conclusão do artigo, sugiro alguns elementos sobre uma possível ressignificação dos usos da categoria “necropolítica” em termos não somente políticos, mas também analíticos.
O ‘caso Eduardo’: entre particularidades e generalizações de uma morte quase sempre anunciada
Eduardo Felipe Santos Victor era morador da Providência. Era um “cria” da favela, ou seja, uma pessoa nascida e criada no próprio local até o dia da sua morte. Tinha 17 anos quando foi assassinado, na manhã de 29 de setembro de 2015, no morro. Eduardo era um jovem comum, cuja história se assemelha a tantas outras, de tantos outros jovens da Providência e de outras favelas cariocas: negro, pobre, morava com a mãe e os irmãos em uma pequena casa no morro. Tinha sido coroinha de uma igreja local na infância e havia estudado até o ensino fundamental, quando abandonou os estudos. Tinha se aproximado do tráfico havia pouco tempo, assumindo pequenas funções no varejo de drogas ilícitas da Providência. Apesar disso, era uma figura querida entre os moradores locais.
A leitura do caso Eduardo estabelece uma relação entre os tensionamentos decorrentes do que Fonseca (1999, pp. 59-60) chama de “individualismo metodológico” e da “perspectiva sociológica”. Ele pode ser visto, por um lado, de um ponto de vista particularizante, que ilumina alguns elementos responsáveis por fazer dele um caso de ampla repercussão nacional e internacional. O que transformou esse “caso ordinário” em um “caso de repercussão” (EILBAUM e MEDEIROS, 2015) foi o fato de o assassinato de Eduardo, inicialmente tratado como “morte por intervenção de agente do Estado”5, ter sido filmado por uma moradora da Providência. Por outro lado, sob uma ótica generalizante, a mirada sobre o assassinato reúne elementos que reificam a tessitura social no que diz respeito à violência letal - em especial àquela praticada pelos agentes de segurança.
Na manhã do referido dia, a Providência acordou com forte tiroteio entre policiais da UPP e varejistas na parte baixa do morro. Não houve vítimas decorrentes do confronto, tampouco apreensões de drogas ou armas por parte das forças de segurança. Naquela mesma manhã, mais próximo da hora do almoço, uma guarnição da UPP fazia incursões na parte alta da Providência. A guarnição contava com três policiais militares (PMs) portando pistolas e fuzis, sendo que um deles não estava devidamente fardado. Em um dos becos da localidade conhecida como Cruzeiro, próximo a uma pequena igreja local, os PMs surpreenderam Eduardo vindo de encontro a eles.
O jovem franzino portava nada mais do que camisa, bermuda, chinelo de borracha e um radiotransmissor em uma das mãos. Estava desarmado e, ao avistar os policiais, imediatamente levantou as mãos em sinal de rendição. Os policiais não vacilaram: deram uma coronhada com um dos fuzis em Eduardo, o que fez o jovem cambalear e cair no chão, abrindo margem para outro PM desferir um chute no mesmo lado direito do tórax. A violência dos golpes partiu imediatamente três de suas costelas. Eduardo, então, ainda deitado e desorientado, foi executado à queima roupa, com um tiro de pistola no peito, desferido de cima para baixo. O laudo cadavérico apontou que a causa da morte foi um “ferimento transfixante de tórax com lasceração visceral e hipovolemia consequente” (SERRA, 01/10/2015). Isso significa, em outras palavras, que o disparo transfixou o corpo da vítima, dilacerando completamente órgãos vitais como o pulmão e o coração.6
Diante da execução, os três PMs da UPP, em conjunto com outros dois policiais que chegaram em auxílio à guarnição, alteraram a cena do crime, colocando uma pistola na mão do jovem e efetuando dois disparos para o alto. Outro policial, com sua pistola, também efetuou mais um disparo logo após os dois disparados pela arma colocada na mão de Eduardo. A intenção era clara: seria alegado na delegacia confronto com um varejista local - fatos que seriam comprovados pela presença do radiotransmissor, da pistola e dos resíduos de pólvora na mão da vítima. Assim se daria a transmutação do homicídio doloso em “morte por intervenção de agente do Estado”. Foi esta a versão dada pelos PMs na 4ª Delegacia de Polícia (DP) logo após a remoção do corpo.
Entretanto, como apontado anteriormente, o que marcou a diferença fundamental do caso Eduardo em meio a tantos outros semelhantes foi o fato de uma moradora ter gravado toda a performance dos PMs com um celular. Ao ouvir os gritos do rapaz e um tiro, ela conseguiu capturar da janela de sua casa um vídeo de pouco mais de dois minutos que não deixa dúvidas sobre a ação dos policiais naquela manhã7. Em seu depoimento, ela ainda afirmou que Eduardo havia se rendido e que os policiais não prestaram qualquer auxílio médico após alvejá-lo, deixando-o morrer.
Com a ampla divulgação do material, primeiramente em redes sociais, os cinco agentes envolvidos diretamente na ação foram detidos e acusados dos crimes de fraude processual e homicídio. As imagens do vídeo logo ganharam também enorme divulgação na grande imprensa nacional e internacional. E foram acompanhadas de dois dias de intensos protestos por parte dos moradores, quando mais uma tragédia aconteceu: um homem acabou morrendo durante as mobilizações. Ele sofreu ferimentos graves em decorrência de estilhaços do vidro da janela de um ônibus que atingiram sua veia femoral (G1, 30/09/2015a).
O enterro e o velório de Eduardo, ocorridos no dia seguinte em um cemitério na zona sul da cidade, contaram com a presença de dezenas de moradores encaminhados ao local em ônibus escoltados pela Polícia Militar. Centenas de flores e dezenas de camisetas brancas com a foto do rapaz materializavam o clima de revolta e indignação com o assassinato. Eduardo era cria do morro, oriundo de uma família muito querida. A conjuntura de sua morte, apesar do seu envolvimento com o tráfico, reuniu elementos que se apresentaram como uma ofensa moral grave para toda a comunidade, sentimento traduzido por uma frase comumente dita por moradores ao relembrar o episódio: “Porra, a polícia esculachou o garoto”8.
Como argumenta Pires (2011), o “esculacho” pode ser lido como uma categoria sociológica que diz respeito a práticas singulares de desconsideração do indivíduo. Como prática social, ele imprime o rompimento de valores estruturantes de certos horizontes morais pautados pela honra e o respeito, que apontam, assim, para a ideia de humilhação.
A morte, sem dúvida, “é do jogo”9. Ela é um elemento do cotidiano para todos aqueles que operam o varejo de drogas ilícitas. No entanto, mesmo sendo tal assertiva passível de generalização, nem toda morte acaba sendo uma morte qualquer. A comoção e a revolta com o assassinato de Eduardo foram reações possíveis ao “esculacho” sofrido por ele, que de alguma maneira acabou por identificar coletivamente toda a comunidade com o caso relatado. Os protestos violentos como reação, nesse sentido, sugerem uma lógica semelhante àquela que Pires (2011, p. 129) identificou como o “correr atrás”, ou seja, uma reação ao “esculacho” pela manutenção do respeito e da honra não só de Eduardo e da sua família, mas também de toda a Providência.
O clima de medo que se sucedeu ao episódio foi seguido por diversas ameaças de morte recebidas pela moradora que gravou o vídeo. Tanto ela quanto a mãe do rapaz já não moram mais no morro. Uma das raras declarações dadas à imprensa por pessoas próximas a Eduardo sintetiza os tensionamentos estabelecidos entre a particularização e a generalização do caso:
[E]sse caso só terá uma punição porque um morador teve coragem de filmar. Se não fosse isso, seria mais um caso típico de auto de resistência maquiado por essa polícia corrupta, que está levando ódio para dentro da nossa comunidade. (...) E daí que ele vendia drogas? E daí? Não existe pena de morte no Brasil. Ele foi executado. (...) Ele era um garoto que seria muito fácil de recuperar porque tinha uma boa índole, mas a polícia não pensou se ele poderia ter uma nova chance, eles [polícia] não pensam no social. Eles querem mesmo é matar. Não importa, se tá vendendo drogas, eles matam. É menos um, é assim que eles pensam (LO-BIANCO e GOULART, 2015).
A resposta do poder público diante de mais um “caso de repercussão” envolvendo policiais foi imediata. O então governador do Rio e seu secretário de segurança na época - respectivamente Luiz Fernando Pezão e José Mariano Beltrame -, fizeram um pedido público de desculpas à população carioca (G1, 30/09/2015b) e exigiram celeridade no processo de expulsão dos cinco policiais da corporação (AGÊNCIA BRASIL, 01/10/2015). A exposição midiática levou também o chefe da Polícia Civil na época, Fernando Veloso, a transferir todos os casos de mortes praticadas por policiais das delegacias locais para as delegacias de homicídios do estado (COELHO, 21/02/2016). Os cinco PMs envolvidos no assassinato passaram a cumprir também prisão preventiva no Batalhão Especial Prisional, unidade voltada para policiais infratores que aguardam julgamento. Todavia, ainda no início de 2017, eles foram beneficiados por um habeas corpus que permitiu aos cinco acusados aguardar o julgamento em liberdade.
A diminuição de exposição pública do caso foi interrompida em 2018 com o lançamento do documentário Auto de resistência. Nele, os diretores Natasha Neri e Lula Carvalho resgataram o caso, em conjunto com outros quatro episódios, para debater as mortes causadas por ações policiais no Rio de Janeiro. Em diferentes ocasiões, a exibição do documentário foi sucedida por debates sobre o problema com a presença dos diretores do filme, acadêmicos, representantes de ONGs de direitos humanos e, principalmente, mães e familiares de vítimas de violência policial, muitas vezes organizadas em movimentos sociais como a Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência ou ainda as Mães de Manguinhos. Em tais eventos, a linguagem do testemunho pessoal empregado pelos familiares funcionava como uma espécie de mediador simbólico entre as particularidades de cada caso e a generalização de cunho social do problema.
Como defende Jimeno (2010, p. 99), tal linguagem testemunhal funciona como catalisador na conformação de “comunidades emocionais” fundadas em uma ética do reconhecimento. A mobilização de diferentes emoções abre caminho, assim, para a criação de identidades coletivas a partir da categoria “vítima”. A performance dos discursos e protestos, que contam, muitas vezes, com o auxílio de fotografias, faixas, documentos e até da exibição de filmes, faz parte de um movimento coletivo maior de construção social dessa categoria. Para Fonseca e Maricato (2013), em lugar de contribuir para reforçar o perfil de vitimização de tais sujeitos, tal movimento atua não somente na eficácia da reivindicação por justiça e reparação, como também como ligadura na criação de diferentes comunidades políticas em torno das vítimas.
A despeito de toda a mobilização e apelo popular diante do caso, quase quatro anos após o assassinato, a Justiça absolveu quatro dos cinco PMs acusados do crime de homicídio em maio de 2019 - um dos PMs envolvidos não foi julgado pois falecera em março do mesmo ano. O juiz que proferiu a decisão apontou que os indícios mostrados pelo vídeo gravado e os depoimentos tomados das testemunhas - em grande medida, policiais civis e PMs lotados na própria UPP Providência - foram insuficientes para se comprovar o assassinato, sendo factível a versão apresentada pelos acusados. O magistrado ainda destacou que as versões dos PMs eram coincidentes, pois a vítima era traficante de drogas e havia entrado em confronto com os policiais no dia da sua morte. Para o juiz, a morte de Eduardo não foi uma execução, uma vez que o jovem foi atingido uma só vez, quando estava em pé e ainda em movimento, oferecendo risco à vida dos policiais10. O Ministério Público do Rio de Janeiro, por fim, não apelou da decisão e ela acabou por ser arquivada. Os acusados ainda podem responder pelo crime de fraude processual, dada a alteração da cena do crime mostrada pelo vídeo.
Necropolítica: um ‘fazer morrer’ não universalizável a partir das lógicas do ‘arrego’
Como mostrado até aqui, o assassinato de Eduardo se relaciona diretamente com um problema recorrente há muito tempo no Rio de Janeiro: a legitimação das mortes causadas por policiais por meio de intervenções de agentes do Estado. Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) trabalhados por Misse et al. (2013) apontam que, no período entre 2001 e 2011, mais de dez mil pessoas foram assassinadas no Rio de Janeiro pela polícia. Dados mais recentes, divulgados pelo próprio ISP, revelam que em cinco anos (2014-2018) houve uma tendência geral de agravamento da letalidade policial a cada ano, com o número de mortes saltando de 584 em 2014 para 1.534 em 2018, um aumento de 162,6%. Só no primeiro trimestre de 2019, já durante o governo Wilson Witzel, 434 mortes por intervenção de agente do Estado foram contabilizadas pelo Instituto, o maior número da série histórica nos últimos 20 anos.
Para além da ação letal em si, trabalhos como a etnografia de Farias (2014) mostram que a ilegibilidade de documentos produzidos pelo próprio Estado - como laudos cadavéricos que deixam ausentes informações relevantes sobre a autópsia de vítimas letais de violência policial, ou ainda a própria versão dos fatos narradas pelos PMs, que ganham contornos de verdade jurídica a cada fase do inquérito - é um artifício usado para encobrir execuções sumárias praticadas pelas polícias no Rio de Janeiro. Muitas das vezes, como no caso Eduardo, a violência estatal passa por um processo de sublimação, dada sua apresentação enquanto força meramente reativa à violência privada operada pela sociedade. É o que argumentam Eilbaum e Medeiros (2015) sobre o caráter contextual e local da categoria “violência policial”, uma vez que seu reconhecimento como violência parece depender muito mais do local, do território e do alvo da ação do que da gravidade da agressão.
No entanto, a letalidade violenta operada por agentes estatais é apenas uma parte do problema, embora muito importante. Só em 2017, ela representou pouco mais de 8% do total de mortes violentas intencionais no Brasil, enquanto no Rio de Janeiro ela englobou quase 17% do total (FBSP, 2018)11. Somando-se a esse índice o altíssimo número de homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte, policiais mortos e, em grande medida, o número de desaparecidos (ARAÚJO, 2016), temos um quadro que remonta à noção, inscrita em Mbembe (2018a), da necropolítica como amplo processo de destruição da vida e de criação de “mundos de morte”.
A crescente capilaridade do autor me parece ganhar fôlego principalmente por este motivo: a necessidade em responder a uma demanda de cunho fortemente político voltada para a compreensão da conformação de diferentes “mundos de morte” em nosso país. Não de qualquer mundo, mas mais especificamente daquele ligado à violência letal inscrita nas favelas, derivada majoritariamente de incursões policiais sistemáticas sob a justificativa de combater grupos ligados ao comércio varejista de drogas ilícitas. Em certo sentido, a dimensão política do termo o coloca em uma constelação próxima a outras categorias como “violência de Estado”, “terrorismo de Estado”, “massacre” ou “genocídio” - categorias estas acionadas por diferentes movimentos sociais para denunciar os alvos preferenciais de tais ações: a população negra, pobre e favelada residente em tais territórios (EILBAUM, 2019)12.
Além da referida dimensão política, o giro descolonial proposto por Mbembe (2018a) tem o mérito epistêmico de demonstrar também a insuficiência da noção de “biopolítica” (FOUCAULT, 1979, 2008), para dar conta das diferentes formas de submissão da vida ao poder de morte no mundo contemporâneo. O necropoder opera sobre aqueles que não serão normalizados, os estratos da população que serão excluídos do reforço do autocontrole disciplinar e do controle sobre a vida coletiva (ELIAS, 1993). Ele promove, em outras palavras, o exercício político cotidiano de transformar aqueles vistos como meramente não civilizados, no sentido eliasiano (ELIAS, 1993) do termo, em, assim, potencialmente matáveis. As reflexões de Mbembe, nesse sentido, sugerem outra possibilidade para descrever diferentes práticas de violência em sociedades onde a internalização do autocontrole foi um processo não somente incompleto, mas também agravado pelo quadro de exercício ilegítimo da violência pelo próprio Estado.
No entanto, acredito que, como qualquer noção ou conceito analítico, o uso da necropolítica na compreensão de uma dada realidade empírica possui seus limites. O argumento que gostaria de desenvolver a partir de agora parte da impossibilidade de universalizarmos os significados da morte com referência à chave específica da letalidade violenta, em especial daquela praticada por agentes ligados ao Estado. Em outras palavras, sugiro pensarmos a morte não somente como resultado direto de uma ampla política voltada para a destruição da vida, como inscrito em Mbembe (2018a). De maneira complementar, penso que a morte pode ser tomada também como um recurso simbólico que objetiva articular, sobretudo, uma linguagem.
Como argumentam Botelho e Magnoni (2017), a violência é uma ação também simbólica, capaz de expressar sentidos e significados abertos a processos de inteligibilidade e interpretação. Ela se inscreve, para além de suas causas e objetivos mais imediatos, em um sistema de concepções que diz algo tanto para quem exerce como para quem sofre a violência. Enquanto recurso simbólico, um ato de violência brutal como um homicídio é capaz de informar uma prática operada como moeda de troca dentro de uma determinada dinâmica de controles diferenciados de territórios. A morte pode não só romper e destruir, como também criar novos acordos e negociações entre os sujeitos que conformam mercados operados nas “dobras” do “legal-ilegal” (TELLES, 2010). Sua presença é circular, por vezes transitória, porém, na maioria das vezes, inevitável. A morte é uma mercadoria que agencia diferentes relações que, por sua vez, são fruto de uma geopolítica ligada ao problema fundamental de como controlar diferencialmente uma ampla gama de territórios urbanos em múltiplas escalas de análise.
Mobilizo aqui a categoria geopolítica pela importância que o espaço, visto como território por sua relação intrínseca com o poder (SOUZA, 1995; HAESBAERT, 2014), possui na instrumentalização de tais acordos e negociações. Dito de maneira mais precisa, a hipótese de uma leitura geopolítica do problema nos remete ao papel fundamental do domínio territorial nas formas de circulação de diferentes mercadorias no recorte específico das favelas cariocas. Isto se relaciona a um conjunto de práticas e discursos que medeiam a produção das mortes ocasionadas pelas polícias, em especial no seu encontro com as milícias e, mais especialmente, ainda no seu encontro com os diferentes grupos que operam o varejo das drogas ilícitas.
Como argumenta Misse (2010, p. 91), a conversão de diferentes ilegalidades em mercadorias negociáveis, ou seja, em “mercadorias políticas”, constitui um mercado ilegal capaz de oferecer bens e serviços monopolizados pela soberania do Estado a outros atores. Uma leitura geopolítica dos “ilegalismos” se aproxima assim do que argumenta Foucault (1994), uma vez que, para ele, a noção de ilegalismos não diz respeito a parâmetros anormais ou mesmo um conjunto de práticas e discursos desviantes da lei, mas sim a uma espécie de recurso, ou mesmo uma estratégia política prevista pela própria sociedade: “[T]odo dispositivo legislativo tem poupado espaços protegidos e lucrativos onde a lei pode ser violada, ou ainda ela pode ser ignorada, ou ainda, enfim, onde as infrações são sancionadas” (FOUCAULT, 1994, p. 718)13.
Tal argumento reforça o alerta feito por Misse (2010, p. 99) no que toca à necessidade analítica de abstrair a dimensão moral do problema, de maneira a compreendê-lo como mais uma forma de mercado ilegal para além de uma dimensão exclusivamente econômica. Nesse sentido, pensar os ilegalismos desde uma perspectiva geopolítica é pensar em como eles mobilizam também estratégias voltadas para o controle de diferentes territórios em uma cidade como o Rio de Janeiro.
A principal categoria de mediação das ações letais praticadas por agentes estatais em favelas é o “arrego”. Como uma mercadoria política que por vezes limita ou mesmo potencializa tais ações, o arrego engloba, de modo geral, os acordos firmados entre varejistas e policiais com o objetivo de criar condições favoráveis para a operação do comércio de drogas ilícitas. Ele acontece através do pagamento regular à polícia de valores geralmente em espécie, mas não raro com o repasse de drogas, armas, munições e até objetos com algum valor comercial, a exemplo de joias, relógios, aparelhos eletrônicos e até mesmo cigarros contrabandeados ou roubados. Na leitura de Pires (2010), ele se desenvolve a partir de relações de caráter pessoal, em que o agente público impõe uma determinada taxa para a obtenção de algum benefício por parte do credor14. O arrego explicita, sobretudo, o caráter assimétrico de relações de poder fundamentadas em um regime político pautado pela desigualdade no Brasil. No universo aqui referenciado, ele se materializa em vantagens que vão desde a vista grossa para a venda de drogas, passando por informações privilegiadas sobre operações da polícia ou até mesmo o firmamento de acordos sobre períodos sem incursões policiais em determinada área - obviamente, enquanto o arrego estiver sendo pago.
Tal mercado ilegal vai mobilizar outra categoria importante: o “passe”. Oriundo do universo do futebol, o “passe” está ligado ao valor que determinada divisão da polícia fixa para negociar tal mercadoria. Geralmente, ele varia ao sabor da capacidade operativa de cada divisão, de maneira a informar qual a “distância estrutural” (EVANS-PRITCHARD, 1978, p. 123) de um referido grupamento dentro do sistema organizativo das polícias.
Tomando como exemplo a Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ), é possível afirmar que uma mera guarnição da UPP que patrulha uma pequena favela terá um valor de passe menor do que o Grupamento de Ações Táticas (GAT)15 do mesmo batalhão. No entanto, dentro da mesma lógica, uma guarnição da UPP e um GAT estão mais próximos estruturalmente entre si do que em relação às divisões especiais que conformam o Comando de Operações Especiais (COE). Além de o COE operar em todo o território do Rio de Janeiro - ele não possui uma jurisdição específica dentro do estado -, uma divisão como o Batalhão de Ações com Cães possui grande capacidade de localizar e apreender drogas e armas, assim como o Batalhão de Operações Especiais detém altíssimo poder de dano no tocante à produção de letalidade (STORANI, 2006). É comum, nesse sentido, certa divisão da polícia realizar seguidas operações em determinado morro - com o objetivo de apreender drogas, armas e, eventualmente, executar ou prender alguns varejistas - no intuito de valorizar o seu próprio “passe”. Caso determinado varejista local não se submeta à lógica do arrego imposta, ele pode acabar sendo prejudicado não só pelas enormes perdas materiais impostas pela polícia, como também pela possibilidade de outro grupo varejista, de uma facção rival, “arregar” e particularizar a ação policial em benefício próprio.
Em alguns casos, o rompimento de tais relações leva a inúmeras sanções: de ameaças, prisões e tortura a até mesmo o exercício da violência física extrema, ou seja, a morte. Tal lógica de barganha, orientada pelo prejuízo que determinada divisão da polícia pode causar ao varejista, é, inclusive, confirmada pelos próprios policiais. São bastante comuns as representações sobre a categoria “respeito” entre PMs estarem ligadas à capacidade de infligir medo em alguém. Segundo Ramos (2017, p. 20), uma fala ordinária em seu cotidiano como praça da PMERJ é a de que “o polícia [sic] só é respeitado pelo mal que ele pode causar”.
Como procurarei mostrar nos parágrafos seguintes, o estabelecimento diferencial da ação letal das polícias nas favelas me parece, assim, passar principalmente pela possibilidade que os policiais têm de constituir mercados onde os arregos e outras mercadorias políticas serão negociados.
A geopolítica dos ilegalismos e suas diferentes escalas de análise
O contexto do caso Eduardo e a lógica espacial das mortes ocasionadas por intervenção policial me parecem bons exemplos para pensar geopoliticamente os ilegalismos. A escolha da escala não é algo banal, nem uma métrica fixa tomada de antemão pelo pesquisador. Como argumenta Castro (2014), a escolha da escala implica uma forma particular de elaboração de um dado recorte analítico, que é parte constituinte do processo de construção metodológica de qualquer objeto de estudo. Existe todo um conjunto de tensionamentos nas ciências humanas entre abordagens que privilegiam escalas macro e micro na leitura dos fenômenos sociais (REVEL, 1998).
Foge aos limites deste artigo realizar um debate metodológico sobre tal problema, em especial no que diz respeito à adoção de uma interpretação construtivista da própria escala a partir do fenômeno estudado, ou seja, de uma construção social da escala nos termos da Geografia.16 Sendo assim, passemos agora a um pequeno exercício na articulação entre dois desses recortes enquanto recurso fundamental na compreensão da lógica dos arregos.
O problema na escala local
No Morro da Providência, o varejo e a polícia há décadas estabelecem diferentes relações na maneira como se configuram os ilegalismos - do regime de circulação de kombis de transporte complementar, passando pela ocorrência ou não dos bailes funk e, obviamente, os pontos de apoio na operação do comércio varejista de drogas ilícitas. No entanto, o processo de pacificação trouxe mudanças importantes na maneira como a gestão desse território era operada, em especial pela presença permanente de dezenas de policiais militares no local desde a inauguração da UPP, em abril de 2010.
Após dois anos de relativa calmaria, a Providência adentrou um novo contexto a partir de 2013, com a volta progressiva dos confrontos armados e o retorno das grandes operações policiais. Categorias como “polícia de dentro” e “polícia de fora” (ALBERNAZ, 2018, p. 270) passaram a ser mobilizadas novamente pelos moradores. No que diz respeito à Providência, os policiais “de dentro” eram todos os PMs lotados na UPP local, enquanto os “de fora” eram os demais, ou seja, todos aqueles oriundos dos batalhões regulares ou especiais da PMERJ que não estavam cotidianamente no morro. Como argumenta Albernaz (2018), a “polícia de dentro” deve ser compreendida como a polícia dos “pactos locais”. Isto quer dizer, em outras palavras, que ela acaba sendo uma das principais responsáveis pelo processo de administração de conflitos, em virtude de sua maior capilaridade no cotidiano da favela pela relação com moradores, movimentos sociais, outros agentes estatais, pequenos comerciantes, a igreja e, claro, o tráfico varejista.
Ao se reinserirem outros atores no cotidiano da favela, a relação entre as polícias de dentro e de fora complexificou a lógica dos arregos operada até então. Antes, a circulação dos PMs dentro do morro ficava limitada aos policiais “de dentro”, sendo o capitão da UPP o responsável, em última instância, pela sua organização dentro da hierarquia de comando. Durante o período em que operações policiais orquestradas pelo comando “de fora” se tornaram raras, os arregos passaram por um processo de maior centralização, sendo negociados localmente entre as diferentes guarnições e o próprio comando da unidade. O período de calmaria na Providência - quando os confrontos armados e as mortes ocasionadas pela polícia praticamente desapareceram - é tributário dos pactos locais firmados entre os próprios varejistas e a polícia de dentro. Nesse período, os arregos passaram a englobar tanto a UPP “por cima” (direto no comando) quanto “por baixo” (a depender de cada guarnição) (MENEZES, 2018, p. 205), dentro de uma racionalidade semelhante àquela percebida pela autora em outras favelas integradas ao projeto. Com a volta da polícia de fora, a negociação voltou a ser feita como anteriormente à pacificação. Ela era arranjada por meio de diferentes grupos dentro da polícia, a partir do pagamento de diferentes arregos que obedeciam à lógica valorativa da “distância estrutural” (EVANS-PRITCHARD, 1978, p. 123) de cada divisão explicada anteriormente. Os arregos sofreram um processo de maior descentralização, com acordos mais difusos e, consequentemente, mais difíceis de serem pactuados17. Ademais, nesse novo momento, os tensionamentos passaram a ser ainda maiores, pois além de todos os grupos que voltaram a barganhar a oferta de diferentes mercadorias políticas localmente, os policiais da UPP permaneceram dentro do morro e se tornaram concorrentes a disputar o mesmo mercado.
Por outro lado, o aumento dos confrontos também fora provocado por uma prática comum a todo o projeto das UPPs: a mudança sistemática dos comandos e de boa parte do quadro dos praças18. Com relação à Providência, a prisão de dezenas de policiais sob a acusação de associação para o tráfico, ocorrida em março de 2013, levou à circulação de uma série de boatos sobre possíveis denúncias de PMs envolvidos em atividades ilícitas (CARVALHO e ARAÚJO, 2013). A sensação de medo e desconfiança aumentou sensivelmente, com, de um lado, uma vigilância mais rigorosa dos policiais sobre os moradores e, por outro, o surgimento de uma série de ruídos na maneira como os arregos eram negociados até então.
Esse contexto levou ao embrutecimento das relações da polícia com a comunidade, percebida pelo aumento de revistas vexatórias, espancamentos, invasões de domicílio e, principalmente, assassinatos cometidos por policiais tanto de dentro como de fora do morro. Além da violação de diferentes direitos, com o decorrer do tempo, o modus operandi da UPP passou a se referenciar, como no caso Eduardo, por ações inscritas no horizonte moral do “esculacho” (PIRES, 2011), tão comum às ações policiais cotidianas em favelas.
O que quero dizer com tudo isto é que a morte de Eduardo deve ser compreendida como um dos resultados possíveis das lógicas dos arregos. Para além do ceifamento de uma vida, ela é também, sobretudo, o resultado prático e dramático de uma geopolítica dos ilegalismos centrada no controle sobre um determinado território, que recria e modifica acordos e regimes de regulação sobre a vida dos vivos. Na Providência, a morte de alguém funciona como uma espécie de diacrítico situacional que fornece um diagnóstico momentâneo sobre tais lógicas - especialmente se se tratar de uma morte em decorrência de ação policial. Seu acontecimento sinaliza possíveis distensões ou, ao menos, mudanças relativas na maneira como são acordados os arregos, bem como na própria forma como aquele território é gerido em determinado momento. Tomada como recurso material e simbólico, a morte é também uma linguagem que agencia, regula e medeia o comércio de diferentes mercadorias políticas.
Vários outros jovens após Eduardo morreram na Providência em decorrência de confrontos armados com as polícias. Mas não existe uma regularidade mecânica no tempo entre tais casos. O ritmo imposto a esse processo é variável, o que provoca, por vezes, certas distensões e/ou continuidades na formatação desses diferentes “mundos de morte”.
O problema na escala intraurbana
Meu argumento talvez fique mais claro se passarmos a análise para outra escala. Tomo como referência agora o recorte intraurbano da cidade do Rio de Janeiro. Procurei fazer o mapeamento comparativo de dois fenômenos: as mortes por intervenção policial em cada Circunscrição Integrada de Segurança Pública (Cisp) e o mapa de calor dos tiroteios envolvendo a polícia durante os oito primeiros meses de 2019, que correspondem aos oito primeiros meses do governo Wilson Witzel (2019-2022).
Mortes por intervenção policial por Cisp na cidade do Rio de Janeiro (janeiro-agosto 2019)
A Figura 1 foi elaborada com base nos dados do ISP. Como parte da metodologia de construção dos mapas, procedi ao levantamento mensal do número de “mortes por intervenção policial” no período analisado dentro do município do Rio de Janeiro. Ao total, as 516 entradas contabilizadas serviram de base para cartografar a letalidade praticada pelas polícias. Tomei inicialmente a escala de análise das Cisps, que corresponde precisamente à jurisdição das DPs, por ela ser a menor escala possível que o instituto disponibiliza para os dados.
Havia feito uma solicitação junto à instituição para a obtenção dos microdados em relação às mortes por intervenção policial, pois meu interesse era que cada um dos 516 registros pudesse ser georreferenciado com o máximo de precisão possível, ou seja, com a latitude e longitude dos pontos através das informações do logradouro de cada ocorrência. Todavia, o ISP informou não dispor de dados com tamanho detalhamento. Minha ideia era conseguir mapear os locais das mortes causadas pela polícia para, posteriormente, cruzar os dados com a localização das favelas ligadas a diferentes grupos do varejo das drogas e das milícias. Há quase três anos, organizo, por conta própria, uma base de dados em que constam os territórios classificados a partir dos principais grupos armados atuantes na cidade do Rio de Janeiro. A base vem sendo construída a partir de pesquisas em páginas web da imprensa, em redes sociais (notadamente Twitter e Facebook), por notas de campo decorrentes de trabalho desenvolvido com futuros praças da PMERJ em meu doutorado e conversas com membros daquela corporação. Para realizar tal cruzamento, os dados oficiais seriam insuficientes, uma vez que, dentro de uma mesma Cisp, se localizam dezenas de favelas territorializadas por diferentes grupos armados.
A solução encontrada foi então criar a Figura 2 com base nos dados da base aberta do aplicativo para celular Fogo Cruzado. A equipe do app disponibiliza gratuitamente em sua página uma base colaborativa com todos os tiroteios acontecidos no Rio de Janeiro e em Pernambuco, informados a partir de pesquisa na grande imprensa, redes sociais e pelos próprios usuários do aplicativo. Em posse dos dados, realizei a filtragem no recorte da cidade do Rio de Janeiro e considerei somente os tiroteios que envolveram agentes de segurança, ou seja, policiais civis, militares e federais, guardas municipais, agentes penitenciários, bombeiros e militares das forças armadas da ativa, da reserva e reformados. Como, em cada uma das 942 entradas, foi possível ter acesso ao logradouro da ocorrência, consegui finalmente georreferenciar os dados criando, assim, uma camada de pontos que serviram de base para a criação do raster do mapa de calor dos tiroteios.
Tiroteios envolvendo agentes de segurança na cidade do Rio de Janeiro (janeiro-agosto 2019)
A Figura 1 mostra uma concentração maior de letalidade policial em Cisps que integram os setores geográficos Oeste e, principalmente, Norte da cidade. Destacam-se, em ordem decrescente do número de mortes provocadas por policiais, as áreas de Bangu (74 ocorrências), Pavuna (40), Bonsucesso (31), Penha (31), Jacarepaguá (29), Realengo (28), Madureira (25), Inhaúma (22) e Irajá (22).
De maneira semelhante, a Figura 2 mostra que a maioria dos “pontos quentes” formados por tiroteios envolvendo os agentes de segurança - ou seja, aqueles classificados com uma frequência “alta” e “muito alta” - localizam-se mais espraiadamente no setor geográfico Norte, com alguns enclaves controlados por varejistas muito localizados no setor Oeste, e apenas um no Centro. Nenhum deles está compreendido nos bairros da Zona Sul carioca. Por outro lado, os territórios controlados majoritariamente por milicianos (em grande medida localizados no setor Oeste) possuem frequência de confrontos “baixa” ou “muito baixa”19.
Uma possível primeira aproximação entre os dois mapas se dá pelo fato da maior parte dos tiroteios envolvendo a polícia - e, provavelmente, o maior número de vítimas fatais das ações policiais - darem-se em favelas. Não é à toa que a maior parte dos tiroteios e mortes está localizada nos setores Oeste e, majoritariamente, Norte da metrópole20.
No entanto, a comparação entre os mapas ganha maior rendimento se cruzarmos os dados com os territórios de cada grupo armado. De acordo com os dados, das 18 localidades identificadas com maior intensidade de tiroteios, absolutamente nenhuma se localiza em áreas de milícia. Dentro desse universo, aproximadamente 25% delas pertencem ao Terceiro Comando Puro (TCP) e o restante, ou seja, aproximadamente 75%, são favelas controladas pelo Comando Vermelho (CV). Algumas situações ligadas a tal dinâmica nas Cisps 21 (Bonsucesso), 32 (Jacarepaguá), 34 (Bangu) e 39 (Pavuna) merecem destaque.
Abaixo, apresento os quatro recortes cartografados em uma escala mais detalhada, em que é possível perceber mais claramente a diferenciação no tocante aos tiroteios com participação dos agentes de segurança, sobretudo policiais militares, uma vez que eles são responsáveis pelo policiamento ostensivo. De modo geral, a maior frequência de confrontos foi registrada em favelas do CV, com o TCP assumindo uma posição intermediária e os grupos de milícias sofrendo pouquíssimas intervenções policiais.
Tiroteios envolvendo agentes de segurança em quatro situações na cidade do Rio de Janeiro (janeiro-agosto 2019)
Na Cisp 21, que engloba o conjunto de favelas do Complexo da Maré, embora o CV controle apenas quatro das 16 favelas integrantes do complexo (Parque União, Rubens Vaz, Nova Holanda e Parque Maré), os tiroteios envolvendo a polícia em seus domínios corresponderam a 60% do total, contra 40% nas 10 favelas sob domínio do TCP. Nenhum disparo foi registrado em áreas de milícia (Parque Roquette Pinto e Praia de Ramos).
Já na Cisp 32, que compreende a Cidade de Deus e as dezenas de favelas do seu entorno, nada menos do que 91,1% de todos os tiroteios envolvendo a polícia se encontraram em territórios do CV. Os disparos em territórios milicianos foram muito mais esparsos, totalizando 8,9% do total.
No que diz respeito à Cisp 34, a maioria dos tiroteios envolvendo a polícia ocorreu novamente nos territórios “vermelhos” (49,1%), contra um valor um pouco mais baixo para as favelas do TCP (43,6%). Apesar da majoritariedade apertada para o CV, chama a atenção novamente a discrepância com as ocorrências registradas em áreas de milícia, que somaram apenas 7,3% do total.
Por fim, na CISP 39, apesar de o CV e o TCP disputarem territórios a partir de suas bases operativas nos complexos do Chapadão e da Pedreira - bem como a partir das favelas adjacentes que mantêm vínculo direto com os dois complexos -, os territórios vermelhos do Chapadão e da Proença Rosa contabilizaram nada menos do que 76,2% de tiroteios envolvendo agentes de segurança, contra 23,8% das ocorrências registradas na Pedreira e no Morro do Chaves.
Diante desse quadro, é possível afirmar que a lógica que informa os alvos preferenciais das forças de segurança na cidade do Rio de Janeiro - e que explica, em boa medida, a distribuição da letalidade policial - está ligada ao enfrentamento dos grupos ligados ao varejo da droga. Mas é importante dizer que não se trata de qualquer grupo, mas preferencialmente de um enfrentamento que tende a se opor à territorialização do Comando Vermelho.
Tal tendência é reforçada pelo próprio ponto de vista nativo. Diferentes policiais com os quais tive contato e candidatos à carreira policial consideram o CV um grupo que opera de acordo com uma lógica geopolítica mais agressiva e, por isso, obriga a polícia a intervir mais vezes em seus redutos do que nos territórios do TCP ou das milícias. O trecho de uma obra pouco conhecida escrita pelo ex-comandante geral da PMERJ, o coronel Mário Sérgio Duarte, sintetiza bem os significados da referida facção do ponto de vista dos policiais:
Não há facção [do crime] menos violenta, sendo todas igualmente assassinas e cruéis. As diferenças ficam por conta dos objetivos e representações que as colocam em patamares diferentes: a A.D.A., por exemplo, tem seu foco no lucro. Na medida do possível evita confrontos com as forças policiais. Já o Comando Vermelho se preocupa em ser e parecer poder; uma subnação, um subestado criminoso exteriorizado pelo “é nóis” que seus integrantes proclamam, que verbalizam na afirmação do ethos. Há tempos o Comando Vermelho incorporou o valor de domínio de território. Fez do enfrentamento ao Estado e a sua potência armada - as polícias - um marco simbólico de sua existência e tem buscado afirmar-se como entidade soberana e invencível. Dada a sua capacidade bélica, permitiu-se afrontar a ordem, promovendo combates que só encontramos semelhantes em países que vivenciam situação revolucionária ou insurrecional (DUARTE, 2012, p. 11).
Na leitura do coronel, além do viés empresarial atrelado ao tráfico varejista, a referida facção conseguiu construir uma base identitária que prima pelo enfrentamento direto às polícias, uma vez que ele desafia a soberania estatal de maneira mais explícita do que qualquer outro grupo armado. A encarnação do CV como o principal inimigo a ser confrontado pelas forças policiais parte, em princípio, da identificação do grupo como a principal e mais agressiva facção varejista operante na cidade nas últimas décadas. Trata-se de uma tendência que vai muito além do período compreendido pelos mapas mostrados em conjunto.
Em outros (poucos) trabalhos acadêmicos, é possível perceber também alguns elementos dessa particularidade. Anteriormente, defendi que um dos principais impactos do projeto da pacificação, mesmo que de maneira indireta, dizia respeito ao enfraquecimento do CV e um possível fortalecimento dos grupos de milícia em médio/longo prazos, uma vez que mais de 70% das favelas ocupadas pela polícia entre 2008 e 2014 eram territórios da referida facção na capital fluminense (RODRIGUES, 2013, 2014).
Mais recentemente, em entrevista concedida a Fachin (05/09/2019), o sociólogo José Cláudio Alves argumenta que o crescimento das milícias no período pós-pacificação vem ocorrendo majoritariamente sobre os territórios “vermelhos” em diferentes frentes da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ). Na capital, o crescimento mais intenso se dá em alguns pontos da Zona Oeste, como nos últimos redutos do CV em bairros como Jacarepaguá e na Praça Seca. O autor ainda aponta novas formas de atuação e articulação das milícias com o TCP, que favorecem mecanismos de domínio e exploração territoriais tradicionalmente ligados aos paramilitares (CANO e LOOT, 2008; CANO e DUARTE, 2012) em conjunto com o comércio varejista de drogas ilícitas.
As chamadas “narcomilícias”, de acordo com recente relatório elaborado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, já estão articuladas em mais de 180 favelas espalhadas por toda a RMRJ (WERNECK e SOUZA, 2019). Se antes o discurso moralizador dos paramilitares agia no sentido de se opor à venda de drogas ilícitas, a articulação apontada pelo relatório é um novo elemento que complexifica ainda mais a geopolítica dos ilegalismos em curso na metrópole carioca.
Nesse sentido, uma análise da lógica espacial dos tiroteios envolvendo a polícia - bem como da própria letalidade decorrente de tal fenômeno - revela distintas performances levadas a cabo por essas forças de segurança quanto às suas formas de operar em favelas e territórios periféricos. Não me parece possível, em termos analíticos, compreender tais nuances se partirmos do pressuposto de que vivemos uma “guerra” ou mesmo uma “necropolítica” voltada para a produção homogênea de “mundos de morte” em territórios comuns declarados igualmente como “inimigos”. Isso não quer dizer, em hipótese alguma, que não exista um problema político central no racismo ligado aos assassinatos cometidos por policiais, que têm como alvo majoritário a juventude negra, pobre e favelada.
Entretanto, gostaria de apontar outra questão que procura iluminar uma dimensão que me parece ainda pouco explorada no debate: diante do quadro de altíssima letalidade policial direcionada aos negros, pobres e favelados, será que esses mesmos sujeitos, do ponto de vista geopolítico sugerido, podem ser tomados como igualmente “matáveis” ou será que alguns negros, pobres e favelados acabam sendo mais vitimados pela polícia que outros? Ou ainda: se a lógica dos arregos é um elemento fundamental na compreensão de tal dinâmica, seria possível então compreender analiticamente nossos conflitos urbanos armados nos mesmos moldes do que acontece em outros conflitos pelo mundo?
Retomando Misse (2010), uma leitura que considere tais nuances como sintoma da falência ou mesmo da ausência do Estado talvez repouse, em certo sentido, na dificuldade teórica em perceber tais trocas e negociações ilícitas muito mais como parte constituinte dos processos de construção da sua soberania do que o contrário. Quando o controle diferencial do território é pensado no recorte específico das favelas cariocas, esta parece ser uma chave importante para compreender alguns sentidos que a morte adquire como linguagem na negociação de diferentes mercadorias políticas. Perceber, assim, que a morte não é um elemento indutor de um único sentido talvez abra caminho para pensar os possíveis limites analíticos que a noção de “necropolítica” pode nos oferecer, para além da legitimidade que o seu uso político possa ter.
Conclusão: a ‘necropolítica’ como categoria política ou analítica?
Dentro dos limites do presente artigo, sugeri um pequeno exercício crítico acerca do uso da noção de “necropolítica” quando pensada na chave da letalidade violenta. A partir da análise do caso Eduardo e da lógica espacial dos tiroteios e da violência letal praticada pela polícia no Rio de Janeiro, o argumento central do texto versou sobre a impossibilidade de universalização dos significados da morte como política. No tocante à lógica dos arregos, o artigo procurou mostrar como a morte pode assumir significados bastante particulares dentro dos agenciamentos que medeiam diferentes relações estabelecidas entre varejistas de drogas, milicianos e agentes estatais.
Diante disso, duas questões correlatas - uma de ordem analítica e outra de ordem política - merecem ser apontadas para reflexão, embora não possam ser mais desenvolvidas nos limites deste trabalho. Em primeiro lugar, como procurei deixar claro desde o início, a crítica sugerida se endereça muito mais aos usos de “necropolítica” que à noção em si. Justamente por se tratar de uma noção e não de um conceito ou uma teoria, Mbembe abre um cardápio de inúmeras possibilidades para seu uso. Todavia, uma possível consequência desse fato parece ser, por um lado, a transformação do uso em certo abuso da “necropolítica” como lente para a leitura de uma gama cada vez maior de fenômenos. Por outro, esse mesmo movimento pode levar à perda do seu potencial heurístico, dado que o alargamento do seu horizonte explicativo corre o risco de torná-lo, por isso mesmo, demasiadamente estéril. Dito de maneira mais precisa, acredito que os abusos do termo podem levá-lo a tornar-se uma categoria autoexplicativa, ou seja, que é capaz de supostamente explicar tudo e tudo de maneira muito clara e incontestável, quase como uma teoria ou conceito criado para dar conta de fenômenos que são óbvios de antemão.
Grosso modo, a produção do conhecimento científico sempre viveu de diferentes ondas nas dimensões do espaço e do tempo. Certos autores e escolas passaram a ganhar maior importância em determinados lugares e épocas, enquanto outros foram jogados para segundo plano ou mesmo relegados ao ostracismo. Quero dizer, em outras palavras, que o ganho ou a perda de popularidade de alguns autores é um movimento inevitável em qualquer campo do conhecimento. Na maioria das vezes, tal transformação parece independer da própria agência de quem escreve, uma vez que a recepção mais ou menos calorosa das obras está ligada a conjunturas locais bastante específicas, que articulam dimensões para além do interesse puramente acadêmico sobre o autor.
Por outro lado, uma dessas dimensões se desdobra como fundamentalmente política quando pensamos no problema da letalidade violenta em nosso país. Autores como Machado da Silva (2008) e Misse (2016) trazem algumas ferramentas que reforçam a necessidade de pensarmos modelos analíticos próprios às nossas sociedades periféricas para descrever práticas de violência em países como o Brasil. As reflexões inscritas em Mbembe (2018a, 2018b) seguem esse mesmo movimento de suma importância, uma vez que o autor pensa a violência e a morte em “situações (pós)coloniais”, tendo como um dos principais referenciais o continente africano. Isto é um esforço valioso que não pode ser desconsiderado, pois ele nos ajuda a pensar diferentes questões ligadas à violência em uma realidade como a brasileira. Mas ela também não dá conta de tudo. Quando sugiro, então, uma crítica aos usos da noção de “necropolítica”, penso que o nosso desafio maior é conseguir estabelecer um movimento dialético, nos termos definidos por Geertz (1997), entre as experiências “próxima” e “distante” da necropolítica. É preciso, com efeito, considerar o valor político fundamental que a categoria vem assumindo, em especial junto a diferentes movimentos sociais de favela, no debate público sobre a violência policial, mas sem perder de vista o “emaranhado vernacular” (Idem, ibid., p. 88) que emerge daí.
Da mesma forma, é fundamental também saber teorizar analiticamente a partir dessas experiências “próximas”, percebendo as diferenças que conformam a realidade brasileira, uma vez que a morte, sobretudo a morte da juventude negra, pobre e favelada, não é de forma alguma uma mera abstração no campo das ideias e teorias por aqui. É importante reforçar que as nuances percebidas nas ações letais da polícia de acordo com as lógicas do arrego - e que promovem, portanto, uma diferenciação no espaço quanto à intensidade das ações policiais letais - não mudam o fato de as favelas serem o local onde o exercício do “necropoder” é mais claramente percebido, quando comparado a outros territórios da metrópole carioca onde a morte não é parte constituinte do cotidiano.
Para pensarmos em termos contrastivos, o desafio colocado talvez encontre semelhança com os inúmeros debates e polêmicas quanto aos usos da categoria “violência institucional” na Argentina (PEARLMAN e TRUFÓ, 2016; PITA, 2017; TISCORNIA, 2017). Oriunda inicialmente da militância ligada aos direitos humanos nos anos 1980, a “violência institucional” ganhou também enorme reverberação no universo acadêmico como categoria que abarcava diferentes formas de violência direta e indireta ligadas ao Estado.
Na leitura de Pita (2017), o consenso construído em torno dos seus usos deriva do fato de ela se constituir como categoria capaz de mesclar elementos de uma experiência simultaneamente “próxima” e “distante” (GEERTZ, 1997 p. 87). Em outras palavras, a categoria “violência institucional” foi sendo construída através da articulação de um conhecimento “próximo” de origem popular com um conhecimento “distante” oriundo da academia, fazendo dela uma espécie de talismã capaz de fornecer “visibilidade e respeitabilidade às demandas por justiça” naquele país (PITA, 2017, p. 52).
Todavia, do lado de cá da fronteira, um movimento semelhante no tocante à construção da categoria “necropolítica” me parece um processo ainda em aberto, para o qual este pequeno artigo objetiva trazer uma pequena contribuição crítica. Como afirma Rosa (2014), um dos grandes desafios das pesquisas inscritas no horizonte epistêmico do Sul diz respeito à necessidade de trazer os processos sociais vividos fora do Norte para o centro da teoria social de forma qualificada, simétrica e não apenas como contra exemplos ou mesmo derivações de uma “grande marcha para o Ocidente” (Idem, ibid., p. 63). O desafio das reflexões sobre a violência, nesse sentido, não foge a esse problema.
Da mesma forma, chamo a atenção, por fim, para outra questão implícita na crítica sugerida pelo trabalho: a necessidade política e analítica de pensarmos o Sul para além de um olhar global e generalizante. Quero dizer com isso que é necessário construir esse olhar a partir de uma perspectiva escalar capaz de vislumbrar também a existência de diferentes “suis” - no plural - dentro desse mesmo recorte epistêmico. Em suma, penso que é necessário perceber e compreender, mesmo sob uma perspectiva pós-colonial, a diferença - objetivo este que é lapidar no horizonte da nossa própria imaginação antropológica.
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G1. “Homem morre durante protesto por morte de jovem no Centro do Rio: Anderson jogou pedra em ônibus e estilhaços romperam sua veia femoral. Vídeo mostra PMs alterando a cena da morte de menor na Providência.”. G1, Rio de Janeiro, 30 set. 2015a. Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2015/09/homem-morre-durante-protesto-por-morte-de-jovem-no-centro-do-rio.html
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Notas
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1
Levantamento realizado em 31 de julho 2019.
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2
Para 2019, somente os sete primeiros meses do ano entraram no levantamento em ambas as bases. Isto leva a crer que o percentual de publicações com referência à obra de Mbembe (2018a) deverá ser ainda maior até o final do ano em questão.
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3
Agradeço aos pareceristas anônimos deste artigo pelas sugestões e contribuições feitas ao trabalho. Agradeço também à professora Dra. Lucía Eilbaum, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal Fluminense (UFF) pela leitura crítica e sugestões que foram fundamentais para a redação final do texto. É importante reforçar, todavia, que todas as análises contidas no artigo são de inteira responsabilidade do autor.
-
4
O Morro da Providência foi o local onde realizei meu campo para a pesquisa de mestrado em Geografia, entre os anos de 2011 e 2013. De lá pra cá, continuei a ir permanente no morro pela minha atividade enquanto professor/coordenador de um pré-vestibular popular local, onde lecionei entre os anos de 2009 e 2017. Para maiores detalhes sobre minha inserção no campo e a pesquisa, ver Rodrigues (2013).
-
5
Eilbaum e Medeiros (2015, p. 412) explicam que um dos desdobramentos de outro “caso de repercussão”, o assassinato do “menino Juan”, foi a mudança na instrução dos registros de mortes causadas por policiais. A chefia de polícia, seguindo uma recomendação prévia da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, emitiu uma portaria, em janeiro de 2013, que mudou o registro dos até então chamados “autos de resistência” para “morte por intervenção de agente do Estado”. Ao longo do texto, será privilegiado o uso da nomenclatura atual salvo em alguns casos pela referência a fontes ou obras que ainda utilizam o nome antigo.
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6
Descrição realizada com base em conversas informais com moradores e da análise feita por peritos do laudo cadavérico de Eduardo divulgado por Serra (01/10/2015).
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7
O vídeo pode ser visto na íntegra em: https://www.youtube.com/watch?v=icKME_qis28
-
8
Dados obtidos por meio de conversas informais com moradores do local.
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9
Faço analogia aqui ao “derrame”, categoria nativa descrita por Pires (2011, p. 34). O autor explica que o derrame acontece quando os vigilantes dos trens metropolitanos do Rio de Janeiro apreendem mercadorias dos camelôs. Segundo os ambulantes, o derrame “é do jogo”, ou seja, faz parte dos riscos ligados à atividade ilegal de venda de mercadorias nos trens. Na visão dos meus interlocutores, a morte também “é do jogo” para todos aqueles que, de alguma forma, participam das dinâmicas ligadas ao comércio varejista de drogas ilícitas em favelas.
-
10
A decisão do juiz, na íntegra, pode ser acessada em: https://www.conjur.com.br/dl/juiz-rio-absolve-pms-filmados-atirando.pdf
-
11
De acordo com o 12º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP, 2018), das 63.895 mortes violentas intencionais cometidas em 2017, 5.159 foram cometidas por policiais no país. Para o Rio de Janeiro, das 6.749 mortes violentas intencionais registradas, 1.127 foram cometidas pela polícia.
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12
De acordo com dados trabalhados pela autora (EILBAUM, 2019), no Rio de Janeiro 9 em cada 10 mortes ocasionadas pela polícia em 2019 foram de pessoas negras, enquanto 75,5% dos homicídios praticados no Brasil vitimaram esse mesmo segmento da população.
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13
Tradução do autor.
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14
As lógicas do arrego ocorrem também em acordo com certas tradições culturais e judiciárias que norteiam não só o sistema jurídico brasileiro, como também a própria noção de segurança pública em nosso país. Para Kant de Lima (2003), o espaço público no Brasil é o espaço de ação particularizada pelo Estado, onde as informações, regras e normas não são claras, sendo necessária a existência de “intérpretes” que explicitem o seu funcionamento para os indivíduos. Como partes constituintes do “sistema-Estado” (ABRAMS, 2006), o sistema de justiça de modo geral e a polícia de maneira particular acabam por assumir tal função, o que imprime certa ambiguidade ao modelo de controle social em questão. Grosso modo, a interpretação correta das regras que serão aplicadas para determinar o “acerto” ou “erro” dos atos públicos nunca é tão clara. Tal particularização, neste sentido, ajuda a compor um quadro emoldurado por relações pessoalizadas e imprevisíveis que pavimentam caminho para a operação de tais mercados.
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15
O GAT é o grupamento responsável pelas ações táticas geralmente realizadas em favelas na jurisdição de um dado batalhão. É um grupamento voltado basicamente para funções repressivas e de enfrentamento beligerante. Como explica Ramos (2017), os policiais que compõem o GAT possuem um perfil mais direcionado para o combate, muitas vezes sendo policiais homens egressos das Forças Armadas como o Exército, a Marinha ou a Aeronáutica.
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16
Sobre a construção social da escala, ver o capítulo oito de Souza (2013) e, principalmente, a extensa revisão bibliográfica contida na tese de Grandhi (2014).
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17
Retomando Albernaz (2018), enquanto a “polícia de dentro” deve ser compreendida como a polícia dos “pactos locais”, a “polícia de fora” está ligada a outra lógica, mais próxima da “produtividade policial”, ou seja, da produção de estatísticas de apreensões de drogas e armas, prisões e até mesmo mortes dentro do “plano de metas” de um dado batalhão. A lógica da “produtividade”, neste sentido, tende a causar muito mais confrontos armados do que a lógica dos “pactos”.
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18
Era prática comum a mudança periódica dos quadros entre as unidades que compunham o programa das UPPs. O objetivo da iniciativa, como me esclareceu um oficial ligado ao comando da unidade Providência, era evitar principalmente o estabelecimento de vínculos promíscuos entre os policiais e os varejistas. O próprio comandante da UPP na época do meu campo (2011-2013) foi, posteriormente, transferido para a unidade “Fazendinha” que compõe o “Complexo do Alemão” — conjunto de favelas localizado no setor geográfico “Norte” da cidade do Rio de Janeiro.
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19
Na Figura 2, as manchas classificadas com uma frequência “muito alta” foram aquelas onde a concentração de pontos foi superior a 35. Tomei este número como referência uma vez que do dia 1º de janeiro até 31 de agosto de 2019 tivemos 35 semanas. Isto significa, em outras palavras, que as áreas com frequência “muito alta” foram aquelas onde, em média, houve pelo menos um confronto armado por semana envolvendo policiais. Já as áreas classificadas com um “alto” índice de confronto foram aquelas que tiveram, em média, ocorrência de tiroteios envolvendo policiais minimamente a cada duas semanas. Na outra ponta do espectro cromático, as áreas com frequência “muito baixa” tiveram no máximo um confronto envolvendo a polícia nas 35 semanas consideradas, enquanto as de frequência “baixa” registraram em média um confronto a cada oito semanas, ou seja, dois meses.
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20
De acordo com dados do Censo de 2010 do IBGE (CAVALIERI e VIAL, 2012, p. 8), do total da população favelada residente na cidade do Rio de Janeiro, 45% moram na zona norte, enquanto 35% moram na zona oeste da cidade.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
05 Fev 2021 -
Data do Fascículo
Jan-Apr 2021
Histórico
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Recebido
04 Nov 2019 -
Aceito
13 Jul 2020