Resumos
Neste artigo, indicamos a inadequação do conceito de xenofobia para explicar a violência contra estrangeiros na África do Sul. Com as noções de “fetichização das origens” e “vandalismo”, alguns analistas sul-africanos caracterizaram violações aos direitos de imigrantes como distúrbios psiquiátricos e barbarismo, antigos clichês sobre a África. Mediante a etnografia dos Tshwane Riots (2016), indicamos que os saques de comerciantes Pakistani ocorreram conforme “leis” locais. Interpretamos esses ataques como estratégia política e sinal da existência de disputas soberanas entre o Congresso Nacional Africano (CNA) e setores orgânicos de seu eleitorado.
Palavras-chave: xenofobia; pluralismo jurídico; soberania; cidadania; África do Sul
In Xenophobia? Moral Economy, Ethical-Moral Rights, and Citizenship Dilemmas in South Africa, we argue the inadequacy of xenophobia to account for violence against foreigners in South Africa. With the notions of fetishising of origins and vandalism, scholars cast violations against the rights of immigrants as psychiatric disturbs and barbarism, clichés about Africa. Via the ethnography of the Tshwane Riots (2016), we show that the ransacking of Pakistani businesses in an informal settlement in Pretoria followed local laws. We interpret these attacks as a political strategy and a sovereign dispute between the African National Congress (ANC) and its organic constituency.
Keywords: xenophobia; legal pluralism; sovereignty; citizenship; South Africa
Uma antropologia jurídica crítica é fundacional para o trabalho teórico necessário para dar sentido ao século XXI (COMAROFF e COMAROFF, 2009, p. 55).
Introdução
Neste artigo, questionamos a validade analítica da noção de xenofobia como núcleo explicativo da violência contra estrangeiros na África do Sul. Há duas décadas, tem-se repetido ataques contra imigrantes radicados no país, a exemplo de somalis, paquistaneses e nigerianos. Embora a violência iterada indique a existência de animosidade entre sul-africanos e adventícios, o recurso à xenofobia e correlatos - como “pânico moral de estranhos” e “fetichização das origens” (COMAROFF e COMAROFF, 2009), prejudica a compreensão de aspectos significativos do fenômeno.
Nossa alternativa a esse léxico psiquiátrico tem duas vertentes. Em primeiro lugar, correlacionamos a violência contra estrangeiros na África do Sul a duas noções indicadas no título: “direitos ético-morais” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011, 2022b) e “economia moral” (THOMPSON, 1993). Em ambos os casos está em jogo a normatividade não estatal, cujas violações são passíveis de sanção - o selo distintivo do fenômeno normativo em Mauss (2002[1926], 1997) e Benda-Beckmann (2002, 2006).
Em segundo lugar, chamamos a atenção para o seguinte: não raramente, a dinâmica de ataques a estrangeiros na África do Sul desencadeou-se após episódios de dissenso entre cidadãos de baixa renda e o partido majoritário - o Congresso Nacional Africano (CNA). Os três casos para os quais temos informação etnográfica relevante não podem ser compreendidos, e não o são por nossos interlocutores, sem o exame de fissões entre segmentos da população e agentes políticos ou estatais.
A noção de “política plebeia” (FERGUSON, 2019)1 capta bem a agência de gente pobre, ao pender, ocasionalmente a seu favor, a balança de poder com as autoridades. Em todo o caso, o uso estratégico da violência contra estrangeiros não basta como princípio explicativo. O mal-estar entre sul-africanos e imigrantes não prescinde do exame de padrões insultantes de relações sociais, os quais apresentamos como violações a normas “econômicas” e “ético-morais” com validade em territórios de escassez de trabalhos e outros recursos (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011; 2022b; SHARP, 2008; THOMPSON, 1993).
No restante desta introdução, articularemos, em contraposição à xenofobia, razões normativas e políticas, procurando ressaltar, nos termos da epígrafe, o valor fundacional da antropologia jurídica. Começamos por um breve, imperfeito e não linear histórico da violência contra estrangeiros na África do Sul.
Entre 21 e 22 de junho de 2016, ocorreram os Tshwane Riots2. Então radicado em uma ocupação urbana (informal settlement) de Pretória, Lage da Cruz observou o desenrolar dos protestos, os quais envolveram saques de armazéns de imigrantes paquistaneses. Decorridos quase quatro meses de seu segundo período de campo, Lage da Cruz já experimentara pessoalmente o incômodo local em relação a esses estrangeiros: sua pele marrom escura e sua barba dispõem muitos sul-africanos a tomarem-no por paquistanês ou indiano3.
Os Tshwane Riots foram desencadeados por uma decisão eleitoral do CNA. Cerca de dois meses antes do pleito municipal de agosto de 2016, o partido majoritário no país indicou Thoko Didiza como candidata em Pretória. A escolha de pessoa proveniente de outra província (Kwa-Zulu-Natal), em detrimento do então prefeito da capital administrativa (província de Gauteng), descontentou segmentos partidários locais. Estes arregimentaram cidadãos de baixa renda para o saque do comércio estrangeiro. Houve também destruição de equipamentos públicos e cinco mortes.
Apesar da insurgência de seus extratos orgânicos, a cúpula do CNA manteve sua candidata em Pretória. Cerca de 50 dias após os Tshwane Riots, o CNA foi derrotado, e o candidato pelo principal partido de oposição no país, a Aliança Democrática, conquistou a administração da cidade. No distrito eleitoral onde Lage da Cruz acompanhou os protestos, o partido do ex-presidente Mandela perdeu, em comparação ao pleito de 2011, cerca de 20% dos votos (DUFOUR e CALLAND, 2016).
A primeira derrota na capital administrativa foi descrita como o pior resultado eleitoral do CNA desde a ascensão ao poder, em 1994 (BBC, 06/08/2016). Não foi, contudo, a primeira vez em que parte dos sul-africanos recorreu à violência contra imigrantes em decorrência da fissão política. Os conflitos de 2008, em uma township de Joanesburgo, também tiveram origem em disputas internas do CNA (HICKEL, 2014). Ao fim desses episódios, os quais se estenderam pelas províncias de KwaZulu-Natal e Western-Cape, foram registrados mais de 70 mortos e 100 mil deslocados internos.
Em setembro de 2019, houve saque do comércio de nigerianos em Joanesburgo e Pretória, além da morte de dez pessoas. Em razão disso, centenas de nacionais da Nigéria optaram por deixar a África do Sul. A onda de violência foi desencadeada pelo assassinato de um taxista sul-africano, o qual, segundo testemunhas, tentou impedir que jovens estudantes comprassem entorpecentes de um nigeriano (MLEMWA, 2019). Segundo um dos principais interlocutores de Lage da Cruz, a percepção de que a polícia estaria acobertando o comércio ilícito agravou a disposição dos envolvidos no episódio.
Não negamos nem diminuímos a gravidade da violência e da antipatia de que padece parte dos estrangeiros vivendo no país. Como Hickel (2014) e Steinberg (2018), procuramos, contudo, razões locais não captadas por xenofobia, pânico moral e fetichização das origens. Chamamos a atenção para as seguintes definições desses termos: “fobia” é o “medo anormalmente intenso e irracional diante de situação, organismo ou objeto determinados (Psiquiatria)”4 ; “pânico” é o “medo repentino e avassalador que produz comportamento histérico”5; e, finalmente, “fetichismo” é a “consideração ou a adesão excessivas”6.
Outros analistas da violência a estrangeiros na África do Sul lançam mão de termos como “caos” e “vandalismo”: “quando a violência coletiva ocorre em assentamentos localizados, é possível que, em meio ao caos e ao alvoroço, o comércio de sul-africanos possa ser apanhado no saque e no vandalismo” (CRUSH et al., 2017, p.33). Sobre “caos” compreende-se a “completa desordem, confusão absoluta7”. “Vandalismo” participa do campo semântico da barbárie. São sinônimos de vândalo: “bárbaro, selvagem, membro de povo incivilizado8”. Esse léxico também comunica antigos clichês sobre a África e os africanos negros ou Africans (ASHFORTH, 1990; FABIAN, 2000; FANON, 2002[1961]; HICKEL, 2014).
Como alternativa à semântica patológica e incivil, propomos as noções de “economia moral” e “direitos ético-morais” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011, 2022b; THOMPSON, 1993). Convém notar o seguinte: ambas as categorias indicam a existência de sistemas normativos não estatais e não positiváveis, mas jurídicos, em sentido plural (BENDA-BECKMANN, 2002, 2006). A respeito de pluralismo jurídico, também recorremos às intuições pioneiras de Marcel Mauss (DUPRET, 2005).
Afirmar a diversidade e a sobreposição de ordens jurídicas implica desfazer o chamado “Estado-centrismo epistemológico” (BENDA-BECKMANN et al., 2009) e afirmar que direito ou lei compreendem mais que produção normativa e administração estatais de conflitos9. Como revelam autores em diferentes contextos etnográficos, as atividades de legislar, julgar e punir têm-se estendido desde instituições nacionais e transnacionais até comunidades étnicas e residenciais (BUUR e JENSEN, 2004; ECKERT, 2006; HANSEN e STEPUTTAT, 2005).
Economia moral expressa a existência de “normas e obrigações sociais” (THOMPSON, 1993) condicionando a circulação de riqueza em espaços de escassez. Esse conceito indica que, em alguns contextos, o direito liberal de propriedade - reproduzir-se ao máximo ganho - não vigora sem restrições, na medida em que se submete a regras comunitárias sobre o exercício socialmente legítimo do comércio. Tal perspectiva sobre o processo econômico fundamenta-se em uma moralidade que não apartou os direitos individuais das noções de “humanidade natural” e “reciprocidade” (THOMPSON, 1993).
Direitos ético-morais revelam que a dimensão normativa da cidadania, em sociedades modernas ou contemporâneas, não se encerra com os “direitos legais”, ou positivos, os quais têm por fundamento a “ficção liberal” de sujeito socialmente desobrigado (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011). Além, ou mesmo contra as franquias baseadas no indivíduo como entidade autossuficiente, grupos sociais frequentemente demandam o reconhecimento obrigatório do valor de suas formas de vida e identidade. A desconsideração desses direitos-deveres é vivida como “insulto moral”, o que Thévenot (2022), em comentário a Cardoso de Oliveira (2022b), tratou como a “emoção primária da indignação”.
Códigos de ação e comunicação nas trocas quotidianas, direitos ético-morais têm uma “dimensão simbólica”, isto é, condicionam a formação do “elo social” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2010). Em razão disso, é preciso que grupos, conquanto distintos, se engajem minimamente em práticas e valores comuns, sob pena de alienarem-se (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011). Alienação, infelizmente, foi há muito diagnosticada entre sul-africanos negros e imigrantes do subcontinente indiano, parte dos quais se mantêm alheios às redes de sociabilidade e sobrevivência entre vizinhos Africans (KIRK, 1983; HANSEN, 2012).
Como tem proposto James Ferguson (2015), estratégias de sobrevivência pela partilha (sharing) de recursos têm, na África austral, valor obrigatório. Tal como as formas de vida a que Cardoso de Oliveira (2022b) chama direitos ético-morais, diversas demandas distributivas entre sul-africanos radicam-se em “princípio mais moral que legal” (FERGUSON, 2015)10. Morais, ou legais em sentido plural, demandas de partilha e relações sociais pela mutualidade são efetivamente passíveis de coerção pela violência (FERGUSON, 2015).
Críticos da noção de xenofobia na África do Sul argumentam que as práticas comerciais de parte dos comerciantes estrangeiros, bem como sua indiferença às mutualidades da vida entre os pobres, “ofendem” (STEINBERG, 2018) uma gente cujo modelo de socialidade e sobrevivência se radica em redes de assistência entre vizinhos e parentes. Em geral desacompanhados de suas famílias e proprietários de capital maior que os sul-africanos (CRUSH et al., 2017), muitos desses comerciantes estrangeiros adotam estratégias agressivas de acumulação em mercados que não se orientam exclusivamente para o máximo ganho.
Interlocutores de Hickel (2014, p. 122) envolvidos na violência a imigrantes em 2007 disseram-lhe o seguinte: “nós os expulsamos porque eles são diferentes. Eles são diferentes porque fazem o seu dinheiro do jeito errado11. Mas nem todos eles”.
Modelos analíticos centrados em fobia e fetichismo, caos e vandalismo, não explicam a distinção entre práticas comerciais legítimas ou ilegítimas, sociais ou antissociais. Não captam, tampouco, o fato de que essa violação a padrões locais de circulação econômica ofende as “intuições” e os “sentimentos morais dos atores” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2020). Perde-se de vista, consequentemente, o aspecto expressivo mais amplo da violência, isto é, a diversidade de motivos culturais, políticos e instrumentais do fenômeno (CARROL, 2007; HICKEL, 2014; SINGER, 1989).
Lançar-se ao exame de discursos e cenas de agressão ao corpo ou à propriedade de estrangeiros é perturbador. Acreditamos, porém, que só a franca etnografia dos ataques e mal-estar difuso entre Africans e os chamados Pakistani permite encontrar explicações diversas da estereotipia de irracionalidade e barbarismo na África. Nas próximas seções, apresentaremos nossa versão etnográfica sobre o assunto.
Por fim, vale um comentário sobre a epígrafe deste artigo. Em Reflexões sobre a antropologia do direito, da governança e da soberania, Jean e John Comaroff (2009) rediscutem o pressuposto de Gluckmann sobre a antropologia do direito como “raiz de toda Antropologia”. Ao reinterpretarem a centralidade do fenômeno normativo para a teoria social, os autores reconhecem-se tributários do pluralismo jurídico, noção mediante a qual analisam dois fenômenos que lhes parecem centrais no século XXI: a obsessão, na vida cotidiana, com o par “lei-ordem”; e o exercício, conflitivo, do “poder soberano” de executar “leis” e criar “ordem”.
No mundo “pós-weberiano e pós-foucaultiano” (COMAROFF e COMAROFF, 2009), o controle punitivo sobre vida, morte e condições de existência é exercido por diferentes instituições e agentes. Na medida em que a pena ou sanção se torna o objeto da disputa entre grupos diversos, convém empreender um debate sobre “soberanias”, em sua complexidade moral, legal e política. No caso da África do Sul, o próprio presidente solicitou recentemente aos cidadãos que não agissem como executores da lei12, sinal de que a democracia liberal e suas instituições restam mesmo em aberto no país (HICKEL, 2015).
No que diz respeito mais diretamente à violência xenofóbica (sic), nossa atenção recairá em normas ético-morais, as quais contrariam os direitos legais de imigrantes instalados na África do Sul. Acreditamos que o foco nesse “dilema de cidadania” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011), faz jus ao “valor fundacional da antropologia jurídica” e à problemática da “infusão de uma cultura da legalidade na vida quotidiana” (COMAROFF e COMAROFF, 2009, p. 33). Afinal, na intuição de que é preciso procurar o “direito um pouco por toda parte” (MAUSS, 2002) se entrecruzam a tradição de antropologia social rediscutida por Jean e John Comaroff e a sociologia jurídica e moral maussiana13.
Nota sobre metodologia e trabalho de campo
A relação etnográfica entre Lage da Cruz - também referido na primeira pessoa nos relatos que se seguem - e seus interlocutores foi construída ao longo de três períodos de campo.
Em julho de 2015, permaneci instalado em uma ocupação urbana em Pretória: aluguei um quarto em uma casa de tijolos e contratei, como assistente de pesquisa, a sobrinha materna de minha anfitriã. Tanto a assistente, uma jovem de 30 anos, quanto sua tia, uma senhora de 58 anos, introduziram-me nas redes de sociabilidade e assistência entre vizinhos. Esse processo foi facilitado pelo fato de que a casa onde eu estava já se constituía como ponto de reunião dos moradores da ruela, entre outras razões, pela disponibilidade de televisão e generosa fogueira de inverno.
Entre março e meados de julho de 2016, estive com as mesmas anfitriã e assistente. Nesse período, foram conduzidas 23 entrevistas: 17 semiestruturadas e seis histórias de vida. Discuti com Cardoso de Oliveira as questões de referência das entrevistas, as quais compreendiam: lembranças do apartheid; condições de vida na ocupação urbana; percepções sobre o processo de efetivação dos direitos de cidadania e concepções locais de liberdade (LAGE DA CRUZ, 2017).
Entre julho de 2016 e outubro de 2019, permaneci no Brasil, mas mantive contato e assistência frequentes com a minha assistente de pesquisa e um dos interlocutores com quem observei os Tshwane Riots (2016).
O terceiro período de campo presencial teve lugar entre outubro de 2019 e maio de 2020. Então alternei entre Pretória e a terra natal de minha assistente, uma pequena cidade a 90 km da capital administrativa. No amplo quintal da residência em que me hospedei, funcionava o armazém de um comerciante estrangeiro, autodeclarado etíope, mas socialmente referido como Pakistani. Na quarta seção deste artigo, há dados sobre a atividade comercial desse homem e sobre suas relações com vizinhos e familiares de minha anfitriã.
Os ‘Tshwane Riots’: ‘leis’, subsistência e soberania popular
Nesta seção são apresentados os protestos e saques do comércio Pakistani, observados por Lage da Cruz entre 21 e 22 de junho de 2016, em uma ocupação informal de Pretória. Os chamados Tshwane Riots foram desencadeados por uma decisão de cúpula do CNA, que impôs Thoko Didiza como candidata às eleições em Pretória, o que desagradou as bases locais do partido.
A presente narrativa tem por fio condutor um trio de leis que foram comunicadas a Lage da Cruz pelos interlocutores com quem observou os episódios. Como indicado, entendemos “lei” mediante o conceito de pluralismo jurídico (BENDA-BECKMANN, 2002, 2006). Não se trata de metáfora alguma, mas, sim, de uma categoria que assevera a existência de normas não estatais, mas com validade local e imperativas, isto é, passíveis de execução pela força (BENDA-BECKMANN, 2002; MAUSS, 2002).
Convém notar que leis restringem a autonomia dos sujeitos, de modo que a pluralidade de ações possíveis no mundo se reduza, tanto quanto possível, aos cursos devidos da ação social. Leis também se manifestam como princípios, regras gerais ou específicas, que atribuem relevância àquilo que regulam: circunstâncias, relações sociais, comportamentos etc. Em termos práticos, definir esses elementos do mundo como categorias relevantes implica tratá-los em termos de permissibilidade, estabelecendo sanções para os casos de violação (BENDA-BECKMANN, 2002; MAUSS, 2002).
A dinâmica de participação nos saques e circulação de mercadorias envolve gente comum, a qual não está movida por ódio xenofóbico, mas, sim, pragmaticamente interessada na obtenção de produtos para a subsistência. A assistente de pesquisa de Lage da Cruz, bem como a melhor amiga dela, por exemplo, tinham pouca ou nenhuma renda. Podiam, eventualmente, reclamar de que comerciantes Pakistanis evitam contratar sul-africanos. Seja como for, jamais demonstraram “pânico moral” (COMAROFF e COMAROFF, 2005) em relação aos vizinhos moçambicanos, os quais não foram atacados durante os Tshwane Riots.
A primeira lei comunicada em 21 de junho de 2016 a Lage da Cruz - novamente referido na primeira pessoa nos relatos que se seguem - consiste em que o interesse coletivo atribuído aos protestos prevalece sobre os interesses individuais.
Na manhã daquele dia, eu e um interlocutor caminhamos em direção ao ponto das vans que fazem a ligação entre town (cidade) e township. Em uma ruela, encontramos três vizinhos observando um protesto ao longe. Houve alguma conversa em língua franca, os vizinhos sorriram ironicamente, e seguimos nosso caminho. Na área asfaltada, vimos, a distância segura, que manifestantes queimavam pneus no entroncamento das vias principais, quase em frente ao ponto de partida das vans. A polícia, igualmente a distância confortável, apenas observava. Perguntei a meu companheiro se poderíamos nos aproximar: “Não, se chegarmos mais perto, eles podem forçar-nos a protestar também. Pode ser que nos perguntem: por que não estão lutando? Eletricidade é para todos”.
Ainda não sabíamos a causa dos protestos. Naqueles dias se especulava que poderia ocorrer uma manifestação por melhor fornecimento de energia. Mal havia uma hora de eletricidade diária, e o descontentamento geral fazia-se sentir. Fosse qual fosse a razão do protesto, tornou-se imperioso retornar à casa de minha anfitriã. O transporte fora interrompido: vans e passageiros deixavam o ponto de partida e sumiam no interior da ocupação urbana. Muitas pessoas não conseguiram chegar ao trabalho; outras não retornaram a suas casas naquele dia.
Os autores interpretam a regra segundo a qual o protesto, por expressar uma causa comum, constitui dever potencial de todos ao redor como índice da existência de um “princípio” (BENDA-BECKMANN, 2002) de sobreposição do interesse coletivo a inclinações individuais. É possível, a propósito, que essa diretriz normativa ressoe na longa história insurrecional da África do Sul. Lodge (2011, pp. 93-4) tem o seguinte registro na campanha antipasse de 1951, na township de Sharpville:
Nós imploramos a vocês, nosso povo, amanhã precisamos ser um só. Nós não vamos lutar contra os brancos [Europeans]. Nós apenas queremos que eles alterem a lei de passe, porque esta é dura conosco. Se vocês fugirem, vocês podem machucar-se. Nós pegaremos aqueles que não quiserem se juntar a nós.
Dez dias após os Tshwane Riots, ao entrevistar um homem de 55 anos, novamente registrei a dimensão obrigatória e potencialmente sancionável da participação em protestos. O interlocutor havia morado na ocupação urbana desde sua formação inicial, na década de 1990. Na condição de pioneiro, testemunhara o gradual - mas demorado, em sua opinião - estabelecimento de equipamentos públicos de água e eletricidade na área. Segue trecho da conversa.
- Se você não lutar, o governo é lento demais... As pessoas precisam lutar, e rapidamente. Então o governo vem e coloca mais um poste de eletricidade. Se não lutarmos, eles nunca fazem isso. E se eles cortarem a eletricidade, nós lutamos novamente. (Entrevistado)
- Você tomou parte nas lutas também? (Entrevistador)
- Quando lutamos, as vias são fechadas e ninguém pode ir trabalhar. Todas as pessoas têm de ficar aqui e lutar. (Entrevistado)
- Todos? (Entrevistador)
- Todos precisam lutar até alcançarmos o resultado. E se o governo não nos atender, começamos novamente. (Entrevistado)
- Todos devem tomar parte na luta... (Entrevistador)
- Se lutamos, todos devem estar presentes. Se alguém não vai, quando termina o protesto, eles vão até essa pessoa, porque ela não apoiou. (Entrevistado)14
A segunda “lei” aplicável à política insurrecional na township decorre da primeira, mas tem alvo específico: comerciantes, isto é, quem estiver “fazendo dinheiro”. Qualquer que seja a procedência nacional dos proprietários, esses devem baixar as portas de seu negócio ao longo dos protestos. Os saques na ocupação informal iniciaram-se por volta das 18h. Então, eu e outros três interlocutores habituais desejávamos ir ao armazém de costume, mas esse havia sido fechado muito antes do horário habitual (23h). Perguntado sobre as razões disso, um dos interlocutores imaginou o que pensaria um manifestante que visse aberto o comércio: “Ora, estou aqui protestando para todo mundo, e você (o comerciante) está fazendo dinheiro? Deixe-me ensinar-lhe uma lição”.
Os autores entendem “lição” como “sanção” e acreditam que a norma de proibir fazer dinheiro durante o curso insurrecional decorre da primeira “lei” comunicada naquele dia, segundo a qual o interesse coletivo atribuído ao protesto deve prevalecer sobre a vontade individual.
Após assistir às tentativas de arrombamento de uma loja, dirigi-me à casa de um dos interlocutores que me acompanhavam. Ouvíamos estampidos e forte burburinho. O interlocutor que imaginara a “lição”, mesmo a comerciantes sul-africanos, foi consultado sobre o porquê de os manifestantes visarem aos armazéns de estrangeiros. Ele não escondeu o cálculo político em que se baseavam os saques:
- A maioria deles tem documentos, eles pagam impostos. Os manifestantes estão chamando a atenção do governo e forçando-o a negociar. Se não houvesse ataques como esses, as autoridades não fariam nada.
Noutras palavras, a racionalidade da ação política consistia em contrapor o saque aos “direitos legais” de imigrantes (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011), de modo a constranger a cúpula do CNA a reconsiderar a imposição de sua candidata ao pleito em Pretória, causa primária dos protestos.
Retornei ao quintal de minha anfitriã, onde minha assistente, uma amiga e outros vizinhos se esquentavam em torno da fogueira de inverno e discutiam a rivalidade partidária entre o CNA e os Economic Freedom Figthers (EFF). Chegada a noite, começavam a circular os produtos do saque. Cerca de 21h, pessoas conhecidas passaram carregando mercadorias. Uma mãe de duas crianças tinha um pacote de fraldas às mãos. Um dos garotos que consumiam nyaope15 nas redondezas ofereceu desodorantes e shampoos. Os presentes à fogueira de minha anfitriã examinaram as mercadorias, mas nada compraram.
Continuavam as pancadas contra portões de estabelecimentos comerciais. Próximo às 23h, o vizinho da frente chegou com refrigerantes - produto que consumia apenas raramente. Pouco antes disso, minha assistente de pesquisa afirmara: “esta noite não vou dormir. Preciso apenas de algum mielie-meal16 e arroz” - isto é, gêneros alimentícios primários. Perguntei-lhe se os estampidos eram tiros disparados pela polícia. Não era esse o caso, a polícia temia intervir em circunstâncias semelhantes. Certo dia, a propósito, minha assistente definiu a liberdade pós-apartheid nos seguintes termos: “Nós somos livres porque lutamos contra a polícia e a polícia não reage”.
Em razão da continuada movimentação na township, eu permanecia bastante apreensivo e perguntei aos presentes à fogueira de minha anfitriã se havia risco de ataques a residências. Responderam-me que não havia, e fui deitar-me antes dos demais. Tive, porém, o tempo de ver minha assistente deixar a fogueira e voltar com um pacote de tripas de galinha congeladas e duas garrafas de suco. Por volta da meia-noite, um homem passou na ruela, carregava um colchão.
Em meio ao burburinho da manhã, minha assistente de pesquisa limpava as tripas de galinha na cozinha. No barraco da frente, uma vizinha comprava mielie-meal saqueado. Caminhei até o quintal dos interlocutores com quem acompanhara as tentativas de arrombamento de uma loja. Eles tomavam refrigerante, o que era raro acontecer. Perguntado se haveria mais protestos, um deles repetiu a tese do dia anterior: “não, já voltou ao normal. Era apenas uma estratégia”. Da ruela movimentada, dois jovens consumidores de nyaope aproximaram-se do quintal. Um vendia refrescos que custavam ZAR 20 nos armazéns por apenas ZAR 12; o outro, produtos de higiene corporal. Vizinhos examinavam as mercadorias e compraram uma coisa ou outra.
Eu e meu principal interlocutor saímos para caminhar. Notamos dois ou três portões de armazéns destruídos, mas, ao contrário do que a noite anterior sugerira, a township não se tornara terra arrasada. A quantidade de senhoras vendendo legumes em barracas havia diminuído; as vans, contudo, retomavam a circulação. Novamente perguntei a meu acompanhante se atribuía os eventos à xenofobia. Ele reiterou a afirmação da noite anterior: “não, foi apenas uma estratégia. Os comerciantes vão reclamar com as autoridades”. Na zona urbanizada adjacente à ocupação informal havia ainda um par de estabelecimentos arrombados. Em uma das poucas barracas em funcionamento, compramos legumes. O dia correu sem novos ataques.
Apenas ao fim de 22 de junho de 2016, fui comunicado da terceira e proeminente “lei” daquele episódio: o respeito à soberania popular. Um de meus interlocutores habituais não passara a noite dos saques na township. Em consequência da interrupção do transporte, não pudera retornar. Reapareceu às 17h do dia seguinte, quando lhe perguntei o que pensava do levante contra a decisão de cúpula do CNA. O interlocutor argumentou que a África do Sul deveria adotar o modelo das primárias estadunidenses, de modo que também a nomeação de candidatos fosse decidida pelas bases: “A Carta da Liberdade está em nossos corações. O povo deve governar!”.
Ele citava o artigo inaugural de um dos mais relevantes documentos sobre democracia do século XX, a Carta da Liberdade (Freedom Charter), em sua eloquente afirmação da soberania popular17. Ao recordar a validade desse princípio, o homem indicava que o coração de pessoas como ele constituía o território de vigência da Carta.
Apesar dos protestos e saques ao comércio de estrangeiros, a cúpula do CNA manteve a imposição de sua candidata às eleições em Pretória. O pleito ocorreu em agosto de 2016. Para surpresa de analistas da política sul-africana, o CNA foi derrotado pela primeira vez desde a democratização do país, em 1994. O partido do ex-presidente Mandela teve a preferência de 41,22% dos eleitores em Pretória, ao passo que o principal partido de oposição no país, a Aliança Democrática (AD), recebeu 43,11% dos votos. Na região onde eu estivera, o CNA perdeu cerca de 20% do suporte: de 85,07% em 2011 para 67,23% em 2016 (DUFOUR e CALLAND, 2016).
Em outubro de 2019, retornei à ocupação urbana e reencontrei um dos interlocutores com quem acompanhara os Tshwane Riots. Ao caminharmos pelo local, notei que a township passava por um processo de urbanização. As muitas ruelas haviam dado lugar a vias mais amplas, ainda em terra batida, mas com muito menos lixo acumulado. Parte dos lotes tornara-se permanente, isto é, seus residentes haviam obtido o título da terra, da qual não mais poderiam ser removidos.
Melhorias urbanas e regularização fundiária constituíam antigas reivindicações dos moradores da área, os quais, de modo geral, pareceram mais felizes. O antigo interlocutor assegurava, porém, que a gente local permanecia leal ao CNA: “nós somos CNA na veia!”. Os autores não duvidam disso, mas acreditam haver “leis” e “estratégias” - como esse interlocutor afirmou em 2016 - que mesmo o partido identificado à libertação da maioria African precisa ter em consideração.
Notas sobre direitos ético-morais e economia moral
Ao criticar os excessos especulativos a respeito da chamada “violência xenofóbica” na África do Sul, Steinberg (2018, p. 14) afirma o seguinte: “muito mais atenção precisa ser prestada às práticas quotidianas daqueles que ofendem, assim como à cena do encontro entre estes e aqueles que se revoltam contra eles”. Em uma reafirmação do valor da etnografia, esse autor alerta que é preciso manter os olhos bem abertos para os encontros ofensivos entre sul-africanos e imigrantes que se instalam, com o puro intuito de acumular, em espaços caracterizados pela “escassez de trabalho e outros recursos” (SHARP, 2008).
Ao comentar uma declaração de autoridade governamental a esse respeito, Steinberg (2018, p.14) asseverou: ela estava dizendo que não era aceitável levar vidas “hiper-acumulativas diante de plateias sul-africanas”. Ora desenvolvemos o aspecto inaceitável desse modelo de acumulação, contrapondo-o às noções de “direitos ético-morais” e “economia moral” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011, 2022b; THOMPSON, 1993).
Pouco tempo depois dos Tshwane Riots, Lage da Cruz entrevistou um daqueles interlocutores com quem observara os saques ao comércio de estrangeiros. Segue excerto da conversa:
- Os paquistaneses são vizinhos, mas, quando você olha para eles, se parecem com os indianos. Eles não conversam... Você se parece com um indiano ou paquistanês. Nós os chamamos makula, os caras que vendem tudo, menos álcool e cigarros. Eles não empregam as pessoas - ao contrário dos britânicos. Eles vêm apenas para vender. Em suas mentes, eles apenas vendem tudo e levam o dinheiro embora.18
A comunicação entre vizinhos em ocupações urbanas é um ritual cotidiano imperativo. Ao longo de três períodos de campo, saudações requeriam-me tempo e demonstrações de simpatia, não apenas entre moradores contíguos, mas, igualmente, entre outros, gente curiosa e disposta a conhecer a minha origem e o que me levava à sua terra. Nem todos, na verdade, tinham satisfação em ver-me ali, e alguns verbalizavam esse incômodo. Certa vez, deixei de cumprimentar um morador que habitualmente reclamava de minha presença. Ao ver que daquela feita era ignorado, o homem ralhou: “nunca deixe de cumprimentar alguém numa township!”.
Uma das características fundamentais das normas a que Cardoso de Oliveira (2011, 2022b) chama direitos ético-morais consiste em tornar evidente o valor das formas de vida com que coletividades se estabelecem no mundo. Direitos ético-morais expressam, no plano normativo da existência quotidiana, o valor que grupos atribuem a si e seus códigos de interação e respeito. Na medida em que modos de ser, como a saudação performática entre vizinhos, não são observados, é a identidade substantiva dos grupos que deixa de receber a consideração que seus membros julgam devida.
Algo semelhante se passa em relação à língua. Muitas vezes, fui exortado a tentar comunicar-me em algum idioma African. Há sul-africanos que simplesmente não acham justo comunicar-se em língua diferente da sua, o que formulam em termos normativos: “numa township, um branco deve conversar em um dos idiomas africanos”. Esforços de saudação e apresentação pessoal em línguas locais, mesmo os desajeitados, são sempre aplaudidos.
Nem mesmo a disposição ao arremedo de um idioma African se vê entre muitos Indians/Pakistanis, os quais, há décadas, tem permanecido insulados em suas formas culturais (HANSEN, 2012; KIRK, 1983). Não estamos dizendo que a falta de atenção à etiqueta social e linguística explique, por si, a violência; mas, tampouco, que constitua aspecto menor do intercâmbio social. No domínio da normatividade face a face, é o exercício da pequena ética de ação e comunicação que transmite o reconhecimento do valor de sujeitos e grupos (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011)19.
A falta de convívio e deferência às formas de vida locais são experimentadas como “insulto moral”, ofensa ao senso de correção nas relações sociais e aos sentimentos de dignidade de pessoas e grupos (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011, 2022b). Conquanto não viole o direito legal sul-africano, o comportamento ostensivamente utilitário de vizinhos que “não conversam e apenas vendem” ignora as demandas de consideração que caracterizam a eticidade das relações quotidianas.
Essa recusa fundamenta-se no pressuposto de que a existência de sul-africanos negros se dá “num mundo grosseiro em termos de rituais e costume” (HANSEN, 2012). Trata-se, em suma, de inferiorização do modo de ser African, associada à dificuldade de reconhecer sua substância moral ou mérito, qualidades que fundamentam a possibilidade de vínculos com reciprocidade e troca de dádivas. Sem isso, não se legitimam relações satisfatórias no plano da sociabilidade (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011, 2022b).
Convém notar o seguinte: a queixa segundo a qual os paquistaneses são vizinhos, mas não conversam, não se limita à falta de convívio pelo diálogo, porquanto, em uma township, as relações entre vizinhos se inserem em um contínuo de socialidade de que o diálogo é parte, não o todo. Seguem excertos de entrevistas semiestruturadas com três interlocutores, identificados por profissão e idade. Todos respondiam à seguinte pergunta: Do que você mais gosta na township?
- Eu gosto de viver com os amigos. Na cidade [town], vizinhos nunca conversam. Aqui [township] nós conversamos com os vizinhos. Aqui é como uma família. Meus amigos me ajudam. Se não tenho nada, se quero açúcar, se quero café, eles me ajudam. (Jardineiro, 58 anos)
- Você pode tomar algo emprestado com o seu vizinho, isso é bom na township. (Porteiro, 40 anos)
- Você confia em seus vizinhos? (Entrevistador)
- Muito. (Porteiro, 40 anos)
- Eu gosto da vibe da township. A vibe é tipo... É a sensação de como vivemos uns com os outros. Nos subúrbios, eles constroem grandes muros, eles não vivem juntos. Aqui nós partilhamos tudo. Se não tenho açúcar, posso pedir a um vizinho. (Desempregado, 30 anos)
Os três interlocutores justificam seu gosto pela township mediante a linguagem verbal da partilha (ajudar, emprestar etc.), conjugada na rede de amparo dos vizinhos. Nos termos do primeiro interlocutor, há continuidade entre vizinhos e família, bem como entre conversar e ajudar. Nos termos do terceiro, o mesmo que reclamou de os paquistaneses não conversarem, são a vibe e o modo de viver uns com os outros o que distingue a township: “aqui nós partilhamos (share) tudo”.
São incontáveis as vezes em que Lage da Cruz ouviu, de homens e mulheres Africans, que a partilha lhes define a existência. Minha assistente de pesquisa, por exemplo, afirmou: “aqui nós vivemos para partilhar: na África do Sul é 50% a 50%”. Noutro momento, em tom jocoso, ela disse: “nós partilhamos até namorados e namoradas!”. Um modo de ser pela mutualidade, a partilha constitui obrigação entre aqueles presentes em um mesmo espaço, entendidos como uma “comunidade de corresponsáveis” (FERGUSON, 2015).
Analistas da violência xenofóbica (sic) que a atribuem, por exemplo, a fetichização das origens, não compreendem o seguinte fenômeno: vizinhos que sequer se saúdam, tampouco partilham. Isso não significa que as redes de partilha espelhem um mundo idílico de solidariedade, pois permanecem carregadas de tensões sociais (BÄHRE, 2007). É, porém, como tais que constituem uma “rede informal de proteção social”, intrínseca à sobrevivência dos muitos pobres (DU TOIT e NEVES, 2009). Certa interlocutora, desempregada e sem renda, afirmou, enquanto lavava as roupas de uma vizinha, serviço para o qual era às vezes chamada: “Às vezes encontro um trabalho, uma vez por semana, e alguém me paga ZAR 50. Eu compro parafina e então meus vizinhos me dão algum mielie-meal”.
Conflitivas, mas com valor alimentar imprescindível para muitos, as redes de partilha entre vizinhos envolvem negociações delicadas sobre limites e possibilidades de inclusão. As tensões da vida em meio a “tremendas pressões financeiras” suscitam “dilemas excruciantes” entre os muitos pobres (BÄHRE, 2007). Esse quadro aflitivo é incompatível com a pura indiferença de free-riders desobrigados e, nesta medida, “desconectados e desprotegidos” (STEINBERG, 2018). Ora, comunidades não se sustentam apenas pela força de direitos legais, na medida em que a formação do elo social requer algum compartilhamento de práticas e valores, sem os quais a vida comum perde substância (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011, 2022b).
Steinberg (2018) reconhece a falta de substância nas relações entre imigrantes e Africans e afirma que aqueles se “veem liberados de laços de reciprocidade”. Vínculos recíprocos têm, todavia, natureza obrigatória e, tal como os fenômenos jurídicos em sentido plural (BENDA-BECKMANN, 2002), limitam as liberdades individuais, inclusive a de propriedade. Em townships, a relação entre comerciantes e vizinhança não corre pela via exclusiva de compra e venda. Segundo um interlocutor, outrora dono de armazém, frequentemente vizinhos lhe pediam dinheiro para o transporte diário, por exemplo. Essa pitada de bilateralidade no fluxo comercial diminuía-lhe a margem de lucro, mas ele não podia evitá-la.
Vinculada ao contexto da experiência e aos sentimentos de justiça, adequação e correção nas relações sociais (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2022a), a dimensão moral dos direitos machuca as sensibilidades liberais predominantes na antropologia anglófona (HAYNES e HICKEL, 2016). Essa ferida ajuda a explicar o recurso ao vocabulário patológico e incivil pressuposto em xenofobia. Seja como for, o compromisso empírico requer atenção às diversas visões sobre a liberdade (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2013), em sua igualmente diversa expressão de direitos e deveres. A julgar por outro interlocutor na ocupação informal, a liberdade e a rede de práticas e valores distributivos centrada na partilha formam um contínuo indistinguível.
- Em quais circunstâncias você se sente mais livre? (Entrevistador)
- Sou livre apenas quando estou com minha família, porque nós partilhamos tudo. (Entrevistado)
- Qual a diferença entre partilha e liberdade? (Entrevistador)
- Partilha e liberdade? Não há diferença. (Entrevistado)
Economia moral (THOMPSON, 1993) é o outro gênero normativo que propomos para compreender o entrelaçamento de fenômenos jurídicos e econômicos na vida de pobres sul-africanos, bem como a dimensão ofensiva de seus encontros com aqueles socialmente identificados como Pakistanis. Esse conceito indica a existência de “regras e obrigações” sobre circulação de riquezas em contextos de escassez. Trata-se de um modelo segundo o qual há modos legítimos e ilegítimos de acumulação privada, diferentemente do modelo clássico, no qual a “liberdade natural” da propriedade é reproduzir-se ao máximo ganho (THOMPSON, 1993).
Derivada das “normas e reciprocidades” descritas por Malinowski (apudTHOMPSON 1993), economia moral opõe-se ao modelo smithiano do mercado como instituto autorregulado pela competição anônima, mas harmônica (sic), de interesses. Em partes do mundo contemporâneo, o mercado permanece entendido como um vínculo “social e econômico” entre gente cujas trocas devem guardar alguma reciprocidade. O mercado, nesses casos, configura um complexo de relações no sentido etimológico de oikonomia: “a devida organização do lar, no qual cada parte é relacionada ao todo e cada membro reconhece seus deveres e obrigações” (THOMPSON, 1993, p. 271).
Esse modelo normativo é incompatível com a fabular alquimia de Mandeville, na qual o vício privado da acumulação se converteria na virtude da maior felicidade de todos (DUMONT, 1977). Como a partilha, obrigação cuja não observância é vergonhosa e passível de coerção (FERGUSON, 2015), a infração aos deveres morais da circulação econômica com equidade é inaceitável. Não estão em jogo abstrações como oferta e procura, mas, sim, as realidades de vizinhos e cabeças de lar. Entre essas pessoas, necessidades não são atendidas no jogo da máxima acumulação, mas, sim, nas mutualidades da vida social (THOMPSON, 1993).
Em seu segundo período de campo na township, Lage da Cruz entrevistou o dono de uma taverna, outrora comerciante de artigos para a subsistência em competição com um vizinho Pakistani. Seguem excertos da conversa.
- Quando os Pakistanis abrem suas lojas, eles baixam o preço de todos os produtos. É por isso que eles matam nossos negócios. Essas pessoas não têm crianças, a família deles está no Paquistão. Eles não compram nada aqui nas redondezas. Eles simplesmente põem o dinheiro no bolso. Eu tenho uma família, nós precisamos comprar roupas e muitas outras coisas. Minhas crianças precisam ir à escola, e eu dependo de um negócio! Como você pode tocar um negócio numa situação dessas? Você acaba falindo! (Entrevistado)
- Você acabaria falindo? (Entrevistador)
- Veja, se alguém está perto de mim... Se você tem um negócio e nós competimos, nós temos que ser retos, ir direto ao ponto. Ninguém tira o dinheiro das redondezas. Ninguém retém o dinheiro dentro de casa. Mas eles apenas vendem (...) e enviam o dinheiro ao Paquistão! (Entrevistado)
Mesmo a literatura que subscreve a validade analítica de xenofobia reconhece que comerciantes estrangeiros costumam ter mais capital que os sul-africanos (CRUSH et al., 2017), logo algum poder de mercado. Conquanto ganhem dinheiro em espaços de escassez, esses imigrantes não o gastam inteiramente no circuito local, porque muitos estão desacompanhados de suas famílias e, portanto, submetidos a despesas visíveis inferiores às dos sul-africanos. Esse quadro é agravado pela percepção de que somas que poderiam ser reinvestidas entre vizinhos são remetidas ao Paquistão.
O jovem interlocutor apresentado no início da seção, quem igualmente se queixava de que Pakistanis “apenas vendem”, afirmava que eles não empregam sul-africanos, diferentemente dos brancos. Segundo Crush et al. (2017), 39% da gente contratada por imigrantes refugiados não são originários da África do Sul. Essa não parece uma causa desarrazoada de animosidade em meio à depressão estrutural da demanda de trabalho no país (FERGUSON e LI, 2017). Para piorar as coisas, a antiga estereotipia do African preguiçoso continua a informar a decisão dos estrangeiros que optam por não empregar sul-africanos negros (PARK e RUGUNANAN, 2009).
O desgosto de Africans com o que percebem como comportamento unilateralmente acumulador de imigrantes tem lastro histórico. Há muito, sul-africanos ressentem-se da condição de proprietários e das práticas comerciais de parte da gente originária do subcontinente indiano. Esse ressentimento ajuda a entender episódios de violência, como os Durban Riots (HANSEN, 2012; KIRK, 1983). As tensões que, em 1949, culminaram em homicídio e saque, vinculavam-se às seguintes circunstâncias:
Muitos indianos alugavam terra, barracos e pequenas casas a africanos e estabeleciam armazéns em ocupações urbanas. Falantes do zulu encontravam sobretudo indianos a controlarem os segmentos inferiores do mercado. Disso decorreram conflitos, particularmente sobre a precificação de bens e serviços (HANSEN, 2012, p. 102).
Essa rivalidade longeva também se vincula ao que Kirk (1983), igualmente examinando os Durban Riots, chamou “sobrepreço deliberado”. No contexto dos saques oitocentistas na Europa, Thompson (1993) tratou de más formas de comércio como violações a consensos populares sobre formas legítimas da atividade mercantil. Temos, a esse respeito, observações etnográficas a fazer.
Entre outubro e maio de 2020, Lage da Cruz habitou, em uma pequena cidade a 90 km de Pretória, uma casa em cujo quintal funcionava um armazém de imigrante. O dono do comércio apresentava-se como etíope, mas era socialmente conhecido como Pakistani. Infelizmente, esse homem tinha o hábito das más-práticas comerciais.
Quando comprei a crédito no armazém, ele inflou os valores e, mais de uma vez, tentou subtrair parte do troco. Por dois dias consecutivos, observei uma criança pequena suplicar-lhe a restituição de todo o troco. O homem tocou-a grosseiramente do quintal: hamba, hamba! (saia daqui!). Dei ZAR 5 ao garoto, e ele não retornou.
Minha assistente de pesquisa afirmou que o logro de crianças era prática corrente e notória, o que outros interlocutores confirmaram. Minha anfitriã referia-se ao comerciante como um totsi (delinquente): “as pessoas sabem que ele não tem maneiras”. Segundo ela, o vendedor se instalara em seu quintal porque se vira obrigado a deixar um bairro vizinho. Um amigo seu comentou, ao ver o homem: “ele está aqui, esse totsi... Ele fugiu da nossa vizinhança, vão acabar matando-o”.
O homicídio, como sanção hipotética a más práticas comerciais, viola a sensibilidade liberal, mas, entre muitos sul-africanos pobres, as coisas não se passam do mesmo modo. Buur e Jensen (2004) examinaram o chamado “vigilantismo” sob a ótica da construção de “comunidades morais”. Segundo esses autores, “roubos são claramente enquadrados em códigos penais” (2004), o que Lage da Cruz pôde confirmar20. O comerciante acima referido como delinquente teve o carro roubado em 2020, fato que foi entendido por interlocutores locais como retaliação, ou seja, sanção.
Durante um protesto contra a administração regional, em 2018, esse homem quase teve o armazém saqueado21. Moradores da região insurgiram-se contra a escassez de emprego e a tentativa de cobrança pela provisão doméstica de água, limitada às sextas-feiras22. A polícia tratou os manifestantes à bala de borracha, e a reação consistiu na destruição de prédios públicos e saque ao comércio de estrangeiros. O armazém do comerciante somali chegou a ser cercado, mas os manifestantes foram dissuadidos do saque pela família. Argumentou-se que a matriarca proprietária do lote arcaria com todo o prejuízo.
Nota sobre a violência a nigerianos
Ao final de agosto de 2019, um taxista sul-africano foi assassinado ao tentar impedir que estudantes comprassem entorpecentes pesados de um suposto nigeriano (MLEMWA, 2019). Aparentemente, policiais acobertavam o comércio ilícito. Revoltados, taxistas sul-africanos, inicialmente, e outros setores da população, em seguida, passaram a atacar o comércio de imigrantes da Nigéria em Pretória e Joanesburgo.
Nos últimos dias de outubro de 2019, Lage da Cruz iniciou seu terceiro período de campo na África do Sul. Ao chegar à ocupação informal, conversei com um dos interlocutores com quem acompanhara e discutira os Tshwane Riots, em 2016. Ele contou o seguinte sobre os saques e a violência a nigerianos: “A polícia não faz nada, porque é subornada, está no bolso dos nigerianos. Então o povo tomou a lei em suas próprias mãos para resolver a questão de uma vez por todas”.
Esse interlocutor alegava que, em consequência da percepção de que a polícia compactuava com a venda ilícita de entorpecentes, os cidadãos resolveram agir por si mesmos. Noutras palavras, a gente comum permitiu-se o exercício de controle punitivo do crime. Essa avocação popular de um poder soberano (COMAROFF e COMAROFF, 2009) foi expressa como “tomar a lei nas próprias mãos”, fórmula cujos significados gostaríamos de explorar brevemente.
O dicionário Merriam-Webster define tomar a lei nas próprias mãos nos seguintes termos: “tentar punir alguém que violou a lei, ainda que não se tenha o direito de fazê-lo”23. O dicionário thefreedictionary.com define a mesma expressão assim: “agir além do escopo da lei para atingir-se um senso e justiça”24. No primeiro caso, a avocação de poder punitivo decorre da violação da lei estatal, mas implica nova ilegalidade, na medida em que cidadãos não têm o direito legal de aplicar sanções. A segunda definição, por seu turno, indica ações que igualmente excedem os limites do direito positivo, mas que são tomadas em função de um “senso de justiça”.
Se considerarmos a primeira definição acima, segundo a qual “tomar a lei nas próprias mãos” significa punir, ainda que não se tenha o direito de fazê-lo, podemos afirmar o seguinte: o exercício popular de um poder soberano terminaria por corrigir a omissão da polícia no caso da venda de drogas por um nigeriano. Trata-se de usurpação de competências, mas com vistas à repressão determinada pela lei estatal, o que parece ser um exemplo de legalismo por baixo - legalism from below (ECKERT, 2006).
Caso consideremos a segunda definição de “tomar a lei nas próprias mãos”, temos algo complementar. Diferentemente do primeiro caso, a ação dos cidadãos não visa propriamente à proteção da lei positiva, mas, sim, à execução de um “senso de justiça”. Em termos gerais, sensos de justiça constituem um universo relativamente compartilhado de noções sobre “o adequado, correto ou justo”, o moralmente tolerável ou intolerável nas relações sociais (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2022a).
Também quando praticado por sul-africanos, o comércio de entorpecentes pesados é passível de punição popular, inclusive porque efetivamente há omissão policial em alguns desses casos. Ainda em 2016, Lage da Cruz notou a complacência das autoridades repressivas com os administradores de um conhecido ponto de venda. No mesmo ano, entrevistei dois sul-africanos e ex-comerciantes de nyaope (cf. nota 18). Seguem trechos das entrevistas:
- Quando as pessoas ficam fartas, elas têm uma reunião e conversam: os usuários de nyaope estão destruindo a comunidade. (Interlocutor 1)
- Quando cheguei aqui, estava vendendo drogas. A comunidade era tão perigosa... Eles matam você, põe fogo na sua casa. Eu ficava preocupado, a comunidade assedia você. (Interlocutor 2)
Como se pode ver, a ameaça de sanção a sul-africanos também inclui deliberação e uso da força, isto é, exercício de funções judicativas e policiais por cidadãos comuns. Buur e Jansen (2004) divisaram no vigilantismo “práticas localizadas de soberania e autoridade”, meios de administração quotidiana de questões de segurança e ordem moral “pertinentes” aos contextos em que ocorrem.
Conclusão: um dilema de cidadania
Neste artigo, relacionamos a violência contra estrangeiros na África do Sul aos conceitos de economia moral e direitos ético-morais (THOMPSON, 1993; CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011, 2022b). Também chamamos a atenção para a importância de algo como uma política plebeia (FERGUSON, 2019). Sintetizamos nosso argumento assim: a violência xenofóbica (sic), não deve ser entendida mediante fobia, mas, sim, pelo exame das relações morais e políticas entre sul-africanos natos, estrangeiros e o CNA, partido majoritário no país.
Nos Tshwane Riots, por exemplo, o saque ao comércio dos chamados Pakistani foi desencadeado por decisão de cúpula do CNA, o qual nomeou, para a disputa das eleições em Pretória (Gauteng), Thoko Didiza, originária da província de KwaZulu-Natal. Insatisfeitos com a imposição de candidata não vinculada às bases e máquina locais do partido, setores orgânicos do CNA em Gauteng arregimentaram moradores de townships para o protesto e o saque de armazéns de estrangeiros.
Lage da Cruz acompanhou os eventos em uma ocupação urbana e foi informado que o curso insurrecional seguia normas com validade e conhecimento públicos naquele território. Comerciantes sul-africanos, por exemplo, deveriam baixar suas portas, sob pena (BENDA-BECKMANN, 2002; MAUSS, 2002) de terem seu negócio saqueado. Além disso, moradores poderiam ser obrigados a participar dos protestos, o que parece constituir um antigo padrão da política insurrecional em townships (LODGE, 2011) e, ainda hoje, um recurso estratégico para a melhoria urbana desses espaços.
No dia seguinte aos protestos, Lage da Cruz encontrou um de seus interlocutores que não passara a noite de saques na ocupação urbana. Segundo ele, a decisão de cúpula do CNA violava o princípio da soberania popular. Cerca de cinquenta dias após os Thswane Riots, o CNA sofreu uma derrota histórica nas eleições em Pretória. Até 2022, a cidade permaneceu administrada pela Aliança Democrática (AD), principal partido de oposição na África do Sul.
Em conversas com cidadãos de baixa renda, nota-se que a antipatia a comerciantes estrangeiros decorre de padrões insultantes de relação social (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011; 2022b). Com direitos ético-morais, afirmamos que a desconsideração, pelos chamados Pakistani, de práticas e valores como conversar, cumprimentar e partilhar, ofende o senso de dignidade e identidade African. Disso resulta “indignação”, como afirmou Thévenot (2022) em recente comentário sobre o potencial analítico dos direitos ético-morais em diferentes contextos etnográficos (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2022b).
Lançamos mão de economia moral, para indicar que, em espaços caracterizados pela escassez, a atividade econômica não deve ser conduzida exclusivamente pelo fim liberal do máximo ganho (THOMPSON, 1993). Nos muitos lugares onde as relações entre pessoas de carne e osso não sucumbiram à falaciosa alquimia de Mandeville (DUMONT, 1977), o mercado permanece entendido no sentido de oikonomia: “a devida organização do lar, no qual cada parte é relacionada ao todo e cada membro conhece seus deveres e obrigações” (THOMPSON, 1993, p. 271).
A unilateralidade instrumental de free-riders (STEINBERG, 2018) não viola apenas as regras sobre circulação de riquezas. Também está em jogo o desrespeito a noções elementares de humanidade natural e reciprocidade (THOMPSON, 1993). É nesse sentido, a propósito, que o vínculo entre direitos ético-morais e economia, igualmente moral, se justifica. Quer na relação social e econômica do mercado, quer nas redes de assistência entre vizinhos25, a recusa a trocas recíprocas - isto é, com dádiva - implica rejeição do elo social e menosprezo à dignidade e às formas de vida da gente local (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2010; 2011).
Entre muitos sul-africanos pobres e negros, comportar-se como “indivíduo desobrigado”26 implica quedar-se socialmente “desprotegido” (STEINBERG, 2018). Isso, más práticas comerciais e a revolta contra a tentativa de a administração regional cobrar pelo péssimo serviço de abastecimento de água fizeram com que o comerciante instalado no quintal da anfitriã de Lage da Cruz fosse cercado por manifestantes, em 2018, e quase saqueado. Em 2020, o homem continuava a desdenhar e desconfiar de Africans, com os quais declaradamente evitava ter quaisquer relações além da comercial.
Na seção anterior, comentamos as considerações de um interlocutor sobre o ataque a nigerianos em agosto de 2019. O episódio seguiu-se ao assassinato de um taxista sul-africano, o qual tentara impedir que um (suposto) imigrante da Nigéria vendesse entorpecentes pesados a jovens estudantes. Aparentemente, policiais acobertavam esse comércio, motivo por que cidadãos resolveram “tomar a lei nas próprias mãos”. Essa expressão indica o exercício da sanção no cumprimento da “lei” ou de sensos de justiça.
Nossa opção ao longo do artigo foi tratar sensos de justiça como normas no sentido pleno do termo. Quer nas explorações pioneiras de Marcel Mauss (2002 [1926]), quer no trabalho consolidado de Benda-Beckmann (2002, 2006), a sanção é entendida como o aspecto crucial do fenômeno normativo. “Leis”, em sentido plural, não se restringem aos direitos e deveres aprovados por Parlamentos, porquanto compreendem, igualmente, outras injunções do tipo dever-ser, desde que passíveis de cumprimento mediante o recurso à força (MAUSS, 1997[1923]).
Convém notar que é o paradigma liberal, e não sensos de justiça populares, o fundamento de última instância da Constituição sul-africana (HICKEL, 2015). Em outras palavras, o direito legal do país não obriga quem quer que seja ao cumprimento de normas ético-morais vigentes em townships e ocupações urbanas. Estamos diante, portanto, da colisão entre duas linhas de força contraditórias, mas complementares, da vida normativa contemporânea. Cardoso de Oliveira (2011) chama a esses choques “dilemas27 de cidadania”, fenômeno que suscitou a interrogação de Vidal (2006, p. 337): “A reivindicação de direitos morais não contradiz muitas vezes o exercício dos direitos legais?”.
Ao rejeitarmos o valor interpretativo de xenofobia, rótulo ainda corrente na esfera pública sul-africana, não procuramos diminuir a gravidade de episódios de violação dos direitos de imigrantes. Ao contrário disso, tentamos deslocar o debate para um campo conceitual não comprometido pela estereotipia de caos e pânico, fobia e fetichismo. Como sugeriu Cardoso de Oliveira (2020), o acionamento de termos indicando atitudes emocionais, supostamente desprovidas de razão, é um padrão característico de situações nas quais o intérprete não consegue entender o que se passa ou os argumentos de seu interlocutor.
Do mesmo modo, ao reconhecermos o valor estratégico da política plebeia (FERGUSON, 2019), não diminuímos a dramaticidade dos dilemas de cidadania que suscita. Em todo o caso, “incutir medo” e “desestabilizar o espaço social” constituem “poderes” de gente que experimenta muitas privações na vida cotidiana. Sem o recurso ocasional a essas formas de “agência plebeia”, é provável que a gradual melhoria das condições de vida da população pobre tardasse ainda mais. É infeliz que progressos ocorram às custas dos direitos de imigrantes, mas o fenômeno do “transbordamento do direito liberal” (THÉVENOT, 2022)28 não se restringe à África do Sul.
Por fim, algo mais que os limites dessa ordem político-normativa continua a chamar-nos a atenção: a intensidade com que muitos de nossos interlocutores aderem a seus sentidos de adequação, correção e justeza nas relações sociais (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2022a). Um deles, ao recordar-nos a validade do princípio da soberania popular, observou: “a Carta de Liberdade está em nossos corações. O povo deve governar!”. Acreditamos que essa mistura de sensos e sentimentos faz jus ao valor fundacional da antropologia do direito; e, particularmente, à tradição de sociologie juridique et morale (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2020; MAUSS, 2002[1926]).
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1
No original, proletarian politics. Como não se trata de proletários, em sentido marxista, mas, sim, de uma analogia histórica com a plebe romana, optamos por política plebeia. Vale notar que a maioria dos textos citados neste artigo não tem versão em português, razão por que traduzimos seus excertos livremente.
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2
A página da Wikipedia sobre xenofobia na África do Sul inclui os Tshwane Riots. Disponível em: https://en.wikipedia.org/wiki/Xenophobia_in_South_Africa#2016_Tshwane_riots. Acesso em: 27 out. 2019. O site xenowatch.ac.za também inclui os Tshwane Riots no histórico de violência contra estrangeiros no país. Disponível em: http//:www.xenowatch.ac.za › 2018/06 › Xenophobic-Incidents-Report-Database. Acesso em: 27 out. 2019. A imprensa diária no país publicou sobre o medo, entre imigrantes Pakistani, suscitado pelos Tshwane Riots (GOBA et al., 2016).
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3
Os interlocutores sul-africanos citados neste trabalho costumam tratar Indians e Pakistanis quase indistintamente, razão pela qual os termos serão tomados como sinônimos. Informal settlement (ocupação urbana) e township serão igualmente considerados sinônimos, porque essa sobreposição de termos também ocorre na fala ordinária de interlocutores desses espaços.
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4
Disponível em: https://www.thefreedictionary.com/phobia. Acesso em: 10 abr. 2019.
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5
Disponível em: https://www.thefreedictionary.com/panic. Acesso em: 9 abr. 2019.
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6
Disponível em: https://www.thefreedictionary.com/fetishism. Acesso em: 27 abr. 2022.
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7
Disponível em: https://www.thefreedictionary.com/chaos. Acesso em: 12 abr. 2019.
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8
Disponível em: https://www.thefreedictionary.com/vandal. Acesso em: 30 de out. 2019.
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9
Como Moore (1978, p. 2-3) há muito afirmou, uma mesma sociedade tem múltiplas fontes de direito e de processos de organização e controle do comportamento mediante o uso explícito de normas (reglementary processes).
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10
Em texto recente, Ferguson (2021, p. 15) entende demandas de partilha pela via não normativa da presença - a qual ele considera como o fato social bruto [blunt] de estar aqui. Os autores acreditam que não convém desvincular a presença da vida normativa de Africans.
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11
Hickel (2014) vale-se do conceito de economia moral da bruxaria, sem qualquer menção aos trabalhos de E. P. Thompson.
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12
Disponível em: https://www.gov.za/speeches/president-cyril-ramaphosa-freedom-day-27-apr-2022-0000. Acesso em: 29 abr. 2022.
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13
“Por direito, nós entendemos, em etnologia, o que os anglo-saxões chamam social anthropology, isto é, de fato, nossa sociologia jurídica e moral” (MAUSS, 2002, p. 102).
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14
Entrevista concedida a Lage da Cruz.
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15
Entorpecente ilícito, muitíssimo pesado e composto de maconha, heroína e medicamentos antirretrovirais, entre outras possibilidades. Vale notar que consumo e plantio individual de maconha não são criminalizados no país.
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16
Base alimentar, feita de milho, da maioria African.
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17
We, the people of South Africa, declare for all our country and the world to know: (...) The People shall Govern! Disponível em: http://www.fafich.ufmg.br/~luarnaut/freedom%20charter.pdf. Acesso em: 15 jun. 2021.
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18
Entrevista concedida a Lage da Cruz.
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19
Segundo Hansen (2012), autor que atribui tensões e violências entre Africans e imigrantes do subcontinente indiano aos problemas do não reconhecimento, da falta de respeito e de convivialidade, são os “pequenos jogos de linguagem” que fundam a socialidade.
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20
Em 2016, Lage da Cruz foi informado que um dos filhos de sua anfitriã teve de se retirar da ocupação urbana. Ele furtou na comunidade e foi jurado de morte.
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21
Informação verbal dada pelos locadores do comerciante, anfitriões de Lage da Cruz na África do Sul.
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22
Entre 2019-20, Lage da Cruz experimentou o aborrecimento de ter a provisão doméstica de água limitada às sextas-feiras. Outras informações sobre os protestos de 2018 estão disponíveis em: https://013.co.za/2019/04/18/kwagga-residents-demand-water-jobs/. Acesso em: 28 maio 2021.
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23
Disponível em: https://www.merriamwebster.com/dictionary/take%20the%20law%20into%20one%27s%20own%20hands. Acesso em: 29 abr. 2022.
-
24
TAKE THE LAW INTO ONE’S HANDS. In: The Free Dictionary. Huntingdon Valley: Farley, 2003. Disponível em: https://idioms.thefreedictionary.com/taking+the+law+into+own+hands. Acesso em: 29 abr. 2022.
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25
Em meios populares sul-africanos, armazéns e seus donos constituem parte da vizinhança.
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26
O chamado unencumbered self (Sandel, 1984).
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27
Também Hickel (2015, p. 28) afirma que “o sistema legal sul-africano ora enfrenta um dilema”.
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28
Em comentário a Cardoso de Oliveira (2022b), Thévenot (2022) reconhece “a profusão de modos de normatividade para além do que a ordem liberal pode conter”.
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Editado por
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Editor responsável: Michel Misse
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Maio 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
04 Maio 2022 -
Aceito
07 Out 2022