RESUMO
Este trabalho analisa a emergência e dinâmica de aglomeração espaço-temporal de startups de base tecnológica que ocorre em Florianópolis, São José e Palhoça (SC) durante o período 2000-2020. Para estudar este fenômeno sugere-se uma abordagem paramétrica baseada na função K espacial e na função K espaço-temporal não homogênea (Arbia, Espa e Giuliani, 2021), considerando uma base de dados georreferenciada de startups criadas no período considerado. Encontramos que existe uma forte concentração destes empreendimentos em uma pequena distância, cujo centro é a incubadora Celta (Parque Tecnológico Alfa), da Fundação CERTI, criada no âmbito da Universidade Federal de Santa Catarina e também em uma distância maior. Encontrou-se também uma interação tempo-espaço estatisticamente significativa, especialmente em ciclos de 10 anos. Os resultados reforçam a importância das externalidades marshallianas que operam na escala microgeográfica (distrito ou bairro) como as jacobianas, que operam na escala macrogeográfica (cidade).
PALAVRAS-CHAVE Geografia da inovação; Startups; Aglomeração espaço-temporal
ABSTRACT
In this paper we analize the spatio-temporal emergence and aglomeration dynamics of technology-based startups that ocurred in Florianópolis, São José and Palhoça (SC) during 2000-2020 period. To study this phenomenon, a parametric approach based on the spatial K-function and the space-time K-function (Arbia, Espa e Giuliani, 2021) is suggested, considering a geo-referenced startups observed over the period considered. We find that there is a strong concentration of these startups in a short distance, whose center is the Celta incubator (Alfa Technology Park), of the Certi Foundation, created within the scope of the Federal University of Santa Catarina and at a greater distance. A statistically significant time-space interaction was also found, especially in 5-year cycles. The results reinforce the importance of Marshallian externalities that operate at the microgeographic scale (district or neighborhood) as well as the Jacobian ones, which operate at the macrogeographic scale (city).
KEYWORDS Geography of innovation; Startups; Space-time agglomeration
1. Introdução
Este trabalho se insere dentro da literatura acerca de localização geográfica de atividades empreendedoras schumpeterianas de base tecnológica, especificamente de aglomerações de startups em uma região delimitada.
Uma startup pode ser definida como uma empresa incipiente, com foco no crescimento escalável, rápido e sem restrições geográficas, o que a diferencia de uma pequena ou média empresa tradicional. Uma startup de base tecnológica tem como característica principal a utilização da tecnologia como suporte para abordar a inovação que propõe para solucionar algum problema ou necessidade do mercado (SKALA; SKALA, 2019).
O objetivo deste trabalho é ampliar a compreensão das dimensões tempo-espaço da emergência e localização de startups de base tecnológica, analisando, para isto, o caso da cidade de Florianópolis (SC) como hub, e incluindo as cidades vizinhas de São José e Palhoça. Florianópolis é a capital do estado de Santa Catarina, localizado na região sul de Brasil. Segundo o Índice de Cidades Empreendedoras 2020 (ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, 2021), Florianópolis é a segunda cidade mais empreendedora do Brasil, logo após São Paulo, principal cidade do Brasil. A cidade catarinense se destaca em dois indicadores deste índice: inovação e capital humano, nos quais ocupa o primeiro lugar.
Dado este objetivo, se considera tanto a escala macrogeográfica no nível da região quanto a escala microgeográfica, dentro da cidade, no nível de bairro. Diferentes observações empíricas da clusterização deste tipo de empresas comprovam que as duas escalas espaciais são fundamentais refletindo dois mecanismos diferentes: a diversidade setorial associada à densidade urbana (JACOBS, 1969) e as economias de escala associadas à especialização, que geram spillovers de conhecimento, compartilhamento de ativos e insumos e concentração de mão de obra qualificada, as chamadas por Glaeser et al. (1992) de externalidades de Marshall-Arrow-Romer (MAR).
A localização espacial como condutora dos mecanismos que permitem o aprendizado e a inovação não será uma condição suficiente para obter estes resultados. A contiguidade deve ir além da proximidade geográfica, sendo necessária a interação com pelo menos algum outro tipo de proximidade destacada por Boschma (2005): cognitiva, social, organizacional ou institucional, para que existam os spillovers de conhecimento.
Metodologicamente, utilizam-se técnicas de microeconometria espacial que permitem endogeneizar a emergência de externalidades espaciais (ARBIA; ESPA; GIULIANI, 2021) para superar duas deficiências metodológicas de medidas de concentração industrial tradicionais, como a proposta por Ellison e Glaeser (1997) ou o índice de Gini utilizado no trabalho clássico de Krugman (1991), a saber: a) a definição discricionária do recorte espacial (como municípios ou estados), b) a suposição restrita de homogeneidade espacial dentro das regiões.
Propõem-se, assim, dois modelos paramétricos. O primeiro, considera um processo pontual com heterogeneidade espacial que explora informações geográficas da localização (coordenadas de latitude e longitude) das startups. A função K espacial não homogênea1 permite avaliar a concentração de startups em um espaço finito planar utilizando, para isto, um método baseado na distância que estima o número esperado de realização de eventos pontuais dentro de certa distância, comparando-a com uma amostra criada a partir de simulações de Monte Carlo de eventos pontuais completamente aleatórios. A função K espacial nos permite detectar os dois tipos de externalidades em forma simultânea, o que é importante para saber se estas se apresentam e se coexistem (ARBIA et al., 2021).
Em segundo lugar, e com o objetivo de estudar a dinâmica temporal da aglomeração, se recorre a uma função K espaço-temporal, o que significa a consideração de eventos pontuais (criação de startups) em um espaço finito planar e em um período finito de tempo (2000-2020). Neste caso, nos interessa saber o número esperado de eventos pontuais dentro de uma distância espacial igual ou inferior a um determinado raio e um determinado intervalo de tempo, a partir de um ponto de referência (CAINELLI; GANAU; JIANG, 2020).
O trabalho traz duas contribuições à literatura de geografia da inovação brasileira. Em primeiro lugar, é o primeiro trabalho que identifica, a partir da metodologia de função espaço-temporal, uma aglomeração de startups em uma cidade urbana brasileira. Assim, se constitui no primeiro trabalho que investiga empiricamente a dinâmica temporal do processo de aglomeração espacial de startups, em lugar de trata-la como um fenômeno invariante no tempo. Em segundo lugar, traz contribuições em relação à existência de fatores endógenos que permitiram o desenvolvimento da aglomeração e que estão relacionados a fatores de proximidade (em especial, cognitiva, geográfica e institucional), externalidades do tipo MAR e jacobianas e fatores puramente temporais que contribuem ao adensamento.
O trabalho é organizado em quatro seções, além desta introdução. Na seção dois são apresentados os argumentos teóricos e as evidencias empíricas que relacionam a teoria schumpeteriana com a localização das atividades empreendedoras associada às externalidades jacobianas e de Marshall-Arrow-Romer (MAR), assim como às diferentes dimensões de proximidade. Na terceira seção, se apresentam as variáveis utilizadas para o teste empírico, as estatísticas descritivas das startups mapeadas assim como os métodos utilizados. Na seção quatro, os resultados da analise são exibidos. Se conclui na seção cinco, resumindo os resultados, salientando algumas possibilidades futuras de pesquisa e possíveis direções de política pública.
2. A criatividade schumpeteriana e a geografia da inovação
Nesta seção se discutem elementos teóricos e evidências empíricas relacionadas à emergência, localização e inovação de startups. Divide-se a seção em duas subseções, a primeira referente a conceitos teóricos e a segunda, a evidências empíricas referentes à localização espacial das atividades econômicas e inovativas.
2.1 Teoria e conceitos.
O primeiro autor a reconhecer o impacto revolucionário dos empreendedores na economia foi Schumpeter (1934). Na teoria schumpeteriana, a destruição criativa explica a dinâmica de como novas tecnologias moldam novos produtos, mercados e processos produtivos reestruturando setores econômicos e a economia em geral. A abordagem econômica do empreendedorismo schumpeteriano foca na firma como unidade de análise, reconhecendo a importância do contexto no qual ela se insere.
Startups de base tecnológica podem ser vistas como o arquétipo de empreendedorismo schumpeteriano se consideramos que o elemento mais importante que distingue uma startup de outro empreendimento é a “busca”, que resulta principalmente da incerteza quanto à demanda e a forma da solução proposta para uma necessidade (SKALA; SKALA, 2019).
As startups podem ser inclusas dentro de uma taxonomia (STILL, 2017) que diferencia startups baseadas em ciência (aquelas que desenvolvem aplicações relativas a fenômenos físicos ou construtos teóricos) das baseadas em engenharia (que expandem o escopo de uso de aplicações dessa área). Os dois tipos2 têm um impacto econômico cujo catalisador é a interação entre a tecnologia e seu ambiente operacional, as primeiras com ênfase em um modelo techonology-push e as segundas em um modelo mais market-pull.
A mudança tecnológica é localizada por natureza e reflete o papel difundido de irreversibilidades, externalidades, assimetrias de informação e racionalidade limitada, bem como a quantidade de criatividade de cada agente para resolver problemas específicos. A resposta criativa é intrinsecamente intensiva em conhecimento: as empresas são capazes de gerar novos conhecimentos com base nos processos de aprendizagem. Como apontado por Antonelli (2019) só há reposta criativa schumpeteriana se os empreendedores podem acessar e usar o estoque de conhecimentos acumulados de forma localizada, em uma rede de interações e mecanismos de governança desses conhecimentos que fazem o acesso e o uso possível e que formam o ambiente operacional.
Quais são as dimensões da localização da mudança tecnológica? Antonelli (2012) aponta as seguintes: tempo, espaço técnico, espaço do conhecimento, sistemas tecnológicos, condições estruturais de cada sistema econômico, espaço das características do produto e por último, espaço geográfico. Destas dimensões, duas são fundamentais no nosso trabalho, a temporal e a geográfica, que configuram a cumulatividade e irreversibilidade do espaço do conhecimento e sistemas tecnológicos (temporal) e as condições estruturais do ambiente operacional (geográfica/espacial).
Do ponto de vista temporal, o processo de concentração geográfica pode acelerar durante algum período (aglomeração temporal) assim como pode reduzir-se em outros (dispersão temporal), como exemplificado em Cainelli, Ganau e Jiang (2020). A literatura schumpeteriana evolucionária (PEREZ, 2010; DOSI; NELSON, 2010) mostra que tanto o conhecimento quanto a mudança tecnológica podem ser entendidos como uma sequência temporal dependente da trajetória, criando efeitos de cumulatividade e irreversibilidade. A cumulatividade desempenha um papel importante na produção de conhecimento e novas tecnologias e na integração de novos fatores de produção nos processos de produção atuais. A irreversibilidade é uma característica essencial do capital fixo, seja tangível ou intangível, dado que só pode ser alterado a um determinado custo o que afeta o escopo de qualquer outra nova escolha.
Por outro lado, a aglomeração pode desacelerar em períodos caracterizados por estágios maduros do ciclo do produto de uma indústria ou de um cluster, ou durante períodos de mudança estrutural (CAINELLI; GANAU; JIANG, 2020). A dispersão pode ocorrer também por outros motivos, como por encarecimento dos alugueis, dificuldades de mobilidade ou políticas de atração de investimentos baseadas em incentivos fiscais ou creditícios (KUBRUSLY; SABOIA, 2017)
Do ponto de vista geográfico, a literatura especializada geralmente considera que os mecanismos associados à localização dos empreendedores e empresas estão relacionados à diversidade jacobiana e a especialização gerada pelas externalidades MAR, e que ambos operam em sentido oposto (BEAUDRY; SCHIFFAUEROVA, 2009). Para Adler et al. (2019) e Arbia, Espa e Giuliani (2021) estes mecanismos atuam de forma combinada através de duas escalas espaciais, reforçando-se mutuamente.
O primeiro mecanismo, a diversidade jacobiana (JACOBS, 1969), se relaciona ao nível da macrorregião ou cidade, sendo externa ao setor industrial e relacionada à diversidade de conhecimento advinda da variedade de setores industriais que promove atividades inovativas e levam ao crescimento econômico (ARBIA et al., 2021).
Estas externalidades operam organizando a base de talentos, o conjunto de empresas que funcionam como clientes, fornecedores e usuários finais, universidades e instituições de P&D e outros insumos tangíveis e intangíveis que são fundamentais para o empreendedorismo. As externalidades jacobianas funcionam, assim, a partir da diversidade e são compatíveis com o fato de que uma cidade ou região suficientemente grande apresenta um ambiente mais frutífero para a inovação.
O segundo nível, conhecido como modelo MAR (GLAESER et al., 1992) se relaciona à escala microgeográfica, onde o processo de empreender se organiza em clusters mais compactos, que operam em um distrito, bairro ou na vizinhança.
Este mecanismo se relaciona às economias marshallianas vindas do conhecimento tácito de áreas altamente inovadoras, muito mais sensível à distância: os spillovers de conhecimento são geograficamente limitados no espaço onde o conhecimento é criado (FELDMAN; AUDRETSCH, 1999), atuando através das atividades de imitação, interação comercial e circulação entre firmas de trabalhadores especializados (ARBIA et al., 2021). A existência de distritos especializados em inovação amplia as vantagens das trocas de conhecimento face a face entre pesquisadores, empreendedores e outros colaboradores, garantindo custos de transação mais baixos.
Devem destacar-se, por outro lado, certas ressalvas em relação à real contribuição da proximidade geográfica para o aprendizado e inovação. Boschma (2005) distingue cinco tipos de proximidade (cognitiva, organizacional, social, institucional e geográfica) e coloca que a proximidade geográfica não é condição necessária nem suficiente para que o aprendizado aconteça, se constituindo apenas como uma facilitadora do aprendizado interativo. O autor salienta, ainda, que a proximidade pode ter efeitos negativos sobre o aprendizado e inovação, como por exemplo, a existência de lock-in e menor abertura geográfica a novas ideias e conhecimentos.
Na mesma linha crítica, Bathelt, Malmberg e Maskell (2004) considera que fontes externas de conhecimento são triggers importantes para estimular o crescimento dentro de um cluster e que a criação de novos conhecimentos deve ser entendida como o resultado de uma combinação de interações próximas e distantes.
A proximidade cognitiva é um pré-requisito para que o processo de aprendizado interativo aconteça, sendo as outras dimensões da proximidade mecanismos que amalgamam os empreendedores dentro e fora das organizações (BOSCHMA, 2005). Em outras palavras, para que exista conexão, as startups devem estar relacionadas em uma ou mais dimensões.
2.2 Evidencias empíricas.
Empiricamente, a nova geografia econômica (CLARK; FELDMAN; GERTLER, 2000), avançou nos últimos vinte anos no estudo da organização espacial do empreendedorismo e a atividade inovadora, valendo-se de diferentes metodologias empíricas. Algumas evidências que focam na questão espacial são apresentadas a seguir, considerando-se, em primeiro lugar, as relacionadas as atividades inovadoras e em seguida, as que utilizam processos pontuais-temporais como insumo para analisar aglomerações.
Feldman e Kogler (2010) apresentam evidências que demonstram que atividades inovadoras são mais concentradas que a produção relacionada ao ciclo de vida do setor ou produto. Estágios iniciais são caracterizados por maior importância do conhecimento tácito e a consequente permanência em distritos especializados. À medida que o setor ou produto se torna mais maduro ou padronizado, aumenta a probabilidade de dispersão geográfica e outros fatores (como menores custos) emergem como condutores do processo.
Maine, Shapiro e Vining (2010) estudam a relação entre clusters e o crescimento de firmas baseadas em tecnologia, encontrando que este tipo de firmas se beneficia de pertencer a um cluster pelo acesso a recursos especializados que não podem ser desenvolvidos internamente e existe uma relação negativa entre crescimento e distância da firma ao cluster. Esta relação positiva da proximidade é relacionada, segundo as evidências empíricas dos autores a firmas TIC que dependem fortemente do segmento a jusante da cadeia de suprimentos.
Adler et al. (2019) encontram evidências de que o empreendedorismo de startups se organiza em duas escalas, a macro e a micro geográfica. Na escala macro, as startups encontram-se concentradas em espaços geográficos relativamente pequenos que fornecem ativos e capacidades relativos a trabalhadores talentosos, universidades e centros de pesquisa, entre outros fatores. Na escala micro, as startups encontram-se fortemente entrelaçadas em distritos ou bairros.
Para o Brasil, Arruda, Nogueira e Costa (2013) analisam seis categorias determinantes do ecossistema de empreendedorismo de startups3 como forma de entender o cenário e desenvolvimento de este tipo de empresas no país. Os autores concluem que a criação de conhecimentos e a existência de profissionais com capacidade para empreender são elementos essenciais para potencializar o ecossistema de startups, porém não relacionam estas categorias com a importância das externalidades relacionadas à micro e macro escala geográfica.
Considerando a metodologia de processos pontuais tempo-espaço, Arbia et al. (2014) estudam a demografia de firmas do setor farmacêutico e de dispositivos médicos na região de Veneto (Itália) no período 2004-2009 e encontram que a entrada e saída de novas formas é significativamente afetado pelas interações espaciais de concorrência. Espa et al. (2010) verificam empiricamente a presença do fenômeno de localização endógeno de firmas de tecnologia de informação e comunicação (TIC) em Milano (Itália) encontrando alto grau de aglomeração que não pode ser explicado com exclusividade por fatores exógenos.
Arbia, Espa e Giuliani (2021) por sua vez, procuram encontrar a relação entre economias de localização e padrões de crescimento das firmas italianas, chegando à conclusão de que as externalidades jacobianas afetam de forma diferenciada às firmas pequenas e médias. Firmas pequenas são influenciadas positivamente por externalidades jacobianas, firmas de tamanho médio, que operam em setores de baixa tecnologia são afetadas positivamente por externalidades de tipo MAR e negativamente por externalidades jacobianas.
Procurando evidências dos efeitos, nas firmas italianas, da recessão acontecida entre 2007-2012, Cainelli, Ganau e Jiang (2020) utilizam uma base de dados georreferenciados de empresas manufatureiras e encontram a ocorrência de dispersão espaço-temporal em pequenas distâncias e em curto horizonte temporal para diferentes setores da indústria.
A seguir, se apresentam as variáveis a utilizar no estudo, assim como o método de processos pontuais tempo-espaço não homogêneos.
3. Metodologia: variáveis e métodos
Nesta seção se apresentam em primeiro lugar as variáveis utilizadas, assim como as diversas fontes de dados utilizadas para a conformação da base de dados. A seguir, se destacam as características mais importantes do método utilizado, como forma de analisar processos pontuais tempo-espaço heterogêneos.
3.1 As variáveis utilizadas e fontes de dados
A base de dados usada no trabalho cobre o registro de startups de 2000 to 2020 nas cidades de Florianópolis, Palhoça e São José. A escolha do foco no período 2000-2020 se justifica pelo fato de ser um período particularmente relevante de análise, começando por um momento de relativa estacionariedade (inicio) e posterior aumento de novas startups. A delimitação geográfica obedece, como analisado a seguir, a evitar escolhas discricionárias de limites geográficos políticos que não necessariamente coincidem com as áreas econômicas reais do processo de localização das startups
A conformação da base começou com os dados provenientes da Associação Brasileira de Startups. A seguir, se pesquisaram as empresas incubadas ou aceleradas pela Fundação Certi através da incubadora Celta, dentro do Parque Tecnológico Alfa e pela Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE), que conta com duas incubadoras: Miditec e Inaitec (Florianópolis e Palhoça).
Para confirmar se outras startups foram criadas fora destes âmbitos institucionais, se pesquisaram outras três fontes de dados: Darwin Startups4, e os programas Inovativa Brasil e Sinapse da Inovação5, desconsiderando as startups duplicadas (por exemplo, algumas empresas participam de incubadora e programas públicos, aparecendo em mais de uma fonte de dados). Na Tabela 1 são apresentados os dados coletados e utilizados para a conformação da base de dados.
A partir do nome de cada uma das startups um algoritmo foi utilizado para captar os dados públicos de registro administrativo destas empresas6: CNPJ e ano de registro público deste, endereço, tamanho e setor de atuação (CNAE). O registro do CNPJ é fundamental no nosso estudo porque permite determinar em que medida uma startup já registrada publicamente, permanece em uma localização geográfica vizinha da instituição incubadora e consequentemente de outras startups, ou opta por uma nova localização, vizinha a outras empresas de base tecnológica ou totalmente aleatória.
Após esta identificação, os dados de endereço das empresas foram transformados em coordenadas geográficas de latitude e longitude, que são necessários para localizar o evento pontual dentro do espaço finito planar de nosso estudo.
O segundo passo consistiu em delimitar o polígono geográfico onde estas startups estão inseridas: as cidades de Florianópolis, São José e Palhoça. Para isto, foram usados os dados de limites geográficos das cidades em formato vetorial, obtidos na base cartográfica continua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2017)7.
No mapa apresentado na Figura 1 podemos observar a localização e densidade das startups de base tecnológica fundadas a partir do ano 2000 em Florianópolis assim como nas cidades de São José e Palhoça.
Percebe-se que a consideração isolada de Florianópolis como uma unidade espacial caracterizada por limites geográficos pré-definidos, poderia introduzir um viés estatístico relacionado à escala geográfica (ARBIA, 2012). Assim, a incorporação de eventos pontuais que acontecem nas cidades vizinhas é fundamental, dado que há uma interação bastante dinâmica entre estas e a capital do estado, como podemos perceber pela localização das startups de São José, no limite com a porção continental de Florianópolis e de Palhoça, localizadas basicamente na região norte da cidade, no Polo de Pedra Branca.
No caso de Florianópolis, aprecia-se que as startups também não se distribuem homogeneamente ao longo de toda a cidade e há uma forte concentração em certos espaços. A maior concentração acontece ao longo dos quatro quilômetros da SC-401 entre o viaduto de João Paulo e o começo do bairro Santo Antônio de Lisboa, distância que separa a incubadora Celta da Fundação CERTI (Universidade Federal de Santa Catarina) e a incubadora MIDITEC da Associação Catarinense de Tecnologia (ACATE).
Fora do eixo da SC 401, há concentração de empresas inovadoras nos bairros do Centro, Trindade, Itacorubi e Lagoa, na parte continental de Florianópolis, e nas cidades vizinhas de São José e Palhoça, onde atua o INAITEC no bairro de Pedra Branca. O Sapiens Parque, começou a ganhar corpo nos últimos anos, gerando uma nova dinâmica para o norte da Ilha, especialmente no bairro de Canasvieiras, o que permite vislumbrar uma primeira aproximação deste tipo de empreendimento aos bairros de praias da cidade.
Na Tabela 2 apresentam-se estatísticas descritivas das startups mapeadas na região de Florianópolis, São José e Palhoça. Em relação à cidade, há uma predominância como já foi observado, de localização na capital do estado, que representa quase 88% do total.
Considerando o setor, percebe-se que há uma diversificação considerável. Entre os oito setores definidos pela ABStartup, predomina o setor de TI e Telecomunicações, que representa quase 40% do total na região considerada. O segundo setor, que aparece com 12% do total é o de Engenharia. As outras startups (aproximadamente 50% do total) se distribuem entre os demais seis setores.
Em termos de tamanho, predominam os pequenos empreendimentos, dado que 78% do total de startups contam com até 10 pessoas trabalhando, sendo 26% as que empregam até 5 pessoas e 72% as que empregam entre 6 e 10 pessoas. No total do período considerado, só oito startups conseguiram atingir mais de 50 pessoas empregadas, das quais cinco empregam até 100 pessoas e três mais do que cem pessoas.
Resumindo, as startups consideradas se localizam principalmente em Florianópolis, há uma diversificação enquanto aos setores com predominância do setor de TI e trata-se, na média de pequenos empreendimentos, em relação ao número de pessoas ocupadas.
No Gráfico 1, observa-se a distribuição temporal da entrada das startups nas cidades selecionadas. A maior parte das startups foram iniciadas a partir de 2010, o que pode estar relacionado à maior incentivo público via editais para a emergência deste tipo de empreendimento.
Pode-se inferir, a partir da figura da distribuição espacial e no gráfico de distribuição temporal da criação de startups, que não há um padrão homogêneo nestas duas dimensões, o que justifica o estudo acerca de como acontece o processo pontual espaço-temporal, o que nos permitirá conhecer em que medida a estrutura de aglomeração de startups exibe diferentes graus de concentração nas duas escalas: espacial e temporal.
3.2 Método estatístico: processos pontuais espaciais e processos espaço-temporais.
Se define nesta seção a metodologia empregada. São descritas a função K espacial (RIPLEY, 1977) e a função K espaço-temporal. Em cada seção, por sua vez, se apresentam previamente, as funções intensidade do processo de geração pontual. Segue-se a notação de Arbia, Espa e Giuliani (2021) em todas as subseções.
3.2.1 Função K espacial
O processo pontual espacial pode ser caracterizado por funções intensidade de primeira e segunda ordem, que permitem distinguir efeitos exógenos e endógenos da formação de aglomerações econômicas (ARBIA et al., 2021).
A intensidade de primeira ordem pode ser definida como:
onde é uma região espacial infinitesimalmente pequena contendo o ponto genérico x, representa o número de pontos localizados nessa região e denota a área. Heuristicamente, expressa a probabilidade de encontrar um ponto ao redor de x. Se , o processo é estacionário.
A função intensidade de segunda ordem pode ser definida em termos similares:
onde x e y denotam dois eventos genéricos diferentes e pode ser interpretado como o número esperado de pontos localizados em duas regiões infinitesimais centradas em x e y com áreas de superfície dx e dy.
A função K espacial é a ferramenta básica da análise de dimensionalidade e distribuição de eventos pontuais assim como de estimação de parâmetros de adequação de ajuste do padrão de geração de pontos. Heuristicamente pode ser definida como,
onde indica o número esperado de outros pontos até uma distância d de um ponto típico.
O vínculo entre é dado em (3) por:
O link entre as duas funções se relaciona ao fato de que as duas descrevem a distribuição das distâncias entre pares de pontos no padrão pontual, é relacionada à distribuição cumulativa e a função de probabilidade de densidade.
Nas análises econômicas empíricas onde o processo de geração de pontos é estacionário e isotrópico (o processo pontual no território é essencialmente homogêneo), a função K quantifica adequadamente o nível médio (global) de interações espaciais entre os agentes econômicos (como firmas ou consumidores) até cada distância d.
3.2.2 Função K espaço-temporal
A função de intensidade de primeira ordem, denotada por , pode ser definida como (ARBIA; ESPA; GIULIANI, 2021), considerando tempo e espaço, pode ser definida como:
onde é uma região infinitesimal contendo os pontos dos eventos e denota o número de pontos em o volume da região . Assim, a Equação 1, representa o número esperado de eventos pontuais localizados em uma região infinitesimal, centrada no ponto z, o que implica que, em média, a quanto maior o resultado desta primeira ordem, maior a concentração de eventos pontuais localizados em torno a z.
No caso em estudo, pode ser considerado como a heterogeneidade espaço-temporal que é consequência de fatores exógenos (ARBIA; ESPA; GIULIANI, 2021), que levam às startups a aglomerar-se em:
-
a
determinadas microáreas geográficas, para explorar algumas características locais favoráveis, como a presença de uma incubadora, a proximidade a uma universidade ou uma rodovia que permita fácil mobilidade;
-
b
Determinado ano ou período temporal, associado à maiores níveis de incentivos financeiros públicos, por exemplo, ou à emergência de um fundo anjo de investimento (ADLER et al., 2019).
Para medir a concentração corretamente, é fundamental separar a heterogeneidade espaço-temporal da dependência intracluster, distinguindo, assim, fatores exógenos de endógenos. A função K espaço-tempo não homogênea (STIK) pode ser considerada para captar os efeitos endógenos da interação entre eventos pontuais após o ajuste dos efeitos exógenos das características da região em estudo (ARBIA; ESPA; GIULIANI, 2021).
A função intensidade de segunda ordem pode ser apresentada como:
onde e denotam dois eventos genéricos diferentes no domínio espaço-temporal. pode ser interpretado como o número esperado de eventos pontuais localizados em ocorrendo no tempo ou localizados em acontecido no tempo .
Como podemos analisar a Equação 5, em termos da distribuição econômica dos agentes? O resultado descreve a dependência espaço-temporal que ocorre pela presença de atividade econômica na região estudada, através do efeito das externalidades espaciais, que atrai outras startups para se localizar na mesma área.
Uma vez calculadas as funções intensidade podemos introduzir a função de correlação entre pares (GABRIEL; DIGGLE, 2009), que pode ser interpretada como uma medida da associação espaço-temporal entre , como apresentada na Equação 6:
Em (3), os possíveis resultados são:
Se não temos interação espaço-temporal e ;
Se , temos atração e ;
Se , temos repulsão ou inibição e .
A partir destas definições, a função intensidade espaço-temporal de um processo pontual, de segunda ordem isotrópica (STIK) é utilizada para analisar a estrutura espaço-temporal, em especial a presença de aglomeração nas duas dimensões.
O método de estudo, proposto por Gabriel e Diggle (2009) e posteriormente implementado por Gabriel (2014), é representado pela Equação 7:
onde e , que denotam as distâncias espaciais e temporais, respetivamente. A observação da distribuição micro geográfica do nascimento das startups pode ser considerada como um conjunto de eventos pontuais onde é a localização espacial (identificada pelas coordenadas geográficas, ) do evento pontual i, e representando o ano de ocorrência do início da startup.
O estimador não viesado para a função K espaço-tempo não homogênea, baseada nos dados de localização de eventos na região espaço-temporal , onde S é um polígono geográfico e T é um intervalo de tempo, é dado por (8):
onde é a intensidade em e é um fator de correção dos limites ou bordas espaços-temporais.
A agregação de pontos e a heterogeneidade espaço-temporal podem ocorrer por fatores associados a “contágio aparente” ou por “contágio verdadeiro” (ARBIA et al., 2021). O primeiro relaciona-se a fatores exógenos e o segundo à presença de um evento pontual que estimula a presença de outros eventos vizinhos. O contágio aparente se relaciona à violação da condição de estacionariedade de um padrão de aleatoriedade espacial completa e o contágio verdadeiro à violação de independência8.
Serão realizados dois testes (BADDELEY et al., 2014) que permitem validar os resultados da clusterização encontrada tanto na função de densidade quanto a partir da função K espacial não homogênea. Os testes baseiam-se em simulações de Monte Carlo onde padrões pontuais aleatórios são simulados, para testar a aleatoriedade espacial a partir de desvios numéricos entre a função que representa o processo pontual amostral e as funções simuladas.
O primeiro teste, procura a rejeição da hipótese nula de aleatoriedade espacial completa (Complete Spatial Randomness, CSR), isto é, de que eventos pontuais ocorrem dentro da região de estudo de forma absolutamente aleatória. Neste caso se procede a realizar um teste de Monte Carlo (com 99 simulações) para comparar o valor do t do desvio absoluto máximo (MAD) dos dados observados com o valor t do MAD máximo das simulações.
Na mesma direção, o teste de Diggle-Cressie-Loosmore-Ford (DCLF) procura rejeitar a mesma hipótese nula. O teste DCLF, baseado também em simulações de Monte Carlo é mais influenciado por maiores flutuações na distância entre eventos.
4. Resultados: processo pontual heterogêneo da distribuição de startups
Nesta seção, o nosso objetivo é analisar em que medida os dados observados das startups criadas nas cidades de Florianópolis, São José e Palhoça respondem a um padrão de aglomeração espacial e temporal em lugar de se localizar aleatoriamente nestes dois espaços.
Em primeiro lugar, analisam-se as intensidades espaciais calculadas para diferentes valores de largura de banda (σ), que se apresentam graficamente na Figura 2. A banda escolhida é o parâmetro que controla a menor ou maior suavidade da superfície analisada e minimiza o erro quadrático médio da intensidade espacial calculado a partir do estimador de Kernel (ARBIA et al., 2014).
Representação gráfica da função intensidade da superfície em 2-D (painel superior) e 3-D (painel inferior) para diferentes larguras de banda.
O primeiro valor de largura de banda (σ = 250) foi selecionado ad-hoc como base de comparação com os valores que consideram dois tipos de correção de borda (bw.digle e bw.ppl), de acordo com a matriz de distâncias9 entre as diferentes startups. Como esperado, e mostrado nas superfícies 2-D (figuras do painel superior) e 3-D (figuras do painel inferior), uma largura de banda maior suaviza a superfície da função de densidade e vice-versa. Para todos os tipos de borda, a densidade de startups de base tecnológica não é espacialmente homogênea: para todas os valores de sigma há uma concentração espacial dos eventos pontuais e está concentração é especialmente forte no rádio de aproximadamente dois quilômetros, mas se apresenta também no radio de cinco e nove quilômetros e entre 15 e 20 km.
A seguir, apresenta-se na Figura 3 a função L (BESAG, 1977), que é uma normalização da função K espacial não homogênea, que é, como analisado na seção 3.1, a distribuição empírica cumulativa dos pares de distância entre as startups.
Comportamento da função K não homogênea (linha solida) e da função e intervalo de confiança de ausência de dependência espacial (linha pontilhada vermelha e envelope cinza).
Se compara a função L com uma função construída a partir de cem simulações, sob a hipótese nula de ausência de dependência espacial. Esta função é apresentada pela linha pontilhada vermelha, assim como os valores superiores e inferiores do intervalo de confiança (linhas cinzas).
Para todos os pontos considerados, a função K(r) observada é maior que o envelope e está acima do valor teórico, pelo que podemos dizer que os eventos pontuais de startups são consistentes com um processo de cluster, com nível de significância de 99%, o que sugere uma alta escala de concentração.
Um desvio significativo para cima da função estimada é evidente, em relação às faixas de confiança para distâncias de até nove quilômetros, o que indica externalidades espaciais positivas, que podem ser associadas a economias jacobianas e do tipo MAR. Estas interações espaciais não podem ser imputadas a fatores exógenos que mudam ao longo do espaço, e se relacionam a fatores endógenos de vizinhança entre pontos (startups), como demonstrado pelos testes apresentados a seguir.
Os resultados dos testes que permitem avaliar a hipótese nula de aleatoriedade espacial confirmam os resultados das funções analisadas. O teste CSR (Complete Spatial Randomness), com um nível de significância de 0,01 rejeita a hipótese nula de aleatoriedade espacial, o que indica que o t dos dados observados e o t das simulações realizadas não são estatisticamente equivalentes (Veja-se Anexo 1).
O teste de Diggle-Cressie-Loosmore-Ford (DCLF) rejeita a mesma hipótese nula com nível de significância de 0,01. Como este teste é mais influenciado por maiores flutuações na distância entre eventos, a realização deste teste no âmbito do nosso trabalho se justifica dado que a densidade apresentada na Figura 2 mostra uma distribuição pelo menos bimodal de acordo à correção de borda utilizada, o que indicaria que além da interação no nível de bairro (externalidades MAR) há forte interação regional (externalidades jacobianas).
Para finalizar, se apresenta a representação da função K espaço-temporal na Figura 4, considerando distâncias km10 e tempo, anos. Um primeiro resultado a remarcar é que a figura nos permite ver a interação entre o espaço e o tempo.
Gráfico da função para a entrada de startups comparada com a hipótese nula de localização espaço-temporal aleatória.
Percebe-se que clusters espaço-temporal de startups surgem com um lag temporal mínimo de cinco anos e as maiores concentrações espaciais acontecem com um lag de dez anos a distâncias entre 1 e 2 km, 5 km e 9 km. Se percebe que aparece outro cluster significativo à distância entre 15 e 20 km.
No caso das startups de Florianópolis e região, o conhecimento tácito, que se assume só transferível através da interação direta, face a face, parece assumir um papel crucial, indicando que a transmissão de conhecimento tende a ocorrer mais eficientemente pela interação humana direta, entre empreendedores, entre empreendedores e especialistas dentro das incubadoras e entre trabalhadores em ocupações técnicas e tecnológicas.
Esta maior eficiência da proximidade estaria associada à redução de incerteza e diminuição de problemas de coordenação, facilitando o aprendizado interativo e a inovação. Este resultado deve ser relacionado à existência de proximidade cognitiva: ressalta-se que, como apresentado nas estatísticas descritivas, 40% das startups pertencem ao setor de TI e Telecomunicações e 12% ao setor de Engenharia. Além deste compartilhamento em termos setoriais, as startups mapeadas se caracterizam por apresentar uma base tecnológica em comum. Desta forma, as proximidades cognitiva e geográfica permitem que as pessoas compartilhem a mesma base de conhecimento e expertises, facilitando a comunicação efetiva (BOSCHMA, 2005).
Salienta-se que além da interação que resulta em externalidades do tipo jacobianas, a existência de externalidades do tipo MAR se evidencia simultaneamente na função espaço-temporal. Uma possibilidade, não explorada neste trabalho, é que isso seja resultado do que Arbia et al. (2021) encontram para empresas italianas: empresas de tamanho pequeno experimentam uma taxa de crescimento acima da média como resultado da existência de externalidades MAR que operam a maior distância, mas dentro da região. No caso da região explorada, a maior parte das empresas (quase 80%) tem até 10 pessoas ocupadas, o que reforçaria a possível existência deste tipo de externalidades.
Por sua vez, o resultado temporal indica que existe uma cumulatividade no processo de conhecimento que beneficia a entrada de novas startups. Essa cumulatividade se dá especialmente em ciclos maiores a cinco anos, sendo relevante para todas as distâncias o ciclo de entre cinco e dez anos, configurando a chamada concentração temporal (CAINELLI; GANAU; JIANG, 2020). No caso de distâncias menores (até 5 km), a cumulatividade acontece até 15 anos, o que reforça o resultado da importância das externalidades do tipo MAR associadas à interação intraindústria. Finalmente, há evidencias de dispersão temporal no período de quinze-vinte anos para distancias maiores a cinco quilômetros.
Este resultado pode estar relacionado à dinâmica de crescimento na trajetória do ciclo de vida de um cluster como o da tecnologia na região de Florianópolis. Ter Wal e Boschma (2011) sugerem que durante o estágio de crescimento de um cluster, as redes de empresas tendem a formar uma estrutura estável centro-periferia, como a que se observa na região, com o centro representado pela incubadora da Fundação CERTI. Posteriormente, a medida que o cluster cresce, este tende a ficar mais denso, o que seria um indicio da maior dispersão temporal e espacial no período de quinze a vinte anos em distâncias maiores a cinco quilômetros. Desta forma, o desenvolvimento natural do cluster de startups percorre a trajetória sugerida por Boschma e Frenken (2011), que tratam as instituições (Fundação CERTI e UFSC) como condicionantes mais do que como determinantes do comportamento e desenvolvimento regional.
Este resultado se associa ao fato de que algumas startups dentro do cluster se comprometem com novos arranjos de inovação que requerem interações com sócios potenciais que apresentam maior distância cognitiva (MASKELL, 2017)
A partir destes resultados podemos nos perguntar: Em que medida o padrão de aglomeração ocorre por fatores associados à contágio aparente ou verdadeiro (ARBIA et al., 2014)? O primeiro, associado a fatores exógenos, levariam às startups a explorar condições geográficas favoráveis em certas áreas11: presença de infraestrutura, proximidade de rotas de comunicação e transporte ou a possibilidade de se beneficiar de incentivos públicos pela localização em áreas específicas. Neste caso, o processo pontual estaria violando a condição de estacionariedade com intensidade não constante ao longo do território.
Por outro lado, o contagio verdadeiro associar-se-ia a presença de um evento que estimula a localização de outros eventos no entorno, violando a hipótese de independência. Neste caso, poderíamos dizer que as startups se localizam no entorno de outras para usufruir de alguma externalidade que vai além das exógenas (como infraestrutura).
De acordo à teoria econômica de aglomeração industrial, este é um fenômeno conduzido, primariamente, pela presença de interações espaciais entre diferentes empreendedores schumpeterianos e entre estes e outras atividades econômicas e instituições de conhecimento como universidades e especialmente incubadoras de startups, o que favorece a transmissão de conhecimento intraindústria e cria um mercado de trabalho mais eficiente. Os nossos resultados confirmam a existência de contágio verdadeiro, resultante de fatores endógenos de difícil mensuração como transmissão de conhecimentos tácitos ou a existência de uma cultura local que define as características socias e aspectos subjetivos da comunidade e moldam a forma pela qual os indivíduos se relacionam possibilitando a emergência do empreendedorismo schumpeteriano.
5. Conclusões
A aglomeração de empreendedores espacial e temporalmente é um fenômeno recorrente que ocorre em todas as áreas urbanas. Porém, os estudos que não delimitam as aglomerações por espaços geográficos arbitrários são escassos, pela necessidade de utilização de dados georreferenciados e técnicas de microeconometria espacial.
A contribuição deste trabalho pode ser dividida em duas partes. Em primeiro lugar, metodológica, dado que a partir da abordagem de funções K não homogêneas permite analisar não só a dimensão espacial das aglomerações, mas também a dimensão temporal.
A segunda contribuição se relaciona à identificação empírica da dinâmica de aglomeração de startups de base tecnológica de uma cidade de tamanho médio, Florianópolis e das cidades vizinhas, São José e Palhoça, ao longo de vinte anos. A análise realizada permite concluir que há evidencia estatística de interações tempo-espaço e um padrão claro de aglomeração em torno, basicamente, da localização da incubadora Celta localizada no Parque Tecnológico Alfa, da Fundação Certi (UFSC). Concomitantemente, outras localizações como as incubadoras MIDITEC, INAITEC e o centro da cidade concentram startups.
A identificação do processo espaço-temporal no padrão de aglomeração de empreendedores tem implicações relevantes em termos de geração e difusão de externalidades locais, no nível das chamadas externalidades jacobianas (macro) e marshallianas (micro), assim como nas relações entre empreendedores e entre estes e outras empresas e instituições de pesquisa e conhecimento.
Isto porque além da proximidade geográfica, há indícios de proximidade cognitiva, que, como apontado por Boschma (2005) é um pré-requisito para que o processo de aprendizado e outras interações aconteça, sendo as outras dimensões da proximidade (como a geográfica) os meios que permitem amalgamar os empreendedores dentro e fora das organizações.
Podemos citar, por outro lado, algumas limitações da nossa pesquisa. Em primeiro lugar, não foram consideradas startups que morrem na trajetória temporal considerada, o que permitiria conhecer outro aspecto da demografia de startups que é a influência da localização na sobrevivência deste tipo de empreendimento. Em segundo lugar, o período de análise de vinte e dois anos, mesmo que amplo, não cobre o período total desde o nascimento da Fundação Certi e da ACATE, que começaram a fortalecer o sistema regional de inovação catarinense na metade dos anos oitenta. Em terceiro lugar, seria interessante definir um modelo que mostre como a localização repercute na performance das startups tanto no que se refere à crescimento destas, quanto à possível migração para cidades maiores. As limitações citadas servem como incentivo para o desenvolvimento de trabalhos futuros.
Destaca-se, também, a necessidade de aprofundar o estudo das interações distantes do cluster. Como destacado por Bathelt, Malmberg e Maskell (2004) a existência de interações locais de alta qualidade é fundamental para o dinamismo do cluster, mas o componente externo de conhecimento, conectando as startups locais com o resto do mundo do através de pipelines globais é altamente benéfico para o cluster: conhecimentos novos e de alto valor são criados em outras partes do mundo o que possibilita ganhos de competitividade individuais assim como a possibilidade de transmissão desses novos conhecimentos para o restante do cluster.
O comentário final se relaciona às implicações políticas considerando os resultados deste trabalho. As iniciativas da UFSC e o apoio do setor público estadual e federal para construir e desenvolver o cluster tecnológico de Florianópolis conseguiram promover o nascimento e crescimento de startups e outras organizações dentro de um cluster espacialmente definido. Mas se consideramos que startups tem como característica a busca de crescimento rápido e escalável, esta iniciativa pode não ser suficiente.
A ampliação da importância de redes e mercados externos se torna central e nesse sentido, e as políticas públicas deveriam focar no estímulo à criação de habilidades que tornem estas empresas mais presentes e inseridas no mercado global. Um cluster de sucesso só pode ser construído se a troca de conhecimento local se combina com conhecimentos e mercados externos. Prover os mecanismos necessários para incentivar as interações distantes, criando o que Bathelt, Malmberg e Maskell (2004) chamam de pipelines globais, pode ser a maior contribuição da política pública para incentivar a captação de spillovers de conhecimentos externos.
ANEXO 1 Testes: CSR e Diggle-Cressie-Loosmore-Ford
Maximum absolute deviation test of CSR
Monte Carlo test based on 99 simulations
Summary function: K(r)
Reference function: theoretical
Alternative: two.sided
Interval of distance values: [0, 0.105121907000003]
Test statistic: Maximum absolute deviation
Deviation = observed minus theoretical
data: starts
mad = 0.0471, rank = 1, p-value = 0.01
Diggle-Cressie-Loosmore-Ford test of CSR
Monte Carlo test based on 99 simulations
Summary function: K(r)
Reference function: theoretical
Alternative: two.sided
Interval of distance values: [0, 0.105121907000003]
Test statistic: Integral of squared absolute deviation
Deviation = observed minus theoretical
data: starts
u = 0.000129, rank = 1, p-value = 0.01
Agradecimentos
A autora agradece o apoio do CNPq ao grupo de pesquisa Núcleo de Estudos em Complexidade, Desenvolvimento e Desigualdade (NECODE) do qual faz parte e no âmbito do qual esta pesquisa foi realizada.
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1
A função K homogênea proposta por Ripley (1977) com conceitos similares na física estatística e na astronomia, supõe um espaço homogêneo. Startups (e atividade econômica no geral) decidem a localização considerando fatores exógenos como a presença de infraestrutura, universidades, outras firmas, etc. Assim, utiliza-se uma função K não homogênea que considera um processo pontual heterogêneo.
-
2
Destaca-se ainda a diferenciação entre startups baseadas em tecnologia privadas e aquelas que emanam de universidades ou institutos de pesquisa (para uma análise desta taxonomia, veja-se MUSTAR et al., 2006). Mesmo que esta diferenciação seja fundamental em um ambiente como o aqui analisado, não é o foco do nosso trabalho e a discussão excede os limites do mesmo.
-
3
Contexto regulatório, condições de mercado, acesso a financiamento, criação e difusão de conhecimento, capacidades empreendedoras e cultura empreendedora.
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4
Autodefinida com ecossistema de evolução para startups, criada em 2015 dentro do âmbito da Fundação Certi (UFSC). Premiada por três anos consecutivos como melhor aceleradora de Brasil (2018, 2019 e 2020).
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5
Programas de apoio a empreendedores idealizados e executados pela Fundação Certi (UFSC).
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6
A fonte primaria dos dados são os dados abertos disponibilizados pela Receita Federal do Brasil, contendo dados cadastrais do CNPJ, sócios de empresas, ano de registro, setor CNAE, número de empregados (faixa).
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7
O polígono se baseia no somatório dos mapas das cidades de Florianópolis, São José e Palhoça. Destaca-se que o IBGE/DGC apresenta a ilha de Santa Catarina (localização da capital, Florianópolis) colada na parte continental de Santa Catarina.
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8
A hipótese de aleatoriedade espacial completa (Complete Spatial Randomness, CSR) significa que os eventos pontuais foram gerados sob duas condições: 1. Estacionariedade: padrão constante de distribuição pontual dentro de uma área; 2. Independência: ausência de interação espacial entre pontos (ARBIA; ESPA; GIULIANI, 2021).
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9
Calculada considerando a posição de longitude (x) e a latitude (y) de cada uma das startups considerada.
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10
A distância de 25 km foi escolhida considerando os resultados da função K não homogênea, que determinam um resultado relevante para distâncias entre 15 e 20 km. Ressalta-se que a distância entre a Fundação CERTI e o Sapiens Parque é de 25 km, e entre a Fundação CERTI e a cidade Universitária Pedra Branca (Palhoça) é de 22 km, o que poderia estar determinando este resultado.
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11
No caso de Florianópolis, uma parte importante da atividade econômica, associada ao turismo, explora este tipo de padrão de aglomeração, localizando-se perto das praias.
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Fonte de financiamento: Não há fonte de financiamento.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
16 Set 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
-
Recebido
02 Jul 2021 -
Revisado
03 Jun 2022 -
Aceito
06 Ago 2022