RESUMO
Minas Gerais tem um enorme desafio relacionado com a destinação de bilhões de toneladas de rejeitos da mineração de ferro. Neste contexto, a inovação é elemento fundamental para encontrar alternativas técnicas e economicamente viáveis para fazer frente a este problema. Neste trabalho, avalia-se a tentativa de implementação de rede colaborativa para gerar as inovações necessárias para a destinação de rejeitos no estado de Minas Gerais. Trata-se da Plataforma R3 Mineral, uma rede colaborativa para o desenvolvimento de soluções para a destinação dos rejeitos. Para a compreensão dos obstáculos que levaram ao encerramento foram realizadas entrevistas com atores que participaram da Plataforma. As redes colaborativas internacionais da mineração, AMIRA (Austrália) e CEMI (Canadá) são apresentadas como parâmetros para a análise da Plataforma R3 Mineral. De forma geral, observou-se que a falta de uma estrutura organizacional formal foi determinante para a dispersão dos membros da plataforma e para o seu insucesso.
PALAVRAS-CHAVE Inovação; Mineração; Rejeitos de minério de ferro; Redes colaborativas
ABSTRACT
Minas Gerais faces the challenge of disposal billions of tons of iron mining tailings. Innovation is a fundamental key in the search of technically and economically viable alternatives for solving this problem. In this paper, is presented and evaluated an attempt to implement a collaborative network to foster innovations for the disposal of tailings in the state of Minas Gerais. This is the Plataforma R3 Mineral, a collaborative network for the development of solutions for the disposal of mining waste. In order to understand the obstacles that led to the end in its operations, interviews were conducted with actors who participated in the Platform. International collaborative mining networks, AMIRA (Australia) and CEMI (Canada) are presented as parameters for the analysis of the Plataforma R3 Mineral. It was observed that the lack of a formal organizational structure was decisive for the dispersion of the platform members and for its failure.
KEYWORDS Innovation; Mining; Iron ore tailings; Collaborative networks
1. Introdução
Um dos setores produtivos mais importantes para o estado de Minas Gerais é a cadeia produtiva da mineração que, junto à atividade da metalurgia, forma um grande complexo mínero-metalúrgico. Em 2021, esse complexo respondeu por 43% de toda a extração de minerais metálicos do Brasil. No estado a mineração é responsável por cerca de 61.580 empregos diretos e 344.000 empregos indiretos (INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO, 2023).
Uma particularidade da atividade de mineração de ferro, é a movimentação de grandes volumes de materiais extraídos e beneficiados, levando a uma grande geração de resíduos. Neste contexto, existem dois tipos de resíduos: os estéreis e os rejeitos. Os estéreis são os materiais escavados, gerados pelas atividades de extração no decapeamento da mina. Não têm valor econômico e geralmente ficam dispostos em pilhas a céu aberto. Já os rejeitos são resíduos resultantes dos processos de beneficiamento a que são submetidas as substâncias minerais. Normalmente, são depositados em barragens sob a forma de uma lama. A maior parte destas barragens é construída pelo método de alteamento a montante, que consiste na construção de diques sobre o próprio rejeito decantado no fundo da barragem, deslocando o eixo da obra em direção à montante. Este método é caracterizado pelo menor custo de construção, maior velocidade de alteamento e menor necessidade de equipamentos de terraplanagem. Em outros termos, oferece respostas rápidas e de baixo custo em momentos de crescimento na produção mineral. As desvantagens do uso de barragens de rejeitos se devem à sua menor segurança, sobretudo devido à capacidade de liquefação da massa de rejeitos saturada, e aos seus possíveis impactos ambientais, em razão da proximidade linha freática (THOMÉ; PASSINI, 2018)1.
Nesse contexto, observa-se que o forte crescimento da produção mineral ao longo das últimas décadas teve como uma das suas consequências negativas mais evidentes a ampliação no volume de resíduos gerados, especialmente rejeitos. Dessa forma, houve uma intensificação no uso de barragens em regiões mineradoras, sustentada principalmente na ampliação de barragens previamente existentes. Como consequência desse processo, foram ampliados os custos ambientais e sociais relacionados ao aumento dos riscos de rompimento em suas estruturas, como, de fato aconteceu em duas oportunidades na década de 2010.
Em 05 de novembro de 2015, houve o rompimento da barragem de Fundão, pertencente ao complexo minerário de Germano, de propriedade da mineradora Samarco, uma joint venture das companhias mineradoras Vale e BHP Billiton, localizada no município de Mariana (MG). Tal fato trouxe consequências ambientais e sociais graves e onerosas, em escala regional (ROESER; ROESER, 2010), tendo sido identificada como o maior desastre ambiental da história do Brasil (LOPES, 2016; ROCHA, 2021). Em decorrência desse rompimento, foram registrados 19 óbitos, além da destruição do distrito de Bento Rodrigues e dos danos causados a córregos e rios na região, em especial ao Rio Doce.
No dia 25 de janeiro de 2019, ocorreu o rompimento de barragem na Mina Córrego do Feijão, pertencente à companhia Vale S. A., na cidade de Brumadinho (MG). Nesse caso, foram registradas 270 mortes em consequência do desastre, sendo que a onda de rejeitos atingiu áreas urbanas e agrícolas, além do Rio Paraopeba, levando à destruição de moradias e empreendimentos econômicos na região. Até onde se sabe, o desastre de Brumadinho não superou o de Mariana em termos das perdas ambientais, embora suas consequências sobre a vida humana e social tenham sido muito maiores (ROCHA, 2021).
Como reação a esses eventos, no dia 25 de fevereiro de 2019 foi sancionada a Lei 23.291/2019, que instituiu uma nova Política Estadual de Segurança de Barragens - PESB. Entre várias modificações na legislação anterior, esta lei determinou a proibição da concessão de licenças para barragens que utilizem o método de alteamento a montante e estabeleceu um prazo de três anos para descaracterização de todas as barragens alteadas por estes métodos.
Em tal cenário, ascendeu a necessidade de se definir novas estratégias para a destinação dos resíduos de minério, com destaque para aquelas que levassem ao seu reaproveitamento em outras atividades produtivas, a partir da sua reciclagem. Aprofundou-se, desta forma, a busca pela chamada “nova mineração”, que tem entre os seus objetivos o reaproveitamento dos rejeitos dispostos em barragens como matéria-prima para a fabricação de novos produtos (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE MINAS GERAIS, 2019).
Entende-se que o caminho para a efetivação dessa estratégia passa pelo progresso tecnológico, pautado no desenvolvimento de inovações alinhadas ao reaproveito de rejeitos da mineração. Sendo assim, buscar-se-ia a criação de um sistema capaz de produzir bens a partir do uso materiais que seriam descartados, levando à diminuição do volume de rejeitos dispostos em barragens e à consequente redução dos riscos humanos e ambientais relacionados a essa atividade. Ademais, o reaproveitamento de rejeitos em outras atividades produtivas pode estimular o surgimento de novos negócios e o crescimento da renda local.
Contudo, a dinâmica tecnológica do setor minerador apresenta particularidades que tendem a dificultar a sua busca por inovações orientadas para a destinação de rejeitos. Nesse segmento, fornecedores de equipamentos e prestadores de serviços especializados desempenham papel decisivo em seu processo de inovação, contribuindo com a maior parte das tecnologias incorporadas pelas empresas do setor (BLUNDI et al., 2019). Todavia, a maior parte destes fornecedores de máquinas e equipamentos para o setor se concentra em economias avançadas com sistemas de inovação maduros. Como consequência, as inovações incorporadas pela mineração tendem a se originar majoritariamente nesses países, mesmo que sua atividade mineradora seja marginal (DALY; VALACCHI; RAFFO, 2019). Sendo assim, problemas e questões local-específicas não entram no radar dos principais atores envolvidos em atividades inovativas para a mineração.
Em razão desta dinâmica tecnológica, problemas locais relacionados à atividade de extração mineral tendem a ser relegados pelos principais vetores de inovação no segmento (GARCIA; SANTOS; SUZIGAN, 2020). Esta é uma das barreiras para o desenvolvimento técnico relacionado ao reaproveitamento de rejeitos de minério, para a qual se faz urgente a busca por soluções em razão das tragédias humanas e ambientais recentes e dos riscos de novos acidentes que possam impactar a sociedade e a economia brasileira e, principalmente, em Minas Gerais. Nesse caso, a busca por soluções tecnológicas fica a cargo de agentes locais do sistema de inovação, como as universidades, mas não concentra a atenção e os esforços dos grandes produtores (CARMIGNANO et al., 2021).
Destaca-se ainda que, o reaproveitamento de grandes quantidades de rejeitos envolve um processo de grande complexidade, em razão dos seguintes fatores: (1) não existe até o momento interesse da maioria das empresas mineradoras no desenvolvimento comercial de aplicações para os rejeitos gerados em seu processo produtivo, e, desta forma, os fornecedores de equipamentos e serviços não têm foco na pesquisa por inovações em rejeitos; (2) ainda não existe um mercado para os rejeitos gerados pelas empresas de mineração, já que as cadeias produtivas são atendidas por fornecedores de matérias-primas previamente existentes; (3) outras cadeias produtivas que poderiam absorver os produtos de rejeitos, como a da construção civil, já são estruturadas e contam com redes de fornecedores estabelecidas; (4) o volume de rejeitos gerados pela mineração é muito grande, e as possíveis aplicações exigiriam uma interação com outras cadeias produtivas, que, mesmo somadas, não teriam capacidade de absorver todos os rejeitos produzidos; e (5) ainda não há uma política pública que estimule o uso de rejeitos de mineração em outras cadeias produtivas, como matéria-prima (CARMIGNANO et al., 2021).
Frente a esse cenário, a articulação entre diferentes esferas e interesses se coloca como um dos principais desafios para a adoção de uma estratégia tecnológica orientada para o reaproveitamento de resíduos de minério. A interação e colaboração entre universidades, empresas mineradoras, fornecedores e agentes públicos em redes colaborativas se coloca, então, como uma alternativa plausível, como ilustram experiências internacionais. Tal relacionamento colaborativo para a inovação tem entre seus principais propósitos a troca de informações e o compartilhamento de riscos (STEEN et al., 2018).
Nessa linha, em uma tentativa de se promover um processo interativo para o desenvolvimento e adoção de tecnologias para a destinação de rejeitos de minério em atividades produtivos, foi criada no ano de 2015, em Minas Gerais, a Plataforma R3 Mineral. Tal plataforma foi a primeira rede com o objetivo específico de discutir o aproveitamento para os rejeitos da mineração de minério de ferro no estado (PLATAFORMA R3 MINERAL, 2016). Sua concepção foi baseada em experiências internacionais observadas em outras regiões mineradoras e que galgaram, a partir da colaboração, o desenvolvimento de soluções tecnológicas para a produção local. A plataforma R3 Mineral reuniu, então, além das principais empresas mineradoras do país, fornecedores localmente estabelecidos, potenciais consumidores dos rejeitos, universidades e instituições públicas, sendo a iniciativa liderada pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - FAPEMIG. Sua concepção foi motivada pelo rompimento da Barragem de Mariana, ocorrida poucos meses antes de sua fundação. Contudo, seus esforços não se converteram em resultados efetivos a tempo de se evitar uma nova tragédia, como foi o caso de Brumadinho. Apesar do empenho de seus participantes, a rede não conseguiu se manter em operação.
Entende-se que a organização de uma rede interativa para o desenvolvimento tecnológico pode ser estratégica para a promoção de tecnologias que sejam de interesse nacional no âmbito da atividade mineradora brasileira. Sendo assim, questiona-se quais são as possibilidades e limites para o desenvolvimento de tecnologias em rede na mineração brasileira. Sobretudo, busca-se compreender quais foram os fatores que levaram ao encerramento precoce das atividades da Plataforma R3 Mineral sem que os seus objetivos fossem alcançados.
Objetiva-se, portanto, discutir como a estruturação de redes colaborativas para a inovação pode viabilizar a inovação no setor e a busca por soluções para a destinação de rejeitos de mineração por meio de novas tecnologias. Para tal, será feita uma apresentação da Plataforma R3 Mineral. As redes colaborativas internacionais voltadas para o desenvolvimento tecnológico no setor minerador, AMIRA e CEMI, também serão apresentadas e discutidas ao longo do trabalho, com vistas a ilustrar possíveis caminhos para a retomada da experiência em Minas Gerais de modo a atingir aos seus objetivos. As percepções de integrantes da Plataforma R3 Mineral quanto aos seus principais objetivos e desafios também são apresentadas ao longo deste trabalho, como resultado de um esforço de pesquisa qualitativa realizado junto aos seus participantes.
A principal contribuição deste trabalho reside na tentativa de lançar luz sobre as dificuldades para a implementação de uma rede colaborativa para a prospecção e desenvolvimento de tecnologias e na apresentação de casos de sucesso que podem servir como referência para isso.
Além desta introdução, o presente trabalho apresenta outras três seções. Na segunda delas é realizada uma discussão sobre a importância das redes colaborativas na atividade de mineração, apresentando os casos da AMIRA e do CEMI, como referências, além do relato acerca da tentativa de estabelecimento de uma rede voltada para a destinação de rejeitos de mineração em Minas Gerais. Na terceira seção são apresentadas as percepções de integrantes da Plataforma R3 Mineral, obtidas mediante entrevistas semiestruturadas. Na quarta-seção são apresentadas as considerações finais do trabalho.
2. Redes colaborativas na mineração
A inovação é um processo interativo por natureza, pautado em trocas de informações entre agentes imersos em uma estrutura sistêmica (LUNDVALL, 1995). Trata-se, portanto, do resultado da atuação de um conjunto de agentes, proporcionando ao setor produtivo o acesso a insumos, muitas vezes imateriais, originários de consumidores, instituições públicas, universidades e institutos públicos de pesquisa e desenvolvimento envolvidos num intenso processo de troca de informações. Em tal processo se faz fundamental a capacidade de comunicação e interação entre os diversos agentes relacionados direta e indiretamente ao processo produtivo e inovativo, a saber instituições científicas, indústrias, fornecedores e consumidores. Esses elementos estariam imersos num processo interativo onde cada componente geraria efeitos sobre os demais dando, assim, origem a um processo dinâmico de promoção do aprendizado e da inovação (LUNDVALL, 1995). Por isso, o processo de inovação é estruturado em redes, nas quais são observáveis tanto interações internas quanto externas, viabilizando a produção e difusão de conhecimento entre os atores que as compõem. Em tais arranjos as instituições devem necessariamente buscar formas de aprender e de contribuir para o aprendizado de outros agentes envolvidos no processo de desenvolvimento tecnológico (JOHNSON, 1995). Este aprendizado se dá por diferentes vias, podendo se considerar o aprendizado via interação como uma das mais importantes. Por meio deste processo as instituições presentes em um determinado sistema criariam sinergias através de sua interação promovendo um processo de transferência contínua de conhecimentos.
Destaca-se que nos sistemas de inovação, diversos agentes estão conectados por meio de redes, que incluem relações de mercado e relações fora do mercado. Essas relações não estão limitadas aos agentes que trocam, competem e comandam, mas também às relações formais e informais entre empresas, organizações e governo (CASTRO et al., 2018).
Podemos entender as redes como uma estrutura formada por nódulos ocupados por indivíduos, empresas, universidades, governos, clientes, fornecedores entre outros atores. Elas surgem para garantir: (a) eficiência coletiva; (b) aprendizado coletivo; (c) enfrentamento coletivo de risco; e (d) interseção de diferentes conjuntos de conhecimentos. Pesquisadores do assunto concordam que os desafios enfrentados pelas empresas na construção de novas redes concentram-se em duas atividades: (1) a identificação de parceiros relevantes; e (2) o aprendizado para trabalhar com eles (TIDD; BESSANT, 2015). A partir de aptidões locais, ocorre a aproximação entre as organizações produtivas com atividades de pesquisa e desenvolvimento. Redes de trabalho e de conexões internas e externas às organizações são formadas, fomentando o surgimento, aperfeiçoamento e a difusão de ganhos de produtividade e de competitividade.
Sendo assim, a estruturação de redes de inovação orientadas para a solução de problemas específicos ou de interesse comum pode configurar uma alternativa para a promoção do desenvolvimento tecnológico (BIRKINSHAW; BESSANT; DELBRIDGE, 2007). Na mineração, existem alguns exemplos de redes de inovação bem-sucedidas em todo o mundo, com diferentes arranjos e propósitos, mas com um mesmo fim, tais como: a Australian Mineral Industries Research Association - AMIRA - (AUSTRALIA MINERAL INDUSTRIES RESEARCH ASSOCIATION, 2021) e o Centre of Excellence in Mining Innovation - CEMI - (CENTRE FOR EXCELLENCE IN MINING INNOVATION, 2021). Estas duas redes inspiraram a criação da Plataforma R3 Mineral, em Minas Gerais, em 2016. Destaca-se que estas são redes colaborativas em inovação sediadas em países de tradição mineradora e capazes de equilibrar sua atividade tecnológica e seu potencial produtivo no setor minerador, algo que ainda não foi alcançado pelo Brasil (DALY; VALACCHI; RAFFO, 2019). Por estas razões, elas serão apresentadas a seguir, como referência para a análise da plataforma R3 mineral.
2.1 A Rede AMIRA
A AMIRA é uma organização formada para o desenvolvimento de pesquisas e novas tecnologias específicas para a mineração. Ela conta com 75 instituições participantes, originárias de vários países, divididas entre empresas membros, instituições públicas de fomento e centros de pesquisa, e foi fundada em 1959 (AUSTRALIA MINERAL INDUSTRIES RESEARCH ASSOCIATION, 2021). Embora seja baseada na Austrália, trata-se de uma organização global privada, sem fins lucrativos, criada pela indústria da mineração e que tem como principal objetivo o aumento da competitividade global do setor extrativista mineral. Portanto, sua atuação não se restringe ao seu país de origem, apresentando abrangência internacional de o ano de 1998 (UPSTILL; HALL, 2006).
Em relação à governança, a AMIRA possui uma estrutura organizacional com seu conselho administrativo, formado por vinte e duas pessoas, eleitas pelas instituições membros da rede. Existe um organograma de cargos e funções, e os recursos necessários para as atividades da rede são oriundos de contribuições dos membros e através de financiamentos (AUSTRALIA MINERAL INDUSTRIES RESEARCH ASSOCIATION, 2021). Os agentes dos governos não possuem participação na governança da rede e o financiamento dos projetos colaborativos de pesquisa é realizado pelas próprias empresas integrantes da rede (UPSTILL; HALL, 2006).
Através da plataforma, as empresas podem, por meio de parcerias, compartilhar os custos e interesses pelo desenvolvimento de tecnologias e pesquisa, para também em conjunto dividir os resultados. Sendo assim, a atuação da organização se dá por meio da administração de pesquisas com financiamento compartilhado por seus membros, o que se converte em benefícios econômicos para os mesmos em razão da partilha de custos e riscos. Através desse modelo a AMIRA conecta seus integrantes a instituições de pesquisa e desenvolvimento em diversos pontos do mundo (DODGSON; STEEN, 2008).
A AMIRA possui três formas de desenvolver projetos para seus membros: (1) formação de consórcios para a resolução de problemas específicos dos membros por meio do engajamento de profissionais e/ou organizações especializadas; (2) identificação de tecnologias e soluções já existentes para as empresas membros da plataforma; (3) identificação e engajamento de pesquisadores que sejam referências nas áreas com maior contingência de problemas identificados pelas empresas. A plataforma pode mediar o gerenciamento dos projetos com parceiros externos à rede.
Já foram executados cerca de 700 projetos com quase 600 milhões de dólares pagos pelas próprias empresas participantes, sem incluir aporte de recursos públicos (AUSTRALIA MINERAL INDUSTRIES RESEARCH ASSOCIATION, 2021). Destaca-se que, embora os projetos encampados pela organização sejam voltados para o setor mineral, foram observáveis pela literatura spillovers sobre outros segmentos da economia australiana, culminando com o surgimento de startups, novos produtos e serviços (DODGSON; STEEN, 2008).
A rede e seus 75 membros utilizam o “funil da inovação” para a captação de projetos (através da aba “Suggest a challenge” no seu site) e para a seleção e caraterização dos melhores projetos que serão desenvolvidos e geridos pela plataforma. Após a identificação de desafios da indústria da mineração por meio da captação via site da plataforma ou através de reuniões, workshops, conferências, os projetos passam por uma etapa interna de seleção pelo grupo de avaliação estratégica de negócios ou Strategic Business Development Group (SBDG). Caso a avaliação prévia resulte em um potencial problema no mercado da mineração a ser resolvido, a mesma equipe é responsável por alocar recursos para a execução do projeto.
Feita a avaliação inicial, um documento ainda mais detalhado sobre o projeto chamado Expressions of Interest (EOI) é emitido para todos os membros da AMIRA. Caso o número de interessados seja suficiente, passa-se a etapa de captação de recursos internos e externos à plataforma. A captação de recursos e a existência de interessados na solução do problema são os pré-requisitos necessários para iniciar um projeto.
A primeira etapa para a pesquisa e desenvolvimento depende do envolvimento dos interessados em assinar um acordo com os pesquisadores. Reuniões são feitas com os participantes para determinar as contrapartidas e benefícios do projeto, e só então o projeto é iniciado.
2.2 A experiência do CEMI
O CEMI é uma organização sem fins lucrativos, com o objetivo de desenvolver alternativas inovadoras para o mercado da mineração, proporcionando um aumento na segurança, produtividade e performance ambiental da atividade mineradora no Canadá (CENTRE FOR EXCELLENCE IN MINING INNOVATION, 2021). A organização foi criada a partir de uma parceria envolvendo duas grandes empresas do setor minerador, a Inco Limited e a Xstrata, a Laurentian University e o governo do estado de Ontário (YOUNG, 2023).
Criada em 2007, a iniciativa visa desenvolver inovações para melhorar a relação custo benefício da mineração; aumentar a taxa de descobrimento de minérios e minas; e também conseguir que o balanço de impactos da mineração seja cada vez mais favorável para a sociedade, tornando a atividade mineradora mais sustentável.
A plataforma revela ter um grande foco na viabilização das tecnologias desenvolvidas. A inovação tecnológica é garantida através da aplicação de quatro elementos em todo o processo do CEMI: (1) a pesquisa e desenvolvimento, com grande envolvimento de profissionais da academia para a identificação de novas tecnologias; (2) as provas de conceito e testes de uma tecnologia em problemas reais; (3) a implementação e viabilidade operacional da tecnologia testada e aprovada; e (4) estratégias de comercialização das soluções tecnológicas desenvolvidas.
Nesta plataforma, percebe-se a criação de uma estratégia de negociação da tecnologia para parceiros, por intermédio de um núcleo específico para este fim: o BizMine. O BizMine é responsável por mitigar diversos riscos associados às tecnologias nascentes de uma forma generalizada, como a necessidade de escalonamento nas atividades de implantação, aceitação de mercado e até plano de negócios. Esta área estratégica foi criada em 2015 e tem como objetivo ajudar seus parceiros a ultrapassar barreiras da comercialização de tecnologias e acelerar a inserção da inovação da plataforma no mercado.
Assim como a AMIRA, o CEMI é constituído pelos principais stakeholders da cadeia produtiva da mineração, entre eles 37 universidades, nas quais a Plataforma foi responsável por investir, nos primeiros 10 anos de existência, cerca de 10 milhões de dólares, em projetos que visam o avanço da tecnologia na mineração (CENTRE FOR EXCELLENCE IN MINING INNOVATION, 2021). Quanto à governança, assim como a AMIRA, o CEMI possui um Conselho Administrativo formado por treze pessoas, oito diretores e cinco pessoas dedicadas à operação da rede (CENTRE FOR EXCELLENCE IN MINING INNOVATION, 2021). Este grupo reúne indivíduos oriundos de diferentes instituições, como empresas de mineração, universidades e centros de pesquisa e órgãos públicos (Ministério de Minas).
A captação ou execução de projetos pode se dar por meio de programas criados pelo próprio CEMI, funcionando como uma “extensão do departamento interno” de pesquisa e desenvolvimento da empresa que desejar, visando à resolução de problemas específicos. Assim, são formados consórcios entre empresas parceiras, fornecedores, universidades, governo, e outros atores do sistema de produção. Alguns exemplos são citados em seu próprio site como o “Clean Mining Program”, criado para o desenvolvimento de novas utilizações de rejeitos de barragem e redução dos níveis de contaminação de metais, ou o “Lean Mining Program”, para a otimização generalizada do processo de mineração, desde a diminuição dos gastos energéticos até a utilização inteligente de dados obtidos em análises subterrâneas. Os projetos desenvolvidos no âmbito do CEMI contam com financiamento oriundo de agentes públicos e privados, sendo os fundos disponibilizados pelo governo do Canadá fundamentais para a atuação da organização (YOUNG, 2023).
2.3 A Plataforma R3 Mineral
A Plataforma R3 Mineral surgiu como uma iniciativa da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) por ocasião do rompimento da barragem de Fundão em Mariana, Minas Gerais, no ano de 2015. O propósito original da Plataforma era constituir uma arena de articulação entre diversas organizações científicas, tecnológicas e industriais, tal como observado em experiências internacionais. O objetivo original dessa arena foi discutir e atuar na gestão de resíduos e rejeitos da mineração em Minas Gerais buscando desenvolver aplicações em larga escala (PLATAFORMA R3 MINERAL, 2016).
A missão da Plataforma R3 Mineral foi promover negócios por meio da integração do setor mineral na cadeia de valor de outros segmentos, pelo engajamento do Governo na formatação de novas políticas públicas, pela indução de linhas de pesquisa nas instituições de ciência e tecnologia, tendo como objetivo o fortalecimento da economia regional nas áreas de influência da mineração, além da redução dos impactos ambientais.
A Plataforma não contou com espaço físico próprio, os encontros entre os grupos eram realizados nas dependências das instituições participantes. Do ponto de vista financeiro, a Plataforma não chegou a estabelecer um sistema de arrecadação de recursos; cada instituição integrante seria responsável pelos custos relacionados à participação de seus colaboradores nos grupos focais.
Durante a sua vigência, a Plataforma R3 Mineral atuou sem um modelo claro de governança, sendo os trabalhos conduzidos por um coordenador geral, que atuaria como a peça de articulação entre os participantes e os grupos focais de trabalho. A Plataforma ainda não chegou a definir um estatuto formal, que determinasse regras para o ingresso de participantes, questões relativas à governança e formas de atuação. Tampouco chegou a ser estabelecido um organograma, e não foi definida a estratégia para a captação dos recursos necessários para a operação da rede.
Destaca-se ainda que a Plataforma R3 Mineral foi constituída por 33 instituições, sendo 17 empresas mineradoras, 7 centros de pesquisa, 6 associações de empresas e 3 órgãos públicos, que decidiram espontaneamente participar desta rede, por adesão. Os atores integrantes são apresentados por meio do Quadro 1. Nele é possível perceber que a iniciativa chegou a reunir importantes elos da cadeia produtiva da mineração no estado, empresas de setores com o potencial para o consumo de produtos resultantes do reaproveitamento dos resíduos de minério e organizações do sistema de inovação. Nesse contexto, é destacável o potencial existente para a troca de informações e para o desenvolvimento de projetos conjuntos.
A atuação da Plataforma seria voltada para a identificação de tecnologias para o reaproveitamento de rejeitos de minério de ferro gerados na região do Quadrilátero Ferrífero do estado de Minas Gerais. Em especial, cabe destacar o desenvolvimento prévio pelas universidades incluídas na plataforma de pesquisas visando a reutilização de rejeitos de minérios em aplicações produtivas, sobretudo na cadeia da construção civil. Logo, um dos resultados esperados quando da estruturação da plataforma seria a absorção e utilização desse conhecimento gerado pelas instituições de pesquisa pelos agentes do setor produtivo.
As instituições membros participavam dos Grupos Focais, organizados conforme a Figura 1, que possuíam um coordenador, escolhido entre os participantes, para atuar como um facilitador. O Coordenador Geral da Plataforma, por sua vez, atuaria como elemento de ligação entre os grupos focais. Durante seu período de atividades, os desafios contemplados pela plataforma eram escolhidos levando-se em consideração o interesse das empresas mineradoras geradoras de rejeitos, sempre tendo como objetivo o seu aproveitamento em escala industrial. Através de decisão colegiada pelos participantes do grupo, eram definidos os passos seguintes.
A Plataforma R3 Mineral teve suas atividades encerradas no ano de 2018, sem que tenham sido percebidos resultados práticos advindos dos trabalhos desenvolvidos nos Grupos Focais. Ou seja, mesmo ao reunir atores supostamente interessados no desenvolvimento de tecnologias relacionadas ao reaproveitamento de rejeitos de mineração, a plataforma não foi capaz de instituir os canais necessários para viabilizar a sua adoção pelo setor produtivo. Cabe agora tentar, a partir da percepção de atores envolvidos na plataforma, identificar os principais obstáculos que levaram ao seu fim.
3. Percepções sobre os objetivos e desafios levantados para o funcionamento da Plataforma R3 Mineral
A Plataforma R3 Mineral foi uma iniciativa com objetivos audaciosos, tentando replicar experiências internacionais bem-sucedidas na promoção da inovação no setor minerador, mas que acabou por perder força antes de alcança-los. Investigar as razões para o seu insucesso é um desafio, em razão do seu curto período de vida e da inexistência de documentos. Como alternativa para a superação desses obstáculos, tentou-se, a partir de entrevistas realizadas com alguns dos participantes da Plataforma R3 Mineral, identificar de forma estruturada a sua percepção em relação aos objetivos e desafios enfrentados pela rede.
Quanto à metodologia adotada, foram entrevistados dez participantes da rede, representando dez instituições integrantes diferentes. As instituições são empresas mineradoras e empresas potencialmente consumidoras dos rejeitos, órgãos governamentais e pesquisadores de universidades participantes da rede. Sua seleção foi orientada de acordo com a relevância de sua participação na rede. As entrevistas foram realizadas por telefone, utilizando um questionário padrão com perguntas fechadas e que versavam especialmente sobre os objetivos da rede e seus principais desafios. As entrevistas foram realizadas no segundo semestre de 2018, com uma duração média de 40 minutos. As percepções identificadas através dessa pesquisa qualitativa são sistematizadas a seguir.
3.1 Os objetivos da rede
A percepção dos integrantes entrevistados quanto aos objetivos da rede é apresentada à seguir. Tais objetivos são sistematizados em cinco frentes, definidas a partir dos relatos coletados, e resumem o entendimento dos participantes da rede sobre os seus propósitos enquanto esteve em atividade.
3.1.1 Objetivo 1: conectar atores e ser um fórum de discussão
A partir dos relatos observados pelas entrevistas, identificou-se que a diversidade de atores que compõem a plataforma, representando as principais instituições relacionadas à geração e possível destinação de rejeitos, seria uma evidência do sucesso em relação ao objetivo de criar um ambiente de conexão e troca de informações. Para alguns dos participantes, essa foi a principal conquista da plataforma — reunir grandes, médias e pequenas empresas concorrentes, instituições com dinâmicas muito distintas, como sindicatos, instituições de ensino e pesquisa e governo. Essa percepção indica que a plataforma chegou representar o que se esperava de uma organização com essa estrutura, replicando as plataformas colaborativas internacionais ao conectar agentes diversos em prol de um mesmo propósito.
3.1.2 Objetivo 2: gerar colaboração/articulação entre os atores
Um segundo objetivo observado, conforme as entrevistas, seria a promoção da colaboração entre os atores, o que foi realizado por intermédio da geração de grupos específicos de trabalhos e de projetos de colaborações. Percebe-se com a pesquisa que esse seria o principal resultado alcançado pela plataforma em seu curto período de existência. Assim como no caso anterior, tal objetivo relatado converge com as expectativas para uma plataforma com esse formato.
3.1.3 Objetivo 3: gerar projetos-piloto visando à destinação dos rejeitos em larga escala
Outro objetivo relatado seria o desenvolvimento de projetos que utilizam rejeitos de minério, transformando-os em novos produtos e/ou processos, principalmente na área de construção civil.
3.1.4 Objetivo 4: gerar ações de modernização da legislação e normatização
Numa perspectiva relativamente distinta dos objetivos apontados acima, foi apontado também como um dos objetivos da Plataforma R3 mineral a criação de uma mobilização para adequação de aspectos regulatórios, normativos e tributários que propiciem a utilização dos rejeitos de minério em diversas aplicações e a consolidação dos novos produtos derivados deles no mercado. Alguns aspectos importantes mencionados nas entrevistas foram: a necessidade do estabelecimento de uma legislação moderna que incentive o uso de rejeitos, a tributação diferenciada para produtos resultantes da utilização de rejeitos e a adequação das normas técnicas para o uso de rejeito como insumos.
3.1.5 Objetivo 5: desenvolver e implementar soluções em larga escala para o reuso do rejeito gerando impacto ambiental, social e econômico
O objetivo final da Plataforma, que atenderia às expectativas da comunidade em relação à sua atuação sobre a destinação dos rejeitos de minério, estaria alinhado ao desenvolvimento de aplicações em escala industrial para reduzir de forma significativa o volume de resíduos dispostos em barragens. Segundo os relatos, dentre as discussões realizadas sobre a aplicação de tecnologias para o reaproveitamento de resíduos de minério de ferro no âmbito da Plataforma, é possível destacar duas propostas observadas entre os grupos focais viabilizados por ela. A primeira dizia respeito ao desenvolvimento de tecnologia industrial para a produção de dormentes para trilhos de linha férrea a partir do uso de resíduos de minério, favorecendo assim a produção de matérias para uma atividade intimamente relacionada à extração mineral no estado. Já a segunda era relativa ao beneficiamento dos rejeitos para a produção de insumos para a utilização em bases de estradas em pavimentação.
De uma forma geral, as percepções dos atores envolvidos indicam que as atividades da Plataforma R3 mineral levaram à identificação de objetivos claros para a sua atuação. Ou seja, as interações estruturadas em grupos de trabalho alcançaram em parte seu propósito de apresentar os pontos focais para o reaproveitamento de rejeitos de minério no estado de Minas Gerais. Percebe-se que os objetivos levantados pelos entrevistados foram ousados e demandavam esforços contínuos e coordenados para a sua realização.
3.2 Os desafios da rede
A seguir, são descritos alguns dos desafios da Plataforma R3 Mineral de acordo com as percepções dos participantes entrevistados, usando a mesma metodologia citada anteriormente. Os desafios são sistematizados em três frentes que tentam sumarizar as impressões observadas a partir das entrevistas realizadas.
3.2.1 Desafio 1: formalização/institucionalização da plataforma
Um dos maiores desafios encontrado pela Plataforma foi sua formalização, ou institucionalização. Pode-se dizer que a Plataforma, durante o período de sua existência, atuou como uma rede de pessoas conectadas, sem que houvesse uma personalidade jurídica nem infraestrutura próprias. Nesse contexto, foi relatada a necessidade premente do estabelecimento de regras de governança. Uma estruturação interna facilitaria a busca por investimentos para seus projetos, bem como, a captação de recursos através de editais ou de outras instituições. Foram mencionadas também as questões relativas à Propriedade Intelectual, contratuais, entre outras práticas que seriam importantes para a consolidação da plataforma.
Sendo assim, de forma adversa ao que se observa para as redes CEMI e AMIRA, a Plataforma R3 Mineral não chegou a estabelecer uma base institucional própria, capaz de sustentar e direcionar suas ações, a partir das estratégias mapeadas pelos atores integrantes. Trata-se de uma lacuna fundamental, uma vez que ao unir diferentes atores na busca do desenvolvimento cooperativo de tecnologias, a definição de uma estrutura jurídica e normativa se coloca como elemento fundamental para a redução da incerteza e dos riscos relacionados ao processo. Tanto a AMIRA quanto o CEMI apresentam estrutura jurídica e organizacional, favorecendo a coordenação dos atores no processo de cooperação para a identificação e financiamento de projetos de inovação. Sendo assim, a ausência de esforços para essa formalização da Plataforma R3 mineral como uma organização formal limitou a coesão entre os atores participantes e pode ter favorecido a sua dispersão.
3.2.2 Desafio 2: definição clara dos objetivos de cada participante na Plataforma R3 Mineral
Outro desafio relatado por participantes da rede seria a coordenação dos objetivos específicos de cada instituição envolvida. Foram relatadas divergências entre participantes em relação às reais motivações para a participação na Plataforma. Essa ambiguidade de motivações foi um entrave para a geração de projetos e iniciativas mais ambiciosas em relação ao cumprimento dos objetivos específicos da Plataforma, pois poderia comprometer o nível de confiança e de esforço que os agentes teriam-perante a rede.
Barreiras institucionais são comuns devido aos diferentes objetivos entre os parceiros de uma rede (BIRKINSHAW et al., 2007). E tal questão guarda relação com o desafio anteriormente abordado acerca da falta de institucionalidade na plataforma. Nesse sentido, a ausência de uma organização institucional, como percebido nas experiências internacionais, abre espaço para a dispersão dos interesses de atores envolvidos. Ademais, como ressalta a literatura, sinergias e relações de confiança são construídas ao longo do tempo, o que foi prejudicado pela curta vida da instituição.
3.2.3 Desafio 3: comunicação
Entre os desafios citados pelos entrevistados destaca-se as dificuldades de comunicação em diferentes níveis na rede que compunham a Plataforma. Foram relatadas desde falhas na comunicação entre pessoas de uma mesma instituição participante, até a dificuldade de comparecimento dos representantes destas instituições para a participação em reuniões da plataforma e em outros momentos de alinhamento e troca de informações.
Conforme é observado pelas entrevistas, embora os objetivos da Plataforma sinalizassem certa ousadia, faltou à iniciativa a constituição de uma estrutura básica que sustentasse a sua atuação. A ausência de uma liderança clara, bem como de uma institucionalização jurídica permitiu a dispersão dos atores envolvidos e restringiu o estabelecimento de elos de confiança, fundamentais para o desenvolvimento cooperativo de inovações. Para uma iniciativa com tamanhas pretensões, como as identificadas acima, faltaram esforços mais efetivos para a estruturação da Plataforma aos moldes de suas referências internacionais. Entende-se que a falta dessa institucionalização pode ser uma das principais razões para a curta vida dessa iniciativa.
4. Conclusão
O presente trabalho buscou apresentar a Plataforma R3 Mineral enquanto uma estratégia para o desenvolvimento tecnológico do setor minerador em Minas Gerais, tentando identificar as razões para o seu insucesso. A partir de entrevistas semiestruturadas foram mapeados os objetivos da iniciativa, segundo os seus integrantes, bem como os principais desafios que podem ter levado ao seu fim.
Foram identificados cinco objetivos da Plataforma a partir das entrevistas realizadas com os representantes das organizações que participaram. Observando a experiência das redes internacionais citadas nesse trabalho, AMIRA E CEMI, percebe-se que são objetivos possíveis de serem atingidos, embora tenham natureza complexa, uma vez que a Plataforma R3 Mineral tinha a sua atuação orientada para o desenvolvimento de aplicações para a reutilização econômica de rejeitos de minério. Em relação aos desafios percebidos pelos participantes da Plataforma, foram identificados a formalização da rede colaborativa, a definição clara do objetivo de seus participantes, e a comunicação interna. Esses desafios estão ligados à forma de governança da rede, as formas de ingresso e de participação.
À luz das experiências internacionais, entende-se que a formalização da sua estrutura e forma de atuação teriam sido primordiais para que a Plataforma R3 Mineral pudesse se sustentar e alcançar os objetivos apontados por seus representantes. A falta de um esforço nessa direção fez com que a Plataforma encerrasse as suas atividades de forma precoce, sem alcançar resultados efetivos. Entende-se que para uma estrutura colaborativa para a promoção da inovação é fundamental a existência de liderança e coordenação, seja para garantir a homogeneidade de interesses ou mesmo para organizar metas e estratégias para o financiamento. Isso é o que mostraram as experiências internacionais aqui observadas. Tais redes se caracterizam pela longevidade, especialmente a AMIRA, e pela capacidade de coordenação, o que fortalece a sua capacidade de estabelecer e manter vínculos entre agentes. Por sua vez, a Plataforma R3 Mineral teve vida durante um período extremamente curto e não conseguiu estabelecer uma liderança adequada para a orientação dos projetos.
Merece destaque a percepção de que deveria haver maior confiança entre os membros da rede, assim como, deveria ser explícita a motivação para participação nela. A ausência de relações de confiança entre os membros, atrelada ao baixo grau de cultura inovativa existente nos setores representados na Plataforma R3 Mineral, pode ser um elemento chave para o entendimento da sua curta trajetória. No entanto, relações de confiança são construídas ao longo do tempo, a partir de interações de médio a longo prazo, o que não se realizou no caso aqui analisado. A AMIRA em especial é um exemplo quanto a esse aspecto, dado a sua longevidade que a permitiu alcançar uma base de conhecimento ao ponto de transcender as fronteiras do seu país de origem.
As redes colaborativas internacionais apresentadas mostram em linhas gerais que é possível que empresas mineradoras trabalhem em conjunto. No entanto, a implementação de políticas públicas de incentivo à colaboração entre empresas mineradoras e a sua cadeia produtiva, com destaque para as empresas fornecedoras de equipamentos e de serviços, assim como o estímulo ao consumo de produtos elaborados a partir do reaproveitamento de rejeitos de mineração também se fazem essenciais para esse processo. O incentivo a tais colaborações deve contemplar também atores dos sistemas de ensino e pesquisa, além de esferas de governo e associações empresariais, como se observa nos casos da AMIRA e do CEMI.
Porém, de forma adversa ao que se observa nos casos internacionais, a promoção de redes colaborativas no Brasil deve considerar a baixa propensão de empresas domésticas em inovar, em especial para a superação de desafios que não estejam relacionados à redução de custos de produção. Nesse sentido, a promoção de uma rede colaborativa para o desenvolvimento de tecnologias para o reaproveitamento econômico de rejeitos de minério precisará superar desafios inerentes à dinâmica tecnológica do setor no Brasil (GARCIA; SANTOS; SUZIGAN, 2020). Ressalta-se que na observação dos casos internacionais, é evidente que a participação de fornecedores de equipamentos e serviços é fundamental para o sucesso de redes colaborativas para a inovação no setor de mineração. Isso se justifica uma vez que os fornecedores são reconhecidamente os principais agentes da inovação na atividade de mineração (BLUNDI et al., 2019).
Os casos australiano e canadense mostram que a estruturação de redes colaborativas pode ser uma estratégia para a promoção de tecnologias e inovação no setor minerador. Contudo, ao se comparar tais experiências com a tentativa observada em Minas Gerais, fica evidente que a estruturação de uma rede com tais características não é tarefa fácil e que, tampouco, pode ser realizada em curto prazo. Por outro lado, a emergência para a destinação de rejeitos de minério de ferro reforça a necessidade da adoção de práticas colaborativas para o desenvolvimento inovativo. Nesse caso, há que se ter em vista os obstáculos vivenciados pela Plataforma R3 Mineral como ponto de partida para a estruturação de redes que sejam consistentes e capazes de alcançar os seus objetivos.
Agradecimentos
Os autores agradecem aos revisores da Revista Brasileira de Inovação por todos comentários e sugestões ao longo do processo de submissão deste trabalho. Os possíveis erros e omissões são de inteira responsabilidade dos autores.
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Destaca-se que o minério de ferro é o produto que mais contribuiu para a geração deste resíduo no estado de Minas Gerais. Estimava-se que, no período de 2010 a 2030, um volume de 11 bilhões de toneladas de rejeitos seria gerado pela atividade de mineração, sendo o minério de ferro responsável por quase 5 bilhões de toneladas (SILVA; VIANA; CAVALCANTE, 2012).
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Fonte de financiamento: o trabalho contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais - FAPEMIG - (Projeto FAPEMIG APQ - 00577-17) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq - (Projeto CNPq 401054/2016-0).
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
08 Maio 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
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Recebido
25 Fev 2021 -
Revisado
06 Jan 2023 -
Aceito
22 Fev 2023