Resumo
O artigo discute as bases teóricas para a análise do capital financeiro na agricultura em seu estágio atual. A metodologia é uma pesquisa bibliográfica com os principais autores clássicos e contemporâneos que embasam a discussão da temática, complementado com uma discussão do tema nos dias atuais. O motor deste novo período é a união do capital bancário com os grandes grupos industriais. As fusões de capital reduziram as diferenças setoriais, criando imensos conglomerados que atuam ao mesmo tempo em todas as esferas ligadas ao agro: financiamento, comércio internacional de commodities, produção de insumos, pesquisa biotecnológica, industrialização de produtos agropecuários entre outras. Os temas de pesquisa que ganham centralidade são: as fusões, aquisições e a desnacionalização da agroindústria e indústria de alimentos, os novos mecanismos de financiamento privados, o papel das bolsas de mercadorias e futuros, as grandes tradings agropecuárias.
Palavras-chave: Capital financeiro; Capitalismo monopolista; Agricultura brasileira; Geografia econômica
Resumen
El artículo discute las bases teóricas para el análisis del capital financiero en la agricultura en su etapa actual. El elemento principal del nuevo período es la unión del capital bancario con los grandes grupos industriales. Las fusiones de capital han reducido las diferencias sectoriales, creando enormes conglomerados que operan al mismo tiempo en todas las esferas relacionadas con la agricultura: financiación, comercio internacional de productos básicos, producción de insumos, investigación biotecnológica, industrialización de productos agrícolas, entre otras. Los temas de investigación que adquieren centralidad son: las fusiones y adquisiciones en la agroindustria y la industria alimentaria, la desnacionalización del sector, los nuevos mecanismos de financiación privada, el papel de las bolsas de productos básicos y de futuros, las grandes empresas comerciales agroalimentarias.
Palabras clave: Capital financiero; Capitalismo monopólico; Agricultura brasileña; Geografía económica
Abstract
The article discusses the theoretical bases for the analysis of financial capital in agriculture at its current stage. The engine of this new period is the union of banking capital with large industrial groups. Capital mergers have reduced sectoral differences, creating huge conglomerates that act at the same time in all areas related to agriculture: financing, international trade in commodities, production of inputs, biotechnological research, industrialization of agricultural products, among others. The main themes of research are: mergers and acquisitions of agribusiness and food industry, denationalisation of the sector, new private financing mechanisms, the role of commodities and futures exchanges, large tradings agriculture.
Keywords: Financial capital; Monopoly capitalismo; Brazilian agribisiness; Economic geography
Introdução
O objetivo do presente artigo é discutir os fundamentos teóricos para uma análise da atual relação entre capital financeiro e agricultura a partir de uma visão de capitalismo monopolista e centralização do capital. Para isto, realizamos um estudo teórico e bibliográfico, discutindo o método de análise e as características gerais do capitalismo na agricultura, as características do capital monopolista em Lenin e de como esta explica em linhas gerais a dinâmica atual do capital financeiro na agricultura. Em seguida discutimos os principais autores que abriram o debate sobre a influência central do capital financeiro na dinâmica agrícola brasileira, especialmente Ignácio Rangel e Guilherme Delgado, e acrescentamos algumas questões atuais do tema no Brasil.
Nosso argumento central é o de que a teoria do capital financeiro-monopolista de Lenin é a base principal. Lenin (2011 [1917]) apontou um século atrás como o capitalismo dos grandes monopólios havia se tornado dominante, relegando a concorrência a segundo plano. Argumentou que o motor deste novo período é a união do capital bancário com os grandes grupos industriais, originando o capital financeiro, que paulatinamente se torna dominante1 .
A questão central abordada aqui é a dinâmica geral do processo, para além das diferenças entre regiões e países. Estas diferenças são profundas e significativas, em termos de estruturas produtivas, de relações de produção, de grupos sociais, de condições naturais entre outras. No entanto, estas diferenças não impediram o avanço profundo das relações comandadas pelo capital financeiro. As fusões de capital reduziram as diferenças setoriais, criando imensos conglomerados que atuam ao mesmo tempo em todas as esferas ligadas ao agro: financiamento, comércio internacional de commodities, produção de insumos, pesquisa biotecnológica, industrialização de produtos agropecuários entre outras.
O debate sobre os complexos agroindustriais enfatizava as ligações intersetoriais da indústria e da agroindústria com a agricultura, sob domínio do capital industrial. Nesta dinâmica, o capital financeiro representava um papel funcional, de alavancar a acumulação industrial baseada na produção real2 .
A partir do momento em que o capital financeiro amplia sua atuação e se torna dominante, nos anos 1990, outros aspectos se tornam importantes: a dinâmica de fusões e aquisições da agroindústria e indústria de alimentos, a desnacionalização do setor no Brasil, a relação entre a economia brasileira e o financiamento da agricultura, os novos mecanismos de financiamento privados, a dinâmica regional dos investimentos na agricultura, o papel das bolsas de mercadorias e futuros, o domínio dos grades grupos internacionais na biotecnologia, entre outros.
Como ponto em comum entre estes temas, encontra-se a dinâmica do capital financeiro na agricultura, financiando, unificando setores e empresas, centralizando o comando e a propriedade dos setores relacionados, como a produção de insumos e de maquinários, e a industrialização de produtos agropecuários, entre outros. Este ponto se mostrou o que menos tem sido estudado por pesquisadores das mais diversas áreas, mas com crescente interesse nos anos recentes.
Uma grande parte dos estudos de Geografia Agrária, nas últimas décadas, preocupou-se em demasia com as especificidades regionais e locais, relegando a segundo plano a importância de uma dinâmica geral. Por outro lado, diversos geógrafos veem, desde os anos 1990, abordando outras questões como as relações do setor agropecuário com a economia em geral e a política econômica, o papel dos grandes grupos na agroindústria, as fusões e aquisições de empresas, a desnacionalização do setor agropecuário brasileiro e as inovações tecnológicas na agricultura como Espíndola (2014), Sampaio (2003), Hespanhol (2000), Correa (2012), Medeiros (2014, 2015), Santos (2012), Oliveira (2015) entre outros. Estes trabalhos avançaram na análise do setor agropecuário como elemento da dinâmica econômica em geral, e não como um ramo isolado em si3 .
Pesquisadores internacionais como Dicken (2010) e Ziegler (2013) também inseriram a dinâmica da agricultura e indústria de alimentos na discussão geral do capital financeiro, rompendo com a visão setorial isolada. Numerosos trabalhos em geografia econômica têm enfatizado a circulação internacional do capital financeiro, e seu papel no controle e interconexão de setores, cadeias de produção e regiões, como Dicken (2010); Mackinnon e Cumbers (2019); Clark, Feldman e Gertler (2000); Coe, Kelly e Yeung (2020); Barnes et al. (2004).
O artigo está organizado da seguinte maneira: inicialmente discutiremos o método de análise e a dinâmica geral do capitalismo na agricultura, resgatando autores clássicos, na segunda parte discutimos as características do capitalismo monopolista conforme apresentado por Lenin e de como este explica em linhas gerais a dinâmica do capital financeiro na agricultura atualmente. Na terceira parte discutimos a dinâmica recente do capital financeiro na agricultura brasileira.
Capitalismo e agricultura: as bases teóricas clássicas
O ponto de partida para o estudo do capital financeiro da agricultura embasado em Lenin, não poderia ser outro, senão uma consideração sobre o método e as leis gerais de desenvolvimento do capitalismo em Marx (1984 [1867], 2011 [1857]).
O processo de acumulação de capital, intensificado com o surgimento da indústria mecanizada (a grande indústria para Marx) apresentava diferente dinâmica na agricultura, mas esta não estava livre das pressões do processo geral de desenvolvimento. Três indicações de Marx (1984) são centrais na análise acerca do papel do capital financeiro como elemento do movimento geral de transformação da agricultura a partir do avanço do capitalismo. Primeiramente, Marx aponta que a renda da terra torna-se uma categoria secundária, subordinada ao capital como elemento determinante da produção. Marx aponta que a renda da terra não desaparece, mas passa a ter diferente papel.
Nada parece mais natural, por exemplo, do que começar pela renda da terra, pela propriedade da terra, visto que está ligada à terra, fonte de toda riqueza e de toda existência, e à primeira forma de produção de todas as sociedades mais ou menos estabilizadas – a agricultura. Mas nada seria mais falso. Em todas as formas de sociedade, é uma determinada produção e suas correspondentes relações que estabelecem a posição e a influência das demais produções e suas respectivas relações. (Marx, 2011, p. 59 grifo nosso).
Na sociedade do capitalismo, a renda da terra só existe como elemento em geral da acumulação do capital. A terra, paulatinamente se transforma em um ativo financeiro, como outro qualquer, sem qualquer protagonismo em si.
Em segundo lugar, pelo avanço da divisão social do trabalho em inúmeros sub-ramos, paulatinamente a agricultura deixa de ser um mundo a parte, repleto de relações próprias, para se tornar um setor especializado da indústria. Além disso é preciso enfatizar, setor subordinado.
A agricultura devém mais e mais um simples ramo da indústria, e é inteiramente dominada pelo capital. O mesmo se dá com a renda da terra. Em todas as formas em que domina a propriedade da terra, a relação natural ainda é predominante. Naquelas em que domina o capital, predomina o elemento social, historicamente criado. A renda da terra não pode ser compreendida sem o capital. Mas o capital é perfeitamente compreensível sem a renda da terra. O capital é a potência econômica da sociedade burguesa que tudo domina. Tem de constituir tanto o ponto de partida quanto o ponto de chegada, e tem de ser desenvolvido antes da renda da terra. Após o exame particular de cada um, é necessário examinar sua relação recíproca. (Marx, 2011, p. 60 grifo nosso).
Assim, diversas relações e classes do mundo rural permanecem à medida que o capitalismo avança, mas com diferenças ou completamente desfiguradas. O desenvolvimento do capitalismo transforma as relações de produção e de propriedade anteriores, e suas respectivas classes, retirando seu protagonismo, e sujeitando-as a novo conjunto de relações. Progressivamente mudam os lugares que cada classe ocupa nas múltiplas determinações.
Em terceiro lugar, Marx aponta como o capital comercial cria, primeiramente como ramo auxiliar da acumulação industrial, o capital de empréstimo de dinheiro, responsável pelo adiantamento de recursos para a realização de investimentos e para as várias atividades do ciclo de rotação do capital. Este capital paulatinamente se transforma em ramo a parte na acumulação, com interesses próprios, sediado nos bancos e nas bolsas de valores. Marx aponta como o mercado de ações de empresas surge da troca de títulos e promissórias entre a indústria e o comércio, como um mercado de adiantamento de recursos e de transferência de dívidas, fundamental ao funcionamento das atividades mercantis. No segundo momento, o mercado de capitais desenvolve uma dinâmica própria que se tornou mais profunda e complexa em todo o último século.
Podemos sistematizar as contribuições de Marx para a compreensão do desenvolvimento do capitalismo na agricultura, especialmente o financeiro, da seguinte maneira:
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O desenvolvimento do capitalismo é contraditório e histórico, os elementos das múltiplas determinações de que se compõe a realidade não se alteram ao mesmo tempo e nem da mesma maneira. Ocorre permanência de relações, que podem ser dominantes num período, e subordinadas ou completamente desfiguradas em outro. Assim ocorre com a renda da terra e com a propriedade da terra;
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O imenso avanço da divisão social do trabalho no capitalismo industrial revoluciona a agricultura e a transforma em apenas mais um ramo especializado da produção, e subordinado a ramos mais dinâmicos;
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O capital comercial e o bancário, que a princípio eram acessórios da acumulação industrial evoluem para se tornar um ramo a parte da acumulação de capital, o capital de crédito ou financeiro.
É neste âmbito, de amadurecimento do capitalismo que se torna o capital monopolista, que Lenin (2011) aponta a grande chave para o entendimento da agricultura moderna: o capital financeiro se torna o elemento impulsionador da dinâmica entre os setores produtivos e os grandes grupos econômicos, a tal ponto que as maquinações financeiras (a especulação com títulos e ações) e as grandes fusões de capitais se tornam o principal elemento de funcionamento do sistema. Lenin aprofunda as questões levantadas no mesmo período, por Hilferding (1981). Este forneceu a Lenin a base explicativa de funcionamento das grandes empresas monopolistas, na forma de Sociedades Anônimas (SAs), e de como estas se tornam dominantes na nova fase do capitalismo. Lenin desenvolve e amplia questões apenas citadas por Hilferding (1981), como o papel dos Estados dominantes em aliança com o grande capital.
As fusões ampliam a centralização do capital, ou seja, o aumento do volume de capital e de produção concentrado sob o mesmo comando, e a redução do número de capitalistas nos principais setores. A centralização conduz ao monopólio. Como aponta Lenin (2011, p. 216) “[…] o monopólio é a transição do capitalismo para um regime superior. Se fosse necessário dar uma definição, a mais breve possível do imperialismo, dever-se-ia dizer que o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo”.
O imperialismo, fase do capitalismo dominado pelos grandes grupos monopolistas, abre a época de gigantesca centralização do capital como característica fundamental do capitalismo, não como fenômeno isolado ou setorial. As fusões de capital e os conglomerados integrados multisetoriais tornam-se características normais dos grandes grupos econômicos.
Sintetizamos as características principais do novo período, segundo Lenin (2011):
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União dos grupos monopolistas e do Estado;
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As exportações de capital superam as exportações de mercadorias na economia dos países dominantes gerando “super lucros extras”;
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O capital financeiro é o resultado da união dos grandes grupos monopolistas com os bancos- as maquinações financeiras tornam-se mais lucrativas que a produção real;
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Ocorre a partilha do mundo entre os países mais ricos com a formação de Estados-rentistas;
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Ocorre a partilha do mercado mundial entre grupos monopolistas (aço, petróleo, bancos, energia);
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Se inicia o período a era das guerras interimperialistas e das revoluções.
O século XX marca o aprofundamento de todas estas dinâmicas, especialmente dos anos 1990 em diante, com o processo de financeirização e expansão internacional dos grandes grupos monopolistas. O processo foi de amadurecimento do capitalismo monopolista tal como apresentado por Lenin.
Neste âmbito, a agricultura se converte, paulatinamente, em um setor especializado, submetida por um lado, as necessidades de capital adiantado para viabilizar a aquisição de insumos e máquinas para a produção, e por outro, o capital que comercializa a produção em grandes volumes para a indústria de produtos agropecuários.
Capitalismo monopolista e capital financeiro
As características atuais do desenvolvimento mundial marcadas pela fusão de capitais intersetoriais remetem diretamente a Lenin. Seus escritos do início do século XX apontaram a nova dinâmica mundial, com o fim do capitalismo concorrencial e o início do capitalismo monopolista-imperialismo.
No imperialismo o expansionismo dos países centrais manifesta-se primordialmente pela exportação de capitais. As exportações de mercadorias se tornam secundárias para estes países. É o período em que o capital financeiro, fruto da união do capital bancário com os grandes grupos monopolistas assume papel central na economia. Especialmente após a grande crise de 1873.
A crise marca a ascensão de novas potências, como Estados Unidos, Alemanha e Japão, a partir dos novos setores da segunda revolução industrial. Os novos setores exigem grande volume de capital e estruturas produtivas financiadas, o que eleva as escalas de produção. Assim surgem novas estruturas empresariais de grandes grupos industriais associados a grandes bancos, os únicos com capacidade financeira e gerencial para a empreitada.
A consequência da mudança para Lenin, é o fim da concorrência como norma geral do capitalismo, e o início do monopólio, no qual criam-se associações de empresas gigantescas que chegam ao ponto de partilhar, por contrato as fontes de matérias-primas de vários países do mundo todo: “Monopoliza-se a mão-de-obra qualificada, contratam-se os melhores engenheiros; as vias e meios de comunicação - as linhas férreas na América e as companhias de navegação na Europa e na América – estão nas mãos dos monopólios” (Lenin, 2011, p. 131).
Na economia de monopólios, a capacidade tecnológica e os preços passam a segundo plano na dinâmica da concorrência. Os contratos passam a regular o acesso aos mercados e as matérias-primas, ao passo que a capacidade financeira regula a própria estrutura de mercado e o nível de concentração e centralização do capital.
O capital financeiro impulsiona por um lado o desenvolvimento de inovações nos grandes grupos, e por outro, a compra de inovações realizadas por pequenas empresas ou cientistas isoladamente. A difusão não existe mais sem os monopólios. Assim, a inovação tecnológica passa a ser função da capacidade financeira. Ou seja, a tecnologia não é o diferencial competitivo, mas uma consequência do verdadeiro diferencial, que é a associação banco-indústria4 .
Os monopólios levam ao período histórico de imensas e crescentes fusões de capital e internacionalização do capital financeiro. As exportações de capital se tornam mais importantes do que a exportação de mercadorias para os grandes grupos e para os países imperialistas.
O processo de monopolização avançou ao longo do século XX e a centralização do capital se reforçou a cada grande crise cíclica. As inovações técnicas permitiram o avanço dos grandes monopólios também na agricultura, que a princípio eram insipientes. O processo que se iniciou de maneira localizada especialmente nos Estados Unidos e na Alemanha em fins do século XIX, paulatinamente se expandiu para inúmeros países.
A incorporação da ciência na produção de sementes, insumos e maquinários permitiu, por um lado, o progressivo controle sobre matérias-primas que antes dependiam das forças naturais e um extraordinário aumento da produtividade do trabalho agrícola, por outro, crescentes necessidades de recursos financeiros para investimentos por parte dos agricultores. Estas duas situações se relacionam à dinâmica financeira-monopólica, pois aos poucos, os grupos que produzem insumos e equipamentos, financiam o produtor e vendem a produção agrícola no mercado mundial se tornam os mesmos.
A integração técnica intersetorial e a integração de capitais avançaram sobremaneira inserindo a agricultura numa imensa divisão social do trabalho. Assim, o trabalho propriamente agrícola - aquele realizado dentro do estabelecimento rural – tornou-se responsável por apenas uma pequena parte do produto agrícola total. O capital financeiro, nas suas diversas formas se tornou o elemento central e dominante. Tanto o estabelecimento industrial isolado, quanto o estabelecimento agrícola não decidem mais o seu destino pela sua própria força ou pela concorrência.
O mecanismo do crédito se tornou o grande veículo da vitória capitalismo no campo, sem realizar necessariamente, expropriação ou avanço do assalariamento em todos os estabelecimentos. O longo processo de modernização da agricultura impulsionado pela II Revolução Industrial vem constituindo amplas cadeias produtivas agroindustriais que hoje possuem alcance mundial. O motor deste processo foi o próprio capitalismo monopolista e sua característica de exportação de capitais. Assim, se constitui um mercado mundial dos complexos agroindustriais, para muito além da circulação de produtos agropecuários entre regiões produtoras e regiões consumidoras. A dinâmica abrange a circulação de insumos, de máquinas e equipamentos, de produção agropecuária, de sua industrialização e nova circulação, dos financiamentos e títulos.
A partir dos anos 1990, se acentua a influência do capital financeiro na agricultura mundial, por um lado pela imensa centralização do capital em torno dos complexos agroindustriais produtores de insumos-equipamentos-defensivos-produtos agrícolas na forma de grandes conglomerados industriais-financeiros internacionais. E por outro pelo crescimento do papel das bolsas de mercadorias e futuros no financiamento da produção e da exportação de produtos agrícolas. Isto foi fruto da pressão dos países desenvolvidos sobre os demais países para que estes abrissem seus mercados, para ampliar a dinâmica de exportação de capitais. Isto levou a ampliação da escala dos grupos agroindustriais-financeiros via fusões e via financiamento pelas tradings dos produtores em países como o Brasil.
Com o estouro das bolhas financeiras na década de 1990 ocorreu migração de grande volume de capital para aplicações em commodities tradicionais, especialmente as energéticas e as agrícolas, que oferecem mais estabilidade. Ao lado disto, o crescimento chinês estimulou o mercado mundial destas commodities. Como resultado, a dinâmica financeira se tornou o elo de ligação entre as cadeias produtivas mundiais de produtos agrícolas, desde a produção primária, à produção de equipamentos e insumos, à circulação de produção e a abertura de novos campos de investimentos via bolsas de mercadorias e futuros. Assim o elemento financeiro se apropriou da dinâmica agrícola, impondo sua própria lógica. A própria oscilação de safras e de preços agrícolas passa a ser regida pela expectativa dos investimentos financeiros nos papéis agropecuários.
O processo de domínio do capital financeiro sobre os demais setores avançou no século XX, com a crescente centralização do capital, a concorrência imperialista, as guerras mundiais, as crises econômicas e a exportação de capital. O capital financeiro, como forma mais abstrata do capital em geral, assumiu papéis cada vez mais dominantes no desenrolar das atividades econômicas em geral, e na agricultura-pecuária em particular.
A última década do século XX e a primeira do século XXI viram o papel do capital financeiro avançar sobre a agricultura de forma muito mais intensa do que imaginavam os analistas de então. Sob o capital financeiro o mercado de capitais torna-se mais importante que o de mercadorias, e a antecipação dos investimentos à produção real se aprofunda. As bolsas de mercadorias e futuros são o ponto alto desta dinâmica, pois ao mesmo tempo se tornaram fonte de recursos para as grandes tradings agropecuárias, local privilegiado de investimento para especuladores e fundos, e reguladoras dos preços internacionais de commodities agrícolas.
O “novo” capital financeiro na agricultura brasileira
A partir dos anos 1990 inicia-se uma nova dinâmica do capital financeiro na agricultura brasileira, a qual vai muito além do mecanismo de financiamento que dominou as atenções dos pesquisadores nos anos 1980 e 1990. Esta ocorre a partir da contínua expansão do mercado de capitais e dos grandes grupos internacionais de comércio e produção de insumos e de produtos agrícolas, de financiamento e de biotecnologia, alavancados pela ampliação da circulação de títulos financeiros agropecuários e pelas bolsas de mercadorias.
Antes, porém, é necessário explicar rapidamente, o que chamaremos de dinâmica “tradicional” do capital financeiro no agro brasileiro. Em diversos de seus textos sobre a agricultura e questão agrária, Rangel (1986, 2005) afirmava que a questão da terra era financeira. O monopólio da terra se mantinha na falta de um mercado financeiro organizado que atraísse o capital acumulado nos diferentes setores, especialmente nos anos de crescimento acelerado e de capital ocioso abundante. A terra funcionava como uma reserva de valor contra a inflação, pois esta desvalorizava ativos monetários. Logo, a expectativa de valorização da terra se tornava tanto um atrativo para a imobilização de capital, quanto elevava o preço da terra agrícola, como um ativo financeiro. Com isto, ao invés de cair, o preço da terra permaneceu alto na conjuntura de modernização agrícola, o que aumentou a expectativa de valorização da terra (Rangel, 1986, p. 75-76). O capital financeiro, sob o comando do Estado, apresentava papel central na dinâmica econômica nacional, tanto na agricultura, quanto na indústria e nas infra-estruturas urbanas5 .
O outro papel atribuído ao capital financeiro ganha força com a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR) em 1965 e todo conjunto de políticas de modernização da agricultura e expansão da agroindústria. O trabalho Delgado (1985) foi fundamental para ampliar a análise do papel dominante do capital financeiro na agricultura brasileira, apontando vários processos que se aprofundaram nas décadas seguintes, dentre eles: o esgotamento do padrão de financiamento subsidiado pelo Estado e a emergência de um novo padrão pelos grandes grupos privados; a expansão dos conglomerados agroindustriais- financeiros; a fusão de capitais e a integração técnica inter-setorial; a concentração das grandes cooperativas agroindustriais ou multi-cooperativas; a internacionalização do capital agroindustrial.
O fator central de mudança provocada pela expansão do capital financeiro foi de uma integração gigantesca tanto no sentido do capital quanto técnico. Como observou Delgado (1985) é fundamental a diferenciação entre estas duas integrações. A integração de capitais leva a centralização da propriedade e do controle do capital. Na agricultura-agroindústria, de maneira geral, a fusão de capitais tem se dado no sentido de união das atividades sucessivas dos complexos agroindustriais, eliminando as fronteiras inter-setoriais, e formando imensos conglomerados agropecuários, industriais, financeiros e comerciais.
No centro deste processo esteve o Estado no primeiro momento, criando o sistema de crédito e todo o conjunto de políticas de modernização da agricultura. A tendência central era o poder crescente do capital financeiro como articulador dos setores, acelerando a integração técnica e comercial da agricultura aos demais setores. No decorrer da década seguinte, o processo de desenvolvimento agrícola direcionado pelo capital financeiro se aprofunda, no âmbito da crise e da abertura econômica brasileira. Na década de 1990 houve agressiva entrada de grandes grupos estrangeiros no setor agropecuário-agroindustrial brasileiro no contexto de forte crise agrícola, ociosidade de recursos, abandono da produção por produtores menos capitalizados, renegociação das dívidas e o novo sistema de financiamento privado pelas tradings internacionais.
Este novo panorama possui uma dinâmica que não foi suficientemente desvendada por autores como Belik (2015) e Delgado (2012). Belik se limita a repetir as mesmas críticas realizadas por economistas desde os anos 1980, de que o Estado foi e continua ineficiente na política de crédito e de que a agricultura só avançou com o fim dos subsídios nos anos 1980-90. Quando analisa os recursos disponibilizados como crédito rural, sequer faz a diferenciação entre investimentos, custeio e comercialização, o que é um erro básico, e que distorce toda a análise do setor.
Em seus trabalhos mais recentes, Delgado (2012), afirma que o agronegócio só se firmou no Brasil apropriando-se da renda da terra e efetuando super-exploração da força de trabalho. Parece que esqueceu sua própria argumentação do livro de 1985, de que o capital financeiro e os grandes conglomerados agroindustriais são o centro de difusão das inovações físicas, químicas e mecânicas para a produção agropecuária. Assim, a acumulação de capital e não a renda fundiária é que comanda o processo de produção e circulação nos complexos agroindustriais do agronegócio. Para Delgado (2012) o que interessa é apenas o monopólio dos recursos naturais que produzem renda fundiária, numa dinâmica apenas extrativista dos recursos naturais.
Nos capítulos teóricos do livro, Delgado (2012) propõe análise sobre o capital financeiro como centro da problemática do agro, mas abandona isto na parte de análise concreta da economia brasileira. No capítulo onde discute os anos 1990, Delgado passa ao largo da imensa desnacionalização da agroindústria, da indústria de alimentos e de insumos agrícolas ocorrida no Brasil, e da centralização do capital em consequência.
O trabalho de Gonçalves (2005, 2012) é um dos poucos que recentemente apontou a análise na direção correta, do entendimento da agricultura no avanço geral do capitalismo industrial-financeiro. O autor aponta a perda de importância da agricultura em si, como ramo autosuficiente e sua inserção na divisão social do trabalho como o elemento central: “A emancipação de atividades antes internas às propriedades rurais, que passaram a se constituir em novos ramos das cadeias de produção, fizeram a agropecuária perder espaço relativo no complexo produtivo dos agronegócios da agricultura” (Gonçalves, 2005, p. 10).
O elemento que determina a dinâmica dos demais agentes, e que deveria ser central nas análises, é a divisão social do trabalho comandada pelo capital financeiro. Neste âmbito se realizou imenso aumento de produtividade do trabalho agrícola, pela produção de insumos e maquinário fora da agricultura. Estes setores fora da agricultura são oligopolizados e controlados por fundos financeiros, assim a agricultura “dentro da porteira”, é o elo mais fraco da grande corrente de produção agropecuária.
O significado prático desta nova dinâmica é que a agricultura perde progressivamente a capacidade de determinar seu destino a partir dos elementos internos do estabelecimento agropecuário. A modernização alterou toda a condição de trabalho no campo, sem que isto significasse necessariamente expansão do assalariamento rural. O assalariamento se expande ao longo das cadeias produtivas, que vão agora muito além dos estabelecimentos agrícolas, nas indústrias de insumos agrícolas, de máquinas agrícolas, de serviços de assistência técnica entre outros.
Isto significa que o longo processo de modernização da agricultura vai muito além de simples elevação quantitativa do assalariamento no campo, e se constitui em profunda mudança na divisão social do trabalho. Esta mudança implica em retirada de inúmeras atividades que eram realizadas no estabelecimento rural e sua realização por setores especializados da indústria e dos serviços. Isto levou à redução relativa do trabalho vivo no campo, substituindo-o por maquinário e insumos industriais. Nas regiões mais novas e dinâmicas da agricultura ocorre grande expansão do assalariamento rural, mas com peso relativo menor no total da produção, que agora possui maior composição orgânica do capital, ou seja, maior conteúdo de maquinário e insumos (trabalho morto), análogo ao que Marx apontou para a indústria mecanizada em relação à produção artesanal. É preciso enfatizar este ponto, pois a Geografia agrária se limitou a apontar (e lamentar) a redução absoluta do trabalho com a mecanização nas regiões de ocupação agrícola mais antiga, e ignora o processo nas regiões dinâmicas.
Do ponto de vista da totalidade da produção agropecuária, o trabalho no interior do estabelecimento rural é na verdade muito pequeno, pois insumos, máquinas e mesmo boa parte dos serviços do plantio à colheita, são realizados por empresas especializadas fora do meio rural. O aluguel e terceirização de maquinário agrícola é fato corrente em todas as regiões brasileiras, logo a propriedade de maquinário também não é essencial ao produtor agrícola. O serviço é realizado tanto por empresas especializadas quanto por produtores, de maneira informal. Com os financiamentos para custeio, um produtor de médio ou grande porte pode terceirizar todo o plantio e a colheita, sem ter que arcar com a compra de um maquinário de elevado preço e manutenção.
Nos dias atuais, nas regiões mais dinâmicas, a capacidade financeira para a realização de arrendamentos é o que garante a expansão da área de produção dos grandes grupos, e não a propriedade da terra. O acesso aos recursos financeiros é o que possibilita os pesados gastos com compra de insumos e adiantamento de pagamento de salários e serviços dos estabelecimentos agropecuários modernos. Com o avanço da internacionalização do capital agroindustrial a partir da década de 1990, com inúmeras incorporações de grupos nacionais por monopólios internacionais e pela expansão da atuação das grandes tradings no Brasil, esta realidade se tornou ainda mais profunda.
Como parte deste processo, a pesquisa agropecuária brasileira, especialmente a Embrapa, foi desarticulada pela capacidade financeira de comercialização e difusão dos grandes grupos internacionais. Isto ocorreu a ponto de a Embrapa ter de fazer acordos com as tradings para a difusão de suas tecnologias.
Este panorama passa por transformações nos anos 2000. Primeiramente ocorre ampliação das exportações, com destaque para as agropecuárias, em sequência da desvalorização cambial do período 1999-2004. O novo crescimento econômico a partir de 2004 leva a redução significativa da dívida externa e estimula a criação de políticas de crescimento econômico e linhas de financiamento de infra-estruturas, grandes obras e indústria em geral. Em consequência, o Estado amplia sua atuação econômica, especialmente via BNDES. O Estado brasileiro buscou responder à dinâmica do capital monopolista internacional, também com uma dinâmica monopolista, com a união entre grandes grupos agroindustriais, capital financeiro e Estado.
O apoio do Estado foi fundamental para financiar a expansão internacional dos grupos de agronegócio brasileiros, e para sua abertura de capital em bolsa de valores. Nos anos 2000, as empresas ligadas ao agronegócio lideraram a abertura de capital, sobre todos os setores da economia brasileira. Como demonstram Balestro e Lourenço (2014) as empresas do agronegócio representavam 22% do total de empresas brasileiras de capital aberto na bolsa de valores, a frente inclusive das empresas de tecnologia da informação que representavam 19%.
O setor agropecuário-agroindustrial assume novamente um papel de protagonismo no crescimento econômico e na geração de divisas externas. Os complexos agroindustriais se tornam os ramos mais dinâmicos da economia nacional, tanto para o mercado interno quanto para o mercado externo.
Nas cadeias intermediárias de suprimentos e de equipamentos do agronegócio também houve crescente desnacionalização nos anos 2000. Assim, as importações para o agro também crescem significativamente: fertilizantes, máquinas, equipamentos e insumos. No setor de insumos agrícolas houve grande movimento de fusões e aquisições internacionais, levando à centralização do capital em poucos grandes grupos que organizam suas cadeias de suprimento, independentemente da dinâmica das economias nacionais ou de seus déficits. A inovação passa a ser cada vez mais controlada e financiada pelos mesmos grandes grupos internacionais, o que acentua o papel do capital financeiro em todas as esferas da produção, pesquisa e inovação.
A dinâmica do capital financeiro se tornou tão abrangente, que o leque de investidores vai muito além daqueles que desenvolvem diretamente atividades agropecuárias: grupos econômicos de outros setores, fundos de investimentos, fundos de pensão, bancos e pessoas físicas. Seus interesses são a pura valorização de títulos de commodities agropecuárias, de ações de empresas do setor, ou mesmo da terra, impondo a lógica financeira geral sobre a lógica produtiva setorial. Assim, até mesmo os poderosos grupos agroindustriais que determinam os níveis técnicos, as escalas de produção, os preços pagos ao produtor e o adiantamento de recursos para custeio de safras, devem se mover conforme as determinações financeiras gerais.
Os grupos que são sociedades anônimas, se preocupam tanto com a valorização das ações quanto com a estrutura produtiva real, e esta pode ser alterada ao sabor das alterações nos conselhos administrativos e de acionistas majoritários, que frequentemente vem de outros setores. Nestes grupos boa parte de sua lucratividade vem das vendas de ações.
O grande crescimento dos papéis de derivativos agropecuários foi intenso, como apontam Balestro e Lourenço (2014, p. 251): “Desprovidos de um limite físico, os derivativos de commodities chegam a superar em 20 a 30 vezes a produção física das commodities”.
Até décadas atrás este processo estava mais restrito a países como os Estados Unidos que apresentava mercado financeiro mais avançado e, como afirmou Gonçalves (2012) criava uma cumplicidade entre inúmeros investidores de fora da agricultura sobre o desempenho desta. Nas últimas duas décadas a expansão das bolsas de mercadorias e futuros e dos grupos agroindustriais-financeiros norte-americanos e europeus levou esta realidade diversos países. Esta é uma das mais claras demonstrações do que Lenin (2011) apontou, de que no período do capitalismo monopolista as maquinações financeiras geram mais lucros do que a produção real.
Considerações finais
O avanço da agricultura moderna e do capital monopolista desde fins do século XIX ampliou sobremaneira a dinâmica financeira das atividades agropecuárias e agroindustriais. O desenvolvimento do sistema financeiro paulatinamente criou inúmeras formas de relação com as atividades agropecuárias e abrangem: financiamentos, títulos secundários das dívidas, seguros, títulos derivativos agropecuários, ações de empresas, entre outros. A expansão desta dinâmica tornou a propriedade da terra secundária no direcionamento da agricultura, pois a capacidade financeira permite a realização de arrendamentos e parcerias ao invés da imobilização de capital em terra.
Ocorre rápido crescimento da influência do capital financeiro na agricultura mundial a partir da década de 1990, pelo avanço dos papel das grandes bolsas de mercadorias e futuros, e pela centralização do capital grandes conglomerados financeiros-industriais produtores de insumos-equipamentos-defensivos-produtos agrícolas. Este movimento marca a nova dinâmica do capital financeiro sobre a agricultura, impondo sua própria lógica e dominando todos os setores. A oscilação de safras e de preços agrícolas internacionais passa a ocorrer em função da expectativa dos investimentos financeiros nos papéis agropecuários.
O Brasil se inseriu diretamente nesta dinâmica a partir da década de 1990, com a ampliação da influência do capital monopolista internacional na economia brasileira. Combinaram-se os efeitos da crise econômica geral com a crise do crédito estatal, a abertura econômica e a agressiva entrada de grandes grupos estrangeiros no setor agropecuário-agroindustrial. Isto resultou em forte crise agrícola, ociosidade de recursos, abandono da produção (especialmente por produtores menos capitalizados), renegociação das dívidas e um novo sistema de financiamento privado baseado nas compras antecipadas de safras pelas tradings internacionais e nas bolsas de mercadorias com a criação de títulos do agronegócio.
Nos anos 2000 novas mudanças começam a ocorrer, especialmente o novo crescimento do papel do Estado brasileiro no financiamento: criação de programas de recuperação e investimento para as cooperativas agropecuárias; programas de financiamento para a agricultura familiar e a aquisição de alimentos; ampliação da participação do BNDES no financiamento agropecuário; explosão das exportações agropecuárias e alta dos preços internacionais; fortalecimento do agronegócio no pacto de poder e nas instituições de financiamento, estabelecimento de dois planos safra: o da agricultura familiar e da agricultura patronal; a imensa centralização de capital em grandes grupos internacionais no setor de insumos agrícolas e biotecnologia e de grupos nacionais na agroindústria. O panorama se tornou mais complexo, com a internacionalização dos grandes grupos brasileiros e o aumento do papel do Estado brasileiro na questão financeira, ao lado do crescimento da ação dos grandes grupos internacionais.
A dinâmica apresentada reforça as proposições de Lenin de que o capital monopolista e o domínio financeiro são a chave de interpretação dos setores produtivos no período atual. Esta argumentação não busca simplesmente eliminar os debates apontando o capital financeiro como “responsável” por tudo, de maneira genérica. O efeito concreto nas pesquisas se refere a mudar o foco de análise, retirando o foco central das questões puramente produtivo-tecnológicas e inserindo as questões propriamente financeiras no centro da dinâmica das atividades e dos setores. As questões se abrem, ao contrário de se fecharem.
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Outros autores importantes estudaram o Imperialismo no mesmo período como Hobson, Hilferding, Rosa Luxemburgo, Bukharin e Kautsky entre outros. Aqui trabalhamos com Lenin pois este recupera a análise econômica do capital financeiro presente em Hilferding e Hobson mas as enriquece com a análise do papel do Estado, da luta de classes e da exploração entre os países.
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Merecem destaque os trabalhos de Guimarães (1982), Muller (1989), Delgado (1985) e Graziano da Silva (1996). O trabalho de Delgado avançou com relação aos demais, por já apontar como o capital financeiro era dominante na dinâmica dos complexos agroindustriais, e que o próprio capital agroindustrial estava sujeito a uma dinâmica maior.
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É preciso ressaltar que Monbeig (1957) já apontava explicitamente para a importância da geografia incorporar o capital financeiro como elemento central da transformação dos espaços e da agricultura.
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Até mesmo Joseph Schumpeter, considerado o “pai” da escola de economia da inovação industrial, reconheceu isto explicitamente em seu livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia” de 1942. No capítulo Práticas Monopolistas aborda como os contratos passam a regular a inovação e a difusão de tecnologias. Ao ponto no qual os grupos com maior poder de mercado podem inclusive impedir que grupos menores realizem grandes mudanças que alterem o estado de coisas vigente. Ainda assim, a literatura neo-shumpeteriana continua a insistir na centralidade da tecnologia na dinâmica dos grupos.
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Rangel (1986) apontava como a criação da correção monetária foi fundamental para que o sistema financeiro da habitação funcionasse adequadamente, pois até então os juros reais eram negativos devido à inflação.
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Como citar este artigo: MEDEIROS, M. C. Capital financeiro e agricultura: um debate sobre as bases teóricas de interpretação. Geousp, v. 28, n. 3, e196384. 2024. https://doi.org/10.11606/issn.2179-0892.geousp.2024.196384pt
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Editado por
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Editor do artigo
José Sobreiro Filho
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
29 Nov 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
13 Dez 2023 -
Aceito
10 Set 2024