Open-access Células-tronco mesenquimais: células ideais para a regeneração cardíaca?

Mesenchymal stem cells: are they appropriate for cardiac regeneration?

Resumos

As células-tronco mesenquimais representam uma rara subpopulação das células-tronco da medula óssea (< 0,01% das células mononucleares da medula óssea) com capacidade de expansão mitótica in vitro. Em decorrência da facilidade em se dividir e proliferar, concluiu-se que as células-tronco mesenquimais seriam as células responsáveis pela manutenção e renovação dos tecidos mesenquimais adultos, incluindo o músculo cardíaco. Esse tipo celular apresenta como uma de suas virtudes considerável atividade imunossupressora, evitando assim efeitos adversos relacionados a rejeição entre o material infundido e o hospedeiro. As célulastronco mesenquimais vêm sendo cada vez mais estudadas, tanto em ensaios pré-clínicos como clínicos. Acreditamos que, superados alguns desafios em seu isolamento, preparo e modo de infusão, essas células poderão, em futuro próximo, representar o tipo celular ideal para a regeneração cardíaca.

células tronco; células tronco mesenquimais; terapêutica; miocárdio


Mesenchymal stem cells represent a rare subpopulation of bone marrow stem cells (< 0.01% of mononuclear cells originated from bone marrow) with capacity for in vitro mitotic expansion. Because they split and proliferate easily, mesenchymal stem cells are believed to be responsible for the maintenance and renovation of adult mesenchymal tissues, including the cardiac muscle. One of the virtues of this type of cell is their immunosuppressive activity, avoiding therefore the adverse events related to graft rejection by the host (graft versus host disease). Mesenchymal stem cells have been extensively studied, both in pre-clinical and clinical trials. We believe that once some challenges regarding their isolation, preparation and mode of delivery are overcome, these cells may, in the near future, represent the ideal cell type for cardiac regeneration.

stem cells; mesenchymal stem cells; therapeutics; myocardium


ARTIGO DE REVISÃO

Células-tronco mesenquimais: células ideais para a regeneração cardíaca?

Mesenchymal stem cells: are they appropriate for cardiac regeneration?

Cristiano Freitas de Souza; Priscila de Napoli; Sang Won Han; Valter Correia de Lima; Antonio Carlos de Camargo Carvalho

Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) - São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Cristiano Freitas de Souza Rua Botucatu, 740 São Paulo, SP, Brasil - CEP 04023-900 E-mail: crissouza80@hotmail.com

RESUMO

As células-tronco mesenquimais representam uma rara subpopulação das células-tronco da medula óssea (< 0,01% das células mononucleares da medula óssea) com capacidade de expansão mitótica in vitro. Em decorrência da facilidade em se dividir e proliferar, concluiu-se que as células-tronco mesenquimais seriam as células responsáveis pela manutenção e renovação dos tecidos mesenquimais adultos, incluindo o músculo cardíaco. Esse tipo celular apresenta como uma de suas virtudes considerável atividade imunossupressora, evitando assim efeitos adversos relacionados a rejeição entre o material infundido e o hospedeiro. As célulastronco mesenquimais vêm sendo cada vez mais estudadas, tanto em ensaios pré-clínicos como clínicos. Acreditamos que, superados alguns desafios em seu isolamento, preparo e modo de infusão, essas células poderão, em futuro próximo, representar o tipo celular ideal para a regeneração cardíaca.

Descritores: células tronco. células tronco mesenquimais. terapêutica. miocárdio.

ABSTRACT

Mesenchymal stem cells represent a rare subpopulation of bone marrow stem cells (< 0.01% of mononuclear cells originated from bone marrow) with capacity for in vitro mitotic expansion. Because they split and proliferate easily, mesenchymal stem cells are believed to be responsible for the maintenance and renovation of adult mesenchymal tissues, including the cardiac muscle. One of the virtues of this type of cell is their immunosuppressive activity, avoiding therefore the adverse events related to graft rejection by the host (graft versus host disease). Mesenchymal stem cells have been extensively studied, both in pre-clinical and clinical trials. We believe that once some challenges regarding their isolation, preparation and mode of delivery are overcome, these cells may, in the near future, represent the ideal cell type for cardiac regeneration.

Key-words: stem cells. mesenchymal stem cells. therapeutics. myocardium.

As células-tronco são células indiferenciadas, caracterizadas pela capacidade de autorrenovação, diferenciação em diversos tipos celulares e reconstituição funcional de determinados tecidos. Didaticamente, são divididas em dois tipos principais: embrionárias e adultas.

As células-tronco embrionárias para terapia podem ser derivadas da massa interna do blastocisto ou do zigoto. As primeiras possuem capacidade ilimitada de autorrenovação e são pluripotentes (capazes de se diferenciar em qualquer linhagem derivada dos três folhetos embrionários: endoderma, mesoderma e ectoderma). Já as células com origem a partir do zigoto são classificadas como totipotentes, pois, além de se diferenciar nas células dos três folhetos embrionários, originam os tecidos extraembrionários. Em contraste, as células-tronco adultas aparentemente têm capacidade de autorrenovação limitada e são denominadas multipotentes, pela capacidade limitada de diferenciação em poucos tipos celulares.

As células estromais da medula óssea foram primeiramente descritas como células progenitoras ósseas presentes em sua fração estromal. Estudos subsequentes demonstraram que essas células possuíam a capacidade de se diferenciar em linhagens celulares mesodérmicas, incluindo condrócitos, osteoblastos, adipócitos e mioblastos. Com base nessa capacidade de diferenciação em multilinhagens, Caplan, em 1991, introduziu o termo célula-tronco mesenquimal.1

As células-tronco mesenquimais representam uma rara subpopulação das células-tronco da medula óssea (< 0,01% das células mononucleares da medula óssea) que podem ser expandidas mitoticamente em meio de cultura. Em decorrência da facilidade em se dividir e proliferar, concluiu-se que as células-tronco mesenquimais seriam as células responsáveis pela manutenção e renovação dos tecidos mesenquimais adultos, incluindo o músculo cardíaco.2 Dessa maneira, até o momento, essas células representam a fonte mais promissora para regeneração e reparo de diversos tecidos celulares.

Tradicionalmente, as células-tronco mesenquimais são isoladas a partir de células da medula óssea. Entretanto, elas também podem ser isoladas a partir do cordão umbilical, do tecido sinovial, do tecido adiposo e, em frequência extremamente menor, do sangue periférico de adultos.3

A observação de que as células-tronco mesenquimais derivadas da medula óssea poderiam ser ativadas com o objetivo de secretar citocinas e fatores de crescimento corrobora a ideia de que a principal função das células-tronco mesenquimais seria atuar na reposição de diferentes partes para o tecido mesenquimal.3 Essa observação foi utilizada para sugerir que as células-tronco mesenquimais poderiam ser utilizadas de forma terapêutica como células alogênicas, também chamadas "células universais", ou seja, células capazes de atuar no interior de qualquer hospedeiro. A fim de confirmar tal suposição, foi posteriormente documentado que as células-tronco mesenquimais expandidas em meio de cultura não expressam moléculas do complexo de histocompatibilidade de classe II (MHC II), apenas de classe I (MHC I), além de também não apresentarem moléculas coestimulatórias, tais como B7-1, B7-2, CD40 e CD40 ligante.4 Dessa maneira, as células-tronco mesenquimais não podem atuar como células apresentadoras de antígenos e, assim, falham em ativar o sistema imunológico do hospedeiro.5

As células-tronco mesenquimais podem ser facilmente isoladas e rapidamente expandidas ex vivo. Sua atuação na restauração de tecido miocárdico defeituoso ocorre por meio de diversos mecanismos. No principal deles, desencadeado após o transplante, essas células iniciam a produção de fatores de crescimento reparadores, objetivando a produção, localmente, de fatores de crescimento e citocinas. Além disso, elas podem suprimir a inflamação local e repor células danificadas. Por fim, essas células são capazes de contribuir para a criação de um ambiente favorável ao reparo de tecido cardíaco endógeno. Por esses motivos, as células-tronco mesenquimais foram identificadas como células promissoras no tratamento de diversas afecções cardiovasculares que tenham como denominador comum o prejuízo ao tecido cardíaco.

ISOLAMENTO E CARACTERIZAÇÃO

O termo célula-tronco mesenquimal é normalmente aplicado a preparados de células com a propriedade de serem plástico-aderentes, isoladas a partir da medula óssea ou outros tecidos, positivos para um painel de marcadores de membrana específico e que sejam aptos a se diferenciar em diversos tipos celulares sob condições específicas, tanto in vitro como in vivo.6

ISOLAMENTO DE DIFERENTES FONTES

Inicialmente, as células-tronco mesenquimais foram isoladas da medula óssea, porém populações similares também foram isoladas de tecido adiposo7, sangue de cordão umbilical8, sangue periférico9, tecido de conexão da derme10 e de músculo-esquelético11. Isso evidencia que as células-tronco mesenquimais estão presentes em quase todos os órgãos do corpo. Apesar de não existirem dúvidas quanto à existência de células-tronco mesenquimais em vários tecidos, o mais provável é que essas células-tronco já tenham predisposição em se diferenciar em uma certa linhagem a fim de formar células específicas de determinado tecido. Assim, as células isoladas desses vários órgãos são capazes de produzir subpopulações diferentes de células-tronco mesenquimais, com características e comportamento diretamente afetados pelas suas origens.12,13

CARACTERIZAÇÃO DAS CÉLULAS-TRONCO MESENQUIMAIS

A ampliação do uso das células-tronco mesenquimais e a posterior comparação dos resultados obtidos em diferentes grupos são afetadas pela falta de especificidade e padronização dos marcadores moleculares dessas células. A fim de solucionar tal problema, a Sociedade Internacional de Terapia Celular (International Society for Cellular Therapy) propôs três critérios básicos para que se possa definir uma célula como sendo célula-tronco mesenquimal. Assim, as células-tronco mesenquimais devem ser: (1) plástico-aderentes caso mantidas em condições básicas de cultura; (2) positivas para CD105, CD73 e CD90 e negativas para CD45, CD34, CD14 e CD11b; e (3) capazes de se diferenciar em fibroblastos, osteoblastos, adipócitos e condroblastos quando expostas in vitro às linhagens correspondentes.6

Entretanto, tais critérios não parecem ser tão específicos das células-tronco mesenquimais. Por esse motivo, eles não são considerados importantes na caracterização das células-tronco mesenquimais, porém outras características devem ser definidas para se obter controle de qualidade adequado. A identificação de marcadores específicos pode facilitar o isolamento de uma população homogênea a partir de determinado material. Os marcadores que têm sido utilizados para melhor seleção de células-tronco mesenquimais são STRO-1, CD271, CD73 (ecto-5'-nucleotidase, SH3 e SH4) e CD105 (endoglina, SH2).14

ATIVIDADE IMUNOSSUPRESSORA DAS CÉLULAS-TRONCO MESENQUIMAIS

As células-tronco mesenquimais possuem a capacidade de se acumular ao redor de processos inflamatórios e tumorais quando administradas in vivo. Por esse motivo, essas células podem ser utilizadas em situações clínicas como terapia regenerativa, tratamento da doença do enxerto contra hospedeiro e terapia gênica para o câncer.

Atualmente sabe-se que as células-tronco mesenquimais podem imunomodular tipos celulares tanto do sistema imune inato como do sistema imune adaptativo, tais como células dendríticas, células NK, neutrófilos, linfócitos T e B, e células T regulatórias.

Na presença de células-tronco mesenquimais, as células dendríticas maduras diminuem a expressão de moléculas de superfície, tais como MCH II, CD11c, CD83 e moléculas coestimulatórias, além da diminuição da secreção de IL-12. A diminuição da expressão dessas moléculas e da secreção dessa citocina prejudica a apresentação antigênica por essa célula.15

A inibição de células T por células-tronco mesenquimais leva à diminuição da produção de INF- tanto in vitro como in vivo e ao aumento da produção de IL-4, caracterizando uma alteração no perfil da reposta imune de pró-inflamatório para anti-inflamatório.16

A maioria dos estudos realizados até o momento concorda que há participação de fatores solúveis envolvidos na imunossupressão, uma vez que o uso do sistema transwell (sistema que separa polimorfonucleares das célulastronco mesenquimais por uma membrana semipermeável) não impede a inibição da proliferação. Esses resultados também deixam claro que, para ocorrer imunossupressão, não é necessário o contato célula-célula.

Dentre os fatores solúveis secretados pelas células-tronco mesenquimais objetivando a imunomodulação destacam-se: fator de crescimento transformante, fator de crescimento dos hepatócitos, indoleamina 2,3dioxigenase, prostaglandina 2 e óxido nítrico.

CAPACIDADE DE HOMING DAS CÉLULAS-TRONCO MESENQUIMAIS

Homing é definido como a captura das célulastronco mesenquimais pela vasculatura de um tecido, seguido de sua transmigração através do endotélio.17 Embora esse processo ainda não esteja totalmente esclarecido, muito se tem investigado a respeito da mobilização de células-tronco mesenquimais nativas e do homing das células-tronco mesenquimais exógenas infundidas por diversas vias em resposta a um insulto isquêmico/inflamatório.

Diversos estudos demonstraram a capacidade de as células-tronco mesenquimais migrarem e se dirigirem para determinados órgãos e tecidos. Allers et al.18 avaliaram a biodistribuição de células-tronco mesenquimais humanas após infusão venosa em ratos adultos não condicionados previamente. Nesse estudo, foi demonstrado que as células-tronco mesenquimais se dirigiram para a medula óssea, para o baço e para os tecidos mesenquimais desses animais. Devine et al.19, por sua vez, avaliaram a distribuição das células-tronco mesenquimais em outros órgãos após infusão venosa. Esses autores marcaram as células-tronco mesenquimais com proteína verde fluorescente e infundiram essas células em babuínos, após prévio condicionamento (irradiação letal e suporte hematopoiético) e sem condicionamento. Tanto as células-tronco mesenquimais alogênicas como as autólogas foram detectadas em diversos tecidos, com nível de fixação variando entre 0,1% e 2,7% (os animais sem condicionamento prévio apresentaram menores níveis de fixação).19 Tais dados corroboram a ideia de que as células-tronco mesenquimais participam da reposição celular em uma variedade de tecidos, preferencialmente em tecidos que sofreram injúria.

O homing das células-tronco mesenquimais após infarto do miocárdio foi demonstrado em estudo com ratos.20 As células foram infundidas no ventrículo esquerdo de ratos submetidos a infarto do miocárdio e em ratos normais ou saudáveis (controle). A infusão dessas células nos ratos submetidos a infarto do miocárdio resultou em captação significativamente maior que a observada nos ratos controle. Porém, menos de 1% das células infundidas ainda residiam no coração infartado quatro horas após a infusão. A infusão precoce (2 dias vs. 14 dias pós-infarto agudo do miocárdio) também foi avaliada nesse mesmo estudo e provou resultar em maior captação celular pelo miocárdio. Entretanto, é importante ressaltar que as células-tronco mesenquimais migravam preferencialmente para o tecido isquêmico. Isso sugere que tecidos afetados passam a expressar receptores ou ligantes específicos que facilitam o tráfego, a adesão e a infiltração das células-tronco mesenquimais nos sítios de injúria, porém esses fatores podem estar suprimidos pouco tempo após a injúria.

ADMINISTRAÇÃO DAS CÉLULAS-TRONCO MESENQUIMAIS

Além das características próprias das células-tronco mesenquimais, deve-se ressaltar o impacto de diversas variáveis nos resultados de estudos pré-clínicos e clínicos, tais como o momento da injeção das células, o número de células injetadas e o sítio de injeção. Chen et al.21 demonstraram que grande número de células injetadas precocemente após um evento isquêmico resulta em melhores índices de fixação. As célulastronco mesenquimais demonstraram se fixar melhor ao miocárdio quando injetadas no primeiro dia após o infarto agudo do miocárdio, comparativamente à injeção no 14º dia, sugerindo que essas células agem especificamente em resposta à isquemia.22 Embora possamos esperar que maior número de células infundidas acarrete melhores taxas de fixação e, consequentemente, melhores resultados, existe um limite após o qual maior número de células não resulta em qualquer benefício. Como exemplo, em um modelo de isquemia cerebral em ratos, houve significativa melhora dos resultados quando foram injetadas doses de 1 x 106 células, ao passo que quando esse número foi aumentado para 3 x 106 células não houve qualquer melhoria. Os estudos que tentaram aperfeiçoar a administração das células-tronco mesenquimais em termos de número e tempo de infusão concluíram que maior número de células e infusão precoce, logo após o insulto isquêmico, resultam em maiores índices de fixação, porém não foi possível detectar qualquer benefício em termos de resultados finais.23

O meio de administração das células-tronco mesenquimais também pode influenciar o caminho que essas células percorrem até atingir o órgão-alvo. A administração pode ser intravenosa, intraperitoneal, intraarterial ou intracardíaca. A via intravenosa é, certamente, a menos invasiva, porém as vias intra-arterial e intracardíaca proporcionaram melhores índices de fixação em certos modelos de infarto agudo do miocárdio.24,25 As injeções intra-arterial e intracardíaca também podem resultar em menor acúmulo de células-tronco mesenquimais no interior dos órgãos que atuam como filtros, tais como pulmão, fígado e baço (fato geralmente observado após a infusão venosa), resultando em maior disponibilidade de células para os sítios de isquemia.24 Uma dúvida ainda não esclarecida refere-se à possível ocorrência de oclusões microvasculares após injeção intra-arterial das células-tronco mesenquimais. Embora esse fenômeno tenha sido descrito previamente26, o clássico trabalho de Chen et al.27, publicado em 2004, não demonstrou tal efeito adverso, apesar da infusão de grande número de células.

A via intra-arterial foi descrita por Katritsis et al.28. Para o procedimento, a artéria coronária esquerda era cateterizada e posicionado um balão over-the-wire no stent, insuflado a 6 atm por 2 minutos. Durante esse período, 1,5 ml de células em suspensão, contendo 1-2 x 106 células, era infundido distalmente ao balão através de seu lúmen central. Esse procedimento era repetido 3 minutos após a desinsuflação do balão e restauração do fluxo coronário.

MECANISMOS DE REPARO MIOCÁRDICO

Existem três mecanismos já estabelecidos através dos quais as células-tronco mesenquimais atuam no reparo miocárdico: regeneração dos cardiomiócitos, vasculogênese e efeito parácrino.29

DIFERENCIAÇÃO DAS CÉLULAS-TRONCO MESENQUIMAIS EM CARDIOMIÓCITOS

As células-tronco mesenquimais exibem considerável capacidade de expansão in vitro e, mais importante que isso, potencial de diferenciação em diversas linhagens mesodérmicas, incluindo osteoblastos, adipócitos e condrócitos. Embora haja relatos de que as célulastronco mesenquimais podem se diferenciar em linhagens endodérmica (células hepatócito-like) e ectodérmica (neurônios e células neurogliais), há discussões controversas.30 Inicialmente, acreditava-se que o principal mecanismo de ação das células-tronco mesenquimais no miocárdio seria por meio dessa propriedade de diferenciação. Diversos estudos chegaram a demonstrar esse fenômeno, tanto in vitro como in vivo.31,32 Entretanto, estudos mais recentes33,34 provaram que, na realidade, a diferenciação das células-tronco mesenquimais injetadas é um evento raro, ocorrendo em pequena proporção (apenas 0,07% das células-tronco mesenquimais gera cardiomiócitos in vitro). Essa constatação indica que as células-tronco mesenquimais não são capazes de gerar cardiomiócitos em quantidade suficiente para reparar o miocárdio lesado apenas por meio desse mecanismo.

EFEITO PARÁCRINO

As células-tronco mesenquimais secretam uma variedade de citocinas e fatores de crescimento que possuem atividade tanto parácrina como autócrina. Acreditase que essa propriedade seja de fundamental importância para a explicação dos efeitos terapêuticos observados com essas células. Esses fatores secretados pelas células-tronco mesenquimais exercem ação antiapoptótica, pró-angiogênica e efeito reparador endógeno.29 Além disso, a isquemia aumenta a produção de diversos fatores. A concentração tecidual de proteínas, tais como fator de crescimento vascular endotelial, fator de crescimento de fibroblasto básico, fator de crescimento dos hepatócitos, fator de crescimento insulina-like I e adrenomedulina, encontra-se em níveis significativamente maiores em tecido cardíaco isquêmico tratado com células-tronco mesenquimais.35,36

Tais fatores podem influenciar as células adjacentes e exercer seus efeitos por meio de diversos mecanismos, sendo a proteção miocárdica e a neovascularização os dois mais estudados. Além disso, os processos inflamatórios e de fibrose que ocorrem no período pós-infarto, o metabolismo cardíaco, a contratilidade cardíaca e a regeneração cardíaca endógena também podem sofrer influência positiva dos efeitos parácrinos desses fatores. Acredita-se que esses mediadores sejam expressos e liberados temporalmente, de modo que eles exerçam diferentes efeitos dependendo do microambiente existente após a injúria isquêmica. Além disso, tais fatores também podem apresentar ações autócrinas na biologia das próprias células-tronco.37

Proteção miocárdica

Um efeito parácrino imediato das células-tronco mesenquimais quando presentes em um microambiente isquêmico é a liberação de moléculas citoprotetoras, que aumentam a taxa de sobrevivência dos cardiomiócitos. Gnecchi et al.38 demonstraram que as célulastronco mesenquimais exercem ação citoprotetora direta sobre os cardiomiócitos isquêmicos e, além disso, os meios de cultura condicionados para hipóxia são capazes de reduzir a apoptose e a necrose de cardiomiócitos de ratos expostos a baixas tensões de oxigênio. Nesse mesmo estudo, os autores demonstraram que o efeito citoprotetor pode ser potencializado nas células-tronco mesenquimais que superexpressaram o gene Akt-1 (Akt-CTMs) in vitro. Esses dados comprovaram que as células-tronco mesenquimais exercem seu efeito protetor no miocárdio pela liberação de fatores parácrinos e que a ativação da via de Akt potencializa a produção e a liberação desses fatores.

Neovascularização

Outro importante processo biológico positivamente influenciado pelas células-tronco mesenquimais por meio de seus efeitos parácrinos é a neovascularização. Apesar do conceito de que as células-tronco mesenquimais são incorporadas pelas estruturas vasculares, diversos estudos sugeriram que apenas uma pequena porção desses vasos possuía células do doador. O processo molecular que leva à angiogênese e à arteriogênese envolve mediadores como óxido nítrico, fator de crescimento vascular endotelial, fator de crescimento de fibroblasto básico, fator de crescimento dos hepatócitos e angiopoietina, entre outros. A ação desses mediadores provoca migração e proliferação das células endoteliais e das células musculares lisas vasculares, aumento e maturação dos vasos, e síntese de matriz extracelular. Dessa maneira, as células-tronco mesenquimais atuariam na promoção da densidade capilar e no desenvolvimento de vasos colaterais observados em tecidos isquêmicos de animais submetidos a sua infusão.

Remodelamento cardíaco

Além da citoproteção e da neovascularização, os fatores parácrinos liberados pelas células-tronco mesenquimais podem alterar a matriz extracelular, resultando em efeitos favoráveis no remodelamento pós-infarto. Já foi demonstrado que a injeção direta de célulastronco mesenquimais em corações isquêmicos de ratos promoveu decréscimo da fibrose, apoptose e dilatação ventricular esquerda, além de aumentar a espessura miocárdica. Tais efeitos resultam na preservação das funções sistólica e diastólica do coração sem evidências de regeneração miocárdica.39 Além disso, as células-tronco mesenquimais expressam algumas moléculas envolvidas na biogênese da matriz extracelular, tais como colagenases, metaloproteinases, serina-proteases e inibidores da serina-protease, sugerindo que as células-tronco mesenquimais transplantadas podem inibir a fibrose por meio de efeitos parácrinos.40 Dados que corroboram o efeito antirremodelamento exercido pelas células-tronco mesenquimais por via parácrina tiveram origem em estudos que testaram as células-tronco mesenquimais no tratamento da cardiomiopatia de etiologia não-isquêmica. Nagaya et al.36 injetaram células-tronco mesenquimais no miocárdio de ratos que apresentavam cardiomiopatia dilatada secundária a miocardite experimental. Quando comparados ao grupo controle, aqueles que receberam células-tronco mesenquimais apresentaram considerável melhora da densidade capilar e redução da deposição de colágeno no miocárdio, resultando em decréscimo da pressão diastólica final e aumento do dP/dt máximo do ventrículo esquerdo.

Contratilidade

Algumas evidências sugerem que as células-tronco mesenquimais exercem efeito positivo na contratilidade cardíaca. Como exemplo, pode-se analisar a melhora funcional observada no miocárdio de ratos submetidos a injeção de Akt-CTMs. Nesses animais, tal efeito benéfico poderia ter sido consequência do efeito miocárdico protetor das células-tronco mesenquimais, levando à limitação do tamanho do infarto e/ou da ação direta de fatores inotrópicos liberados por essas células. Estudos preliminares em cardiomiócitos isolados de ratos adultos expostos a diferentes concentrações de células-tronco mesenquimais e Akt-CTMs parecem confirmar que as células-tronco mesenquimais são capazes de liberar fatores que atuam positivamente na modulação da contratilidade celular.41

Regeneração cardíaca

Tem sido proposto que as células-tronco mesenquimais, quando injetadas no miocárdio isquêmico, apresentam a propriedade de se proliferar e transdiferenciar em cardiomiócitos ou então fundir-se com os cardiomiócitos nativos a fim de regenerar o miocárdio perdido. A partir desse conceito, surgiu a hipótese de que o transplante de células-tronco mesenquimais exógenas poderia ativar as células-tronco cardíacas e/ou estimular a replicação dos cardiomiócitos por meio de efeitos parácrinos, permitindo assim a regeneração cardíaca endógena. Tal hipótese torna-se concebível a partir da demonstração de que alguns fatores liberados pelas células-tronco mesenquimais podem melhorar a proliferação, a mobilização, a diferenciação, a sobrevivência e o funcionamento dos progenitores cardíacos endógenos. Até o momento, não existem estudos avaliando os efeitos das células-tronco mesenquimais transplantadas sobre tais progenitores, porém existem evidências sugerindo tais efeitos. Foi demonstrado que a administração intramiocárdica de fator de crescimento dos hepatócitos e fator de crescimento insulina-like I na borda do infarto induz migração, proliferação e diferenciação das células-tronco cardíacas.42 Uma vez que as células-tronco mesenquimais liberam tanto fator de crescimento dos hepatócitos quanto fator de crescimento insulina-like I em situações de isquemia, pode-se aventar a hipótese de que as células-tronco mesenquimais injetadas em corações isquêmicos possam atrair e ativar as células-tronco cardíacas residentes.

REGENERAÇÃO DOS VASOS SANGUÍNEOS

Diversas evidências indicam que as células-tronco mesenquimais são capazes de estabilizar a formação de vasos sanguíneos e aumentar a angiogênese após a ocorrência da injúria cardíaca43,44 tanto in vitro como in vivo.45 Existe estreita relação entre as célulastronco mesenquimais e a vasculatura, inclusive já ten-do sido demonstrado que essas células residem na zona perivascular da medula óssea.46 Essa proximidade física entre as células-tronco mesenquimais e o sítio perivascular possui papel crítico no turnover celular e no reparo de órgãos. Uma vez sofrida injúria, essas células seriam ativadas a partir do sítio perivascular, proliferariam e secretariam fatores tróficos que atuariam no reparo tecidual. Os pericitos (células indiferenciadas presentes na parede vascular) são células do tipo mesenquimal que surgem como possível fonte in vivo de células-tronco mesenquimais terapêuticas.

ESTUDOS PRÉ-CLÍNICOS

Os estudos pré-clínicos com células-tronco mesenquimais tiveram como principal objetivo avaliar seus efeitos na função miocárdica e identificar como essas células exerciam tais efeitos. Certamente, os principais itens avaliados foram o destino das célulastronco mesenquimais transplantadas, sua complexa interação com o tecido do hospedeiro e eventuais efeitos adversos indesejados.

Diversos estudos foram realizados em animais de pequeno e de grande portes. Um estudo recente47 utilizando modelo de porco demonstrou que 8 semanas após a infusão intramiocárdica de células-tronco mesenquimais houve ganho significativo da função ventricular esquerda. Os pesquisadores observaram que, logo na primeira semana após o transplante, os animais apresentaram melhora do fluxo sanguíneo miocárdico durante a diástole, o que foi diretamente correlacionado ao aumento do tamanho dos vasos sanguíneos do grupo tratado com células-tronco mesenquimais. Tais achados indicaram a ocorrência do processo de neovascularização como consequência de significativa cardiomiogênese, compatível, assim, com a hipótese da secreção de fatores por essas células.

As células-tronco mesenquimais também foram testadas quanto a possível aplicação terapêutica na cardiomiopatia chagásica. Em estudo conduzido por Guarita-Souza et al.48, 11 ratos submetidos a um modelo experimental de cardiomiopatia dilatada causada pela doença de Chagas receberam a infusão conjunta de mioblastos e células-tronco mesenquimais autólogas. Quando comparados com o grupo-controle, 4 semanas após a infusão, esses animais demonstraram melhora da fração de ejeção do ventrículo esquerdo e redução dos diâmetros sistólico e diastólico finais do ventrículo esquerdo.

Outro estudo pré-clínico, também desenvolvido em laboratório nacional49, avaliou a morfologia e o funcionamento cardíacos assim como as alterações histológicas induzidas por células-tronco da medula óssea e células-tronco mesenquimais injetadas no miocárdio de ratos hipertensos. Depois de 24 horas da indução de isquemia, os animais foram tratados com a infusão de um de três meios (normal ou controle, células-tronco mesenquimais ou célula de medula óssea). Após 30 dias, o ecocardiograma e a análise histológica revelaram que aqueles tratados com células-tronco mesenquimais apresentavam melhora da fração de ejeção do ventrículo esquerdo e redução da área do ventrículo esquerdo infartada.

Em relação ao possível processo de integração das células transplantadas no tecido hospedeiro e posterior transdiferenciação, estudos pré-clínicos apresentaram resultados discrepantes. Os achados em relação à redução do tamanho do infarto variaram entre pouco significativos50 e bastante representativos51. Em um modelo de insuficiência cardíaca crônica induzida por doxorrubicina em coelhos52, os pesquisadores demonstraram os efeitos das células-tronco mesenquimais em reduzir a fibrose miocárdica, em aumentar a ação das metaloproteinases 1 e 2, e em diminuir a atividade dos inibidores teciduais.

Ainda que efeitos imunossupressores e imunomoduladores tenham sido atribuídos às células-tronco mesenquimais, os estudos pré-clínicos não obtiveram bons resultados ao avaliar o efeito do transplante dessas células em modelos de miocardite. No estudo mais representativo, Ohnishi et al.53 relataram efeitos positivos da injeção intravenosa de células-tronco mesenquimais após a indução de miocardite em ratos. Tais benefícios foram secundários à redução do número de células inflamatórias CD68+ e menor expressão da proteína-1 quimiotática de monócitos, que resultaram em melhora da função cardíaca.

Também foi postulado que as células-tronco mesenquimais possuem efeito preventivo na ocorrência de rejeição crônica pós-transplante cardíaco, por meio da supressão de células T-CD4+.54

Estudos de segurança em animais de grande porte avaliando possíveis efeitos adversos dose-dependente das células-tronco mesenquimais não revelaram qualquer ocorrência até o momento.55 O uso off the shelf das células-tronco mesenquimais alogênicas em um estudo de segurança em suínos com altas doses repetidas de células-tronco mesenquimais (até 800 x 106 células-tronco mesenquimais) não revelou qualquer efeito adverso quanto a arritmia ventricular, anafilaxia ou aumento significativo de enzimas cardíacas. Além dis-so, a avaliação histopatológica a longo prazo não evidenciou rejeição, calcificação, tumorigênese ou infarto miocárdico.

A partir do conjunto desses resultados pré-clínicos foram desenvolvidas estratégias promissoras quanto ao uso clínico das células-tronco mesenquimais, não só para situações de isquemia miocárdica mas também para outras afecções cardiovasculares.

ESTUDOS CLÍNICOS

A aplicação clínica das células-tronco teve início em 2002, época em que diversos trabalhos foram realizados com o objetivo de testar a segurança e a eficácia das células mononuclares autólogas da medula óssea no tratamento do infarto agudo do miocárdio. Como os resultados iniciais foram extremamente animadores, houve grande interesse em tentar utilizar as células-tronco mesenquimais como fonte para o transplante. Entretanto, comparadas às células mononuclares autólogas da medula óssea, as quais são isoladas diretamente da medula óssea, as células-tronco mesenquimais necessitam de determinado tempo em meio de cultura a fim de permitir seu isolamento e expansão até que um número adequado de células seja atingido antes do transplante. Isso acarreta um sério problema, uma vez que esse longo tempo de cultivo celular pode resultar em contaminação microbiana das células, levando à perda do preparo celular. Além desse obstáculo, outra questão a ser citada é o diâmetro médio das células-tronco mesenquimais. O diâmetro dessas células é muito maior que o das células mononucleares autólogas da medula óssea (20 µm vs. 10-12 µm), o que representa grave problema quando a via escolhida para injeção é a intra-arterial, já que as células podem provocar embolia e microinfarto coronário. Em decorrência dos fatores citados, a aplicação clínica das células-tronco mesenquimais encontra-se, nos dias de hoje, restrita a pequenos e poucos estudos fase I-II.

O primeiro estudo clínico utilizando células-tronco mesenquimais foi realizado em 2004, na China, por Chen et al.27, que infundiram células-tronco mesenquimais autólogas por via intracoronária em pacientes vítimas de infarto agudo do miocárdio. Nesse estudo, 69 pacientes que haviam sido submetidos a angioplastia primária dentro de 12 horas após o diagnóstico do infarto agudo do miocárdio foram randomizados para receber infusão intracoronária de células-tronco mesenquimais ou solução salina. No oitavo dia pós-intervenção, os pacientes receberam solução composta de 8-10 x 109 células/ml. Durante o seguimento, ficou evidente que os pacientes que receberam células-tronco mesenquimais apresentaram redução do porcentual de segmentos hipocinéticos, acinéticos ou discinéticos, além de melhora da fração de ejeção.

Um segundo estudo de grande impacto clínico, realizado na Grécia, em 200528, utilizou células-tronco mesenquimais cultivadas in vitro por 7 dias em meio de cultura com 10% de soro fetal de vitela sob boas condições laboratoriais. Nesse estudo, 1-2 x 106 células foram infundidas em 11 pacientes por via intracoronária (todos os pacientes haviam sido previamente submetidos a cateterismo e angioplastia com stent da artéria descendente anterior), porém antes de se-rem infundidas essas células foram analisadas. Essa análise revelou que 66 ± 19% das células cultivadas eram positivas para os biomarcadores das células-tronco mesenquimais. Além disso, os autores selecionaram 5 pacientes portadores de cardiodesfibrilador implantável para avaliar possível efeito pró-arrítmico da terapia com células-tronco mesenquimais. Após acompanhamento de 16-36 meses não houve qualquer evidência de arritmias nesses pacientes, podendo-se concluir que o transplante de células-tronco mesenquimais não aparenta resultar em qualquer risco de arritmias para os pacientes.

Atualmente, existem três estudos fase-I-II em andamento com o objetivo de avaliar o uso das célulastronco mesenquimais em afecções cardiovasculares. Nesses estudos, serão estudados, no total, 140 pacientes com infarto agudo do miocárdio na Europa e nos Estados Unidos, e a publicação dos resultados será de grande importância na validação ou não das célulastronco mesenquimais como fonte para a terapia celular.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de todas as aparentes vantagens das células-tronco mesenquimais, algumas dúvidas e desafios permanecem no caminho para seu futuro uso na terapia celular. Talvez a preocupação mais consistente seja seu potencial em se diferenciar em outras linhagens mesenquimais, tais como osso e tecido adiposo. Há trabalhos demonstrando que as células-tronco mesenquimais eram capazes de formar ossificação tanto ectópica como heterotópica, assim como tumores de tecido adiposo. Em trabalho recente56 foi possível observar que, após a aplicação de células-tronco mesenquimais, houve formação de estruturas encapsuladas, intramiocárdicas, contendo calcificações em seu interior.

No que se refere ao potencial de as células-tronco mesenquimais se diferenciarem em adipócitos, ainda não há qualquer relato desse fenômeno em corações humanos que receberam transplante dessas células. Porém, diante de resultados obtidos em outros órgãos, essa é uma preocupação relevante e que deve ser mais bem avaliada.

Estratégias para prevenir a diferenciação intramiocárdica das células-tronco mesenquimais injetadas em tipos celulares não desejados, tais como osso, cartilagem ou tecido adiposo, incluem o estímulo à diferenciação das células-tronco mesenquimais, ex vivo ou in-situ, utilizando-se diversos fatores ou genes. Idealmente, esse estímulo das células melhoraria seu potencial terapêutico e, simultaneamente, limitaria sua diferenciação em tecidos indesejáveis. Bartunek et al.57 demonstraram que a estimulação ex vivo de células-tronco mesenquimais com fatores de crescimento antes da injeção em cachorros com infarto crônico provocou a expressão de genes cardiomiócito-específicos nas célulastronco mesenquimais, assim como melhor desempenho contrátil dos corações tratados com essas células, comparativamente àqueles que receberam células-tronco mesenquimais sem estímulo prévio. Uma abordagem alternativa, objetivando-se a diferenciação dessas células, é a terapia gênica ex vivo. Já foi demonstrado que a introdução da miocardina (um fator de transcrição miocardiogênico) nas células-tronco mesenquimais provocou a expressão de um amplo painel de genes, resultando no surgimento de células com fenótipo parcial de cardiomiócitos.58

Outra preocupação relacionada às células-tronco mesenquimais é quanto à instabilidade genética e ao potencial de transformação maligna. Um recente estudo avaliou a estabilidade genética de amostras de células-tronco mesenquimais derivadas do tecido adiposo humano e que foram mantidas em cultura in vitro por tempo prolongado.59 Após período de expansão de 4-5 meses, todas as amostras cultivadas apresentaram anormalidades cromossomiais generalizadas, assim como um fenótipo modificado e mudanças na morfologia. Além disso, tais células passaram a apresentar múltiplas anormalidades no cariótipo, incluindo trissomias, tetraploidias e rearranjos cromossomiais. Quando injetadas em modelos de ratos imunodeficientes, tais células provocaram a formação de tumores em quase todos os órgãos desses animais. Isso nos leva a concluir que as células-tronco mesenquimais podem ser manejadas em cultura, com segurança, por um período de 6-8 semanas, porém se mantidas por um período maior podem passar por transformações deletérias

Certamente, em futuro próximo, essas questões serão abordadas em estudos clínicos e poderão definir melhor o papel que as células mesenquimais desempenharão na terapia de afecções diversas, incluindo aquelas do aparelho cardiovascular.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declararam inexistência de conflito de interesses relacionado a este manuscrito.

Recebido em: 17/3/2010

Aceito em: 25/7/2010

Referências bibliográficas

  • 1. Caplan AI. Mesenchymal stem cells. J Orthop Res. 1991;9(5):641-50.
  • 2. Caplan AI. Mesenchymal stem cell: cell-based reconstructive therapy in orthopaedics. Tiss Eng. 2005;11(7-8):1198-211.
  • 3. Maitra B, Szekely E, Gjini K, Laughlin MJ, Dennis J, Haynesworth SE, et al. Human mesenchymal stem cells support unrelated donor hematopoietic stem cells and suppress T-cell activation. Bone Marrow Transplant. 2004;33(6):597-604.
  • 4. Le Blanc K, Tammik C, Rosendahl K, Zetterberg E, Ringden O. HLA expression and immunologic properties of differentiated and undifferentiated mesenchymal stem cells. Exp Hematol. 2003;31(10):890-6.
  • 5. Tse WT, Pendleton JD, Beyer WM, Egalka MC, Guinan EC. Supression of allogeneic T-cell proliferation by human marrow stromal cells: implications in transplantation. Transplantation. 2003;75(3):389-97.
  • 6. Dominici M, Le Blanc K, Mueller I, Slaper-Cortenbach I, Marini F, Krause D, et al. Minimal criteria for definig multipotent mesenchymal stromal cells. The International Society for Cellular Therapy position statement. Cytotherapy. 2006;8(4):315-7.
  • 7. Zuk PA, Zhu M, Mizuno H, Huang J, Futrell JW, Katz AJ, et al. Multilineage cells from human adipose tissue: implications for cell-based therapies. Tissue Eng. 2001;7(2):211-28.
  • 8. Bieback K, Kern S, Kluter H, Eichler H. Critical parameters for the isolation of mesenchymal stem cells from umbilical cord blood. Stem Cells. 2004;22(4):625-34.
  • 9. Kuznetsov SA, Mankani MH, Gronthos S, Satomura K, Bianco P, Robey PG. Circulating skeletal stem cells. J Cell Biol. 2001;153(5):1133-40.
  • 10. Jiang Y, Vaessen B, Lenvik T, Blackstad M, Reyes M, Verfaillie CM. Multipotent progenitor cells can be isolated from postnatal murine bone marrow, muscle, and brain. Exp Hematol. 2002;30(8):896-904.
  • 11. Bianco P, Robey PG, Simmons PJ. Mesenchymal stem cells: revisiting history, concepts, and assays. Cell Stem Cell. 2008;2(4):313-9.
  • 12. Kern S, Eichler H, Stoeve J, Kluter H, Bieback K. Comparative analysis of mesenchymal stem cells from bone marrow, umbilical cord blood, or adipose tissue. Stem Cells. 2006;24(5):1294-301.
  • 13. Wagner W, Roderburg C, Wein F, Diehlmann A, Frankhauser M, Schubert R, et al. Molecular and secretory profiles of human mesenchymal stromal cells and their abilities to maintain primitive hematopoietic progenitors. Stem Cells. 2007;25(10):2638-47.
  • 14. Sabatini F, Petecchia L, Tavian M, Jodon de Villeroche V, Rossi GA, Brouty-Boye D. Human bronchial fibroblasts exhibit a mesenchymal stem cell phenotype and multilineage differentiating potentialities. Lab Invest. 2005;85(8):962-71.
  • 15. Bartholomew A, Sturgeon C, Siatskas M, Ferrer K, McIntosh K, Patil S, et al. Mesenchymal stem cells suppress lymphocyte proliferation in vitro and prolong skin graft survival in vivo. Exp Hematol. 2002;30(1):42-8.
  • 16. Nauta AJ, Westerhuis G, Kruisselbrink AB, Lurvink EG, Willemze R, Fibbe WE. Donor-derived mesenchymal stem cells are immunogenic in an allogeneic host and stimulate donor graft rejection in a nonmyeloablative setting. Blood. 2006;108(6):2114-20.
  • 17. Karp JM, Leng Teo GS. Mesenchymal stem cell homing: the devil is in the details. Cell Stem Cell. 2009;4(3):206-16.
  • 18. Allers C, Sierralta WD, Neubauer S, Rivera F, Minguell JJ, Conget PA. Dynamic of distribution of human bone marrow-derived mesenchymal stem cells after transplantation into adult unconditioned mice. Transplantation. 2004;78(4):503-8.
  • 19. Devine SM, Cobbs C, Jennings M, Bartholomew A, Hoffman R. Mesenchymal stem cells distribute to a wide range of tissues following systemic infusion into nonhuman primates. Blood. 2003;101(8):2999-3001.
  • 20. Barbash IM, Chouraqui P, Baron J, Feinberg MS, Etzion S, Tessone A, et al. Systemic delivery of bone marrow-derived mesenchymal stem cells to the infarcted myocardium: feasibility, cell migration, and body distribution. Circulation. 2003;108(7):863-8.
  • 21. Chen J, Li Y, Wang L, Zhang Z, Lu D, Lu M, et al. Therapeutic benefit of intravenous administration of bone marrow stromal cells after cerebral ischemia in rats. Stroke. 2001;32(4):1005-11.
  • 22. Schenk S, Mal N, Finan A, Zhang M, Kiedrowski M, Popovic Z, et al. Monocyte chemotactic protein-3 is a myocardial MSC homing factor. Stem Cells. 2007;25(1):245-51.
  • 23. Omori Y, Honmou O, Harada K, Suzuki J, Houkin K, Kocsis JD. Optimization of a therapeutic protocol for intravenous injection of human mesenchymal stem cell after cerebral ischemia in adult rats. Brain Res. 2008;1236:30-8.
  • 24. Barbash IM, Chouraqui P, Baron J, Feinberg MS, Etzion S, Tessone A, et al. Systemic delivery of bone marrow-derived mesenchymal stem cells to the infarcted myocardium: feasibility, cell migration, and body distribution. Circulation. 2003;108(7):863-8.
  • 25. Freyman T, Polin G, Osman H, Crary J, Lu M, Cheng L, et al. A quantitative, randomized study evaluating three methods of mesenchymal stem cell delivery following myocardial infarction. Eur Heart J. 2006;27(9):1114-22.
  • 26. Walczak P, Zhang J, Gilad AA, Kedziorek DA, Ruiz-Cabello J, Young RG, et al. Dual-modality monitoring of targeted intraarterial delivery of mesenchymal stem cells after transient ischemia. Stroke. 2008;39(5):54-60.
  • 27. Chen SL, Fang WW, Ye F, Liu YH, Qian J, Shan SJ, et al. Effect on left ventricular function of intracoronary transplantation of autologous bone marrow mesenchymal stem cell in patients with acute myocardial infarction. Am J Cardiol. 2004;94(1):92-5.
  • 28. Katritsis DG, Sotiropoulou PA, Karvouni E, Karabinos I, Korovesis S, Perez SA, et al. Transcoronary transplantation of autologous mesenchymal stem cell and endothelial progenitors into infarcted human myocardium. Catheter Cardiovasc Interv. 2005;65(3):321-9.
  • 29. Gnecchi M, Zhang Z, Ni A, Dzau VJ. Paracrine mechanisms in adult stem cell signaling and therapy. Circ Res. 2008;103(11):1204-19.
  • 30. Phinney DG, Prockop DJ. Concise review: mesenchymal stem/multipotent stromal cells: the state of transdifferentiation and modes of tissue repair-current views. Stem Cells. 2007;25(11):2896-902.
  • 31. Makino S, Fukuda K, Miyoshi S, Konishi F, Kodama H, Pan J, et al. Cardiomyocytes can be generated from marrow stromal cells in vitro. J Clin Invest. 1999;103(5):697-705.
  • 32. Shake JG, Gruber PJ, Baumgartner WA, Senechal G, Meyers J, Redmond JM, et al. Mesenchymal stem cell implantation in a swine myocardial infarct model: engraftment and functional effects. Ann Thorac Surg. 2002;73(6):1919-25.
  • 33. Dai W, Hale SL, Martin BJ, Kuang JQ, Dow JS, Wold LE, et al. Allogenic mesenchymal stem cell transplantation in postinfarcted rat myocardium: short- and long-term effects. Circulation. 2005;112(2):214-23.
  • 34. Breitbach M, Bostani T, Roell W, Xia Y, Dewald O, Nygren JM, et al. Potential risks of bone marrow cell transplantation into infarcted hearts. Blood. 2007;110(4):1362-9.
  • 35. Yoon YS, Wecker A, Heyd L, Park JS, Tkebuchava T, Kusano K, et al. Clonally expanded novel multipotent stem cells from human bone marrow regenerate myocardium after myocardial infarction. J Clin Invest. 2005;115(2):326-38.
  • 36. Nagaya N, Kangawa K, Itoh T, Iwase T, Murakami S, Miyahara Y, et al. Transplantation of mesenchymal stem cells improves cardiac function in a rat model of dilated cardiomyopathy. Circulation. 2005;112(8):1128-35.
  • 37. Deb A, Davis BH, Guo J, Ni A, Huang J, Zhang Z, et al. SFRP2 regulates cardiomyogenic differentiation by inhibiting a positive transcriptional autofeedback loop of Wnt3a. Stem Cells. 2008;26(1):35-44.
  • 38. Gnecchi M, He H, Liang OD, Melo LG, Morello F, Mu H, et al. Paracrine action accounts for marked protection of ischemic heart by Akt-modified mesenchymal stem cells. Nat Med. 2005;11(4):367-8.
  • 39. Berry MF, Engler AJ, Woo YJ, Pirolli TJ, Bish LT, Jayasankar V, et al. Mesenchymal stem cell injection after myocardial infarction improves myocardial compliance. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2006;290(6):H2196-203.
  • 40. Ohnishi S, Yasuda T, Kitamura S, Nagaya N. Effect of hypoxia on gene expression of bone marrow-derived mesenchymal stem cells and mononuclear cells. Stem Cells. 2007;25(5):1166-77.
  • 41. Takahashi M, Li TS, Suzuki R, Kobayashi T, Ito H, Ikeda Y, et al. Cytokines produced by bone marrow cells can contribute to functional improvement of the infarcted heart by protecting cardiomyocytes from ischemic injury. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2006;291(2):H886-93.
  • 42. Linke A, Muller P, Nurzynska D, Casarsa C, Torella D, Nascimbene A, et al. Stem cells in the dog heart are self-renewing, clonogenic, and multipotent and regenerate infarcted myocardium, improving cardiac function. Proc Natl Acad Sci U S A. 2005;102(25):8966-71.
  • 43. Au P, Tam J, Fukumura D, Jain RK. Bone marrow-derived mesenchymal stem cells facilitate engineering of long-lasting functional vasculature. Blood. 2008;111(9):4551-8.
  • 44. Ball SG, Shuttleworth CA, Kielty CM. Mesenchymal stem cells and neovascularization: role of platelet-derived growth factor receptors. J Cell Mol Med. 2007;11(5):1012-30.
  • 45. Al-Khaldi A, Eliopoulos N, Martineau D, Lejeune L, Lachapelle K, Galipeau J. Postnatal bone marrow stromal cells elicit a potent VEGF-dependent neoangiogenic response in vivo. Gene Ther. 2003;10(8):621-9.
  • 46. Asahara T, Bauters C, Zheng LP, Takeshita S, Bunting S, Ferrara N, et al. Synergistic effect of vascular endothelial growth factor and basic fibroblast growth factor on angiogenesis in vivo. Circulation. 1995;92(9 Suppl):365-71.
  • 47. Schuleri KH, Amado LC, Boyle AJ, Centola M, Saliaris AP, Gutman MR, et al. Early improvement in cardiac tissue perfusion due to mesenchymal stem cells. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2008;294(5):H2002-11.
  • 48. Guarita-Souza LC, Carvalho KA, Woitowicz V, Rebelatto C, Senegaglia A, Hansen P, et al. Simultaneous autologous transplantation of cocultured mesenchymal stem cells and skeletal myoblasts improves ventricular function in a murine model of Chagas disease. Circulation. 2006;114(1 Suppl):I120-4.
  • 49. de Macedo Braga LM, Lacchini S, Schaan BD, Rodrigues B, Rosa K, De Angelis K, et al. In situ delivery of bone marrow cells and mesenchymal stem cells improves cardiovascular function in hypertensive rats submitted to myocardial infarction. J Biomed Sci. 2008;15(3):365-74.
  • 50. Berry MF, Engler AJ, Woo YJ, Pirolli TJ, Bish LT, Jayasankar V, et al. Mesenchymal stem cell injection after myocardial infarction improves myocardial compliance. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2006;290(6):H2196-203.
  • 51. Imanishi Y, Saito A, Komoda H, Kitagawa-Sakakida S, Miyagawa S, Kondoh H, et al. Allogenic mesenchymal stem cell transplantation has a therapeutic effect in acute myocardial infarction in rats. J Moll Cell Cardiol. 2008;44(4):662-71.
  • 52. Aupperle H, Garbade J, Schubert A, Barten M, Dhein S, Schoon HA, et al. Effects of autologous stem cells on immunohistochemical patterns and gene expression of metalloproteinases and their tissue inhibitors in doxorubicin cardiomyopathy in a rabbit model. Vet Pathol. 2007;44(4):494-503.
  • 53. Ohnishi S, Yanagawa B, Tanaka K, Miyahara Y, Obata H, Kataoka M, et al. Transplantation of mesenchymal stem cells attenuates myocardial injury and dysfunction in a rat model of acute myocarditis. J Moll Cell Cardiol. 2007;42(1):88-97.
  • 54. Zhou H, Jin Z, Liu J, Yu S, Cui Q, Yi D. Mesenchymal stem cells might be used to induce tolerance in heart transplantation. Med Hypotheses. 2008;70(4):785-7.
  • 55. Hashemi SM, Ghods S, Kolodgie FD, Parcham-Azad K, Keane M, Hamamdzic D, et al. A placebo controlled, dose-ranging, safety study of allogenic mesenchymal stem cells injected by endomyocardial delivery after an acute myocardial infarction. Eur Heart J. 2008;29(2):251-9.
  • 56. Breitbach M, Bostani T, Roell W, Xia Y, Dewald O, Nygren JM, et al. Potential risks of bone marrow cell transplantation into infarcted hearts. Blood. 2007;110(4):1362-9.
  • 57. Bartunek J, Croissant JD, Wijns W, Gofflot S, de Lavareille A, Vanderheyden M, et al. Pretreatment of adult bone marrow mesenchymal stem cells with cardiomyogenic growth factors and repair of the chronically infarcted myocardium. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2007;292(2):H1095-104.
  • 58. van Tuyn J, Knaan-Shanzer S, van de Watering MJ, de Graaf M, van der Laarse A, Schalij MJ, et al. Activation of cardiac and smooth muscle-specific genes in primary human cells after forced expression of human myocardin. Cardiovasc Res. 2005;67(2):245-55.
  • 59. Rubio D, Garcia-Castro J, Martin MC, de la Fuente R, Cigudosa JC, Lloyd AC, et al. Spontaneous human adult stem cell transformation. Cancer Res. 2005;65(8):3035-9.
  • Correspondência:
    Cristiano Freitas de Souza
    Rua Botucatu, 740
    São Paulo, SP, Brasil - CEP 04023-900
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      2010

    Histórico

    • Recebido
      17 Mar 2010
    • Aceito
      25 Jul 2010
    location_on
    Sociedade Brasileira de Hemodinâmica e Cardiologia Intervencionista - SBHCI R. Beira Rio, 45, 7o andar - Cj 71, 04548-050 São Paulo – SP, Tel. (55 11) 3849-5034, Fax (55 11) 4081-8727 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: sbhci@sbhci.org.br
    rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
    Acessibilidade / Reportar erro