Resumo
Partindo-se de um campo etnográfico dedicado à realidade da comunidade afro-equatoriana “La Chiquita”, nomeadamente quanto à sua luta pelo território ancestral que é-lhe de direito face à desterritorialização promovida pelo avanço do monocultivo de palma azeiteira, propomos: (I) compreender a dimensão da «colonialidade» do Estado no interior deste conflito, incluindo-se o ethos disciplinar e institucional que interpreta a negritude; e (II) identificar e analisar as diversas formas de resistência desta comunidade em resposta a tal estrutura sociopolítica vertical, trazendo à tona as narrativas do seu contexto desde uma crítica centrada na epistemologia e na sociologia jurídica.
Palavras-chave: Afro-equatorianos; Pós-colonialismo; Sociologia jurídica
Abstract
Departing from an ethnographic fieldwork dedicated to the reality of the afro-ecuadorian community of “La Chiquita”, in particular on its struggle concerning their ancestral territorial integrity in response of a growing dispossession process orchestrated by oil palm monocultures in Ecuador, we propose: (I) comprehend the “coloniality” of the State within this conflict, including the disciplinary and institutional ethos in interpreting blackness; and (II) identify and analyze the various forms of resistance of this community in response to such vertical sociopolitical structure, bringing out their narratives in context from a criticism focused on epistemology and the sociology of law.
Keywords: Afro-ecuadorians; Postcolonialism; Sociology of law
«Siglos de despojo colonial de riquezas, de despilfarro de las energías creativas y productivas de la población, de negación y acabamiento de sus saberes científicos y tecnológicos, terminan convirtiendo en indigentes a las poblaciones productoras de riqueza y en traspatio colonial al país todo» (Silvia Rivera Cusicanqui. ‘Oprimidos pero no Vencidos’; [1984] 2010: 29).
1. Introdução1
Em quê lugar encontram-se os afro-equatorianos na sociedade em geral? Esta é uma “pergunta simples” - mas não simplista! - que dirige o espírito deste trabalho. Porquanto aparentemente abstrata, por vezes vale a pena pensar que a construção de um saber bem-localizado tem início num recuo para apreciar-se uma problemática inserida no seu panorama como um todo; abrindo-se mão, portanto, de um vanguardismo apetrechado de recursos teóricos para aceder aos fatos e aos seus atores.
Não é fácil, paradoxalmente, responder a esta “pergunta simples”. Ocorre que, até certo ponto, ela resvala na “violência estrutural”, diria Paul Farmer (2004), que acomete as populações negras e ameríndias nas Américas, as quais constituem a base da escala societal em termos de inserção social, representação política, estrutura econômica, distribuição de renda, saúde e capital educacional. Em outras palavras: na “violência estrutural” que engendra mecanismos continuados de hierarquização societal, os quais redundam, direta ou indiretamente, numa “economia moral da opressão” contra extratos específicos de uma sociedade (: 307). Trata-se de um ethos deixado pelo passado colonial e perpetrado pela «colonialidade» (Quijano, 2010) do Estado-Nação e da sua conivência, nos nossos tempos, com a franca expansão das marés neoliberais do séc. XXI.
Como afirma John Antón, muito embora representem entre 20% a 30% da população latinoamericana, os afrodescendentes
en muchos países son tratados como minorías, aunque tal vez no lo sean, y por tanto no son tenidos en cuenta como actores sociales relevantes en las dinámicas socioeconómicas, situación que permite profundizar su condición de excluidos históricos y por tanto relegados de las políticas sociales (2005:04).
De fato, mesmo considerando-se que o artigo de Antón data de 2005 e que, portanto, há um defasamento com os dados mais atuais, a sub-representação negra pelas Instituições governamentais latinoamericanas [A.L.] é gritante. Nestes termos, explica-se a grande variação das projeções acerca da população negra na A.L. Somente no Brasil, os dados mais recentes apontam para cerca de 100 milhões de pessoas que se autodeclaram como “negras” e/ou “pardas” [categorias governamentais de referência à população afrodescendente].
No caso do Equador, o «Sistema de Indicadores Sociales del Pueblo Afroecuatoriano» (2001) revelou dados alarmantes sobre as condições de vida desse grupo: o nível de pobreza dos negros é o segundo maior do país [atrás da conhecida precariedade acusada nos índices de referência dos povos indígenas]. A taxa de analfabetismo é de 10,3%, acima da média nacional de 9%; o grau de escolaridade é de 6,1 anos, enquanto a média nacional é de 7,2 anos e a média da população “branca” é de 9,2 anos; os afro-equatorianos possuem o nível mais elevado de desemprego, ascendendo a 12%, um percentual acima do das populações “brancas”, “mestiças” e “indígenas”; 80% da população negra encontra-se totalmente desprotegida de qualquer assistência médica (Antón, 2005).
Os afro-equatorianos padecem, portanto, dos piores índices de pobreza, distribuição educacional e de situação laboral que a história do Equador, à imagem de tantas convergências com os seus países vizinhos, conseguiu produzir: um processo histórico de negação, racismo [social e Institucional] e de exclusão “incubados en la sociedad colonial esclavista y sostenidas luego en la República y vigentes aún en la sociedad moderna” (Antón, 2007: 163).
Esta história tem o seu ponto alto no colonialismo, com a leva de populações negras para o trabalho escravo nas Américas que, embora tenha-se dado de forma colossal nos EUA, Brasil e Caribe, foi expressiva nos países Andinos, como o Equador.2
Não à toa, Boaventura de Sousa Santos (2010) trata o que chamamos aqui de Sul Global como a metáfora do sofrimento e da espoliação histórica a que negros e ameríndios, a título de tantas outras populações de zonas ex-coloniais/Imperiais, foram submetidos: uma metáfora que transcende o plano da abstração e que concretiza-se por uma “fenomenologia da morte e da precariedade”, acrescentaria Farmer (2004), esculpida desde a apropriação do território, passando pela subjugação dos povos negros traficados de África e ameríndios à sombra das economias escravocratas e, talvez o mais grave, na sedimentação da «ideia» [no sentido saidiano de representação e de alteridade (cf. Said, 1994)] de que as suas culturas e epistemologias em nada serviriam à construção da modernidade e da Nação.
Bem pelo contrário, tanto as posições políticas dos povos outrora escravizados foram pintadas como essencialmente desnecessárias como as suas epistemologias3 seriam, salvo seja, tornadas irrelevantes à interpretação do mundo.4
Maria Paula Meneses (2014) acresce à perspectiva boaventuriana sobre os efeitos do colonialismo/Imperialismo no Sul Global a desconstrução do processo tentacular e radical de diferenciação que a colonialidade mantêm sob formas contemporâneas do exercício do poder. Boaventura reforça a importância de que os povos subalternizados possam também “experimentar o mundo como seu” (cf. Santos, 2014) e, logo, que gestem condições contracorrentes de apossar-se dele e dos seus rumos, de sentir que dele fazem “parte ativa” e que não mais ocupam, por assim dizer, um papel invisibilizado a cargo das historicidades subalternas que lhes foram amalgamadas face a uma História Universal que os exclui e periferiza. Meneses, por sua vez, dilucida que o conhecimento «longe de ser uma entidade ou um sistema abstrato, é uma forma de estar no mundo, ligando saberes, experiências e formas de vida» (Meneses, 2014: 98). Reconhecer que estas formas de estar e de ser sublevam-se por um sistema estabelecido da opressão significa, pois, acima de tudo um posicionamento voltado à «justiça cognitiva». Sem a «justiça cognitiva», não poderemos falar plenamente de emancipação para além da hierarquia social ou do mundo das representações:
O contraste entre um discurso hegemônico liberal e práticas econômicas cada vez mais heterodoxas, associadas a lutas contra o neoliberalismo, anuncia um questionamento crescente às perspectivas econômicas hegemônicas como consequência da colonialidade do poder. Ao questionar o lugar de poder dos projetos neoliberais, apela-se explicitamente a uma reflexão substantiva das histórias subalternas geradas pela imposição da economia moderna, assumindo, numa perspectiva de justiça cognitiva, o reforço de outras experiências e reflexões, subalternizadas e marginalizadas porque consideradas impuras ou atrasadas (idem).
O presente trabalho emerge, pois, da pergunta inicialmente lançada, a qual coloca em relevo realidades concretas e sujeitos/protagonistas imersos em um contexto histórico, social e político que desde o período colonial os tem obrigado a ser “os últimos outros” da Nação. Como sugere Catherine Walsh, é fundamental perceber-se como a hierarquia social no Equador «has operated and been maintained, and the ways it uses race to subordinate Blacks as the “last others” in a system that serves dominant political and economic interests» (2012b: 17).
Tal hierarquia, no entanto, longe de espelhar apenas uma ordenação interessada da sociedade, da economia e dos privilégios das elites no seio do mundo político e da exclusividade de direitos face à objetificação dos negros e ameríndios reflete, sobremaneira, uma classificação não meramente racializada da sociedade, mas fundamentalmente epistemológica: uma divisão pretensiosamente total de que enquanto as elites espelham os rumos da civilização, a “negritude” [assim como a indigeneidade] parodiava o arcaísmo ou um estágio ultrapassado da humanidade.
Fundamentado numa pesquisa empírica realizada ao longo do ano de 2015, este trabalho debruça-se sobre um estudo de caso envolvendo a luta de uma comunidade negra no norte do Equador - autodenominada La Chiquita - pelo direito de permanecer no território que ocupa ancestralmente.
O estudo parte, antes de tudo, da pluralidade de vozes dos moradores desta comunidade, cuja história de luta e resistência denuncia a condição de subalternidade em que estão forçados a viver face à ausência do Estado e das Instituições, bem como os consequentes danos ambientais causados em seus territórios por projetos extrativistas, notadamente aqueles praticados por empresas produtoras de óleo de palma.
À luz deste caso, à pergunta inicialmente formulada somam-se outras interrogantes: Que papel o Estado tem desempenhado em relação aos afro-equatorianos ou às comunidades negras que lutam por seu território ancestral? Como estas comunidades têm enfrentado o quadro histórico de violência, silenciamento e subalternização da sua identidade e de seus modos de vida? Quais são, por fim, as questões epistemológicas que cruzam a história e parecem naturalizar tamanha precariedade?
Nossa premissa é a de que os afro-equatorianos ocupam um duplo lugar na tessitura social do seu país: por um lado, o lugar subalterno da sua condição negra-colonial e do «anonimato colectivo», com «la pérdida de un perfil diferenciado» das suas identidades (cf. Cusicanqui, 2010b: 35-36 e 42), produzidos por uma sociedade e um Estado marcados pela ‘colonialidade’; e, por outro lado, o lugar de afirmação e resistência à esta realidade, fundados, no dizer de Catherine Walsh, num pensamento e numa práxis-outra como essência das chamadas «luchas decoloniales» (2012: 68).
Tal premissa será desenvolvida, do ponto de vista teórico, com base em algumas proposições dos estudos Pós-coloniais, que buscam compreender o mundo contemporâneo a partir das relações desiguais entre o Norte e o Sul globais, constituídas historicamente pelo colonialismo e que perduram não mais como relação política, mas como relação política de subordinação expressa inscrita socialmente e cognitivamente: «enquanto mentalidade e forma de sociabilidade autoritária e discriminatória» (Santos, 2006: 28). Do ponto de vista empírico, será examinada a partir do complexo panorama em que a comunidade negra La Chiquita vê-se refém.
O Estado equatoriano tem desempenhado o ambíguo papel de reconhecer constitucionalmente direitos coletivos territoriais a estas comunidades afrodescendentes, ao mesmo tempo em que estabelece uma relação de dominação economicista intimamente ligada à política extrativista e que resulta na «desterritorialización» destes grupos (cf. Walsh e García, 2010: 57-59).
Esta prática Estatal, mais afinada com um projeto desenvolvimentista neoliberal do que com os paradigmas constitucionais de buen vivir, interculturalidade e plurinacionalidade, tem gerado efeitos no empobrecimento das condições de vida das populações locais e afetado drasticamente os recursos naturais, objetificados para fins de exploração e acumulação econômicas, uma prática que Héctor Alimonda denominou de «colonialidad de la naturaleza» (2011: 22).5
As famílias de La Chiquita, por sua vez, têm mobilizado algumas estratégias de defesa, “práticas de resistência local” (Walsh, 2012: 56-59), «narrativa(s) cosmogônica(s)» e políticas (Antón, 2010: 27) desde alianças com outras comunidades em semelhante situação até a articulação com advogados aliados a sua causa para a mobilização de direitos.
Em termos gerais, a “colonialidade” transcende aspectos lineares, ela é líquida e incrusta-se na forma de pensar, converte-se, como coloca Cusicanqui, em «colonialismo interno» (2010b: 100): um olhar sobre a vida e os entes que configuram uma sociedade para além do sistema formal de dominação econômica e política. A sua interioridade assenta num modo de se conceber noções de desenvolvimento e de progresso que misturam-se de acordo com um contexto determinado.
No caso equatoriano, por um lado, entre o racismo societal, Institucional e a permanência de uma imagética do ser-irrelevante; por outro lado, de que qualquer ligação identitária, cosmogônica e comunitária de formação da auto-definição entre a coletividade e o território - um dos alicerces do que convencionou-se chamar de “ancestralidade” - não representaria mais do que um traço cultural em oposição a uma razão moderna. Ou seja, a reificação projetada na alteridade de um antagonismo entre o moderno e o arcaico, de que aqueles que lutam pelos seus direitos fazem parte de um passado e de um modo de vida “anteriores”, nunca contemporâneos.
Eis que se faz preciso aprofundar [e questionar] alguns princípios do pensamento hegemônico ocidental que faz-nos confundir a agência neoliberal no Equador, a “violência estrutural” dirigida aos afro-equatorianos e a espoliação do território - este, já não como um elemento formador do “comunitário”, mas como matéria inerte que deve ser gerida, transmutada e servir como fonte de lucro.
2. De onde partimos
Este casamento entre «infraestrutura» e «superestrutura» - em contraponto à percepção dominante desde o marxismo -, não se dá necessariamente pelas condições sociais de existência material e pelas mentalidades que, funcionando como vetores, sintetizam o padrão societal.6 Antes de mais, o conceito de “colonialidade” traz-nos a percepção de que a gestão da hierarquia societal obedece a uma ordem cognitiva que não só naturaliza a desigualdade, mas a defende [e faz-nos defendê-la, como colocaremos a seguir] ao ‘interiorizar’ (Cusicanqui, 2010b) a diferença no modelo hegemônico civilizacional.
Frantz Fanon foi, seguramente, um dos primeiros pensadores a discernir que, sendo importante perceber a desigualdade social segundo os conceitos que tornam a própria sociedade inteligível [tal como a “classe”, na analítica marxista], é inegável que tanto a infra e a superestrutura misturam-se para ordenar a hierarquia socioeconômica como, lato sensu, a desigualdade material é um reflexo da desigualdade dos enunciados subjetivos do mundo colonial.7 Trata-se de uma assimetria entre aqueles que governam e “fazem” a sociedade [i.e. national-building] desde um local específico do poder e do conhecimento em detrimento da negação da subjetividade e da humanidade daqueles que são edificados como os Outros de uma sociedade (Fanon, [1952] 2008: 84).
Esta última zona, por sua vez, não só faz referência à morte anunciada de que o Outro deixa de participar na produção ativa da realidade segundo os seus próprios parâmetros histórico-culturais [ou epistemológicos], como tenderá a perder a sua “voz ativa” em produzir-se enquanto sujeito e poder-ser, face à sociedade como um todo, percebido como plenamente-humano. As “máscaras brancas” sobrepostas à “pele negra”, para Fanon, configuram a imposição de que o negro/afrodescendente encontra-se inserido, pela reverberação do ethos colonial na sociedade, na obrigação de produzir-se não como uma entidade autônoma dotada de subjetividade e de historicidade próprias, mas impreterivelmente em contraposição à sociedade “branca”, adaptando-se ao local que lhe fora destinado em detrimento de uma coprodução da Nação, das suas identidades e, inclusive, em termos metafísicos.
Em outras palavras: Fanon questiona as amarras do colonialismo como um entrave à «consciência em movimento da totalidade do povo» ([1961] 1968: 167). Se o sujeito que formará a concepção moderna de Humano desde o iluminismo assentará numa “práxis branca” - ancorada na filosofia, no direito e na ideia de jurisprudência em que Hegel e Kant surgiriam como fortes protagonistas no ocidente -, a pergunta central é: “seria possível falar de uma práxis negra?”, uma forma radicalmente-outra de conceber-se e estar-se na realidade?
Há aqui uma denúncia de que os Outros gerados ao longo do colonialismo não podem ser plenamente percebidos senão ao desempenharem o papel que se lhes espera em retorno: uma espécie de “integração” no plano sociopolítico que anula o Outro como enunciado, ou aquilo a que Ranahit Guha chamará de «voces bajas»: o enfraquecimento dos relatos e percepções subalternos em um mundo que «no tiene lugar para ello» ([1982] 2002: 20 e 30).8
Fanon fala-nos de um «desmoronamento do ego» ([1952] 2008: 136), o qual instaura-se como premissa da inferioridade para aquele que reproduz, voluntária ou involuntariamente, um ato racista e, do outro lado, para aquele que o vivencia, passando este último a gerir a sua existência como um ‘ente passivo’ num mar de violência. É importante destacar que Fanon não nega a “resistência negra”, mas que o mundo antes de mais baseia-se em premissas que ultrapassam o racismo ou as dicotomias de cor da pele, tratando-se de um sistema de pensamento: «eu era odiado, detestado, desprezado, não pelo vizinho da frente ou pelo primo materno, mas por toda uma raça» (: 110).
A ‘colonialidade’, tal como a concebe Quijano, pois, é a manutenção de uma hierarquia desejosa de continuar a sua ordem, a qual apropria-se de mecanismos e conceituações contemporâneas que escamoteiam a sua verticalidade para regular um ser e um não-ser. A racialização que assistiríamos, por exemplo, nas zonas coloniais Americanas diante da iminente queda do sistema escravocrata-colonial viria a subsidiar, entre meados do séc. XIX e todo o séc. XX, uma linguagem cientificizada do racismo: um conceito biologicamente falso, mas sociologicamente forte [primeiro, com o chamado racismo científico; depois, já no séc. XX, sob uma linguagem antropológica culturalista tributária do evolucionismo e que continuava a tratar a negritude como um problema a ser resolvido no seio da Nação]; um alicerce à manutenção da hierarquia societal num período de libertação da política Colonial e de manutenção, por parte das elites nacionais, do negro na base da pirâmide social face às formações das identidades nacionais modernas Americanas.
Eis um dos braços da “colonialidade” e, sobretudo, a importância de resgatar-se uma perspectiva pós-colonial para distender-se os fenômenos contemporâneos da diferença e, igualmente, do ethos ideológico que atingirá tanto o aspecto político da formação da Nação quanto assentará na epistemologia seletiva que dá corpo a boa parte das nossas tradições disciplinares.
Hobsbawm, ainda que tenha dado pouca atenção direta aos estudos subalternos ou ao pós-colonialismo, trabalhou muitíssimo bem a interseção das ideologias da raça com as ideologias da pobreza na transição colonial/Imperial à formação da Nação moderna. Fica nítido, com Hobsbawm - a título de outros historiadores - como a manutenção da hierarquia social dá-se por discursos temporalmente isomorfos da inferioridade, da pobreza e da irrelevância da alteridade face à formação/renovação das elites:
«Outras raças eram “inferiores” porque representavam um estágio anterior da evolução biológica ou da evolução sócio-cultural, ou então de ambas. E esta inferioridade era comprovada porque, de fato, a “raça superior” era superior pelo critério de sua própria sociedade: tecnologicamente mais avançada, militarmente mais poderosa, mais rica e mais “bem-sucedida”. O argumento era tão lisonjeiro quanto conveniente - tão conveniente que as classes médias estavam inclinadas a tomá-lo dos aristocratas (que haviam por longo tempo se considerado uma raça superior) por razões internas e também internacionais: os pobres eram pobres porque biologicamente inferiores e, por outro lado, se cidadãos pertenciam às “raças inferiores”, não era de se espantar que eles permanecessem pobres e atrasados» (1982: 272).
O que Hobsbawm resgata com a potência de contextualização da historiografia incide, num debate epistemológico, à adesão das elites no processo de anulação dos Outros de uma Nação; uma nulidade voltada não só ao que representavam sob o papel da alteridade, mas também em como mantinham laços sociais, estruturas cosmogônicas e nas próprias epistemologias que regulam conhecimentos-outros enquanto irrelevantes face ao que se convencionou chamar por “modernidade”: a interiorização de uma colonialidade total, linear e amalgamada com uma retórica precisa do progresso e do desenvolvimento:
«La oposición desarrollo-subdesarrollo, o modernidad-atraso, resultaron así sucedáneas de un larguísimo habitus maniqueo, y continúan cumpliendo funciones de exclusión y disciplinamiento cultural, amparadas en la eficacia pedagógica de un Estado más interventor y centralizado» (Cusicanqui, 2010b: 40-41).
Poderíamos pensar a condição afro-equatoriana segundo estes parâmetros? A complexidade da colonialidade, ainda assim, permite-nos pensar que este não é apenas um caminho importante, mas antes uma passagem fundamental. Em quê medida a sua posição no seio da Nação faz persistir as dualidades acima indicadas da existência? Não se tratando de auferir uma resposta final, este itinerário faz-nos romper com o mapa, faz-nos distinguir que porquanto a violência quotidiana mereça uma resposta imediata, é fundamental tentar perceber em que medida aquilo que está estabelecido é tributário de um período histórico que não descansa no passado, mas que faz-se vivo moldando-se em conjugações do presente.9
Neste sentido, os conceitos de esperança e de utopia dão-nos fôlego. Ernst Bloch foi, seguramente, o filósofo que melhor percorreu este itinerário. Esperança, segundo Bloch, é «una intención hacia una posibilidad que todavía no ha llegado a ser» (2004: 30). Utopia, por sua vez, é o movimento, o caminhar para que este «no-llegado» possa aproximar-se da existência ao ponto de ser tão concreto quanto já não ser mais puramente utópico [um não-lugar]. O primeiro, reflete-se de forma mais imediata às «voces bajas» (Guha, [1982] 2002: 20 e 30) dos nossos interlocutores: um relato mediado pela luta e pela persistência de verem reconhecidos os seus direitos Constitucionais; o segundo, por sua vez, compartilha de intersecções da “esperança” blochiana, mas diz respeito a um processo que não tem fim, rumo à construção de um mundo aberto ao que se convencionou chamar de possibilidades “locais”, uma abertura que desfigura a distopia do modelo único/universal instaurado pela modernidade ocidental à sombra do colonialismo e que resgata, por assim dizer, as possibilidades alternativas anunciadas desde a subalternidade à organização sociopolítica geral.
Se a distopia significa a ideia de que “a história chegou ao seu fim”, de que o modelo societal final está dado, a utopia retrata um processo pautado no questionamento radical e no retorno a perguntas de peso que ampliem a finitude do estabelecido.10
Este panorama geral parte fundamentalmente de duas premissas muito bem trabalhadas pelos estudos pós-coloniais na sequência [ou interação com] dos subaltern studies e, desde outro ponto de enunciação, dos cultural studies.11 A grosso modo, são estas zonas do conhecimento que possuem muitos pontos de divergência e de convergência na leitura dos processos históricos que essencializaram populações e fundamentaram, pois, uma “fenomenologia da subalternização” tanto nas relações do Norte Imperial com o Sul Global ao longo do colonialismo,12 quanto nos projetos nacionais modernos perpetrados pelas elites locais que contemplavam na Europa e nos EUA os rumos e paradigmas da Civilização: um modelo societal, governativo e de gestão econômica e social atravessado pelas entidades geo-referenciadas e operativas que o colonialismo gestou e cujas diferenciações, como ressalta Quijano (2010), persistem nos tempos que correm sob a “colonialidade do poder”.
As nuances desse poder apresentam-se como variações temporais do racismo, do patriarcado e da distinção hierarquizada das populações enquanto uma matriz de pensamento que isola o colonialismo como um período histórico formalmente ultrapassado e sob a negação de que, assim o sendo, as assimetrias socioeconômicas do presente dão-se por um caráter econômico e não pelas categorias raciológicas que outrora conduziam, de forma explícita, a maquinaria colonial.13
Trata-se de um convite ao aprofundamento do debate teórico [ancorado no mundo das práticas e nos fenômenos sociais e na cultura jurídica] de que se o colonialismo fora aparentemente um exercício de dominação econômica e geo-estatística de controle das populações [apontando para uma ocupação geográfica e política do território], não é de todo difícil realizar que a hierarquia social moderna paga tributos diretos à irregular distribuição da humanidade que o colonialismo fez assentar sobre dominadores e dominados.
3. Do ethos aos feitos
Em quê medida os nossos referenciais e conceituações nas ciências sociais e ciências sociais aplicadas prestam tributos a uma matriz do pensamento a que visamos, desde a crítica, identificar, localizar, por vezes denunciar e desconstruir em busca de uma alternativa do pensamento?
Escrevia Hegel ([1837] 2005), talvez um dos autores que mais tenha contribuído para a noção de uma história linear e Universal com impactos tanto na estruturação disciplinar ocidental do saber quanto no ethos moderno de justiça e direito:
«los americanos viven como niños, que se limitan a existir, lejos de todo lo que signifique pensamientos y fines elevados. Las debilidades del carácter americano han sido la causa de que se hayan llevado a América negros, para los trabajos rudos. (…) En la América española y portuguesa, necesitan los indígenas librarse de la esclavitud. En la América del Norte les falta el centro de conjunción, sin el cual no hay Estado posible. Así pues, habiendo desaparecido - o casi - los pueblos primitivos, resulta que la población eficaz procede, en su mayor parte, de Europa. Todo cuanto en América sucede tiene su origen en Europa» (: 268-269).
Hegel continua:
«Entre los negros es, en efecto, característico el hecho de que su conciencia no ha llegado aún a la intuición de ninguna objetividad, como, por ejemplo, Dios, la ley, en la cual el hombre está en relación con su voluntad y tiene la intuición de su esencia. El africano no ha llegado todavía a esa distinción entre él mismo como individuo y su universalidad esencial; se lo impide su unidad compacta, indiferenciada, en la que no existe el conocimiento' de una ciencia absoluta, distinta y superior al yo. Encontramos, pues, aquí al hombre en su inmediatez. Tal es el hombre en África. Por cuanto el hombre aparece como hombre, se pone en oposición a la naturaleza; así es como se hace hombre» (: 282; grifo nosso).
Inegavelmente, trata-se de um questionamento da Humanidade negra por um autor inescapável ao “período das luzes”, da formalização disciplinar dos saberes modernos tal como a concebemos atualmente nos departamentos universitários, como o afirma Castro-Gómez (2007), e que sustentará, em larga escala ao lado dos seus pensadores coetâneos, um ethos da funcionalidade do conhecimento e da estruturação do Estado moderno (cf. Lander, 2005). “Não têm consciência” [os negros] dos parâmetros que Hegel, pelas mãos da filosofia disciplinar que viria a influenciar o direito moderno e o sentido de jurisprudência no ocidente, caracterizava como o único caminho para «se hace(r) hombre». Trata-se de uma forte contribuição para semear-se a retirada das historicidades dos povos não-europeus. Uma ideia de que as populações locais encontradas no choque do colonialismo ou aquelas escravizadas e levadas sob esta condição às Américas não podiam produzir uma Lei, posto serem “bárbaros”, uma “consciência elevada”, posto que não conheciam o “verdadeiro Deus”, que não poderiam formular algo assemelhado a uma Nação, posto que tudo o que se lhes ocorria no destino respeitava a seguinte formulação hegeliana: «Todo cuanto en América sucede tiene su origen en Europa» (: 268-269).
É de se ressaltar que o pensamento de Hegel sobre alteridade é constituído desde a Europa e para o europeu, onde Hegel não só fala sobre povos e geografias que ele pessoalmente não conheceu, como o produto das suas reflexões é edificação de uma autoridade epistemologicamente voltada ao universo europeu e a criação de imagens estáticas da África e do africano para fora da história: geografias e um conjunto de povos que supostamente nada contribuíram para o que viria a ser o pensamento moderno e que, portanto, pouco espaço teriam à condução da civilização.
Este ethos é fundamental para se perceber o quanto os limites interpretativos disciplinares prestam tributos a pensadores que colaboraram enormemente para a definição das ciências sociais e das ciências sociais aplicadas.14
Para Lander, a “colonialidade” não pode ser distinguida por uma forma isolada de atuação-conhecimento, mas sim por uma espécie de epistemologia Imperial - muito próxima àquela discutida por Fanon - sob a forma de uma “colonialidade do saber”. Enunciada desde uma localização temporal/histórica e de um visionamento do mundo, autores como Hegel sedimentaram uma
«construção [que] tem como pressuposição básica o caráter universal da experiência européia. As obras de Locke e de Hegel além de extraordinariamente influentes são neste sentido paradigmáticas. Ao construir-se a noção de universalidade a partir da experiência particular (ou paroquial) da história européia e realizar a leitura da totalidade do tempo e do espaço da experiência humana do ponto de vista dessa particularidade, institui-se uma universalidade radicalmente excludente» (2005: 10).
A perspectiva de Castro-Gómez, por sua vez, serve-nos à complementação das ideias lançadas por Lander ao aprofundar o conceito de «la estructura triangular de la colonialidad», uma imposição gnóstica localizada [ou aquilo a que viríamos a chamar de “eurocentrismo” na crítica sociológica na segunda metade do séc. XX] ao plano universal: «la colonialidad del ser, la colonialidad del poder y la colonialidad del saber». Respectivamente, a objetificação daqueles que não protagonizavam os enunciados iluministas [Imperiais] europeus, a dominação territorial e a racialização/distinção das gentes subjugadas pelo colonialismo/Imperialismo e, por último, a construção disciplinar [numa época de formulação das fronteiras das disciplinas] enquanto local exclusivo da (re)produção do conhecimento (2007: 79-80).
Como é sabido, Kant terá tido igualmente um papel importante na formulação do direito moderno [tendo sido, inclusive, analisado pelo próprio Hegel, tal como na conceituação da Lei e a sua normatividade]. O conceito de Aufklärung [“esclarecimento”] remeteria, segundo Kant, para uma ‘emancipação’ moral, ética e de gestão do direito por uma espécie de maioridade da razão: ‘quando o Homem dá-se conta do seu fim’. Perguntava-se Kant: «¿Qué finalidad tiene la historia humana? ¿Existe un progreso del género humano hacia lo mejor en los aspectos moral y jurídico?».
A resposta, para Kant, é a de que, sim!, há tanto um progresso do gênero humano como a sua evolução define uma maior funcionalidade à relação entre moral e jurisprudência. O que move este caminhar progressivo e linear é, para Kant, a “razão” que, discernida, baseia o «pragmatismo» ([1798] 2014: 03). Este é o mesmo Kant que, localizando o ‘esclarecimento’ na Europa e atribuindo-o ao europeu colocaria, tal e qual Hegel o fizera posteriormente, todos os não-europeus na base da escala humana:
«Os negros da África carecem por natureza de uma sensibilidade que se eleva acima do trivial. O senhor Hume desafia quem lhe apresente um único exemplo de um negro que tenha revelado talentos, e afirma que entre os centos de milhares de negros levados para terras estranhas, apesar de muitos terem obtido a liberdade, não se encontrou um único que tenha criado alguma coisa grande, seja na arte, nas ciências, ou em qualquer outra actividade honrosa, enquanto entre os brancos é frequente isso suceder, e muitos são os que tendo saído da plebe mais modesta, pela sua condição superior, ascendem a uma boa reputação. Tão fundamental é a diferença entre estas duas raças humanas, que parece ser tão grande a respeito das faculdades intelectuais como a respeito da cor» (Kant, [1763-1764] 2012: 85-86).
Se não têm elementos para o “esclarecimento”, não podem dar origem, tal e qual apontaria Hegel, a qualquer noção de direito ou ordem social, a um conhecimento que subsidie qualquer concepção de ciência ou de saber científico, não têm “honra” ou comportamentos virtuosos, não possuem arte e, como posteriormente sublinharia Hegel nas suas aulas para a ideia moderna de História Universal, encontram-se fora da História, no limiar da humanidade: «entre los negros las sensaciones morales son muy débiles, o mejor dicho, no existen» (Hegel, [1837] 2005: 291).
É preciso, a este ponto, sublinhar que não se trata aqui de uma crítica descuidada com o anacronismo. Certamente, para o homem quinhentista do colonialismo ou para os filósofos, juristas e cientistas do iluminismo às portas do período Imperial, a colocação de que os grupos humanos seriam iguais e equivalentes soaria não mais do que como um mero devaneio.15 O fundamental é permitir uma evidenciação do aspecto cognitivo-racializado da diferença/inferioridade orquestrada ao longo do colonialismo de que fala-nos Fanon e da matriz do pensamento eurocêntrico-Imperial que regula a subjetividade contemporânea, como defende Quijano (2010).
Em termos epistemológicos, podemos traçar uma zona de confluência desde as críticas de Fanon a Quijano, passando por Lander e Castro-Gómez em que a “colonialidade”, tal como se revela, no aspecto cognitivo e Institucional do que chamamos de Ocidente, apresenta-se como uma espécie de pedagogia da violência: a representação naturalizada da alteridade guia-nos diante da diferença hierarquizada, da economia, do senso comum e, sobretudo, na estruturação das nossas Instituições e saberes que bebem, ainda que criticamente, de uma aparente formulação universal da existência. Ou, melhor dito, de um particularismo universalizado.
Susan Buck-Morss, por exemplo, revigora um assunto central para Fanon, a “dialética mestre-escravo” que, para a autora, é renovada com Hegel (cf. Buck-Morss, 2000: 841-842); algo que permanecerá, ainda que metamorfoseado pelo tempo, no mundo das ideias e nas Instituições fundamentais para a construção da Nação moderna.
Desde a “filosofia da libertação” - ou de uma proposta de pensamento enunciada desde a América Latina nos anos 1970/80 e que viria a reclamar a condição filosófica geo-localizada em detrimento de uma filosofia centrada na disciplinaridade euro-americana -, Enrique Dussel denunciava a própria crítica debruçada à imagem do cartesianismo. O enunciado cartesiano cogito ergo sum, um marco para o pensamento Ocidental e para o “ego moderno” não pode ser a base exclusiva da crítica ao eurocentrismo e à interpretação do legado colonial. O cogito, segundo Dussel, é precedido pela experiência do ego conquiro [Eu Conquisto], bem como pelas suas variantes que semearão e retificarão temporalmente a Europa como epítome da História, como o povo destinado a guiar as concepções mais nobres da política, da economia, da moral, da ética, em suma, da ideia de civilização:
«Desde el “yo conquisto” al mundo azteca e inca, a toda América; desde el “yo esclavizo” a los negros del Africa vendidos por el oro y la plata logrados con la muerte de los indios en el fondo de las minas; desde el “yo venzo” de las guerras realizadas en India y China hasta la vergonzosa “guerra del opio”; desde ese “yo” aparece el pensar cartesiano del ego cogito. Ese ego será la única substancia, divina entonces en Spinoza. Con Hegel el ich denke de Kant cobrará igualmente divinidad acabada en el absolute Wissen. Saber absoluto que es el acto mismo de la totalidad: Dios en la tierra» ([1977] 1996: 19-20).
Boaventura de Sousa Santos, por sua vez, nos trás um excelente instrumento analítico para melhor perceber a distribuição de direitos e as assimetrias sociais causadas no Sul Global pelo colonialismo/Imperialismo. Mais do que um período histórico ultrapassado pelo fim da ocupação política do território, a dominação relegou a esta zona geográfica, metaforizada, pesadas desarmonias sociais, econômicas e políticas. O espírito do colonialismo, ascendido como inerente à supremacia europeia e, posteriormente, euro-americana, susteve-se pela conceptualização intelectual e jurídica de duas dicotomias cruzadas: apropriação/violência e regulação/emancipação. Tratou-se de uma distinção invisível «entre as sociedades metropolitanas e os territórios coloniais» compreendendo, obviamente, a gestão dos territórios ocupados e das gentes que neles viviam (2010: 24).
Sendo uma conceituação abstrata, a sua aplicação deu-se por várias vias e zonas de intersecção: territórios coloniais significavam tanto a “apropriação” quanto a “violência” que se lhe impunha à conquista; por outro lado, a sua governação redundava na “regulação” da posse e das condições da sua manutenção [Leis, Tratados, colonial rules, etc.] como na “emancipação” daqueles que formulavam-se como Senhores. No aspecto representacional, aplica-se o mesmo esquema à formulação do “africano” enquanto escravo desprovido de Direitos ou mesmo de racionalidade – que, no contexto americano, afetará o imaginário ideológico nos projetos modernos do Estado-nação. Voltamos, portanto, à “dialética mestre-escravo” ou à “inaptidão civilizacional” do negro como afirmavam Kant e Hegel: uma “regulação” que espelhava a “emancipação” para a parte mais elevada da escala social [econômica e intelectual] a qual cimentava os termos da “razão” de acordo com as epistemologias Imperiais: para uns, as rédeas dos rumos da História, para os Outros uma objetificação que os retirava dela. Hegel, uma vez mais, discutia a ordem de importância dos povos e das zonas geográficas para a civilização. Pelo que este lançava:
«El África propiamente dicha […] Comenzamos por la consideración de este continente porque en seguida podemos dejarlo a un lado, por decirlo así. No tiene interés histórico propio, sino el de que los hombres viven allí en la barbarie y el salvajismo, sin suministrar ningún ingrediente a la civilización. Por mucho que retrocedamos en la historia, hallaremos que África está siempre cerrada al contacto con el resto del mundo; es un El Dorado recogido en sí mismo, es el país niño, envuelto en la negrura de la noche, allende la luz de la historia consiente» ([1837] 2005: 279).
Poderíamos distender a “colonialidade” do saber Ocidental [linear, autocentrado, excludente, “histórico” desde uma visão eurocêntrica de “apropriação” da História, etc.] a que facilmente poderíamos atribuir às ciências sociais como a antropologia e a sociologia para falarmos, salvo seja, de uma “colonialidade do direito”? Acreditamos que sim. Isto porque “regulação” e “emancipação” são marcos de efetivação não só da “geografia do conhecimento” [conhecimentos subjetivados e conhecimentos objetificados], mas também da atual distribuição de direitos.16
A antropóloga Wendy James (1975) revisou, num artigo bastante provocador à disciplina antropológica, o quanto a antropologia foi, desde o seu início, uma ciência Imperial. Via de regra, após o desembarque nas costas africanas [e zonas Imperiais] das forças militares e de mediadores europeus [o que chamaríamos hoje de diplomatas], chegavam em ordem aleatória os administradores coloniais, os antropólogos e os missionários [para gerir o “novo” território; para conhecer as suas gentes; e, finalmente, para difundir a fé cristã].
Uma crítica deste porte não significa que devemos ignorar ou subverter radicalmente qualquer conhecimento antropológico uma vez que a disciplina se verifica na desconcertante origem de processos de diferenciação que aludiriam, séculos depois, no aspecto representacional da alteridade e nas retóricas dominantes acerca do subalterno.
De fato, tanto a antropologia quanto o direito - porquanto fortemente fundamentados nos aportes filosóficos acima expressos de Kant e Hegel [e, consequentemente, nos seus valores de juízo sobre o mundo] - não defenderam somente um princípio racionalista e civilizador universal, mas também contribuíram para o conhecimento humano. Logo, não falamos de um exercício de negação disciplinar. Ainda assim, da mesma forma que retratavam a predominância dos processos históricos, políticos e culturais europeus em detrimento daqueles dos povos submetidos, devemos questionar as “ampliações dos seus cânones” - para utilizar-se um termo boaventuriano - face à constatação de que “a diversidade epistemológica do mundo é muito maior do que o enunciado epistemológico euro-centrado do mundo” (Santos, 2010: 45-46).
Diria Santos ser esse um exercício de interiorização de que há as «epistemologias do sul»: aprender que existe um Sul; aprender a ir para o Sul; aprender a partir do Sul e com o Sul (1995: 508). Em outras palavras, aquilo que em outro lugar Santos, Meneses e Nunes denominaram como a “ampliação do cânon científico” (2004: 31-37): uma busca, através da interdisciplinaridade, de um novo ‘senso comum’, mais amplo e plural (cf. 1995).
Na vasta obra de Boaventura de Sousa Santos, uma linha comum que costura os seus textos poderia ser colocada desta forma: “que os conhecimentos predominantes nas ciências sociais são, normalmente, as narrativas que contam as histórias dos vencidos desde o olhar dos vencedores” (2014). É preciso, pois, “experimentar”, distender o olhar disciplinar e os seus conceitos - como apontado anteriormente com Fanon - para chegarmos a vias alternativas, para acendermos novas formas [“antigas”, na verdade] de conhecimento, de estar-se no mundo: revisitar criticamente as certezas e o passado disciplinar para que o próprio arcabouço acadêmico participe deste processo de expansão epistemológica e de reconhecimento dos saberes-outros que lhe subjazem.
Complexificando a pergunta “em quê lugar estão os afro-equatorianos na sociedade” podemos, em contrapartida, perguntar-nos em “quê lugar estamos nós na geografia do conhecimento”: onde nos situamos?
De toda a forma, os saberes antropológico e jurídico, para Wendy James, sintetizam:
«Esta defesa intelectual e moral dos direitos e da dignidade dos povos que haviam sido previamente considerados sob as teorias racistas evolutivas dos antropólogos de gabinete do século XIX - eram eles os ‘quase humanos’ -; tal defesa foi mais do que uma reação acadêmica às teorias anteriores: era ao mesmo tempo uma super-reação à persistência dessas ideias de superioridade cultural e racial entre os governantes coloniais, os colonos brancos locais e, também, quanto à opinião popular na volta à casa. (...) no geral, foi aceite que os nativos possuíam qualidades diferentes de espírito, de tal modo vertidas em irracionalidades que dificilmente poderiam ser tratadas razoavelmente, senão que apenas através da aplicação de leis contra as suas práticas» (1975: 43-44; tradução nossa).
O que Wendy James faz é tão-somente um convite a que as barreiras das disciplinas sejam dilatadas ao extremo e que interajam com a alteridade epistemológica dos Outros que outrora ajudaram a criar: o saber antropológico e o saber jurídico não só como intermediários do conhecimento alheio, da alteridade pura, mas como mediadores que percebem no Outro [nas suas formas de estar e de ser] parâmetros tão válidos como aqueles que formataram as suas “tradições” [ou disciplinas, sociedades e Instituições] enquanto combustível à ampliação dos seus próprios discursos. A “colonialidade do direito” é ainda um tema incipiente nos estudos científicos (cf. Esmeir, 2015; cf. Meneses, 2015).
De toda a forma, poderíamos agregar aos projetos plurinacionais, tal como o equatoriano, uma perspectiva radical do pluralismo jurídico? Poderíamos começar a visionar no horizonte a incorporação dos discursos cosmogônicos dos povos “afro” e “ameríndio” como argumentos jurídicos ou, ao menos, argumentos que deveriam caber na jurisprudência para que o Estado, plurinacional, finalmente ampliasse também os seus referenciais epistemológicos?
Enquanto a natureza for uma entidade inerte, uma fonte de matérias-primas tal como o cartesianismo nos ajuda a fundamentar no pensamento Ocidental, nenhum discurso local de que há um espírito no meio natural, no território ou nos rios poderá adentrar o racionalismo Estatal. Enquanto não interiorizarmos a ideia - ou ao menos contemplá-la como possibilidade - de existência de um Sul epistemológico que não é um insumo à reflexão sobre a diversidade cultural mas que, bem pelo contrário, é uma vasta geografia dotada de enunciados epistemológicos próprios, continuaremos traduzindo a sua alteridade ao invés de incorporá-la e estirar os limites do que chamamos de razão.
O próprio Hegel, acima, compendiava a sua odisseia ocidental: frente à “negritude que não subministrava qualquer significado à civilização”, a “absolute Wissen” [o Saber absoluto] empunhado pela experiência europeia compunha-se de um “acto mismo de la totalidade”: «Dios en la tierra» (Dussel, [1977] 1996: 19-20): a razão Ocidental como decalque da divindade encarnada.17 A filosofia hegeliana é, em verdade, uma teodiceia em que a razão cristã encontra na experiência europeia a sua relação perfeita (Dussel, [1977] 1996: 113). Ela serviria a justificar o ato civilizacional europeu, conceptualizado pela filosofia, pelo direito e pelo discernimento de que os outros povos encontrados além-terras eram inferiores [os ameríndios e os negros «niños»].
Tratava-se da “obrigação” de civilizar, uma vez que a razão perfeita foi, para Hegel, concedida ao europeu pelo próprio Deus cristão [«Dios en la tierra»]. O que falariam, portanto, tantos outros deuses e razões de outras cosmogonias que ficaram, pelo até aqui exposto, para fora da História? O que têm a dizer aqueles que veem a terra como um ente vivo ou que formulam na convivência com os rios e o ato de plantar os fundamentos da identidade, as “vozes da natureza” e, em suma, uma forma-outra de pensar que transborda os limites do que chamamos de razão?
É neste sentido de expansão de uma epistemologia local universalizada que Santos (2003b), em seu artigo «Poderá o direito ser emancipatório?», discute o papel que o Direito tem desempenhado para fins de regulação ou de emancipação social na atualidade. Santos defende que o Direito se tem constituído, por um lado, em um instrumento hegemônico para os projetos de globalização neoliberal e, por outro, tem desafiado contra-hegemonicamente esta estrutura ao mobilizar princípios e práticas político-jurídicas alternativas, denominando-lhe «legalidade cosmopolita subalterna» (2003b: 35-37). Para o autor, tais práticas e lutas jurídicas ocorrem em diferentes continentes e hoje fazem do Direito uma componente importante na luta contra a globalização neoliberal, entre elas a luta dos povos indígenas na América Latina pelo reconhecimento dos seus sistemas jurídicos ancestrais. Santos conclui que a «legalidade subalterna» configura condição necessária para a emancipação social.18
Desta forma, à luz do direito, o paradigma da ‘colonialidade’ assume absoluta relevância porquanto articula-se à atual situação de dominação racial e territorial, duas questões fraturantes e ainda de difícil trato no contexto latinoamericano. Ademais, como referiu Afonso Chagas (2012), a ‘colonialidade’ impõe-se sob a perspectiva jurídico-política de um Estado centralizador e universalizante, configurado no Estado moderno enquanto variante hegemônica e cultural que, sob a retórica do direito, mantem «uma estrutura de desigualdade territorial, de miserabilidade e de um colonialismo jurídico funcional, muitas vezes adotados com fortes conotações de seletividade racista e classista» (Chagas, 2012: 20).
O grande desafio reside, assim, no fato de que o Estado na sua formulação ocidental no «sistema-mundo» (Wallerstein, 1974) é, por definição, a síntese burocrática e epistemológica da experiência colonial. Ou, como afirma Santos (cf. 2010: 26-31), o Estado moderno é colonial porquanto as suas Instituições partem de uma normativa eurocêntrica que naturaliza as relações de dominação, oculta a diversidade, invisibiliza, inferioriza o Outro e influencia as práticas e as mentalidades dos atores estatais: incidindo e contaminando todo o debate sobre o reconhecimento e a concretização de direitos individuais e coletivos assentes em epistemologias-outras.
Portanto, tal como a expuseram Quijano e Wallerstein (1992), partindo de uma visão latinoamericana, a maquinaria de dominação histórica [colonial/Imperial] é, ao mesmo tempo, uma maquinaria de regulação da hierarquia social [racialização da sociedade] e uma maquinaria de regulação do pensamento [primado cognitivo].19
Em outras palavras, o status quo estabelecido pela violência colonial é, ao mesmo tempo, violência histórica e a naturalização epistêmica da violência quotidiana sob a continuidade do colonialismo à sombra do aparelho Estatal; bem como a naturalização da diversidade interna de uma Nação enquanto alteridades em que um aparelho centralizador deve gerir e fazer integrar as suas populações sob uma espécie de “integração excludente” - tal como veremos de forma emblemática no contexto do Equador, notadamente no que diz respeito à luta da comunidade negra La Chiquita pelo direito de manter-se no seu território ancestral.
Se o colonialismo/Imperialismo deu lugar a uma tecnologia e uma forma de razão que converteu-se, na sua síntese epistemológica, «en modalidades de colonialismo interno que continúan siendo cruciales a la hora de explicar la estratificación interna de la sociedad» (Cusicanqui, 2010b: 37), é também essencial que se destaque o quanto aqueles que são hoje conhecidos como subalternos - à imagem das grandes vítimas do colonialismo que, na sua variação contemporânea, encontra plena “interioridade” no modelo civilizacional hegemônico - perpetraram igualmente muitos focos de resistência. Tal resistência assenta fundamentalmente numa memória de um passado de lutas ancestrais e, com efeitos, nas lutas contemporâneas pelo direito a ter voz-ativa na construção da Nação.
4. Uma dimensão sociológica, jurídica e a hierarquia social no Equador
Datando oficialmente de 1851 - após vários levantes e frentes de resistência negra ao longo do séc. XVIII (cf. Tardieu, 2006: 31; cf. Minda, 2013: 57-61; tal como acontecera um pouco por todas as Américas coloniais) -, é possível que a abolição da escravatura no Equador tenha sido um ato oficioso, o qual encobria ainda algum comércio de negros-escravos e deixava imprecisões à entrada negra no mundo da cidadania. A difícil “inserção” social negra, à revelia da imagem da libertação, deveu-se ao fato de que os afro-equatorianos «no fueron considerados ciudadanos, pues muchos de ellos no sabían leer, no tenían propiedad y tampoco patrimonio económico» (CODAE).20
Porquanto sejam estes dados levantados pela CODAE relevantes, a demonstrar a profunda assimetria econômica presumida na violência escravocrata, a hierarquia social equatoriana assentava numa outridade sem fim que permitiu, salvo seja, a manutenção dos privilégios das elites e a continuidade do modus do colonialismo às portas das promessas de liberdade. “Saber ler” e “possuir patrimônio”, no contexto republicano que findava o sistema escravocrata não se resume a uma exigência necessária à inclusão, mas a uma representação do que deve ser um cidadão para que aqueles desprovidos de capital econômico e cultural - tal como apregoava o modelo das elites - não pudessem alterar drasticamente um status quo voltado às regalias e aos privilégios daqueles que ocupavam a parte mais elevada do poder no sistema que, oficialmente, viria a ser substituído.
A escravidão negra não apenas intentou apagar a memória coletiva, a identidade e as historicidades negras, «sino que los implantó la negación de las mismas» (Antón, 2007: 162). É com razão que Antón faz referência à necessidade de se avançar com reparações históricas [portanto, não somente financeiras, mas de colocação social e cultural afro-equatorianas na esfera política e nos rumos do país] por meio de ações afirmativas; um ato de justiça face ao modo como negros e negras não só foram tratados em tempos coloniais, mas continuam a ser considerados nos dias atuais.
Em 2008, o líder do processo Afro-América XXI,21 Douglas Quintero, concedendo uma entrevista à Antón, sublinhou o impacto da escravidão no que diz respeito ao reconhecimento de direitos aos afro-equatorianos, destacando que por 146 anos - entre 1852 e 1998 [a primeira data, marcando a abolição da escravatura e, a segunda, a nova Constituição Nacional] - os negros ficaram destituídos de direitos como cidadãos por obra «do poder racial dominante que historicamente os considerou como cidadãos de segunda classe» (apudAntón, 2010: 23).22
Com efeito, em matéria de direitos coletivos a Constituição de 1998 foi um marco na luta dos povos indígenas e afro-equatorianos, ocasião em que se reconheceu o Estado como “pluricultural” e “multiétnico” em detrimento da monoculturalidade dos Estados espelhados no modelo eurocêntrico do poder e da governabilidade.
Tal legislação formou a base para a atual Constituição, aprovada em 2008, fundada na ideia de um Estado “plurinacional” e “intercultural”, o que representou o desejo de reconhecer-se a diversidade étnica, linguística, o compromisso do Estado em substituir o “Estado uninacional” por todas as expressões identitárias [que não apenas a do país “mestiço homogêneo” (Antón, 2010)], bem como garantir os direitos fundamentais das minorias presentes no território. No art. 57, a Constituição da República ampliou os direitos coletivos e fortaleceu os direitos de proteção à posse e à propriedade dos territórios ancestrais afro-equatoriano, indígena e montúbio,23 então “indivisível, inalienável e imprescritível”.
A experiência da Assembleia Nacional Constituinte de 2007 foi considerada, por muitos autores, como uma expressão do chamado “constitucionalismo transformador”: um constitucionalismo distinto do constitucionalismo moderno, resultado da ampla mobilização social com o objetivo de expandir o campo político por meio «de una institucionalidad nueva (plurinacionalidad); una territorialidad nueva (autonomías asimétricas); un régimen político nuevo (democracia intercultural); y nuevas subjetividades individuales y colectivas» (Santos, 2010b: 72).
O espaço político [participação, concepção e apresentação de propostas] ocupado pelos afro-equatorianos no âmbito das mobilizações sociais da Constituinte de 2007 tem sido, entretanto, analisado sob diferentes perspectivas. Para Antón, foi devido à “ação coletiva” que os afro-equatorianos alcançaram importantes conquistas na nova Constituição, tanto em matéria de direitos coletivos como em temas como o racismo, as políticas de reparações, ações afirmativas e a incrementação da participação política (2010: 24). É justamente desta assertiva que a Constituição de 2008, já ressaltada pela sua importância, propôs uma “(re)orientação radical” a respeito da definição de Estado, porquanto reconheceu o Estado plurinacional como substituto do modelo de Estado uninacional (idem).24
Antón sublinha que, até 2010, o movimento social afro-equatoriano ainda não tinha uma posição definida com relação ao tema da plurinacionalidade, embora esteja sendo pensada desde uma perspectiva de «inclusão cidadã e de democracia participativa» (: 26). Seguramente, o caráter plurinacional do Estado foi uma demanda dos povos indígenas [uma maioria populacional representada historicamente como minoria irrelevante pelas elites mestiças], pelo que Antón salienta que há um «lugar preciso» [diríamos “precioso”] para o povo afro-equatoriano na nova configuração do Estado plurinacional. Isto, uma vez que a plurinacionalidade diz respeito a todos os sujeitos de direitos individuais e coletivos e à autonomia territorial dos povos ancestrais dentro da institucionalidade do Estado, contrapondo a irrelevância história a que os afro-equatorianos carregaram, por muito tempo, tanto no imaginário social quanto na representação política.
Catherine Walsh, por sua vez, acrescenta que os debates dentro da Assembleia Constituinte foram históricos porque abriram a possibilidade de «pensar con» [i.e. “em conjunto”] as populações em questão em detrimento de “pensar sobre” os conceitos e propostas de “interculturalidade” e “plurinacionalidade” (2012c: 13).
O que vale dizer, tal como o interpretamos e defendemos, que os avanços no campo político e jurídico abrem, igualmente, portas ao avanço de um debate que transcenda a institucionalidade e instaure-se no âmbito epistemológico. Em outras palavras: que o reconhecimento da plurinacionalidade corporifique-se também na participação afro-equatoriana da (re)construção da Nação desde o seu lugar epistemológico, com o devido espaço para que as suas formas de estar, de lidar e de perceber o ambiente e de construir as relações sociais sejam plenamente aceites como conhecimentos válidos face ao campo hegemônico social.
Entretanto, a crítica de Walsh dirige-se ao fato de que, muito embora a Constituição (arts. 57 e 58) prescreva que os afro-equatorianos formam parte do Estado e lhes garanta direitos coletivos, o campo do Direito atende hegemonicamente à demanda das organizações indígenas, de modo que os afro-equatorianos foram apenas “incluídos” no rol dos destinatários (2012b: 20). Tal ponto de vista é fundamental, sobretudo pelo fato de que a “plurinacionalidade” e a “interculturalidade” representam, pois, predominantemente as reivindicações dos povos indígenas, enquanto que as demandas históricas dos afro-equatorianos ainda não foram plenamente cotejadas na estrutura do Estado ou, mais contundentemente, na “nova” construção da Nação (idem).
Está claro que Walsh e Antón interpretam a participação dos afro-equatorianos no processo Constituinte sob diferentes prismas e concebem distintamente o nível de absorção das demandas deste grupo no projeto de sociedade. Enquanto Antón percepciona avanços significativos aos afro-equatorianos [vide a Constituição], Walsh visionará uma constante insuficiência nos marcos interpretativos para que estes não fiquem à sombra dos direitos [efetivos] conquistados pelos povos indígenas: para causas distintas, as vozes, historicidades e as lutas sociais devem, igualmente, primar pela autodeterminação, e não por uma sequência de decalques em que “afros” e indígenas são (re)amalgamados numa alteridade subalterna face a um desenho específico e predeterminado da Nação.
Afro-equatorianos e indígenas compartilham, como sabemos, de uma História colonial e sofrem os legados da “colonialidade” (Quijano, 2010), mas têm historicidades e problemáticas particulares à construção da cidadania, sendo que a importância das suas “vozes”, para relembrar-nos de Guha ([1982] 2002), não podem ser abafadas por uma “generalização da etnicidade” enquanto reificação de uma alteridade pura. Walsh e Antón convergem, entretanto, na leitura de que muito embora os direitos constitucionalmente previstos formalizem um instrumento importante para o enfrentamento dos quadros de desigualdade e de racismo, as suas promessas não estão, de fato, efetivadas.
Este contexto complexifica-se à medida em que ocorre numa realidade política voltada ao progresso e ao desenvolvimento das esquerdas liberais na América Latina, redundando em fortes dubiedades. Por um lado, tem-se tentado promover políticas de igualdade e de reparação histórica àqueles que foram sempre Outros no seio da Nação. Por outro lado, as insuficiências na ação governativa e nas garantias de direitos refletem, potencialmente, uma espécie de “multiculturalismo regulador” onde o Estado permanece, junto às suas Instituições, com o papel de escutar, distinguir, classificar, traduzir e mediar a “diferença” - um olhar sobre a heterogeneidade que não necessariamente compartilha, a cargo dos processos de subalternização histórica, dos mesmos locais de enunciação.25
Ainda que com as suas contradições - como sabemos -, a defesa multiétnica, multicultural e de atenção aos direitos e à diversidade presentes no Equador têm galgado tantos avanços quanto têm-se demonstrado um complexo discurso multiculturalista que não visiona plenamente aquilo a que Santos aponta como a «refundação do Estado» (2010b), mas sim um discurso político que perpetua a alteridade-sem-fim a que os afro-equatorianos foram - e continuam sendo - submetidos no seio da plurinação:
«La refundación del Estado moderno capitalista colonial es un reto mucho más amplio. Sintetiza hoy las posibilidades - y también los límites - de la imaginación política del fin del capitalismo y del fin del colonialismo. El Estado moderno ha pasado por distintos órdenes constitucionales: Estado liberal, Estado social de derecho, Estado colonial o de ocupación (...) Estado desarrollista, Estado de Apartheid, Estado secular, Estado religioso y, el más reciente (quizá también el más viejo), Estado de mercado. Lo que es común a todos ellos es una concepción monolítica y centralizadora del poder del Estado (...) organización burocrática del Estado y de sus relaciones con las masas de ciudadanos; (...) aun cuando en la práctica el Estado no tiene el monopolio de la violencia, su violencia es de un rango superior una vez que puede usar contra «enemigos internos» las mismas armas diseñadas para combatir a los «enemigos externos» (Santos, 2010b: 69).
E reitera:
«La magnitud de la tarea muestra que la refundación del Estado es un proceso histórico de largo plazo (…) A lo largo de la transición emergerán instituciones y mentalidades transicionales o híbridas que irán anunciando lo nuevo al mismo tiempo que parecerán confirmar lo viejo» (Santos, 2010b: 71).
Entre as motivações para este quadro geral, pode ser mencionado o fato de que ainda que a Constituição de 2008 tenha levantado a bandeira de um Estado intercultural e plurinacional, a ordenação da hierarquia social continua a espelhar uma política tributária de uma certa “colonialidade”. Não se trata, como óbvio, de um colonialismo estrito, no sentido da gestão do território ou da geo-estatística das populações - como vem sendo defendido neste trabalho até ao momento -, mas de uma “colonialidade” no sentido dado ao termo por Quijano (2010), a qual instaura-se no universo cognitivo e faz-nos, a nós, sociedade, aceitar naturalizações e princípios de dominação ultraviolentos.26
Estas visões inserem-se - voltamos a assinalar - numa postura de “colonialidade” muito enraizada nas Instituições que naturalizam uma ordem universal e dominante e que não admitem ser questionadas. É por isso que Santos referiu que
al fin de siglos de hegemonía y colonización del imaginario político, el Estado y el derecho eurocéntricos, incluso cuando son sacudidos, mantienen creíble la línea de separación entre lo que es cuestionable y criticable (lo que está en este lado de la línea) y lo que no lo es (lo que está en el otro lado de la línea) (2012: 15).
Este ethos, tão presente no mundo das representações quanto nos braços da Institucionalidade pode ser verificado nos paradoxos libertadores e excludentes que, concomitantemente, margearam inclusive a crítica acadêmica. Veja-se que autores como Mariátegui, um dos responsáveis por defender que a mobilização indígena no contexto peruano [a exemplo do que poderia suceder um pouco por toda a América Latina] era, de fato, “ação revolucionária” em tempos que a “hierarquia das raças” ainda fazia com que as ciências sociais andassem à sombra do evolucionismo [ou seja, da franca desqualificação dos povos indígenas enquanto enunciado civilizacional].
Por um lado, Mariátegui defendia pioneiramente que
El prejuicio de las razas ha decaído; pero la noción de las diferencias y desigualdades en la evolución de los pueblos se ha ensanchado y enriquecido, en virtud del progreso de la sociología y la historia. La inferioridad de las razas de color no es ya uno de los dogmas de que se alimenta el maltrecho orgullo blanco ([1979] 2007: 288-289).
Ou seja, o quanto o sentido de progresso [“eurocêntrico”, acrescentamos, apesar de que tal termo não fazia parte do panorama crítico na sociologia do tempo de Mariátegui, da primeira metade do séc. XX] podia e devia ser ultrapassado. Tomando-se em conta a “realidade” das populações que compunham a Nação, a “raça” já não devia ser percebida como um espelhamento da inferioridade de uns e da superioridade [branca] de outros. Todos teriam, no seu conjunto, o papel de sujeitos: “agentes da mudança”.
Por outro lado, é o mesmo Mariátegui que, com a distância de poucos linhas no texto, pagava tributos a este ethos da “inferioridade” [algo corrente na disciplina sociológica, como ele mesmo apontara], argumentando que a distinção vocativa entre negros e indígenas à produção da Nação era um entrave forte e aparentemente intransponível:
«El aporte del negro, venido como esclavo, casi como mercadería, aparece más nulo y negativo aún. El negro trajo su sensualidad, su superstición, su primitivismo. No estaba en condiciones de contribuir a la creación de una cultura, sino más bien de estorbarla con el crudo y viviente influjo de su barbarie» ([1979] 2007: 288).
Se a crítica tinha como ordem [bem]contextualizar a diferença, era notório, para Mariátegui, que «todo el relativismo de la hora no es bastante para abolir la inferioridad de cultura» ([1979] 2007: 288-289). A sua interpretação da ‘inferioridade’ faz lembrar as conceptualizações a que Hegel e Kant, salvo as devidas proporções, tinham acerca da África e do “negro”, respectivamente - como anteriormente exposto. O que Mariátegui nos permite perceber intemporalmente é a própria necessidade de que a disciplina deve ser transformada, de modo a não suplantar igualmente um “multiculturalismo regulador” [pensar com eles e não sobre eles, como defende Walsh (2012c: 13). Se há, numa fase de grande solidificação da sociologia do segundo quarto do séc. XX, um certo inconformismo com a hierarquia social, os próprios conceitos que iluminam a diversidade indígena e afro-latinoamericana no processo de transformação social [a “revolução” em Mariátegui] ainda estão, como se vê, ancorados numa teoria que é historicamente aderente aos processos e aos valores europeus. A “colonialidade” quijaniana, assim como a assinalava acima as premissas de Castro-Gómez com a “estrutura triangular do poder” (cf. 2007), faz-nos, consciente ou inconscientemente, pagar tributos a uma certa ideia de razão, às representações dos atores sociais, de como devem eles serem vistos, percebidos e limitados, de certa forma, a um saber hegemônico exógenos aos seus processos - a própria colonialidade do saber e do ser apreendida pela esfera disciplinar.
Afinal, será mera coincidência histórica que Mariátegui, tão crítico ao sistema, tenha apontado a irrelevância negra face à potência de ação indígena tal e qual, salvo seja, as reivindicações afro-equatorianas apresentam-se à sombra dos avanços dos direitos indígenas contemporâneos?
As reflexões de Walsh (2012) sobre as lutas (des)coloniais ajudam-nos a questionar, muito especialmente no contexto dos chamados governos progressistas - tal como anuncia-se ser o do Equador -, o grau de efetividade dos avanços jurídicos. Ou seja, o questionamento de se os Estados estão de fato conseguindo confrontar o legado da colonialidade e reconhecer a dívida histórica que têm com as populações afrodescendentes.
Visionamos uma terceira via entre o pragmatismo de Antón e a crítica epistemológica de Walsh. Há aqui duas partes que entram em conflito e que, contextualmente, são inclusive complementares. A primeira parte, diz respeito à possibilidade histórica, derivada dos movimentos sociais dos últimos 30 anos, sobretudo, de se tentar produzir uma sociedade-outra, uma forma de laço em que a hierarquia social derivada do colonialismo seja posta em questão e convulsionada. Por outro lado, a ideia de que uma mudança radical não é somente um longo processo pedagógico de que existem formas-outras de organização social invisibilizadas pelo colonialismo e pela “colonialidade” dos tempos que correm. Esta acepção diz respeito à tentativa de se localizar estas formas-outras na sociedade, tecendo elementos para que possam ser “escutadas”. Como colocado por Spivak (1995), a escuta dá-se como problema diante da fala ou da impossibilidade de falar. Isto, posto que a impossibilidade de se escutar o subalterno reside na hierarquia epistemológica entre o plano dominante e a irrelevância destinada àqueles que estão à margem da sociedade e, logo, da compreensão.27
Mas há também o caráter de que o grau de precariedade em que vivem estes silenciados históricos implica a uma ação plural, uma perspectiva de que trata-se a luta de várias frentes: a primeira, fundamentalmente epistemológica e ligada a pedagogias da descolonialidade; a segunda, de um caráter mais político e imediato do que epistemológico: o de que a ação de diálogo [com] e defesa dos afro-equatorianos deve guiar-se, também, pela súbita implementação de garantia de direitos e de melhoria das condições materiais de vida. Horizonte epistemológico e políticas ligadas à condição material de vida formatam, pois, esta terceira via. O campo epistemológico, de larga duração, vai em direção à ideia de «utopia» - para relembrarmos de Bloch (2004), ao início - como algo que poderá ser estabelecido num futuro [ainda] impreciso e batalhado, junto a uma mudança paradigmática das nossas disciplinas e Instituições. O campo material, por sua vez, liga-se à conceituação de «esperança», a de que a garantia imediata dos direitos das populações afrodescendentes não só possibilitem a continuidade das suas lutas, como as fortaleçam para a construção de um futuro-outro, de uma plurinação em sua plenitude.
Estes questionamentos alcançam muito especialmente a realidade-vivida pelas comunidades negras do norte de Esmeraldas, uma das regiões com maior concentração de terras ancestrais [onde assentaram-se os primeiros africanos que escaparam do sistema escravagista espanhol, formando-se comunidades livres chamadas palenques], local revelador de uma dramática situação de pobreza e conflitualidade social.
É neste contexto que se encontra imersa a luta da pequena-grande comunidade La Chiquita, cuja história espelha em profundidade as distintas dimensões de colonialidade: a violência histórico-racial contra as suas gentes; a dominação política de seus territórios e a permanente tentativa de desqualificação de suas racionalidades. As “lutas de resistência” para se contrapor a este cenário, como alega Paredes, «no son puramente étnicas, como tampoco únicamente ambientalistas, son luchas por el derecho del ser» (2013: 106).
5. As vozes de resistência da comunidade negra La Chiquita28
A comunidade negra La Chiquita - hoje, com aproximadamente 50 famílias - localiza-se no Cantón de San Lorenzo, Província de Esmeraldas, região ao norte do Equador conhecida pela enorme biodiversidade que abriga e pela elevada concentração de comunidades negras ancestrais. As primeiras famílias chegaram ao local onde vivem há pelo menos um século e, desde então, vêm expandindo seus vínculos sociais, familiares e construindo um modo de vida próprio, intimamente ligado ao uso do território e dos recursos naturais ali disponíveis.29
A história desta comunidade está profundamente relacionada à chegada dos negros e negras no Equador, com as primeiras expedições espanholas ao Mar do Sul, entre 1524 e 1528 (Tardieu, 2006: 15). A fundação do Reino de Quito, em 1535, solidificou um momento histórico de desembarque de negros-escravizados trazidos de África, destacando-se o momento em que Porto Viejo recebera ao menos 200 africanos para o trabalho forçado (Tardieu, 2006: 15; Antón, 2001: 34).
No norte de Esmeraldas, particularmente, concentram-se os maiores e mais antigos assentamentos de populações afrodescendentes em território ancestral no Equador. A presença negra nessa região data de entre o séc. XVI e XIX, relacionada a diferentes acontecimentos: em parte, (I) por escravos que conseguiram escapar das minas de Tumaco [Colômbia] e, também, de tantos outros que sobreviveram aos acidentes dos navios em que eram transportados, pela costa de Esmeraldas,30 e que, uma vez em liberdade, organizaram-se em comunidades independentes; (II) escravos que foram transportados e forçados a trabalhar nas minas fluviais de ouro da região; e, não menos importante, (III) por escravos libertos que, após a abolição da escravatura, migraram de Tumaco, da região serrana e de outros pontos geográficos para Esmeraldas (Minda, 2013: 25 e 26).
Contam os moradores de La Chiquita que a história recente da comunidade - em particular, desde o final da década de 1990 - está marcada por intensos momentos de luta e resistência pelo direito de permanecer no território ocupado por seus antepassados. Um destes momentos ocorreu quando, após três décadas resistindo às inúmeras pressões e tentativas de “desterritorialização”,31 as famílias conseguiram, em 2006, obter o reconhecimento Estatal da posse ancestral do território e o respectivo título coletivo de propriedade em nome da sua entidade, a «Asociación Autónoma de Trabajadores Agrícolas de La Chiquita».
Esta notável conquista, nomeadamente o sonho de uma vida tranquila e de que as futuras gerações continuarão a viver no território dos seus ancestrais, ainda é incerta. Tal qual outras comunidades ancestrais da região, os moradores de La Chiquita continuam a viver “em carne própria” uma situação de permanente ameaça de perda do território, dos recursos naturais e da sua soberania alimentar devido à contaminação do rio [também chamado de La Chiquita] por empresas que, instaladas no entorno da comunidade, voltam-se ao monocultivo de palma azeiteira.
Há mais de uma década, o rio que percorre o território está contaminado pelos resíduos provenientes do processo de extração do azeite de palma,32 inviabilizando a tradicional atividade de pesca e o consumo dos peixes e d’água; e tornando arriscada atividades cotidianas, como lavar roupa e banhar-se no rio. A subsistência das famílias passou a ficar à mercê do que ainda conseguem cultivar: o cacau, a banana, a cana-de-açúcar. Quanto ao acesso à água - o “líquido vital”, como dizem - restam poucas opções: comprar garrafões industrializados na cidade de San Lorenzo, localizada a 35 km da comunidade; aguardar os períodos de chuva para captar a água em tonéis de plástico; ou buscar o poço artesiano mais próximo e, submetidos a longas caminhadas, transportar os baldes até às casas.
Mariana33, uma das moradoras mais antigas e, seguramente, uma das vozes mais ativas na organização da comunidade fala-nos de uma precariedade-sem-fim. Por um lado, o caráter negro da comunidade deixa-a ilhada face ao preconceito social e a sub-representação nas políticas negras do Estado. Por outro lado, Mariana retrata um certo afrouxamento dos laços sociais da comunidade face às consequências do extrativismo das monocultoras de óleo de palma pelo grande Capital, uma complexa e duvidosa conivência do Estado à acumulação de terras que deveriam ser consideradas como ancestrais; um afrouxamento que reverbera na depredação do meio ambiente, ligado à forma de estar dos habitantes de La Chiquita e, também, na economia do grupo e na qualidade da sua saúde.
O avanço das palmicultoras no território ancestral tem levado a uma grotesca poluição dos rios, ao desflorestamento e à dispersão populacional, com graves danos à pesca, à plantação, à autonomia na produção e no auto-sustento das suas gentes. A própria relação entre terra e identidade tem sido escamoteada, uma vez que a deterioração do território e a pressão econômica das palmicultoras tem impresso uma mudança drástica nos laços sociais de La Chiquita: a necessária saída da comunidade para o trabalho em comércios e serviços nas cidades próximas ou, na sua impossibilidade, no empobrecimento forçado daqueles que, não mais podendo pescar ou cultivar os seus terrenos, vêm-se igualmente sem recursos financeiros para o consumo de bens básicos e assistência à saúde.
Ao ser questionada sobre o contexto em que vive e vê viver os seus companheiros, Mariana conta-nos sobre o seu território e as mudanças na vida da comunidade após a chegada das empresas «palmeras» na região:
«para mí, lo más importante de aquí en esta comunidad es, como se dice, nuestra tierra, nuestro territorio y también nuestro vital que es el agua, ya? Porque de antes nosotros vivíamos sin ningún problema, vivíamos libre y disponible de nuestro territorio, pero de lo cual que entraran las palmeras, todo se dañó. Entonces, ahorita nosotros lo que más necesitamos y que queremos, como hemos sido libres de nuestro territorio y nuestra agua, ya? Porque de lo más que tenemos ahorita es la cuestión de la contaminación. (…) Cuando no habían las palmeras aquí, vivíamos todos felices. Porque se vivía de la pesca, de la cacería, nosotros teníamos nuestra caña, nosotros no comprábamos...solo lo único lo que se compraba era la sal. Nosotros no andábamos comprando agua, nosotros no andábamos comprando pescado en el pueblo, nosotros no andábamos comprando carne porque lo teníamos en el campo. Pero de cual que ingresaran las palmeras, ahora es otro cambio que hubo; porque ahora no hay nada!».
Acresce Mariana, que a situação de contaminação do rio também tem agravado drasticamente a saúde dos moradores,
«Entonces eso es lo que pasa ahora: los niños se enferman y la gente no iba tanto lo año al médico. Quién iba al médico? No iba! Y ahora cada segundo con fiebre, con gripe, con dolor de cabeza, dolor de estomago, con vómitos, porque todo viene del aire contaminado. La contaminación que forma de las palmeras. Cuando no había las palmeras, nadie...esta enfermedad no había...no había esta destrucción que hay ahora...entonces este es el problema que ha hecho un cambio; ahora el cambio es diferente al que vivíamos».
As palavras de Mariana, uma voz tão sua quanto a de um coro que entoa a dor de La Chiquita abre uma porta a um mundo-sem-fim: o de como a outridade sua e das suas gentes não podem ser plenamente percebidas pelo mundo que os cerca e que tanto cobiça o seu território, revestido de grande significado e importância para seus moradores. Como nos lembra Isidro, vizinho e companheiro de luta de Mariana, tal significado está na ancestralidade do território, o elo de ligação entre as gerações passada e presente, animado pela memória e pelo vínculo afetivo com este espaço habitado capaz de mobilizar o sentimento coletivo de cuidado e de defesa do que lhes foi deixado ‘como herança’ pelos seus antepassados:
«Entonces nosotros creamos un cuerpo por ancestrales de estas tierras aquí y nosotros los traemos por herencia, por antigüedad de los ancestros. Entonces nosotros abuelos, nosotros papás dejaran este espacio y por decir que nosotros... vienen otros a querer nos avasallar, no podemos dejar porque nosotros tenemos nosotros papá, nosotras mamá, como ellos están vivos aquí en corazón porque ellos nos dejaran aquí este espacio. Y a los otros dejarlos que vengan otros y se lo lleven el espacio, estamos perdiendo, como decir, a ellos. Porque nosotros andamos aquí, pero andamos recordando de ellos todos los días».
Há uma forte presença do pentecostalismo dentre os habitantes de La Chiquita, onde boa parte dos interlocutores referiam-se ao Deus cristão nas suas falas e na importância de manter-se o espírito da comunidade. Ao ser perguntada sobre a luta no processo do título coletivo de propriedade, Mariana diz-nos: «Entonces así pasó con nosotros con la escritura. Ahora entonces somos libres, porque con el poder de lo Espíritu Santo y de nuestro Señor conseguimos nuestra escritura». Isidro, corrobora com esta interpretação:
«el territorio es la base primordial de todo ser humano que debe tener, por ejemplo, un espacio que uno pueda vivir, tener espacio para poder sobrevivir, no estar exprimido, atropellado. Entonces, eso es un territorio muy importante para el ser humano. Cuando uno tiene un territorio, un espacio para sobrevivir tranquilo donde usted puede sembrar, puede cosechar, puede comer, eso es una base de un territorio muy importante que tiene. Y agradecer más que todo a Dios porque tiene ese espacio para vivir».
John Antón, mencionado anteriormente, dá a entender que a ‘virada constitucional’ da plurinação deu lugar a uma progressiva «narrativa cosmogônica» e a ações políticas que dão fôlego aos afro-equatorianos: «a plurinacionalidade estava relacionada com o caráter de direitos coletivos dos povos e pretendia permitir o exercício da autonomia territorial dentro da institucionalidade do Estado» (2010: 22). De fato, a oficiosidade do processo aponta para um horizonte de direitos e de uma inserção tardia e inconclusa destes Outros da Nação enquanto cidadãos. Mariana, no entanto, não usa massivamente qualquer narrativa cosmogônica no sentido estrito, parecendo prender-se mais a uma reivindicação da memória e de direitos.
O contexto de precariedade para aqueles que vivem-a-experiência da subalternidade já a fez entender que ela, tal como os seus companheiros, não podem falar que o rio está vivo [pois dá-lhes a própria vida com a água] ou que a terra é a sua mãe [posto que dá-lhes, no ato de semear, a continuidade de um amanhã]… Ela sabe que nenhum dos seus argumentos, vistos desde um racionalismo que compartilham o Estado e o Direito, tem qualquer valor jurídico ou pode ser plenamente entendido numa Corte ou na luta formal pelos seus direitos - embora a dimensão espiritual explique melhor a relação que a sua comunidade tem com o território do que a simples comoditificação [i.e. commodification] que o sistema econômico vê ali.
A sua fala, portanto, prende-se à identidade ancestral, à injustiça e à dor de saber que a luta é um caminhar cheio de desilusões e de derrotas. A identidade ameaçada, o perigo da fome à imagem da pobreza e das progressivas condições de absoluta precariedade e os riscos à saúde, provocados pela contaminação das palmicultoras, performam o discurso de Mariana. Uma linguagem ou, melhor, uma ‘tradução’ de um mundo amplo à burocracia e à racionalização que o resto da sociedade poderá entender.
É importante frisar que a interpretação aqui de ‘cosmogônico’ não está linearmente ligado a um discurso religioso específico e representacional de uma religiosidade negra - tal como verifica-se, por exemplo, em muitas comunidades afro-brasileiras em que sociedade, religiosidade e política misturam-se à formação da identidade coletiva vinculada ao passado escravocrata34 -, mas a uma narrativa intimamente desenvolvida em dois aspetos primordiais: (I) a historicidade negra e o passado colonial equatoriano e, (II) à memória comum da ocupação do território pelas gerações anteriores àquela que vive atualmente em La Chiquita.
Não podemos desconsiderar, como anteriormente colocado com as teodiceias hegeliana e kantiana enquanto fortes elementos da formação de uma razão particular amalgamados à imagem da modernidade e, posteriormente, do laicismo35 - que a aderência ao discurso cristão em La Chiquita não diz respeito apenas à opção coletiva de uma religiosidade.36 Substancialmente, diz este discurso também que uma identificação com a razão das elites e da aparente laicidade dos valores estruturais do Estado refletem uma maior inteligibilidade ao seu sofrimento - nomeadamente, o ethos cristão transfigurados nos Direitos Humanos tornados universais e, portanto, uma forma de se fazer justiça considerada única e sem modelos alternativos.37 O sofrimento, em verdade, não é aqui colocado como literal, mas como metafórico. Uma vez que defendemos tratar-se de uma questão ligada à hierarquia de saberes e à produção de irrelevância sobre a fala subalterna, o ‘sofrimento’ é apenas o aspecto mais superficial do não-reconhecimento de que no interior da plurinação existem formas plurais de enunciação. Se voltarmos à ideia aqui proposta de que está em vigor uma espécie de ‘colonialidade do direito’, enxergar na alteridade apenas o seu sofrimento causado pelas relações neoliberais expostas seria equivalente à reificação do seu papel epistemológico secundário. Uma vez tomada a sua alteridade epistemológica como um local de enunciação dentro da plurinação, o sofrimento da alteridade ganha a sua verdadeira dimensão: são os efeitos de meros exercícios de poder que continuam a tornar-lhes inexpressivos e não-escutados.
Esta hipótese emerge das intersecções entre a moral pentecostal e o uso recorrente da ‘ancestralidade’, de uma matriz muito mais próxima ao campo hegemônico cristão e, por outra via, de um ‘passado mítico’ intimamente ligado ao passado escravocrata: a um passado que negava ao negro tanto o estatuto de cidadão [desprovendo-lhe de direitos], quanto ao recrudescimento de todas as práticas cosmogônicas trazidas de África em face da obrigatoriedade de conversão dos escravos ao cristianismo (Tardieu, 2006: 64-65).
Antón, por sua vez, propõe que «um território ancestral é compreendido a partir de várias narrativas por parte dos afrodescendentes». Logo, há uma narrativa cosmogônica de fundo na conceção da ‘identidade afro-equatoriana’ - a qual confirma-se no caso de La Chiquita. Se não pela linearidade de «um cenário de relação entre o homem, a natureza e o mundo dos espíritos» à imagem de uma religião afro-referenciada, por «uma memória ancestral que se recria» a partir da temporalidade em que os antepassados la chiqueños ocupam aquelas terras: uma espécie de «narrativa territorial» (Antón, 2010: 26-27) que joga entre a aproximação de uma ancestralidade mítica e uma espécie de contemporaneidade da identidade afro-equatoriana.38
Por um lado, aderindo-se a uma religião cristã incutida no discurso da ancestralidade. Por outro lado, por um discurso geral que resulta numa aproximação da comunidade à religiosidade da sociedade at large e, sem sombra de duvidas, a uma matriz do pensamento fundamental à formação da Nação, tanto na construção da razão moderna quanto no ethos do racionalismo de Estado.
De toda a forma, há um sentido cosmogônico, tal como referido acima por Antón, onde a própria natureza [rios e terras, o ato de plantar] é percepcionada comunalmente não só como um meio de vida, mas antes como um modo de viver e de celebrar a comunidade. Neste sentido, há uma politização de um princípio cosmogônico na luta pelo território ancestral, bem como uma racionalização no discurso público que, esperançosa de encontrar ajuda com advogados afinados à sua causa, visa tornar inteligível ao Estado uma epistemologia e um discurso que, em essência, não constitui um argumento jurídico ou que culturalmente não é necessariamente compartilhado com as populações brancas e mestiças - com o ethos eurocêntrico da formação da Nação. Trata-se de meios de defesa, salvo seja, onde a identidade deve ser posta em evidência diante da precariedade que o contexto econômico neoliberal tem-se articulado [‘a pobreza e o risco à saúde’], uma vez que face ao peso do discurso economicista em que a natureza é um bem inerte, qualquer importância não-econômica da sua relação com a comunidade torna-se, para o Estado e para a economia, desprovido de conteúdo.
De fato, Mariana, Isidro e os outros moradores orgulham-se da luta coletiva que empreenderam nos anos 2000 para alcançar a esperada ‘escritura’, termo que usam para referirem-se ao tão sonhado título que legalizou o território, diante do reconhecimento do Estado quanto ao caráter ancestral da comunidade.
As lembranças desta conquista, entretanto, logo cedem espaço à uma expressão de seriedade no rosto de Isidro, ao admitir que o que lhes foi prometido com a legalização das terras, uma vida ‘livre’ e ‘tranquila’ no território que lhes é de direito, acabou por não se cumprir plenamente: «Entonces, no vale nada por ejemplo nosotros trabajar, pelear tanto por ganar un espacio, un titulo y ahora estamos más peor do que cuando no teníamos el título. Porque no podemos vivir tranquilos». A preocupação de Isidro não é mera retórica. As pressões e as ameaças externas para que a comunidade ‘desobstrua o território’ dando passagem aos projetos econômicos e às empresas do monocultivo de palma azeiteira, ávidas por terras para ampliar seus negócios, estão forçando a comunidade a perder «nuestros pulmones» [a terra e a vegetação nativas]: inviabilizando-se a sua sobrevivência e lhes retirando a possibilidade de existir.
5.1 Do Contexto à descontextualização: sobre as palmicultoras
A partir dos anos de 1990, iniciou-se um intenso processo de monocultivo de palma azeiteira [Elaeis guineensis]39 no Cantón de San Lorezo, Esmeraldas, liderado pela atuação de empresas, atraídas por uma série de fatores: pelo solo fértil, pelas condições climáticas promissoras ao cultivo da palma azeiteira, pela oferta de mão-de-obra barata quando compara às zonas centrais como Quito e, não menos importante, pela limitada presença do Estado nessa região. Sustentado por um alto custo humano e ambiental, o modelo extrativista implantado tem se constituído num processo contínuo e progressivo, apoiado por uma lógica de acumulação do Capital (Minda, 2013: 124), cujas práticas apontam para a sistemática compra ilegal de territórios (idem), a destruição dos recursos naturais e a ‘desterritorialização’ de muitas comunidades negras e indígenas.
Nos anos 2000, os monocultivos aumentaram vertiginosamente. Os efeitos mais graves têm sido a degradação da mata nativa e a contaminação do solo e das águas dos rios pelo uso de agroquímicos utilizados durante o processo de extração do azeite de palma, afetando gravemente a soberania alimentar e a saúde das comunidades que vivem no entorno. São políticas de desenvolvimento que têm transformado a paisagem dos territórios ancestrais «en un vasto mar de plantaciones de palma» (Hazlewood, 2010: 86).40
Há um enorme precedente das devastações derivadas do cultivo desenfreado da palma azeiteira pelo mundo. Estima-se que a maior parte da floresta tropical nativa da ilha de Bornéu tenha dado lugar à sua monocultura, ascendendo a, ao menos, 15 mil hectares o território adquirido por empresas indonésias para este fim. Visando uma política econômica de exportação, o resultado é a iminente ameaça das diversas espécies animais que habitam a ilha, em especial a população de cerca de 8000 orangotangos que dependem da preservação do habitat natural e que têm sido, em pequenos grupos, encontrados mortos (AFP/Público, 2008). Os moradores de La Chiquita sublinham, a título de correspondência, o comprometimento da fauna proporcionalmente ao avanço das palmicultoras; e, não obstante, a crescente dificuldade que se lhes impõem à criação animal doméstica - sobretudo pela contaminação do solo e da escassez de água em condições nos mananciais do território.
Além do empobrecimento do solo derivado do monocultivo, à poluição dos rios e à inutilização dos recursos hídricos locais tem-se somado a poluição do ar. Nos últimos 5 anos, Singapura e Indonésia têm registrado sequências de abruptas quedas na qualidade do ar, períodos interligados aos ciclos de queimadas para o rápido preparo do solo [o conhecido método da ‘terra arrasada’] para a semeadura da palma (Público, 2013). A motivação central é a obtenção de uma larga margem de lucro, garantida pela vasta e crescente utilização do óleo de palma na indústria alimentar, para fins energéticos [com a produção de biocombustíveis], na indústria farmacêutica e na cosmética.41
Em La Chiquita não é diferente, como demonstram as falas de Mariana e Isidro. O discurso oficial da indústria azeiteira é o do necessário crescimento da economia nacional, um pré-requisito à ideia de progresso e, subsequentemente, de que quanto mais rico um país maior será a distribuição de renda em termos nacionais e locais.
O Estado equatoriano, seguindo uma prática histórico-colonial de facilitação e entrega de terras às elites hegemônicas (Minda, 2013), tem sido cúmplice deste processo. A limitada presença do Estado para atender às necessidades da população de Esmeraldas, contrasta com a eficiência deste mesmo Estado que tem facilitado as atividades de exploração e aproveitamento da riqueza natural e a expansão do território extrativista (cf. Paredes, 2013).
É, neste sentido, paradigmática a iniciativa do ex-Presidente da República, Gustavo Noboa que, por meio do Decreto Executivo Nº 2691 [de 08 de agosto de 2002], permitiu [e incentivou, em termos práticos] a ampliação da fronteira agrícola no norte de Esmeraldas em 50 mil hectares. O principal argumento deteve-se à garantia da segurança das fronteiras e, consequentemente, dos cidadãos. Para o monocultivo de palma, o Estado concedeu 5 mil hectares de patrimônio florestal; 5 mil hectares de terras ancestrais pertencentes às comunidades afro-equatorianas e 1 mil hectares pertencentes aos povos indígenas Awá (cf. Paredes, 2013: 104-105).
5.2 «Un elefante con una cucaracha»: práticas de resistência, evidências de um campo em transformação
Inconformados com a situação de agressão ao meio ambiente e com as ausências do Estado - redundando na contínua subalternização da identidade coletiva e do seu modo de vida -, a comunidade La Chiquita deu início, em 2004, a uma nova luta coletiva. Com o apoio de duas organizações não-governamentais - uma delas, composta por advogados comprometidos em defendê-la42 - demandou-se o Estado equatoriano [representado pelo Ministério do Meio Ambiente] e duas empresas palmicultoras. A primeira medida foi formalizar uma denúncia administrativa, denominada «Denúncia Cívica» às autoridades do «Ministerio del Ambiente» de San Lorenzo, exigindo-se a realização de uma auditoria ambiental em relação às atividades das empresas que estão ao entorno do território ancestral.43
O absentismo de manifestações do órgão levou La Chiquita, juntamente com os indígenas Awá Guadualito [comunidade igualmente afetada], a ajuizar, em 2006, uma «Acción de Amparo Constitucional» contra o Estado por ‘omissão ilegítima da autoridade pública’. A sentença, em primeira instância, foi favorável às comunidades. Entretanto, o processo foi arquivado pelo juiz de segunda instância por considerar-se que as medidas sanadoras da omissão já haviam sido efetivadas.
Diante da decisão judicial e do agravamento da contaminação do rio e afluentes e, consequentemente, dos efeitos em seus territórios, La Chiquita e Awá Guadualito propuseram, em 2010, uma «Acción por Daños y Perjuicios» contra as empresas Palmera de los Andes S.A. e Palmar de los Esteros EMA S.A. Palesema, com o objetivo de suspender os índices de envenenamento do rio e obter uma justa indenização pelos danos causados.44
A demanda, devemos ressaltar, foi postulada tanto em nome-próprio como em nome da Natureza. Esta, ‘como sujeito de direitos’ entendida, pois, no conjunto da sua biodiversidade, da ancestralidade coletivas e dos seres ‘míticos’ que lá habitam e condividem a agencia humana - ‘míticos’, obviamente, desde a interpretação do racionalismo Estatal e dos marcos hegemônicos da jurisprudência. O conjunto de sujeitos da ação constitui-se dos:
«(...) diversos árboles primarios y nativos; bosque húmedo y tropical; bosque de maguillo; guandales de la zona; manglares, plantas útiles y plantas alimentícias; plantas medicinales; mamíferos; peces, anfibios y reptiles; aves; seres invertebrados; componentes abióticos; procesos biológicos; la flora y fauna; las especies nutritivas [maíz, yuca, plátano, frijol, guayaba, papaya, etc.]; barro y otros productos naturales [necesarios la artesanía]; el agua [ríos y cascadas por su sentido sagrado y su capacidad de generar vida]...» (Acción Civil por Daños y Perjuicios nº 08100-2010-0485: 05).
Reza, ainda, a peça inicial da ação civil que:
«Los afrodescendientes, que comparecemos en esta acción, como parte de un pueblo de raíces ancestrales y desde esa lógica que a veces no es entendida desde la perspectiva occidental, nos permitimos hablar a nombre de la naturaleza, desde nuestra “tradición oral” que «...es la palabra que se transmite con el espíritu, se alimenta en la memoria colectiva y tiene unos custodios o guardianes…». Hablamos con nuestro lenguaje cósmico, el que nos ha permitido escuchar sus voces, las que oyeron nuestros antepasados, esa sabiduría ancestral nos ha permitido y nos permite «...conversar con los árboles, las flores y los ríos... escuchar las voces de los volcanes y los cerros, el canto del viento, la risa de las cascadas, la sinfonía del canto de los pájaros saludando y agradeciendo por el milagro de un nuevo día; allí podemos aprender de la vía del agua y las lecciones del río y de la luna, de la sabiduría del perro, del alacrán, del conejo, del sapo, de la perdiz, de los cuervos o las garzas; en esos relatos hablan las voces de los espíritus, de la Tunda y el Riviel, del Jeengume y la Wualpura»; personajes míticos que viven en la selva, y nos aleccionan en el cuidado del bosque y que nos ofrecen sus conocimientos sobre los ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos» (Acción Civil por Daños y Perjuicios nº 08100-2010-0485: 03).45
De todo o modo, o fato de que duas comunidades ancestrais de etnias distintas, então unidas, demandaram judicialmente empresas extrativistas influentes e com grande poder econômico e político constitui, por si só, um fato incomum nos campos jurídico e das lutas sociais. A ação judicial, todavia, radicaliza-se na medida em que amplifica a ‘voz subalterna’ (Spivak, 1995) das comunidades indígena e afro-equatoriana para dar vazão às suas cosmovisões enquanto fundamento jurídico verdadeiro e legítimo, com vistas à defesa da Natureza e dos territórios ancestrais: um indício de que a consideração de linguagens-outras e de epistemologias-outras em termos judiciais - ainda que desconhecidos para o momento os seus resultados práticos - é já a descolonialidade em marcha.
Porquanto estejamos ainda num estado primário e incipiente do que denominamos aqui por ‘descolonialidade jurídica’, uma ação argumentada sob uma mundovisão exógena à gramática do Direito e do Estadismo faz-nos crer que, no horizonte, tanto a ideia da plurinação quanto a efetivação da justiça - em termos coletivos e também da Natureza, se é que a este ponto podemos tratá-los separadamente - pode vir a ultrapassar a ‘colonialidade’ que divide o ‘saber jurídico’ do que se convencionou chamar de ‘saber popular’.
É certo que do ponto de vista antropológico, a unificação de distintos discursos míticos ou de diferentes epistemologias, então reunidas para demonstrar que as comunidades afro-equatorianas e indígenas têm com a natureza uma relação ininteligível para o ethos do Estado moderno, corre o risco de ser, salvo seja, um discurso ‘essencialista’. Spivak, em diálogo com as ideias de Guha, apontou muito bem para o risco de que, através do «essencialismo», gere-se uma ‘nova’ imagem do Outro, uma distinção maniqueísta e tão fundamental quanto as desarmonias de um sistema hierárquico vigente (cf. 1995: 26).46
Por um lado, podemos facilmente conferir que as comunidades aqui envolvidas partem de epistemologias-outras que não são plenamente entendidas pelo ‘racionalismo estadista’, diria Guha, e pelas disputas economicistas [estas, evidentemente a cargo das disputas pelo território] - mesmo que com os esforços Constitucionais equatorianos. Por outro lado, a articulação subalterna ‘estratégica’ (Spivak, 1995) faz parte de uma das frentes necessária à mudança social. É fundamental distinguir que, porquanto esse essencialismo possa ser dúbio, a evidenciação das «voces bajas» a que Guha menciona permite, sem dúvidas, com que o subalterno adentre esferas do poder que historicamente lhes foram vetadas, passando a ser um agente transformador ao invés de um ente passivo manobrado pelas narrativas e historicidades dominantes das elites. Não se tratando de um ponto final pautado nos resultados de ações jurídicas, é este o próprio caminhar no sentido de se «desarrollar las habilidades necesarias y, sobre todo, cultivar la disposición para oír estas voces e interactuar con ellas» (Guha, [1982] 2002: 20).
6. (in)Conclusões finais
As lutas descoloniais, a exemplo de La Chiquita, são reveladoras, posto que evidenciam as objeções que as narrativas estadistas modernas e o campo predominante do Direito têm em aceitar simetricamente a outridade, uma relutância em escutar-se vozes-outras, aproximando-se daquilo a que Santos denominou por «sociologia das ausências»: uma espécie de produção ativa da inexistência, uma força destinada a manter como irrelevantes a todas as formas de conhecimento desconsideradas à leitura objetiva da realidade. A constatação de que outras realidades devem somar-se plenamente ao projeto de Nação [a título da plurinacionalidade] vai «juntando ao real existente o que dele foi subtraído pela razão» ocidental (Santos, 2002: 256).
Estas «ausências», por sua vez - assim como Guha defende a habilidade da ‘escuta’ das «voces bajas» - requer uma «sociologia das emergências»: uma progressiva substituição do
«vazio do futuro segundo o tempo linear (um vazio que tanto é tudo como é nada) por um futuro de possibilidades plurais e concretas, simultaneamente utópicas e realistas, que se vão construindo no presente através das actividades de cuidado» (Santos, 2002: 254).
Ou, em outras palavras, o reconhecimento epistemológico das narrativas esvaziadas de sentido por uma história particular e linear da razão e do real para condicionar, salvo seja, a semeadura de um futuro mais amplo, aberto às possibilidades que o ethos colonial se sobrepôs - e que, à imagem da colonialidade contemporânea, continua a opor-se.
De toda a forma, mesmo diante da relevância dos aspectos que circundam o caso de La Chiquita, não é de surpreender que a sua luta, encarnada na ação acima mencionada, encontre-se invisibilizado nacional e internacionalmente.47
Tal «ausência» [aqui no seu forte sentido boaventuriano] tem vindo a obscurecer, inclusive, o importante fato de que a «Acción por Daños y Perjuicios» [apresentada em 23/07/2010] vem sendo considerada, por alguns especialistas, como a 1ª ação judicial de que se tem notícia em que a Natureza figura como sujeito de direitos. Até ao momento, somente o caso do Río Vilcabamba, ocorrido igualmente no Equador e judicializado por dois ambientalistas estrangeiros através de uma «Acción de Protección» [em 07/12/2010], é que tem recebido esse status e a devida repercussão internacional.
Há aqui um princípio de interseccionalidade muito importante. Enquanto afrodescendentes, os la chiqueños carregam o peso do período colonial, transitando entre o preconceito racializado da hierarquia social e uma nova promessa libertadora nas linhas da Constituição. Enquanto cidadãos da plurinação, devem lidar com as «ausências» a eles adereçadas pela persistência da ‘colonialidade’ nas esferas Estatais, nas ondas economicistas e nas ambiguidades do multiculturalismo. Logo, são duplamente taxados: por uma negação das suas historicidades no passado e pela tendente irrelevância das suas narrativas no presente. O que lhes reservará o futuro?
A história de união entre La Chiquita e Awá Guadualito para enfrentar o problema da contaminação/desterritorialização é lembrada por Mariana e Isidro, que reforçam o quanto tantas outras comunidades estão sendo afetadas e que, entretanto, somente estes dois povos ancestrais aceitaram dar início à batalha jurídica. Foram estes grupos que, a cargo da união em defesa do território, parecem ter estreitado relações. Como referia Isidro sobre os Guadualito: «somos unidos» e «hermanos». Além da união na ‘luta’, é também Isidro que, orgulhoso, sublinha ser a sua aliança a primeira a lançar-se junto ao Estado contra as empresas extrativistas: «en Ecuador no hay ninguna comunidad que ha planteado un juicio a una extractora, a una palmacultora».
Os anos de experiência de Isidro e Mariana, entretanto, não lhes deixam cair em ilusão. Ainda que unidos com os Awá Guadualito, a luta jurídico-política instaurada encontra-se num campo de vasta desigualdade de forças: «hay que tener mucho coraje, mucha valentía para acusar a una empresa; estamos peleando un elefante con una cucaracha».
De fato, a iniciativa de qualquer atividade organizada pelas comunidades em defesa do seu território e da Natureza contra madeireiras ou palmicultoras da região de San Lorenzo tem-se tornada perigosa para as lideranças (cf. Minda, 2013: 32). Não é de surpreender, pois, que desde que a demanda foi ajuizada, tiveram lugar tentativas de compra de consciência e de ameaças físicas: «tu sabes que una comunidad que mucho reclama, son tres metros abajo de la tierra», são estes alguns dos mecanismos de intimidação empreendidos contra as famílias de La Chiquita para que desistam de seguir com a Ação.
A intimidação e a hostilidade suportada pelas comunidades, entretanto, não ocorre apenas em contextos de ameaças diretas, mas também ao longo da experiência judicial. Durante uma audiência realizada em agosto de 2015 entre as comunidades envolvidas e as empresas palmicultoras - uma tentativa de alcançar-se um acordo entre as partes -, os advogados das empresas negaram a responsabilidade pelos danos causados pela contaminação, insinuando que as comunidades estavam interessadas apenas na indenização. Além disso, buscaram desmoralizar a cultura ancestral das comunidades, defendendo que os argumentos jurídicos pautados ‘na defesa dos espíritos que habitam a natureza’, como anteriormente citado, ‘existem apenas em sua fantasia’, não passando de uma ‘estratégia para impressionar as autoridades’.48
Não obstante a capacidade de resistência dos moradores de La Chiquita, a morosidade do processo redunda em cerca de 06 anos à espera da sentença da 1ª instância. Enquanto o tempo passa, faz-se evidente o agravamento das condições de vida das famílias e a pressão de agentes externos sobre a comunidade, fatores que têm desafiado a sua capacidade de resistência e o processo organizativo comunitário, levando-a a períodos intercalados de mobilização e de desmobilização.
Diante das dificuldades relatadas, como La Chiquita ainda consegue estar vivendo num território tão cobiçado? Mariana contesta a esta pergunta com uma simples, mas contundente afirmação: «¡luchando, luchando, luchando!». Uma luta que se justifica para que voltem a ter um território «sano», para que não cedam às pressões de terceiros em busca de comprar as suas terras, para que não desistam da ação judicial. Uma luta feita com «rebeldia», «resistência», e que só pode continuar a ser conduzida à medida em que «(re)nace del propio corazón de la persona», desabafa Isidro.
Ao ouvir-se as «voces bajas» da comunidade negra La Chiquita, para concluir, vislumbramos a violenta subalternização da sua identidade e invisibilidade social, além da profunda conexão com a história passada do povo afrodescendente do Equador, país marcado, como já referimos, por uma longa experiência colonial e um período escravista que perdurou, oficialmente, por 300 anos. Mas vislumbramos também a possibilidade de mudança, de ação, de um caminhar que vai se fazendo à medida de cada passo novo.
Se, por um lado, as mobilizações sociais da última década garantiram um avanço no campo legislativo em matéria de direitos territoriais, por outro lado, as relações assimétricas de poder, da hierarquia social, da «violência estrutural» (Farmer, 2004) e da ‘colonialidade epistêmica’ das narrativas estadistas e economicistas ainda permanecem interiorizadas, como defenderia Cusicanqui, nas relações sociais e garantias de direitos pautados na ‘alteridade epistemológica’ (cf. [1984] 2010: 64-65) destes Outros da Nação.
O Estado equatoriano, enquanto um «centro difusor colonial», tal como o coloca Herrera Flores (2006), parece não ter conseguido romper completamente com o legado da ‘colonialidade’. De modo que - particularmente no caso de La Chiquita - segue o Estado reproduzindo em suas Instituições, estruturas, comportamentos e conivências com os rumos do desenvolvimento a ideia de que o saber, a cultura e as práticas de comunidades ancestrais são desnecessárias e parcialmente irrelevantes à (re)construção da ‘nova’ plurinação.
Em qualquer um dos campos de luta [político e/ou judicial], a ‘desobediência subalterna’ dos la chiqueños parece ter o simples e nobre propósito de ‘serem’ livres em seu território e de ‘poder’ transmiti-lo às futuras gerações. Seguimos, com a ‘esperança’ blochiana que reverbera nas vozes de Mariana e de Isidro, à espera que os afro-equatorianos possam, autonomamente, inscreverem-se a si mesmo na contemporaneidade da plurinação.
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O número total de humanos traficados sob a condição de escravos no Atlântico varia conforme a metodologia e os arquivos selecionados por cada autor. Ainda assim, o Brasil lidera como o maior receptor de escravos, seguido dos EUA. Os números apontam, segundo a leitura de Marc Ferro, para um total de entre 10 e 15 milhões de negros deportados do continente africano para as Américas (cf. Ferro, 2004: 121-122). Os números, no entanto, são incompletos e é possível que o total seja substancialmente superior. Muitos negros, por exemplo, morriam pelas duras condições em que eram embarcados, não sendo contabilizados nos portos de chegada. No contexto equatoriano, não há, igualmente, uma projeção exata. Jean-Pierre Tardieu, dentre outros, aponta muitos dados sobre a trata de escravos no Equador, embora não se arrisque a apontar uma cifra. Apenas sabemos, como apontam os registros, os valores médios de venda de cada escravo (Tardieu, 2006: 277-278), que em determinados contextos a predominância de escravos bantus correspondia ao ciclo geográfico de fornecimentos portugueses de escravos (2006: 170; 35 e 49, nessa ordem) e o contexto político que podemos reconstruir desde os eixos que compunham os arquivos notariais (2006: 169-170). Podemos, no entanto, afirmar que a presença negra era, no Equador, tão importante como massiva, tal como para exigir-se a criação da ‘Carta de la Esclavitud’ - como ficou conhecida a Constituição do Equador de 1843, visceralmente edificada a partir do problema da escravidão.
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Tal como as ‘mundo-visões’ que a filosofia disciplinar, centrada nos processos históricos europeus, viria a conceptualizar desde a língua alemã como Weltanschauung.
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Wallerstein reforça, alinhado com as ideias de Quijano, que esta descoberta do ‘eu’ europeu não se limita ao seu contato com outros povos à formação do «sistema-mundo», mas fundamentalmente às desigualdades semeadas, no âmbito político, jurídico e econômico pela natureza violenta da sua relação: a dominação implícita ao exercício da ‘conquista’. O ‘eu’ europeu é, pois, na sua origem e por definição um ‘eu Imperial’ que viria a desenhar a relação histórica desta geografia e das suas gentes com o resto do mundo (1996: 28-29 e 20-26, nessa ordem).
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Para Alimonda, a colonialidade que afeta a natureza na América Latina resulta do «pensamiento hegemónico global y ante las elites dominantes de la región como un espacio subalterno, que puede ser explotado, arrasado, recongurado, según las necesidades de los regímenes de acumulación vigentes» (2011: 22).
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Enquanto a «infraestrutura» prende-se à produção e à manutenção da vida em termos materiais, a «superestrutura», no marxismo, remete ao plano da ideologia. A sua relação define a teia do ‘materialismo histórico’. A reprodução das condições [e tensões] entre ideologia e produção material representam os «meios que permitem satisfazer essas necessidades» para a replicação da vida (Marx e Engels, 2001: 21).
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Complementando, portanto, a perspectiva marxista do ‘materialismo histórico’, Fanon acrescenta que a organização da produção material e a ideologia são indistinguíveis. Elas não seriam duas partes autônomas, mas um grande bloco que é ao mesmo tempo cognitivo [modela a percepção da sociedade] e didático [estabelece os limites ao mundo material, assim como cria representações sobre aqueles que lhe dão corpo]: «Nas colônias a infra-estrutura econômica é igualmente uma superestrutura. A causa é conseqüência: o indivíduo é rico porque é branco, é branco porque é rico. É por isso que as análises marxistas devem ser sempre ligeiramente distendidas cada vez que abordamos o problema colonial» (Fanon, [1961] 1968: 29).
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Acrescenta Guha: são as vozes «que quedan sumergidas por el ruido de los mandatos estadistas. Por esta razón no las oímos. Y es también por esta razón que debemos realizar un esfuerzo adicional, desarrollar las habilidades necesarias y, sobre todo, cultivar la disposición para oír estas voces e interactuar con ellas. Porque tienen muchas historias que contarnos - historias que por su complejidad tienen poco que ver con el discurso estadista y que son por completo opuestas a sus modos abstractos y simplificadoress» (idem). Preservamos a tradução da versão em castelhano. No original consta ‘little voices’.
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Enquanto Quijano (2010) falará de uma cartografia colonial que, sustentada pela progressiva conceptualização da ‘raça’ e do estabelecimento de relações de poder entre colonizadores e colonizados, Santos sublinhará que a permanência de tal cartografia deve ser constantemente questionada. O ‘mapa’ daí derivado, como reflete Santos, guia-nos [ou guia o poder e a nós próprios enquanto tributários das suas tecnologias] enquanto sociedade. Se o mapa é um guia, ele não é o resultado da realidade, mas uma interpretação/representação. Questionar a cartografia colonial, portanto, requer a formação de ‘itinerários’ não-aderentes aos discursos tributários da naturalização da cartografia colonial. Em outras palavras: é preciso retornar à centralidade da voz dos atores sociais e questionar o ethos colonial que infiltra-se nas categorias do mundo disciplinar: reler os efeitos do colonialismo e da colonialidade sob uma «hermenêutica de suspeita», sob olhares mais afinados à construção de itinerários do que em mapas preestabelecidos (2003: 20-21): uma posição de questionamento a tudo o que é oficial, às «formas de saber e de poder que estão consignadas e que estão, de alguma maneira, consolidadas na injustiça em que a nossa sociedade hoje vive» (idem; grifo nosso).
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Assim como a teologia da libertação abriu portas para um novo ‘humanismo prático’; a teoria da dependência reconfigurou a ideia economicista do progresso; a filosofia da libertação chamou-nos a atenção para as outras filosofias ao redor do mundo a que aprendemos a chamar canonicamente de ‘cultura’; ou, ainda, os estudos feministas advertiram-nos ao pensamento não só do patriarcado na sociedade, como da possibilidade que a ciência pudesse ser feita sob a percepção feminina, onde a ontologia pura dá lugar à ontologia-com-a-experiência e a posição social e política de quem a faz.
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Em geral, levados a cabo por pensadores diaspóricos que, ao partirem de zonas geográficas subalternas [como as zonas ex-coloniais e ex-Imperiais] para estudarem nas universidades do eixo euro-americano, deram-se conta de que ou a produção teórica não contemplava os seus locais epistemológicos de enunciação/visão-do-mundo ou que, desde aí, não se poderia produzir um pensamento crítico posicionado/localizado para que a história colonial pudesse ser contada por aqueles que provêm dos povos outrora dominados (cf. Spivak, 1995: 24-27).
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Processos que fundamentaram a própria noção a que compartimos, querendo ou não, de ‘modernidade’ na esfera filosófica e de ascensão do Estado moderno.
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Veja-se o panorama geral da revisitação da condição colonial proposta por Balandier (1951).
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É justamente para relançar o sujeito africano no centro do debate e sacudir a centralidade hegeliana na anulação de muitos sujeitos em prol da subjetivação europeia – ou de um olhar que viria tornar-se fundamental para a compreensão universal – que autores pós-coloniais como Chakrabarty (2007) tem sublinhado o provincianismo do pensamento dominante ocidental.
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Colocamos aqui o ‘homem’, uma vez que estes períodos históricos foram feitos de homens para homens, suprimindo, como sabemos, a agencia feminina.
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Não à toa, Santos defenderá que: «O colonial constitui o grau zero a partir do qual são construídas as modernas concepções de conhecimento e direito. As teorias do contrato social dos séculos XVII e XVIII são tão importantes pelo que dizem como pelo que silenciam» (2010: 28).
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Foucault, porquanto tenha sub-considerado a importância do colonialismo à produção do poder Ocidental, tinha já lançado a ideia de que a gestão das sociedades e os ‘problemas jurídicos’ para o efeito misturam-se para criar ‘regimes da verdade’: Leis e normativas ligadas à estruturação do poder e ao modelo capitalista de ordem (2002: 12). Tais Leis - normativas, Códigos e interpretações jurídicas - teriam a ver muito mais com uma particularidade epistemológica Ocidental do que com uma razão pura, linear e final: uma episteme fundamental que ‘atravessa e anima os outros exercícios do poder’ (: 121). Foucault reporta, sobretudo, que as concepções de ordem e de justiça, embora emerjam historicamente como um produto laico, são profundamente marcadas por uma economia moral. Em outras palavras: a laicização de uma abstração particular (: 91).
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É preciso destacar que Santos faz dois usos distintos e complementares do conceito de ‘emancipação’. O primeiro, até ao momento utilizado, vincula-se a um processo histórico de subjetivação de um pensamento local [europeu], do estabelecimento epistemológico de distinções entre populações [as sociedades metropolitanas e os territórios coloniais] à imagem da ‘dialética senhor-escravo’. Num segundo momento, a ‘emancipação’ vincula-se ao ‘social’, à luta e à resistência subalterna, à tomada de consciência e à ação por parte daqueles que sofreram, em contrapartida, com as investidas ‘do patriarcado, do capitalismo, da colonialidade’ e, nos tempos que correm, da ‘modernidade euro-centrada’. A ‘emancipação social’ na atualidade é, pois, também uma luta face ao contexto de globalização neoliberal enquanto uma extensão do colonialismo. O Direito alia-se à emancipação «na reconstrução da tensão entre regulação social e emancipação social»: uma questão que, segundo Santos, é de caráter contra-hegemônico na medida em que o Direito busca a emancipação para promover a libertação e a inclusão social, mas também o direito à memória e à autodeterminação subalterna (cf. 2003b).
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Em complementariedade ao que fora colocado na nota 10 deste trabalho, o aspecto ‘cognitivo’ pode ser ‘numericamente’ constatado, como o faz apropriadamente Wallerstein, pelo próprio estabelecimento da ‘tradição’ no meio acadêmico/disciplinar. Em um interessante estudo, Wallerstein, aponta para o fato de que quase a totalidade dos conceitos acadêmicos de que dispomos atualmente nas ciências sociais - e que nos referimos como ‘os nossos clássicos’ - vêm de poucos países da Europa [central, sobretudo]. Mais do que um ponto geográfico, é ele também um marco epistemológico que ‘narra’ o mundo desde uma vista particular tornada universal (cf. Wallerstein, 1996: 21-22).
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A Corporación de Desarrollo Afroecuatoriano é um órgão governamental criado, em 2005, com fins sociais e de promoção da igualdade racial e de revisão histórica do papel do negro na sociedade [Decreto Ejecutivo Nº 244, de 16 de junio].
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Trata-se de uma Rede de organizações afro-equatorianas localizada na cidade de Guayaquil.
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Embora Douglas Quintero tenha apontado que a abolição da escravatura se tenha dado em 1852, outras fontes consideram o ano de 1851 - nomeadamente, pela expedição do Decreto de Abolição, de 25 de julho. Em 1852, entretanto, foi instalada em Guayaquil uma junta ‘Protectora de la Libertad de Esclavos’. Acrescemos que a Abolição foi proclamada em 1851, mas a medida apenas foi ratificada pela Assembleia Nacional Constituinte em 18 de setembro de 1852.
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A população montúbia constitui um dos grupos étnicos do Equador cuja identidade está fortemente ligada ao campesinato e à terra. Encontra-se organizada em aproximadamente 1200 comunidades, localizadas entre as Províncias de Guayas, Manabí, Los Ríos e El Oro. Segundo o Censo de 2010, 7% da população equatoriana se autoindentificou como montúbia. Tal qual os povos indígenas e afro-equatorianos, a atual Constituição da República reconhece os direitos coletivos montúbios [veja-se os artigos 56 e 59 da Constituição] (cf. Forrest, 2011, s/p, para mais detalhes).
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Para Antón, o Estado uninacional nada mais é do que a «herança do Estado colonial, no qual se colocou como eixo de identidade nacional o modelo branco-mestiço e, a partir da mestiçagem, se produziu uma espécie de hibridação de todas as expressões identitárias do país, ou seja, sua homogeneização» (2010: 24 e 25).
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Veja-se, dentre outros, as críticas de Carl-Ulrik Schierup (1991: 138-140) sobre o multiculturalismo e as suas contradições. Uma vez que o multiculturalismo não exclui que há um ‘lugar cultural’ que apresenta-se como centro de tradução das diversidades presentes numa sociedade, há sempre de fundo uma espécie de ‘regulação’ ou de cultura cêntrica que afasta a possibilidade da interculturalidade plena, do diálogo simétrico entre diferentes culturas/epistemes. O primeiro, redunda em zonas de arbitragem do que deve ser considerado como importante na sociedade, traduzindo-se a sua diversidade a uma linguagem comum relativamente dominante. O segundo, a interculturalidade, visa irromper com a hierarquia cultural [e epistemológica] para gestar crescentes simetrias nos enunciados, narrativas, historicidades e recriação social. Apesar da bandeira plurinacional e intercultural equatoriana, dá-se de fato, como o entendemos, lugar a um complexo multicultural que é tão hierárquico quanto as relações de poder na estrutura social vigente.
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Como parecerá claro, a dimensão da violência nessa zona do não-ser - semelhante ao modelo crítico fanoniano - é melhor percebida por quem deve com ela conviver quotidianamente, por quem é vítima: o próprio processo de manutenção da subalternidade. Um dos grandes debates dos estudos subalternos desde os anos 1980 pode ser formulado da seguinte maneira: ‘é possível perceber a experiência subalterna do racismo ou do patriarcado, por exemplo, desde aqueles que não vivenciam as suas instituições do poder?’. Não à toa, Spivak, voltamos a referir, concluía no seu mais famoso texto (cf. 1995) que o subalterno não pode ser escutado [desde o campo hegemônico], não pode ‘falar’ de uma forma que o seu sofrimento se torne plenamente compreensível, não pode, em suma, fazer-se entender em um mundo em que as suas epistemologias não adentraram à formação canônica da interpretação da realidade, da própria conceituação da razão. Esta zona fronteiriça, não permite ao subalterno nem mesmo formular, de forma aceite pelo cânon, uma crítica plenamente compreensível ao sistema de opressão. O seu local de enunciação é, pois, a luta, a resistência, as narrativas que advêm do mundo das práticas (cf. Cusicanqui, 2010b: 28; 39-40 e 45-46).
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Veja-se a nota 09 deste trabalho.
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Os estudos realizados pelo Instituto Nacional de Desarrollo Agrário sobre o território de La Chiquita concluíram que a comunidade mantém a posse ancestral sobre o território há pelo menos 120 anos. Devemos frisar, no entanto, que o aspecto burocrático que imprime a linguagem formalizante do Estado é, em si, distante, exógena e parcial quando tratamos das ‘comunidades ancestrais’. ‘Registros de posse’ e documentações, neste contexto, dão-nos ideias aproximativas dos fenômenos sociais, ainda mais tendo-se em conta que até 1852 o Equador compunha uma economia escravista, o que significa que os direitos estavam reservados aos brancos e às elites, em alguns casos, mestiças/criollas.
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Um dos episódios históricos mais conhecidos deu-se em 1553, quando 22 escravos [16 homens e 06 mulheres] conseguiram escapar de uma nau acidentada na costa de Esmeraldas durante uma travessia proveniente do Panamá. Sob a liderança de Antón e, posteriormente, de Alonso de Illescas lutaram pela liberdade e constituíram o reino Zambo, fazendo da região uma ‘república dos negros livres’, um ‘verdadeiro palenque’ (cf. Minda, 2006: 125-126).
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No início da década de 1970, o INEFAN, órgão do Estado equatoriano [hoje, representado pelo Ministério do Meio Ambiente], deu início às primeiras tentativas de expulsão da comunidade com o objetivo de estabelecer uma «Estación Forestal Experimental» para investigação e estudos de espécies florestais. Em 2002, esta Estación foi desativada e a área de La Chiquita [e de outras comunidades próximas], declarada ‘Patrimonio de Áreas Naturales del Estado’. Nesta ocasião, a comunidade reivindicou e alcançou o reconhecimento da posse ancestral do seu território, mediante a expedição de um título de propriedade para o uso coletivo de 600 hectares de terra [relato dos entrevistados e informações documentais].
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Os resíduos do monocultivo são há décadas despejados nos rios sem o tratamento adequado, o que é observado pelos moradores devido à presença de azeites e graxas, a degradação de matérias orgânicas e o progressivo esgotamento do pescado. De fato, um estudo realizado, em 2004, apontou para fortes indícios de contaminação pelo uso desregrado de pesticidas e fertilizantes, bem como pelos resíduos dos processos da extração do azeite de palma pelas empreses vizinhas a La Chiquita (cf. Rivadeneira/Ecolex, 2012: 84).
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Os nomes dos entrevistados foram trocados por nomes fictícios, mesmo que autorizada a sua divulgação. Esta opção foi tomada tendo-se em vista a preservação das suas identidades, dada a acirrada disputa pelo território, a qual inclui denúncias de ameaças físicas e psicológicas às lideranças de La Chiquita por parte dos interessados em suas terras. Faz-se importante remarcar que há poucos trabalhos dedicados ao caso de La Chiquita, especificamente [destacando-se os de Hazlewood (2010) e de Paredes (2013)]. De forma mais abrangente, a bibliografia dedicada às comunidades negras no Equador é, ainda, incipiente. Este trabalho, pois, marca-se tanto por um ‘tatear’ do terreno quanto de um apelo a novas investigações.
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Alfredo Almeida, por exemplo, retrata a forte ligação entre a religiosidade negra e a manutenção dos quilombos [comunidades negras formadas em tempos coloniais], no Brasil. A sua análise contempla as novas formas da etnicidade e o seu uso político na esfera identitária, apontando para uma mudança paradigmática tanto na luta política quanto, acrescentamos, no enquadramento da ancestralidade. (cf. 2011: 90-91, 52 e 84, nessa ordem).
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À semelhança de como questionará Fanon com o ‘Eu Imperial’ do ethos deste pensamento ocidental, dando a volta a Hegel (cf. Fanon, [1952] 2008: 180-184).
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Retomando-se o debate anteriormente lançado, vale reforçar o quanto a teodiceia hegeliana sustentou a ideia moderna de razão. Esta, para o filósofo, resumia-se à matriz cristã do pensamento, algo que viria a sustentar, nas malhas do Estado moderno, a ‘razão’ enquanto a laicização da racionalidade judaico-cristã. Escrevia Hegel: «En la religión cristiana, Dios se ha revelado, esto es, ha dado a conocer a los hombres lo que El es (…) Con esta posibilidad de conocer a Dios se nos ha impuesto el deber de conocerlo, y la evolución del espíritu pensante, que ha partido de esta base, de la revelación de la esencia divina, debe, por fin, llegar a un buen término, aprehendiendo con el pensamiento lo que se presentó primero al sentimiento y a la representación. ¿Ha llegado el tiempo de conocerlo? Ello depende necesariamente de que el fin último del mundo haya aparecido en la realidad de un mundo consciente y universalmente válido. Ahora bien, lo característico de la religión cristiana es que con ella ha llegado este tiempo. Este constituye la época absoluta en la historia universal» ([1837] 2005: 113).
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Fernanda Bragato, dentre outros, sustenta que «nos tempos modernos, juntamente com a ideia de raça, a racionalidade tornou-se um importante fator de exclusão dos seres humanos fora do padrão cultural dominante que, em última análise, encarnou a figura do europeu, branco, do sexo masculino, cristão, conservador, heterossexual e proprietário» (2014: 222). Pelo que a distribuição de direitos parte fundamentalmente de uma ‘essência universal’ que, amparada no modelo antropocêntrico a que a modernidade viria a legitimar, a própria natureza é cristalizada como irrelevante e desmerecedora de direitos, bem como os Outros desse modelo central: na modernidade «o homem é elevado a centro do universo, exigindo-se um correspondente sistema jurídico em que a lei proteja os direitos individuais» (2014: 208). A cristandade parece ser, em La Chiquita, uma formulação das narrativas cosmogônicas de interação com a natureza. Voltaremos ao tema no ponto 4.3 deste trabalho.
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Por questões de dimensão da escrita, não aprofundaremos o aspecto religioso aqui sublinhado para contextualizar o campo etnográfico. No entanto, ressaltamos que é importante redimensionar o termo afro-referenciada a uma ideia de religiosidade africana gestada nas Américas. Mudimbe ([1988] 2013), dentre outros, lançou um pertinente debate sobre a ambiguidade dos termos utilizados para designar a África e o africano. O termo ‘imagem de uma religião afro-referenciada’ permite-nos colocar algumas ideias no discurso, mas mereceria um maior aprofundamento sobre a reificação de representações sobre o campo religioso africano. Assim, ressaltamos a diversidade religiosa africana, ao mesmo tempo em que reforçamos que existem enunciados afro-equatorianos radicalmente distintos daqueles presentes no plano dominante nacional.
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A palma azeiteira ou ‘palma africana’ é uma espécie nativa da África Ocidental utilizada, tradicionalmente, como recurso alimentar e para fins medicinais. Por sua elevada capacidade de produção de azeite por superfície [superando entre 3 a 4 vezes a capacidade produtiva do óleo de soja], passou a ser cultivada e comercializada para exportação por diversos países com condições climáticas à sua adaptação. Quando cultivada em forma de monocultivo e em grande escala, a palma azeiteira afeta drasticamente o meio ambiente onde é produzida.
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Os efeitos e consequências detalhadas do monocultivo da palma na vida das populações indígenas, campesinas e afrodescendentes do Equador estão retratados no documentário ‘La fiebre de la palma’ (2013), de Antonio Cuisset e Gabriel Neyra (cf. https://www.youtube.com/watch?v=oNeyUrcEzdQ).
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Interessada em apontar os riscos e os benefícios do cultivo da palma azeiteira para a recuperação de áreas desflorestadas na Amazônia brasileira, a geógrafa Bertha Becker aponta para a elevada probabilidade de que o seu recurso redunde na «expansão da lavoura pelo coração florestal (mata nativa)» em detrimento de manter-se nas zonas em recuperação (cf. 2010). Isto, seguramente, está associado à possibilidade de lucro pela forte procura de óleo no mercado. Segundo a WWF, a Indonésia, apesar dos dados acerca dos poluentes acima descritos, pretende elevar a produção do óleo de palma em cerca de 60% até 2020 (WWF, 2013: 52). Tal como acontece em Esmeraldas, o uso da palma mundo a fora tem gerado mais desmatamentos e desterritorializações do que as promessas de desenvolvimento econômico. Becker, apoiada igualmente nos relatórios da WWF, remarca que cerca de 50% dos produtos embalados disponíveis em supermercados possuem, em alguma dose, o óleo de palma.
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São as organizações equatorianas Fundación Altrópico e Corporación de Gestión y Derecho Ambiental - Ecolex. Por intermédio da Altrópico, La Chiquita conheceu os/as advogados/as da Ecolex e apresentou a demanda em busca de alternativas jurídicas.
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À época, a denúncia ganhou repercussão na região, momento em que organizações e entidades representativas dos povos indígenas e afro-equatorianos expressaram seu apoio à comunidade enviando cartas abertas e manifestos aos órgãos governamentais competentes [Informação documental extraída dos arquivos da Ecolex].
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Trata-se da Acción Civil por Daños y Perjuicios nº 08100-2010-0485, ajuizada perante a Corte Provincial de Justiça de Esmeraldas, em 23/07/2010 [A íntegra da ação foi gentilmente disponibilizada pelos advogados da Ecolex].
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As fontes deste processo intercalam referências a estudos antropológicos e as narrativas dos envolvidos. As peças do processo nos foram gentilmente entregues pela Ecolex, tendo sido a advogada que entrou com a ação posteriormente entrevistada. A entrevista, ressalta-se, melhor dimensionou os desafios de se tentar articular o racionalismo jurídico, os limites da interculturalidade na Constituição equatoriana e a linguagem apropriada para que a ação pudesse avançar.
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Uma verdadeira «representação», no sentido saidiano: uma imagem que confere valor ao todo; um reducionismo em geral assente nas dubiedades da racialização; uma simplificação da alteridade fortemente ligada à interpretação Imperialista do periférico, do universo cultural, da resignação e da falta de autonomia (cf. Said, 1994: 25; 28 e 36) subalterna.
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Buscando romper com esta invisibilidade e apoiar a luta das comunidades realizou-se, em 2016, uma campanha internacional (online) com a finalidade de divulgar a «Petición en solidaridad con las comunidades afroecuatoriana La Chiquita e indígena Awá Guadualito». A campanha resultou em 825 assinaturas [incluindo-se ONGs, Movimentos, Redes e Grupos Sociais, além de acadêmicos e advogados sensíveis à causa] em 34 países.
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Este relato foi partilhado por Julianne Hazlewood, geógrafa e investigadora em San Lorenzo desde 1997, tendo acompanhado as comunidades La Chiquita e Awá Guadualito durante a audiência de conciliação.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jul 2017
Histórico
-
Recebido
11 Jul 2016 -
Aceito
25 Out 2016