Resumo
Esse artigo apresenta a terceirização como uma intensificação da liberdade capitalista interente à força de trabalho em sua condição mercantil sob as relações burguesas de produção. A terceirização é a liberdade jurídica da força de trabalho, o que significa liberdade capitalista, modos melhorados para a circulação mercantil, para a subjugação da classe trabalhadora e para a extração de mais-valia.
Palavras-chave: Terceirização; Capitalismo; Trabalho
Abstract
This paper presents outsourcing as an intensification of the capitalist freedom which is inherent to labor power in its commodity condition under bourgeois relations of production. Outsourcing is legal freedom of labor power, which means capitalist freedom, improved ways for commodity circulation, for subjugation over working class and for the extraction of surplus value.
Keywords: Outsourcing; Capitalism; Labor
Introdução
O tema da terceirização, sem sombra de dúvidas, está na ordem do dia, embora não seja de hoje que a classe capitalista mantenha a ideia fixa de tornar regra aquilo que hoje é exceção, ainda, nos contratos de trabalho. Outrossim, também não há dúvidas de que a implementação desse modelo em larga escala terá efeitos cataclísmicos no universo laboral brasileiro, embora devamos reconhecer que as diversas formas de trabalho precário desde muito assolam a classe trabalhadora pátria.
No presente ensaio, pretendemos oferecer uma contribuição marxista a esse assunto imensamente discutido. Não é nosso escopo demonstrar os resultados deletérios da terceirização, dado que isso já foi feito por competentes pesquisas empíricas. Aliás, uma demonstração desse tipo de forma nenhuma exige, em caráter imprescindível, uma análise apoiada no marxismo. A imprescindibilidade do materialismo histórico-dialético nesse debate, ao que nos parece, está na identificação das causas profundas que conduzem à subcontratação da força de trabalho, inclusive na modalidade de terceirização.
Isto posto, podemos dizer que nossa contribuição ao debate estará centrada no apontamento das características rigorosamente capitalistas da terceirização, seja ela regulamentada, como tem sido no Brasil desde os anos 1990, ou irrestrita, como na distópica reforma trabalhista em curso. Nessa empreitada, levaremos em conta tanto a forma jurídica dos contratos, edificada sobre a figura do sujeito de direito representante das mercadorias, como as determinações da lei do valor que movem o capital.
A terceirização regulamentada e a perspectiva do capital
No Brasil, desde os anos 1990, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho vem sendo a referência normativa da terceirização. A famosa súmula 331 do TST reconheceu as tendências liberalizantes do mercado de trabalho brasileiro e mundial, oriundas do processo de desmonte do regime fordista de acumulação, e criou um critério para convalidar as figuras introdutórias de subcontratação. Esse critério adota como eixo uma divisão entre “atividade-meio” e “atividade-fim”: caberia a terceirização apenas no caso das chamadas atividades-meio, tomando-se como exemplos clássicos os serviços de vigilância, limpeza e conservação. Todavia, o entendimento da corte os tratou justamente como exemplos, pois qualquer atividade considerada instrumental, na concepção sumular, estaria sujeita à terceirização. A dogmática jurídica assim o anunciou:
Desse modo, a jurisprudência adotou o princípio teleológico da conceituação genérica, abandonando a enumeração taxativa das hipóteses autorizadas - trabalho temporário e vigilância. A regra geral passou a ser não mais a proibição, com exceções, mas, ao contrário, a autorização geral, desde que preenchido um requisito, a finalidade da atividade terceirizada, qualquer que fosse a sua natureza, e não mais a natureza da mesma. Assim é que, em se tratando de atividades cujo fim é o apoio, a instrumentalidade do processo econômico, a atividade-meio, nada impede a terceirização. Se, no entanto, tratar-se de atividade não de apoio mas finalística da empresa, é desautorizada (NASCIMENTO, 2011, p. 635-636).
Nessa construção jurisprudencial, a atividade-fim seria a atuação específica no ramo da empresa. Assim, ilustrativamente, a atividade-fim das empresas do ramo automobilístico seria definida como a montagem de automóveis. No entanto, é cediço que o trabalho de pintura dos automóveis, não raro, é atribuído a obreiros subcontratados, como se isso não correspondesse à finalidade última da atuação da empresa, ou seja, como se esse tipo de trabalho fosse apenas um acessório que segue o elemento principal.
A pretexto de certeza e objetividade, a jurisprudência do TST indicou o contrato social das empresas como a referência fundamental de atividade-fim, o que não esgota as controvérsias. Afinal, produzir ou montar carros não pressupõe a pintura como uma etapa imprescindível e indissociável do objeto principal? Certamente que sim, mas ao fim e ao cabo, o que o entendimento dominante na Justiça do Trabalho pretende é entregar às empresas a prerrogativa de definir o que é finalidade e o que é instrumento ou acessório. A invocação do contrato social das empresas sinaliza fortemente nesse sentido.
Mais do que exigir entendimentos jurídico-doutrinários mais favoráveis ao trabalhador, cumpre entender a lógica capitalista adotada hegemonicamente nas cortes brasileiras no âmbito da terceirização. Observemos: quando a jurisprudência autoriza as empresas a definirem os marcos de utilização do critério por ela criado, o que se constata, de plano, é o enaltecimento jurídico do primado da propriedade capitalista sobre a condição do assalariado e da própria concepção capitalista sobre o processo de produção.
Expliquemo-nos. No processo de produção capitalista, a força de trabalho adquiria no mercado é apenas uma dentre outras mercadorias que o capital adquire para efetivar a produção. O capitalista combina esses bens que lhe pertencem e se apropria do excedente gerado pela força de trabalho como quem meramente colhe os frutos das árvores de seu quintal. A mais-valia captada na produção é ocultada no próprio processo produtivo, e o ganho do capital, resultante da ação indispensável do trabalho (a única fonte do valor), aparece como efeito espontâneo que “naturalmente” beneficia o empresário:
O capitalista, mediante a compra da força de trabalho, incorporou o próprio trabalho, como fermento vivo, aos elementos mortos constitutivos do produto, que lhe pertencem igualmente. Do seu ponto de vista, o processo de trabalho é apenas o consumo da mercadoria, força de trabalho por ele comprada, que só pode, no entanto, consumir ao acrescentar-lhe meios de produção. O processo de trabalho é um processo entre coisas que o capitalista comprou, entre coisas que lhe pertencem. O produto desse processo lhe pertence de modo inteiramente igual ao produto do processo de fermentação em sua adega (MARX, 1996a, p. 304).
Tudo se passa como se a acumulação de capital decorresse não da exploração do trabalho, mas da combinação de coisas legitimamente possuídas pelo capitalista. Com a terceirização, o raciocínio não é diferente: para o capital, não importa se a força de trabalho provém de um contrato estabelecido diretamente com a empresa ou se ela foi fornecida por uma terceira parte, por uma empresa interposta. No processo de produção, essas “coisas” que o capitalista comprou serão combinadas e utilizadas indistintamente. Não se coloca como fundamental, nesse processo, a questão de quem é o comprador oficial da força de trabalho, pois quem a emprega pagou por ela, de um jeito ou de outro. Daí as tentativas legais de se retirar a responsabilidade do tomador de serviço: se ele empenhou dinheiro para remunerar indiretamente a mão de obra, ele honrou a equivalência mercantil. O que conta, na perspectiva capitalista, é o fato de que a empresa operante faz jus aos bens que utiliza para produzir. Os efeitos “colaterais” atinentes aos trabalhadores terceirizados são concentrados, tendencialmente, na relação deles com o empregador direto.
Do capitalista que usufrui dos serviços prestados, espera-se somente que ele seja detentor de um justo título de propriedade sobre os bens que emprega. Ao consumir onerosamente os serviços de uma empresa fornecedora de mão de obra, o capital operante coloca-se acima de qualquer questionamento formal da mesma maneira que o faz ao remunerar os trabalhadores que constam formalmente em sua folha de pagamento. Em qualquer circunstância, a riqueza capitalista aparece como desdobramento da propriedade, e não como criação dos assalariados, embora não possa prescindir deles no processo de produção. Seja na relação de emprego ordinária ou na forma terceirizada, tem-se que a relação capital-trabalho se coloca como relação entre o título de propriedade e o título do trabalho, ainda que este último seja apresentado com a intermediação de outra empresa. Mantém-se a forma desdobrada daquilo que Bernard Edelman (2016, p. 31) denominou como o poder jurídico do capital, como “a dupla forma do contrato de trabalho e do direito de propriedade”, já que a mesma relação de capital toma a forma de contrato de trabalho para o proletário e de direito de propriedade para o capitalista, coroando a separação capitalista entre os meios de produção e a força de trabalho.
Ora, o que faz a jurisprudência não é senão reiterar esse poder jurídico do capital, essa separação entre a força de trabalho e os bens de produção que, aliás, não só se expressa juridicamente no contrato de trabalho, como também introduz as condições para as práticas de subcontratação, dado que a mão de obra é reduzida a um ativo como qualquer outro (como capital variável, aliás), cuja obtenção exige apenas o respeito às regras de equivalência da troca mercantil.
Ao reforçar o direito de propriedade capitalista, a jurisprudência salienta o direito do capital de comprar as mercadorias de que precisa como melhor lhe aprouver. A súmula 331 do TST autoriza o capitalista a discriminar a mão de obra disponível conforme as funções que ele mesmo estipula. O poder diretivo do empregador, emanação imediata do direito de propriedade capitalista, é elevado ao extremo: o capital não apenas dirige a atividade do empregado, mas vai além, definindo o enquadramento legal dos trabalhadores. Isso significa que as empresas possuem grande margem de manobra para determinar o regime de contratação dos assalariados. Mas essa não é ainda a completa liberdade de mercado almejada por elas.
O critério sumular apega-se à “tradição fordista” da CLT para destacar a “rigidez clássica” do contrato de trabalho. Percebe-se essa inclinação quando a norma propõe que a pessoalidade e a subordinação direta na relação entre a empresa tomadora dos serviços e os trabalhadores descaracterizam a terceirização considerada legítima. Tal disposição, entretanto, não impediu que as terceirizações acontecessem em escala crescente. Supondo-se que essa norma tivesse a intenção de “proteger” o conjunto do proletariado, pode-se dizer que ela fracassou miseravelmente antes mesmo da aprovação da reforma trabalhista. Não indagaremos aqui as motivações dos ministros da corte superior trabalhista; o que nos importa é o fato de que a realidade capitalista contraria decididamente as pretensões de pessoalidade e de subordinação apenas direta na relação entre capital e trabalho, senão vejamos.
Comecemos com a noção jurisprudencial de subordinação apenas direta. É de se notar que há uma total ilusão dos tribunais sobre o funcionamento do processo de produção capitalista. Imagina-se que a bilateralidade dos contratos dê conta da relação real de autoridade entre capital e trabalho, como se o empregado terceirizado respondesse apenas, na hierarquia contratual, ao prestador de serviços, seguindo as diretivas do tomador apenas de forma reflexa, quase acidental. Ao que parece, os julgadores seguem à risca o discurso patronal que divide a produção em atividades circunscritas a empresas separadas.
Cabe constatar que a prática do processo produtivo capitalista, no que concerne à fabricação da mais-valia, ignora por completo as distinções contratuais que distribuem os encargos remuneratórios dos empregados entre as empresas envolvidas. A criação do valor excedente efetua-se num processo que envolve o conjunto dos assalariados, independentemente de qualquer classificação de atividade-fim ou atividade-meio. É o fenômeno do chamado “trabalhador coletivo”:
Primeiro: como com o desenvolvimento da subsunção real do trabalho ao capital ou do modo de produção especificamente capitalista, não é o operário individual, mas uma crescente capacidade de trabalho socialmente combinada que se converte no agente (...) real do processo de trabalho total, e como as diversas capacidades de trabalho que cooperam e formam a máquina produtiva total participam de maneira muito diferente no processo imediato da formação de mercadorias, ou melhor, de produtos - este trabalha mais com as mãos, aquele trabalha mais com a cabeça, um como diretor (...), engenheiro (...), técnico etc., outro, como capataz (...), um outro como operário manual direto, ou inclusive como simples ajudante -, temos que mais e mais funções da capacidade de trabalho se incluem no conceito imediato de trabalho produtivo, e seus agentes no conceito de trabalhadores produtivos, diretamente explorados pelo capital e subordinados em geral a seu processo de valorização e de produção. Se se considera o trabalhador coletivo, de que a oficina consiste, sua atividade combinada se realiza materialmente (...) e de maneira direta num produto total que, ao mesmo tempo, é um volume total de mercadorias; é absolutamente indiferente que a função de tal ou qual trabalhador - simples elo desse trabalhador coletivo - esteja mais próxima ou mais distante do trabalho manual direto (MARX, 1978, p. 71-72).
Considerando-se que o processo é unitário na geração do valor, não há dúvida de que a cadeia de comando na produção é igualmente unitária, e não poderia ser diferente. Do mesmo modo que uma mesma orquestra não pode ser seriamente regida por dois ou mais maestros, a produção capitalista, ao funcionar coletivamente na utilização das distintas forças de trabalho, não pode prescindir de uma autoridade patronal centralizada. Eis porque a pretendida gradação entre subordinação direta e indireta é muito mais uma manobra jurídica com respaldo numa ficção do que uma tradução fiel do processo produtivo.
Voltemo-nos agora ao tema da pessoalidade. A doutrina justrabalhista afirma que o contrato laboral é de natureza intuitu personae no que diz respeito ao empregado. É dizer: o trabalhador é contratado de forma pessoal, a partir de qualidades insubstituíveis. Como é de praxe, o direito procura embelezar ideologicamente o capitalismo, sugerindo uma aparência oposta à essência das coisas. Para a produção capitalista, o assalariado não é nada além de uma peça dentro de um conjunto, e que pode ser substituída por qualquer outra que sirva de forma semelhante. Mas a teoria jurídica abstrai o funcionamento concreto da produção capitalista e se agarra à imagem superficial do indivíduo contratante portador de direitos e, portanto, de “dignidade”.
Uma vez que a forma jurídica está alicerçada na figura do sujeito de direito, isto é, do indivíduo livre, igual e proprietário enquanto portador abstrato de mercadorias, é próprio do direito, e das teorias que o exprimem, delimitar pessoas e coisas. É uma concepção que remonta a Kant: as coisas são apropriáveis e fungíveis, e por isso possuem preço; as pessoas, ao contrário, sujeitam as coisas e são um fim em si mesmas, elas são autoras das composições jurídicas; enfim, são sujeitos, e não objetos. Como aponta Pachukanis (2017, p. 146), “a relação mercantil revela a contraposição do sujeito e do objeto em um sentido jurídico particular”, sendo que “o objeto é a mercadoria, o sujeito é o possuidor da mercadoria, que dispõe da mercadoria nos atos de aquisição e alienação”.
O contrato de trabalho “normal” é tido como lícito porque enaltece a pessoalidade do empregado. Ele é um sujeito na relação contratual, não é um objeto a ser permutado. Entretanto, esse sujeito entrega, no contrato laboral, a sua força de trabalho, ou seja, a sua capacidade física e mental de produzir coisas úteis. Em poucas palavras, ele entrega a si próprio por um prazo determinado ou indeterminado, fornecendo ao patrão o excedente daquilo que produziu em sua jornada de trabalho. Sujeito e objeto aproximam-se perigosamente, daí o desvelado empenho da forma jurídica em separá-los: se o trabalhador não diferisse minimamente dos demais meios de produção empregados no processo produtivo, desapareceria o caráter mercantil da força de trabalho, desfigurando-se todo o modo capitalista de produção. O que sucede, ao revés, é o seguinte: “o sujeito de direito possui-se a si próprio enquanto objecto de direito: ele realiza assim a mais desenvolvida Forma do sujeito: a propriedade de si próprio”, e com ela, “realiza a sua liberdade no próprio poder que lhe é reconhecido de se vender” (EDELMAN, 1976, p. 149).
Mas essa afirmação da pessoalidade e da dignidade do empregado como contratante é apenas jurídica, e ela contrasta necessariamente com a realidade econômica que lhe subjaz. Na esfera da produção, o obreiro é um portador descartável da capacidade de fabricar valor, e ele será tanto mais adequado ao capital quanto mais versátil for, quer dizer, quanto mais ele puder passar de um setor da economia a outro. As qualidades pessoais dele, as habilidades e talentos profissionais, contam somente naquilo que podem engrandecer o capital, pois o indivíduo empregado em si é apenas o guardião da fonte do valor. Ele não é nem mais nem menos fungível do que o trabalho que exerce na constituição do valor e da mais-valia ao longo das jornadas laborais:
A concorrência, segundo um economista americano, determina quantas jornadas de trabalho simples estão contidas numa jornada de trabalho complexo. Esta redução de jornadas de trabalho simples não supõe que o trabalho simples é tomado como medida do valor? Por outro lado, tomar apenas a quantidade de trabalho como medida de valor, sem levar em conta a qualidade, supõe que o trabalho simples se tornou o fulcro da indústria. Supõe que os trabalhos são equalizados pela subordinação do homem à máquina ou pela divisão extrema do trabalho; supõe que os homens se apagam diante do trabalho; supõe que o movimento do pêndulo tornou-se a exata medida da atividade relativa de dois operários, da mesma maneira que o é da velocidade de duas locomotivas. Então, não há por que dizer que uma hora de um homem equivale a uma hora de outro homem; deve-se dizer que um homem de uma hora vale tanto como outro homem de uma hora. O tempo é tudo, o homem não é nada - quando muito, é a carcaça do tempo. Não se discute a qualidade. A quantidade decide tudo: hora por hora, jornada por jornada (MARX, 1985, p. 57-58).
Enquanto o direito anuncia pomposamente que o empregado é uma pessoa igualmente digna ao empregador, a produção capitalista reduz o assalariado a uma carcaça do tempo, ao papel de invólucro orgânico da capacidade de fornecer valor. E o valor, na qualidade de abstração social, é resultado do aspecto abstrato do trabalho, da desconsideração dos diferentes tipos de trabalho concreto nos diferentes ramos da produção. Ora, se o capital é o movimento do valor e a acumulação da mais-valia por excelência, pouco importam as circunstâncias particulares nas quais se produz o excedente. A mais-valia coletada na indústria automobilística é idêntica em substância àquela coletada na indústria química, na mineração, na agricultura etc. Em última instância, o que o capital faz é a mesma atividade nas distintas ramificações da produção: embolsar e acumular o excedente gerado em valor pela classe trabalhadora.
Sendo assim, não admira que o capital valorize a qualidade da fluidez para si, buscando desenvolver uma correlata versatilidade no uso da força de trabalho:
Quanto mais desenvolvida a produção capitalista em um país, maior é a procura de versatilidade na força de trabalho, tanto mais indiferente é o operário com relação ao conteúdo particular de seu trabalho, e tanto mais fluido o movimento do capital, que passa de uma esfera produtiva a outra. A economia clássica pressupõe, como axiomas, a versatilidade na força de trabalho e a fluidez no capital, e tem razão na medida em que é essa a tendência do modo capitalista de produção, a qual se impõe inexoravelmente, em que pesem todos os obstáculos que, em grande parte, o próprio modo de produção cria (MARX, 1978, p. 44-45).
Logo, a aspiração do capitalismo no tocante ao trabalho é formar uma mão de obra capaz de transitar entre o maior número possível de esferas da produção. Contudo, essa situação ideal para os empregadores depende da liberdade de circulação da força de trabalho no mercado. É exatamente essa a liberdade em plenitude buscada pelos empregadores na época neoliberal, sendo que as frágeis noções de pessoalidade e subordinação direta da construção sumular devem ceder lugar, nessa dinâmica, à mais escancarada manipulação capitalista das capacidades laborais dos trabalhadores.
A terceirização irrestrita e a liberdade capitalista do trabalho
O empresariado nacional, atuando em consórcio com multinacionais estrangeiras ansiosas por uma depreciação ainda maior do custo do trabalho no Brasil, vem discutindo uma reforma trabalhista desde antes do governo Temer. Com efeito, se o conjunto das medidas almejadas é decididamente liberalizante, não há dúvidas de que a possibilidade de derrubada dos entraves legais à terceirização irrestrita é um dos objetivos fundamentais do projeto em andamento.
No capitalismo, a força de trabalho é uma mercadoria que circula mais ou menos livremente no mercado. Essa circunstância separa a ordem social capitalista do feudalismo e do escravismo, por exemplo, em que os produtores diretos careciam de qualquer tipo de mobilidade espontânea: os servos estavam adstritos à gleba e os escravos, a seu turno, eram instrumentos humanos, compondo o conjunto dos meios de produção. Nessa ordem de considerações, a sociedade burguesa diferencia-se das demais, no tocante ao trato da mão de obra, pela chamada mobilidade do trabalho, e que consiste num regime de liberdade mercantil-capitalista da força de trabalho (GAUDEMAR, 1977, p. 190).
A liberdade propiciada pelo capitalismo é dúplice: ela se apresenta como livre disposição do indivíduo sobre si, de um lado, e como desvinculação em face de toda e qualquer forma pré-capitalista de subsistência. Dizendo de outro modo, essa liberdade está associada à propriedade sobre si próprio e ao despojamento completo dos meios de produção (condições ausentes nos casos da servidão e da escravidão). “Para transformar dinheiro em capital”, dizia Marx (1996a, p. 287), o possuidor de dinheiro “precisa encontrar, portanto, o trabalhador livre no mercado de mercadorias, livre no duplo sentido de que ele dispõe, como pessoa livre, de sua força de trabalho como sua mercadoria”, e também “de que ele, por outro lado, não tem outras mercadorias para vender, solto e solteiro, livre de todas as coisas necessárias à realização de sua força de trabalho”.
Eis a receita do “trabalho livre” capitalista. Sem a presença de obreiros despossuídos, detentores apenas de sua força de trabalho, não se constitui a produção capitalista. Uma formação social não pode se declarar rigorosamente capitalista se não tem nas suas bases o trabalho assalariado desenvolvido - e que é definido pela dupla liberdade apontada por Marx. Quanto a isso, vale mencionar, inclusive, que estavam aquém do capitalismo as formas assalariadas arcaicas, como a peonagem e o colonato na América Latina, cujo resultado foi a conformação de um semiproletariado. O trabalho assalariado completo, como autêntico representante da sociedade burguesa, encontrase depurado de todos os elementos pré-capitalistas, entregando-se a uma dependência absoluta em face do mercado.
E o que a terceirização tem que ver com essa liberdade? Simplesmente tudo: a terceirização consiste no aperfeiçoamento ou aprofundamento da liberdade mercantil da força de trabalho, é dizer, na exacerbação da lógica tipicamente capitalista de manejo da mão de obra. Há que se compreender a subcontratação de trabalhadores como uma intensificação da mobilidade da força de trabalho, no sentido de que se autoriza ao capital não apenas comprá-la, como também revendê-la e se especializar nessa revenda.
Essa constatação impõe desde logo que se afastem as usuais comparações feitas entre a terceirização e a escravidão. O aguerrido espírito de denúncia e de luta contra as práticas precarizantes não deve nos cegar para o fato de que todas as formas de subcontratação do trabalho assalariado derivam não de modelos anteriores ao capitalismo, mas sim da dinâmica mais íntima e inerente ao capital. Não há que se opor à terceirização uma defesa ingênua do contrato celetista de trabalho, e sim uma insurgência contra a exploração capitalista materializada no assalariamento. Fazer o contrário significa contestar a exploração do capital apenas até a metade do caminho, santificando-se a coleta de mais-valia na modalidade contratual tradicional.
É necessário insistir na natureza capitalista da terceirização. Perceba-se que ela completa o desabrochar da relação mercantil que une o capital ao trabalho. De início, a força de trabalho foi afastada da terra e dos demais recursos de subsistência, restando ao obreiro a necessidade material do assalariamento. Liberado das reminiscências feudais na Europa, a exemplo das regras das corporações de ofício, esse assalariamento tornou-se propriamente capitalista. Com a subsunção real do trabalho ao capital, não resta ao trabalhador sequer o conhecimento artesanal da manufatura, a vida dele depende exclusivamente da comercialização de sua capacidade laboral. Ele está materialmente obrigado a ingressar no mercado de trabalho e a exercer a dadivosa liberdade mercantil como assalariado. Como identifica Márcio Naves (2014, p. 48), “a pessoa não tem a escolha de não ser livre, o capital obriga o trabalhador a ser livre”.
Mas depois de construir essa liberdade jurídica do trabalhador, o capitalismo tende a ampliar a liberdade jurídica do próprio capital. Afinal, se é dado ao trabalhador alienar sua força de trabalho a qualquer empregador, espera-se que o empregador tenha ao menos a opção de dispor livremente da mercadoria que lhe foi confiada em mãos. Não lhe é dado traficar a pessoa do obreiro, por certo; contudo, a circulação mercantil desimpedida acolhe amplamente o repasse da força de trabalho contratada na forma de subcontratação, é dizer, de prestação de serviços a outrem.
Diz-se no direito civil que não é dado a um indivíduo transferir mais direitos do que possui. A forma jurídica, em geral, é regida pela norma da equivalência, a qual está espelhada na equivalência das trocas e do trabalho abstrato consubstanciado em valor.
Nos contratos, as partes cedem certos direitos umas às outras, comprometendo-se reciprocamente a certas prestações. De acordo com a lógica da forma jurídica, portanto, não é aberrante que uma empresa ceda o uso da força de trabalho que lhe foi cedida consensualmente a uma terceira parte, sobretudo diante do aceite do obreiro. No domínio do direito, o consentimento formal valida tudo, com poucas e ineficazes exceções. O grande trunfo do capital é lastrear sua dominação num ato nivelador de vontade, ainda que numa conformação “triangular”. Prevalece, inevitavelmente, aquilo que Pachukanis (2017, p. 142-143) salientou:
Depois de ter sido feito escravo das relações econômicas que se constituem por detrás de suas costas na forma da lei do valor, o sujeito econômico recebe, como que à guisa de compensação, já na qualidade de sujeito jurídico, um presente raro: uma vontade juridicamente presumida, que o torna absolutamente livre e igual em meio aos demais possuidores de mercadorias como ele.
Seja numa clássica relação bilateral ou nas variações precarizantes, o consentimento jurídico chancela o mecanismo de exploração. Num caso ou no outro, é o trabalhador que voluntariamente oferece sua capacidade de trabalho ao capital, mesmo que ele não tenha outra escolha disponível. O consenso contratual dissimula a extorsão econômica real, e de uma forma tão ideologicamente sofisticada que incontáveis trabalhadores incorporam com fervor o discurso e mesmo a disciplina do capital. Não chega a surpreender, então, que uma camada considerável dos assalariados reivindique a terceirização nos exatos termos propostos pela propaganda empresarial. A virtualidade da terceirização é dada, pois, pela própria compleição mercantil da sociedade capitalista e pela circulação em larga escala da mercadoria força de trabalho. Não deve causar espanto que o capitalismo lance mão dessa iniciativa de forma tão vasta atualmente. A questão que se coloca é saber por que essa possibilidade está sendo explorada agora e não nos primórdios da época social burguesa.
A terceirização na perspectiva do trabalho produtivo
Não é novidade que o declínio do modelo fordista de acumulação foi acompanhado da ascensão de um regime de acumulação flexível. Tal regime foi caracterizado de modo competente por David Harvey (2008, p. 140) nos termos seguintes:
A acumulação flexível, como vou chamá-la, é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apoia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual, tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado “setor dos serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas (...).
Nesse regime de acumulação flexível, o capital amplia a sua liberdade no tratamento dado à força de trabalho. Ao capitalista é dada a prerrogativa de ajustar seus ativos disponíveis às mudanças do mercado, o que vale também para a mão de obra que ele contrata. Os trabalhadores devem ser admitidos e dispensados conforme as necessidades variantes de um mercado mais dinâmico, o que é o mesmo que dizer que a sua força de trabalho deve circular com mais fluidez. Daí a multiplicação das formas laborais precarizadas: jornadas parciais, contratos de curta ou curtíssima duração e, claro, formas ampliadas de subcontratação.
Todas essas transformações que culminaram no modelo de acumulação flexível decorrem de um formidável excedente de capital que não conseguiu se realizar produtivamente depois da década de 1970. O enorme acúmulo de capitais do pósguerra deu ensejo a uma crise de sobreacumulação, na qual parte considerável dos capitais não encontrava um emprego lucrativo o suficiente. De fato, uma aplicação mais lucrativa exigia alterações contundentes no universo laboral, uma importante reestruturação da organização do trabalho para se potencializar a captação da maisvalia.
Servindo-se da força de trabalho com mais flexibilidade e liberdade, o capital forjou contratos de trabalho mais flexíveis, condizentes com o regime de acumulação adotado. Mas uma explicação completa desse fenômeno, em nosso entendimento, não prescinde de um diálogo com a noção de trabalho produtivo, que não é senão aquele que especificamente cria a mais-valia.
De maneira categórica, Marx (1978, p. 70) clarifica que “como o fim imediato e [o] produto por excelência da produção capitalista é a mais-valia”, tem-se que “só é produtivo aquele trabalho - e só é trabalhador produtivo aquele que emprega a força de trabalho - que diretamente produza mais-valia”, ou seja, só o trabalho “consumido diretamente no processo de produção com vistas à valorização do capital”.
Com a reestruturação produtiva dos anos 1970, o capital apropriou-se de novas esferas econômicas, infundido nelas os seus métodos e objetivos. Verificou-se essa transformação, particularmente, no domínio dos chamados serviços, atividades nas quais o trabalho se confunde com o seu resultado, sem gerar uma mercadoria física distinta dele. Num primeiro instante da produção capitalista, os serviços estavam reduzidos a uma existência residual na economia e, com frequência, eram exercidos por pequenos proprietários. Atualmente, o grande capital se apossou de diversos ramos de serviços, desenvolvendo uma autêntica “indústria” - todo um nicho apto à geração de mais-valia.
Não há um domínio econômico que seja naturalmente apto ou não ao movimento de valorização do capital. O valor, aliás, não é uma grandeza física, não guarda nenhuma ligação imanente com a matéria tangível. Extrai-se d’O capital que, “em direta oposição à palpável e rude objetividade dos corpos das mercadorias, não se encerra nenhum átomo de matéria natural na objetividade de seu valor”, e que a objetividade do valor é “puramente social” (MARX, 1996a, p. 199). Tudo depende, portanto, da sujeição ou não da atividade ao ciclo D - M - D’ de acumulação.
Com os serviços capitalistas se expandido na economia, os capitais antes estagnados na produção em sentido estrito encontraram novas oportunidades de aplicação rentável. A desconcentração de certas atividades empresariais em serviços que orbitam ao redor da indústria tradicional fez com que os trabalhos antes despendidos para arcar com custos necessários da circulação (publicidade, distribuição, atendimento ao público etc.) acabassem deslocados para empresas especializadas que, nessas condições, subordinam esses trabalhos a uma dinâmica de extração de maisvalia.
Um trabalho que lida com custos indispensáveis à circulação é apenas mais um custo. Já um trabalho que fornece uma mercadoria, ainda que na forma de prestação de serviços, e que remunera o capital que o empregou com mais-valia, é caracterizado como produtivo:
A produção capitalista não é apenas produção de mercadoria, é essencialmente produção de mais-valia. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta, portanto, que produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital. Se for permitido escolher um exemplo fora da esfera da produção material, então um mestre-escola é um trabalhador produtivo se ele não apenas trabalha as cabeças das crianças, mas extenua a si mesmo para enriquecer o empresário. O fato de que este último tenha investido seu capital numa fábrica de ensinar, em vez de numa fábrica de salsichas, não altera nada na relação. O conceito de trabalho produtivo, portanto, não encerra de modo algum apenas uma relação entre a atividade e efeito útil, entre trabalhador e produto do trabalho, mas também uma relação de produção especificamente social, formada historicamente, a qual marca o trabalhador como meio direto de valorização do capital (MARX, 1996b, p. 138).
Em função da terceirização de várias atividades, o capital tornou produtivo um grande contingente de assalariados que, antes, eram contabilizados apenas como despesas inevitáveis. Seu trabalho converteu-se em fonte de valor e de valor excedente, constituindo segmentos autônomos de exploração capitalista. Esse é um dos fatores decisivos que explicam a terceirização: com o surgimento de novos nichos de coleta de mais-valia, o capitalismo ensaiou uma alavancagem da taxa de lucros declinante, embora não na quantidade necessária para escoar por completo os capitais sobreacumulados.
Uma alavancagem mais aguda dos lucros capitalistas demandaria um incremento na taxa de exploração do trabalho, o que implica depreciar ainda mais a mão de obra. A terceirização irrestrita das atividades econômicas atende a esta finalidade. Se diminuem os custos de aquisição e descarte da mão de obra no mercado em virtude da livre circulação da força de trabalho, então aumentam, reversamente, os ganhos do capital.
Em acréscimo, a terceirização ilimitada geraria todo um ramo empresarial de aluguel da força de trabalho, dividindo entre os capitais (operantes e fornecedores) os dispêndios relativos ao labor e dificultando a responsabilização dos empregadores nas lides trabalhistas. O serviço capitalista de provisão de cérebros, nervos e músculos para a indústria ocuparia uma posição estratégica no desenvolvimento econômico: gerir a distribuição dos trabalhadores no mercado seria algo semelhante a gerir o crédito, e por isso esse novo setor comporia também o “sistema nervoso central” do capitalismo. Paralelamente, a erosão da organização sindical obreira seria acelerada, o que não é nada surpreendente. Recordemos da antiga Lei Le Chapelier. Ela tinha como alvo, originalmente, as corporações de ofício que obstaculizavam a liberdade plena do assalariado na circulação mercantil, o que não impediu que ela fosse utilizada contra os primeiros sindicatos. Não que isso implique que as terceirizações necessariamente aniquilarão as organizações sindicais. Seja como for, elas seriam, no mínimo, adaptadas para um funcionamento mais ligado às empresas e menos às categorias. Quanto mais a negociação entre empregados e empregadores desenrola-se no nível das empresas, mais “livre” é a relação entre capital e trabalho - mais ela se desembaraça de empecilhos extracontratuais. De certa maneira, já está em curso um movimento nessa direção por parte do sindicalismo nacional dominante.
Essa generalização das terceirizações teria, ainda, um efeito de reforço ideológico dos fetiches da sociedade burguesa. Como é cediço, o capitalismo orienta-se pelo dinamismo da valorização do valor, objetivando a maximização do excedente. Nas aparências, no entanto, o que o capital visa é a utilidade das coisas e dos serviços, inclusive do trabalho, como se a força de trabalho fosse um objeto qualquer, e não a fonte criadora do valor. Nas terceirizações, o liame entre a empresa tomadora e a empresa fornecedora de serviços oculta ainda mais a exploração capitalista sobre o trabalho. A relação entre classes sociais figura como relação entre empresas, como se o trabalho assalariado fosse mero detalhe (mais do que já sugere a enganosa aparência da produção capitalista ordinária) na formação da riqueza social. Inaugurar-se-ia, talvez, uma nova fase do fetichismo inerente à ordem social burguesa. Urge agir para que isso não ocorra.
Conclusão
A terceirização, enquanto ação de revenda da mercadoria força de trabalho a custo reduzido e enquanto abertura de nichos de exploração de trabalho produtivo, é de ponta a ponta um empreendimento capitalista, representando um momento avançado da exploração da capacidade laboral sob a forma mercantil.
Inicialmente, a liberdade do trabalho (ou melhor, da força de trabalho), foi tomada como bandeira da burguesia no intento de dissolução dos resquícios précapitalistas que impediam a integração completa dos assalariados no mercado. Com o advento da acumulação flexível, essa liberdade mercantil foi utilizada para ampliar a capacidade de circulação da força de trabalho, tornando-a um item altamente manuseável pelo capital, e em tendência crescente, como demonstra o movimento de terceirização. E esse mesmo movimento logrou alargar a esfera de valorização capitalista, tornando produtivos certos serviços que antes eram improdutivos.
Como qualquer liberdade jurídica, a liberdade do trabalho está a serviço da reprodução ampliada do capital. E mais: a liberdade do capital é também a liberdade do trabalho, sendo que é essa exatamente essa livre circulação mercantil que oprime severamente a classe trabalhadora. Conforme sintetizou Márcio Naves (2014, p. 50), “podemos dizer que a liberdade do homem é o seu livre consentimento”, de maneira que “o momento mais elevado de realização da liberdade é o momento em que o homem manifesta a sua vontade de dispor de si mesmo por tempo determinado através de uma troca de equivalentes”.
Desse modo, verifica-se uma situação particular na qual o incremento da liberdade do trabalho - no caso, o uso indiscriminado da terceirização - significa o recrudescimento da opressão do capital sobre os assalariados, reduzidos cada vez mais a meros joguetes das potestades econômicas empresariais. Daí porque a liberdade do trabalhador como sujeito de direito não o liberta do poder econômico do capital: ao contrário, ela habilita a máxima circulação da única mercadoria que ele possui, colocando-o à inteira disposição da classe que vive da extração da mais-valia. A livre circulação da força de trabalho tem como implicação necessária, no capitalismo, a livre prática da exploração no mercado de trabalho.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
20 Mar 2020 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2020
Histórico
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Recebido
15 Out 2018 -
Aceito
25 Abr 2019