Open-access A sociedade civil contra a população: Uma teoria crítica do constitucionalismo de 1988

The Civil Society against the Population: A critical theory of 1988 Brazilian Constitutionalism

Resumo

O texto apresenta três teorias constitucionais que orientaram o pensamento e a prática constitucional no contexto da Carta de 1988: a teoria da efetividade constitucional, a teoria da constituição dirigente e a teoria crítica da constituição. A partir de uma interpretação do teórico político indiano Partha Chatterjee, o artigo apresenta uma proposta desconstrutiva da distinção entre Estado e Sociedade civil que orienta, em diferentes medidas, essas três teorias constitucionais, chamando a atenção para outra distinção: Sociedade Civil/População.

Palavras-chave:  Constitucionalismo brasileiro; Constituição de 1988; Pós-Colonialismo; Teoria Crítica

Abstract

The article presents what it conceives as the three main constitutional theories on the Brazilian Constitution of 1988. Drawing on Partha Chatterjee, it thus presents a deconstructive approach to an important underlying distinction behind all those theories: the distinction between Civil Society and State. It claims that, in order to understand the political system in postcolonial contexts, a different distinction is needed: namely the distinction between Civil Society and Population.

Keywords:  Brazilian Constitutionalism; Postcolonialism; Critical Theory

1. Introdução

Neste artigo, aponto, de forma esquemática, três jovens tradições interpretativas acerca da Constituição de 1988 e realizo uma reflexão crítica sobre as teorias hegemônicas no debate constitucional brasileiro. A primeira dessas tradições, dominante na academia jurídica, é a Teoria Constitucional da Efetividade (TCE); a segunda é a Teoria da Constituição Dirigente (TCD); e uma terceira, de inspiração sociológica e com formulação um pouco mais plural, chamo de Teoria Crítica da Constituição (TCC), a partir da qual proponho um debate construtivo.

Depois de apresentá-las, eu apresento um olhar desconstrutivo para a forma como as teorias constitucionais brasileiras dão prosseguimento à tradição política europeia sobre o direito e o Estado. Com isso, penso que é possível observar um ponto cego em nossa tradição constitucional: uma relativa incapacidade das distinções teóricas utilizadas em relação ao caráter estruturalmente assimétrico da ordem constitucional em um contexto pós-colonial como o brasileiro. Nesse sentido, uso a ideia de desconstrução como Luhmann, ou seja, como uma forma de observação de segunda ordem: uma observação das distinções usadas por um observador (uma teoria, por exemplo), para observar a realidade (LUHMANN, 1993). No nosso caso, observo a observação da realidade constitucional pelas teorias constitucionais de 1988.

Para tanto, proponho que observemos o sistema político a partir de uma distinção diferente da distinção entre Estado e Sociedade Civil, que é estruturante para o pensamento político moderno e central nas teorias constitucionais hegemônicas no Brasil. Acompanhando a reflexão do teórico político indiano Partha Chatterjee (1993, 1997, 2004, 2011), proponho que compreendamos o complexo constitucional (Estado+Sociedade Civil) como um mesmo corpo político ao qual deve ser acrescentada uma outra distinção: Estado+Sociedade Civil/População. As implicações teóricas dessa proposta não são desprezíveis. De acordo com Chatterjee, em contextos pós-coloniais, o corpo político constitucional (Estado+Sociedade Civil) funciona como uma estrutura oposta à figura política da população, a qual funciona apenas como objeto passivo de processos de modernização: como um corpo político que serve de matéria prima para o “desenvolvimento” e se organiza como uma “sociedade política”.

O exercício desconstrutivo que proponho não consiste em uma tentativa de superar as três interpretações dominantes tampouco se trata de um trabalho de história constitucional, mas de um exercício de teoria constitucional e teoria política. A partir de uma teoria constitucional informada criticamente, iremos dialogar com a tradição da teoria constitucional brasileira, tal como elaborada por juristas. Nesse sentido, esse texto se coloca na tradição das teorias críticas da constituição (TCC).

2. Três teorias da Constituição Federal de 1988

Teorias constitucionais não são apenas o resultado de exercício acadêmico sem importância prática. Em um primeiro nível, a teoria constitucional é uma forma de autodescrição profissional das formas de organização do sistema jurídico e do sistema político (HOLMES, 2011). Nesse sentido, ela é um artefato do sistema científico construído por teóricos do direito e por cientistas políticos em sua compreensão de como funciona objetivamente a relação entre poder, direito, dinheiro e conhecimento em uma determinada sociedade (HOLMES, 2011).

Contudo, ao realizar esse tipo de descrição, teorias constitucionais têm implicações que vão além da comunidade científica e de seu papel de artefato do sistema científico. Ao descrever o estado de coisas das formas de comunicação entre poder, direito, dinheiro e conhecimento em um determinado sistema político, as teorias constitucionais constituem uma epistemologia política que tem consequências práticas relevantes para os atores sociais que operam e tomam decisões no interior do próprio sistema. Em outras palavras, as teorias constitucionais servem não só para que a ciência compreenda o funcionamento da relação entre política e direito, mas, ao fazê-lo, elas orientam também a compreensão que têm os atores sociais de seus respectivos campos de ação. A descrição teórica opera não apenas na cognição de cientistas sociais, mas também na de atores políticos e jurídicos quando eles vão agir em relação às instituições. Como epistemologia política, as teorias constitucionais auxiliam os atores em diversos níveis a compreender as condições e consequências de suas próprias ações.1 Por exemplo, possibilitando com que eles antecipem como outros atores tendem a se comportar em determinadas situações e diante de suas próprias decisões.

Não é difícil perceber que os governos brasileiros desde 1988 usaram todo o tempo alguma teoria constitucional para tomar decisões políticas, ao atuar frente ao parlamento ou ao Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, não seria contraintuitivo pensar que a teoria do “presidencialismo de coalizão” orienta a atuação da Presidência da República ao longo das últimas décadas, fazendo com que presidentes não só intuitivamente formem seus gabinetes para satisfazer a base de apoio, mas tentem antecipar, com base na própria teoria, qual formação de gabinetes é necessária para a governabilidade. O mesmo ocorre em relação aos quadros das teorias neoconstitucionalistas sobre o papel das Cortes supremas e constitucionais. A alteração da compreensão do papel que devem ter as cortes passou a orientar o conjunto de expectativas dos atores no sistema jurídico e no sistema político, estimulando em parte o recurso às cortes como forma de resolução de conflitos políticos e a forma de deliberação dessas cortes. Pode-se argumentar, com razão, que a teoria apenas descreve alterações reais que tiveram lugar nas estruturas sociais e aumentaram a complexidade das demandas levadas às cortes (NOBRE; RODRIGUEZ, 2011). Ainda assim, descrições distintas do problema no nível das teorias constitucionais têm efeitos sobre a atuação desses atores (STÄHELI, 1998; HOLMES, 2011). Como aponta, entre outros, Stäheli, as semânticas descritivas de sistemas sociais têm impacto na forma como eles operam (STÄHELI, 1998; STICHWEH, 2000; HOLMES, 2018), algo que ele verificou empiricamente no caso do sistema econômico(STÄHELI, 2007).2

Para compreender o modo de funcionamento de um determinado sistema político é fundamental saber como esse sistema político é descrito e compreendido por suas principais teorias constitucionais. Em outras palavras, é crucial entender como uma constituição é observada, por quem ela é observada, desde que pontos de vista, a partir de qual gramática institucional. Em suma: quais são as distinções que a observadora utiliza para observar o que ela observa?

O que faço nesse artigo é observar as principais teorias da ordem constitucional brasileira de 1988. E, para isso, meu objeto de análise são apenas teorias constitucionais formuladas basicamente por constitucionalistas e juristas. Pois são essas as teorias que orientam simbolicamente os atores do sistema de justiça, com grande impacto nos processos legislativos e constitucionais em vários níveis de nosso sistema. Poderia ter ampliado meu escopo de observação para outras disciplinas, como a teoria política ou mesmo a ciência econômica. Certamente haveria algumas diferenças importantes, em termos de vocabulário e forma de exposição, mas acredito que, em seu cerne, as teorias constitucionais no interior dessas disciplinas trabalham com um conjunto de distinções parecidas.

2.1. A teoria constitucional da efetividade (TCE)

A teoria constitucional da efetividade (TCE) é sem dúvida a leitura hegemônica sobre a constituição de 1988 no universo simbólico do direito brasileiro. E a força de sua gramática pode ser identificada no campo jurídico, na semântica dos meios de comunicação de massas e em outras disciplinas, como a ciência política. Segundo a TCE, a constituição de 1988 teria um caráter de ruptura histórica e institucional quase total com o passado político brasileiro. Nas palavras de um dos representantes mais importantes dessa tradição, “a constituição de 1988 foi o marco zero de um recomeço, da perspectiva de uma nova história” (BARROSO, 2008a, p. 329). Ela seria “o símbolo maior de uma história de sucesso: a transição de um Estado autoritário, intolerante e muitas vezes violento para um Estado democrático de direito” (BARROSO, 2008b). A constituinte de 1988 teria estabelecido, um amplo catálogo de direitos fundamentais e, agora, a ordem democrática precisaria apenas se afirmar de forma definitiva. Ela precisaria ser “efetivada”.

Claro, para a TCE, a CF de 1988 não resolveu os problemas brasileiros como num passe de mágica. O Brasil ainda apresentaria um crônico “déficit de modernização”, uma sociedade atrasada, pouco educada e clientelista; uma política corrupta, dominada por partidos oligárquicos e pouco ideológicos. O Estado também seria ineficiente e patrimonialista, controlado por corporações familistas e pré-modernas (BARROSO, 2008a, p. 327). As instituições públicas seriam em grande medida dominadas pelos donos do poder, herdeiros do patrimonialismo ibérico (LYNCH & MENDONÇA, 2017), e portanto um entrave à efetivação da Constituição. Ao mesmo tempo, a sociedade civil, que deveria ser o fundamento da ordem constitucional liberal, seria frágil e desestruturada.

Essa ambiguidade entre modernidade e atraso, típicas do Brasil do século XX, teriam na constituição de 1988 um ponto de possível ruptura. A CF88 seria a expressão de uma sociedade civil nascente, que se expressou na Constituinte, e estabeleceu as fundações do que seriam as condições de superação do atraso: um marco modernizante na direção da afirmação do direito e da estabilização democrática. E a diferença estrutural entre a sociedade atrasada e a constituição liberal moderna deveria ser preenchida por uma incansável “promoção de efetividade”.

O impacto da TCE no universo profissional do direito e no imaginário de seus operadores foi gigantesco. No rastro do discurso da efetivação, o mundo social do direito passou a se autocompreender em grande medida como agente da luta por efetividade constitucional. A partir do começo dos anos 1990, difunde-se um discurso novo, que já estava presente no processo político que levou à constituinte, acerca do papel de efetivação constitucional que caberia a alguns atores institucionais e sociais em particular, sobretudo o Ministério Público e o próprio judiciário, identificados como atores privilegiados da modernização nacional (KERCHE, 2010).

Como apontado por Arantes (2002), esse foi um diagnóstico que marcou a compreensão política dos principais atores do Ministério Público nas décadas de 1980 e 1990. Diante da suposta hipossuficiência da sociedade civil brasileira, seria necessário um Ministério Público atuante, extremamente autônomo e capaz de apoiar e substituir uma cidadania muitas vezes hipossuficiente na efetivação dos seus direitos constitucionais (ARANTES, 2007; CARVALHO; LEITÃO, 2010). A consequência foi uma crescente intervenção desses atores institucionais nos conflitos políticos e sociais do país, fosse como autores de ações judiciais, mediadores de conflitos e, posteriormente, poderosos protagonistas da arena política nacional (KERCHE, 2014).

A visão de um papel moderador a ser exercido pelo sistema de justiça se confundia com a ideia de que, em um Estado de Direito, os meios judiciais eram uma forma privilegiada de transformação das estruturas sociais para dar efetividade à constituição. Nesse sentido, a explosão da judicialização de conflitos era vista pela nova doutrina neoconstitucionalista como um elemento altamente positivo trazido pela nova ordem constitucional. E os números eram realmente impressionantes (WERNECK VIANA, 1999).

A TCE foi bastante influente também em vários desenvolvimentos importantes da nossa dogmática constitucional, com profundo impacto na atuação do STF. Articulada ao redor do movimento “neoconstitucionalista”, a TCE se materializou em doutrinas interpretativas, com o uso prolífico de teorias da ponderação de princípios para promover a efetivação de direitos pela corte (LYNCH; MENDONÇA, 2017). Diferentes ministros do STF e importantes doutrinadores passaram a fazer uso dos lugares comuns da TCE, para articular argumentos sobre interpretação e concretização constitucionais. Com efeito, a teoria da ponderação, numa versão que hoje é vista por muitos como altamente heterodoxa e mal formulada (NEVES, 2012, pp. 194–195), fez escola e se tornou uma teoria obrigatória nas pós-graduações em direito que então se expandiam rapidamente.

Passou-se a usar ponderação de princípios para afastar a aplicação de regras constitucionais completas (NEVES, 2012, p. 196) e, nos casos mais esdrúxulos, para interpretar regras de direito penal. A delegação de decisões às vezes consciente, às vezes não intencional do parlamento e do Executivo, reforçou a dinâmica expansiva das responsabilidades políticas do judiciário (CARVALHO, 2004), não apenas no controle de políticas públicas, mas muitas vezes no seu agendamento e formulação (TAYLOR, 2007). Se a “judialização da megapolítica” é comum a diferentes democracias constitucionais (VALLINDER, 1994; HIRSCHL, 2008), é importante notar que no Brasil ela assumiu um caráter específico, associada à TCE e ao neoconstitucionalismo.

Desde a Operação Lava Jato, em 2014, as elites judiciais assumiram de forma ainda mais explícita a retórica de que agem como atores modernizantes, capazes de alterar a realidade social brasileira por meio de uma perseguição destemida, muitas vezes no limite da lei, das patologias da sociedade, em nome da efetividade da Constituição (BELLO et al., 2019). A culminação doutrinária dessa autocompreensão da TCE se materializou na ideia de iluminismo judicial, reservado ao STF. O Ministro Roberto Barroso é seu símbolo, afirmando que “supremas cortes desempenham, ocasionalmente, o papel de vanguarda iluminista, encarregada de empurrar a história quando ela emperra” (BARROSO, 2015, p. 43).

2.2. A teoria da constituição dirigente (TCD)

A teoria da constituição dirigente (TCD) define a Constituição de 1988 como uma “constituição que define fins e objetivos para o Estado e a sociedade” (BERCOVICI, 1999, p. 35). Formulada originalmente por José Gomes Canotilho para o contexto português logo após a Revolução dos Cravos, o conceito de constituição dirigente estava associado ao programa revolucionário. A ideia de um constitucionalismo dirigente implicava um conteúdo material para a “força normativa da constituição”, de modo que a carta jurídica funcionasse como um verdadeiro programa político a conduzir o legislador ordinário. Canotilho (2001, p. 480) propunha assim uma substancialização do processo constitucional capaz de dar efeito às normas programáticas. Para ele,

O tratamento jurídico-material das imposições constitucionais não se compadece com uma visualização do problema em sede exclusiva ou predominantemente processualística, antes exige uma compreensão material do dever normativo-concretizador dos órgãos legiferantes. (CANOTILHO, 2001, p. 483)

No contexto brasileiro, a TCD foi recepcionada sobretudo nos círculos influenciados por ideologias nacionalistas e desenvolvimentistas, especialmente entre autores dedicados ao estudo da Constituição econômica, mas não apenas entre eles. Constitucionalistas como Fábio Konder Comparato, Paulo Bonavides, Lênio Streck e Gilberto Bercovici foram alguns dos quais esposaram e divulgaram a TCD no contexto brasileiro. Em sua formulação, as normas programáticas, como as contidas nos artigos 3°, 6° e 7° e nas cláusulas originais do Capítulo sobre a Ordem Econômica e Financeira da Constituição de 1988 (sobretudo os artigos 170 a 181) deveriam ser interpretadas como tendo um caráter vinculante e substancializante na interpretação constitucional de normas legais e da atividade legislativa (BELLO et al., 2019, pp. 1771–1773).

Mesmo a mudança de posição de Canotilho em prefácio à 2ª edição de seu livro, em 2001, não foi capaz de dissolver o apoio à TCD no Brasil (CANOTILHO, 2001, pp. 20–21). Para Streck, por exemplo, a Constituição brasileira de 1988 não teria o mesmo significado que a Constituição portuguesa de 1976; ela não prescreveria uma transição da sociedade em direção ao socialismo, mas apenas apontaria “para a transformação do modelo de Estado (Estado Democrático de Direito, restringindo-se, no plano econômico, a estabelecer as bases (núcleo político) de um Estado Social” (2003, p. 275). Num contexto de subdesenvolvimento, pobreza e profunda desigualdade social como o brasileiro, o “preenchimento do déficit” de cumprimento das “promessas da modernidade” deveria ser perseguido por meio de uma “Teoria da Constituição Dirigente Adequada aos Países de Modernidade Tardia (TCDAPMT), como conteúdo compromissário mínimo”, a orientar o legislador e limitá-lo com auxílio da jurisdição constitucional (STRECK, 2003, p. 276). As implicações da TCD em termos de política constitucional, curiosamente, não se afastam muito daquelas da TCE. Para Streck,

o Poder Judiciário (entendido como justiça constitucional) deve ter uma nova inserção no âmbito das relações dos poderes de Estado, levando-o a transcender as funções de checks and balances, mediante uma atuação que leve em conta a perspectiva de que os valores constitucionais” – em seu conteúdo programático, ousaria dizer – “têm precedência mesmo contra textos legislativos produzidos por maiorias parlamentares” (2003, p. 281)

Em certo sentido, a TCD converge bastante com a TCE do ponto de vista de sua compreensão do significado histórico do texto, divergindo ideologicamente quanto ao seu conteúdo, graças a sua interpretação orientada pelo nacionalismo desenvolvimentista. Não por acaso, na década de 1990, seus partidários combateram o que apontavam como uma perversão do texto constitucional pela ideologia neoliberal que se tornava hegemônica e que se afirmava em reformas do texto. As reformas liberais seriam uma constituição dirigente invertida orientada pelo “consenso de Washington” (BERCOVICI, 2006; BELLO et al., 2019, p. 1773).

É preciso levar em conta que, para os partidários da TCD, a TCE teria se tornado um braço jurídico da ideologia neoliberal, a vencedora do processo político pós-constituinte (BELLO et al., 2019) e, como tal, ela seria parte de um processo de erosão constitucional. Apesar dessa feroz oposição é inegável certa cumplicidade teórica entre ambas, já que elas trazem para o centro da teoria constitucional o problema da concretização e da efetivação constitucional e avançam uma visão entusiasmada do papel do sistema de justiça na efetivação do texto da CF88. Nesse sentido, também a TCD compreendia a Carta brasileira como uma ruptura histórica com o passado de submissão da sociedade aos interesses de elites entreguistas e oligárquicas. Talvez a grande diferença entre elas estaria em que, enquanto a TCE passou a seguir as correntes políticas hegemônicas e transitou da postura desenvolvimentista dos anos 1980 para uma concepção procedimentalista e liberal a partir dos anos 1980, a TCD permaneceu fiel às suas origens ideológicas.

2.3. A teoria crítica da constituição de 1988 (TCC)

Uma outra tradição importante é a que eu nomeio teoria crítica da constituição (TCC). Sob esse bloco teórico, podemos agrupar correntes bastante diferentes, que partem de perspectivas diversas, sejam formulações informadas pela luta antirracista, pela sociologia crítica, pelo marxismo ou pela teoria social crítica (QUEIROZ, 2017; NEVES, 2018; RODRIGUEZ, 2019). Talvez seu pressuposto básico seja uma compreensão bem mais cética em relação ao papel de ruptura histórica atribuído pela TCE e pela TCD à Constituição de 1988. Ou seja, para a TCC, embora tenha estabelecido nominalmente uma nova ordem jurídica, a CF88 precisa ser vista para além de seu texto e à luz das estruturas sociais em que está inserida. Trata-se de entender, para além disso, o processo constitucional ele mesmo como parte do processo social e como estrutura engendrada pelo contexto social em que emerge.

No contexto da TCC, uma proposta destacada foi a elaborada pela teoria da Constitucionalização Simbólica de Marcelo Neves (NEVES, 2007). Essa proposta teórica é interessante porque é capaz de apontar os paradoxos estruturais da carta constitucional de 1988, sem abrir mão do projeto constitucionalista. Ao mesmo tempo, tal teoria leva em conta as assimetrias de uma sociedade mundial em que direito e política, segmentados em territórios nacionais, estão sujeitos a estruturas econômicas, científicas e organizacionais que produzem e reproduzem desigualdades e relações de exclusão. Ao mesmo tempo, ela ainda pode ser associada a dimensões interseccionais de processos de exclusão social, um esforço teórico que ainda está por ser desenvolvido, mas que é extremamente plausível de ser concebido. Por exemplo, examinando-se os processos de exclusão social decorrentes da reprodução de estruturas hierárquicas do patriarcado, da heteronormatividade ou das afinidades entre grupos humanos (HANSON, 2001; ALCÁNTARA-GRANADOS, 2014; GRIZELJ; KIRCHSTEIN, 2017).

Para a formulação da TCC, de acordo com o conceito de constitucionalização simbólica, diferentemente do que se dá para a TCE e para a TCD, a Constituição de 1988 funciona não como programa futuro de ação jurídico-institucional e efetivação normativa de uma ordem política democrática, mas em grande medida também como um mecanismo de legitimação e continuidade da mesma estrutura social excludente e assimétrica que lhe originou (Neves, 2007, p. 171). Em princípio, o direito não deve ser compreendido como estrutura privilegiada de mudança social, como para a TCE. E, diferentemente da TCD, a política constitucional tampouco pode ser compreendida como o centro condutor da sociedade e a origem de toda sua transformação. Em lugar disso, devemos observar as estruturas das organizações político-jurídicas brasileiras em seus efeitos normativos, mas igualmente como artefatos sociais inseridos em estruturas econômicas, científicas, religiosas, de caráter regional e global, que também as condicionam. E isso torna bastante contra intuitiva a premissa de que a Constituição possa ter o papel de ruptura e descontinuidade que essas teorias lhe atribuem.

Para esclarecer o conceito de “constitucionalização simbólica” é preciso dar um passo atrás. Para Neves, toda legislação, em qualquer parte da sociedade mundial moderna, pode ter, a rigor, uma dimensão simbólica (NEVES, 1996, p. 325). Primeiro (i), ao proclamar valores a ela associados, a legislação simbólica visa a “convencer pessoas e grupos da consistência das posições que saem ‘vencedoras’ e angariar apoio político” (DANTAS, 2016, p. 85). Segundo (ii), ela pode funcionar como legislação-álibi, dando “aparência de uma solução dos problemas sociais” sem realmente fazê-lo e cumprindo também uma função legitimatória do sistema político (DANTAS, 2016, p. 86). E, finalmente (iii), ela pode “adiar a solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios” (NEVES, 2007, p. 41).

A função simbólica, sobretudo a função de legislação-álibi, ganha um caráter diferente quando ela caracteriza o próprio texto constitucional (NEVES, 1996, p. 327), pois aqui ela atinge o núcleo da função do sistema político e seu papel de neutralização da interferência do dinheiro e do poder privado (particularista) sobre a produção e a aplicação do direito (NEVES, 1994). Em outras palavras, a constitucionalização simbólica descreve como o texto constitucional pode ter uma função de fachada legitimatória para estruturas sociais incompatíveis com as proclamadas.

A constitucionalização simbólica atinge o caráter normativo da constituição, retirando sua “efetividade” (NEVES, 1996). Contudo, diferente do que se dá para a TCE e para a TCD, a falta de normatividade generalizada do texto não reside em um “problema de efetividade”, mas em problemas estruturais de diferenciação do próprio direito e da política, cujas raízes estão nos bloqueios gerados por relações de exclusão social. A exclusão de parte considerável da população dos processos políticos, jurídicos, econômicos, científicos, educacionais, etc (NEVES, 1994; DANTAS, 2016, p. 85 ss) é não apenas prévia ao texto constitucional, como o produz e é reforçada pela forma como o texto é concretizado.

Para a TCC, a transformação de relações estruturais de exclusão dificilmente pode ser resultado exclusivo de voluntarismo político, menos ainda de um sistema de justiça comprometido com o texto da CF88. Os problemas relativos a lacunas entre texto, norma e realidade, típicos das técnicas interpretativas aplicadas pelas TCE e TCD, como a ponderação de princípios e a metódica estruturante3, teriam sido importadas de maneira acrítica, já que teriam sido formuladas mais como tentativas de conter a plurivocidade dos textos constitucionais do que como soluções para problemas estruturais de “inefetividade” (NEVES, 2007, pp. 83–86). Seria preciso admitir, primeiramente, que relações de exclusão social no interior do território brasileiro é resultado de estruturas sociais externas ao direito e estruturantes dele.

Isso não quer dizer que TCC precise aderir a um fatalismo dogmático sobre uma tragédia brasileira. A própria função simbólica da constituição tem um caráter socialmente ambíguo (NEVES, 2007, pp. 177–190). Ao mesmo tempo em que contribui para aumentar a probabilidade de estabilização de estruturas sociais excludentes, ela produz também pressões sobre uma ordem política includente. E isso pode abrir possibilidades de contingência capazes de alterar essas mesmas estruturas. Essa ambiguidade, porém, não nos deve dar esperanças demasiadas. A “efetivação” da constituição depende de transformações tão amplas e profundas que sua probabilidade no curto prazo é pequena. E, definitivamente, ela implica um processo de transformação social que dificilmente corresponde aos modelos hegemônicos de desenvolvimento importados por elites modernizadoras e centrais nas formulações tanto da TCE como da TCD. O papel da teoria constitucional é, em primeiro lugar, informar criticamente a sociedade sobre os limites, problemas e possibilidades de sua própria constituição. E é isso o que deve tentar fazer uma TCC.

3. A sociedade civil contra a população: um exercício desconstrutivo da epistemologia política brasileira

As teorias constitucionais hegemônicas no Brasil se autocompreendem como parte da tradição da filosofia política moderna europeia. E, dada a história da ciência social entre nós, isso é compreensível. Em grande medida, nossa reflexão social foi marcada, desde o fim do século XIX, pelo chamado problema da “formação nacional” (ARANTES, 1997; NOBRE, 2012a), o qual consistiria, basicamente, num problema de modernização (NOBRE, 2012b). E, se pensamos na forma como a TCE hegemoniza o debate constitucional pós-1988, podemos dizer que esse tipo de abordagem permanece dominante na teoria constitucional até nossos dias.

Olhando para a reflexão feminista (GONZALES, 1984), para a contribuição de intelectuais negros e negras (BENTO, 2002; FLAUZINA, 2006; QUEIROZ, 2017) e para perspectivas não europeias (SEGATO, 2014), é fácil perceber que há uma tradição crítica em nossa teoria política e social que ainda está por ser refletida na teoria constitucional. Nesse sentido, a TCC ainda pode ser bastante enriquecida e aprofundada. Um aprofundamento que pode partir da sua intuição fundamental de que os problemas da nossa ordem constitucional não se deixam explicar como um resultado da inefetividade do texto ou como resultado de uma percepção neoliberal do projeto nacional desenvolvimentista, mas como resultado de estruturas sociais radicalmente excludentes, que a Constituição não extingue, senão da qual ela mesma faz parte. Um programa para a TCC brasileira demanda, além de uma cooperação interdisciplinar, um esforço teórico interseccional que ainda está em curso.

Como contribuição à teoria crítica sobre o constitucionalismo brasileiro de 1988, penso ser fundamental incorporar uma reflexão sobre as distinções fundamentais da teoria política europeia que informam nossa teoria constitucional desde o século XIX e que constituem a TCE e a TCD, em grande medida, como herdeiras da teoria europeia da modernização. Isso não implica optar por concepções que neguem o constitucionalismo, perseguindo uma valorização ingênua de experiências comunitárias que, em realidade, são em grande medida tributárias do próprio processo de modernização (SOUSA SANTOS, 1988; GONÇALVES, 2015, pp. 287–290). Muito menos, um retorno a abordagens culturalistas (antieuropeias) que se dediquem a buscar uma singularidade nacional ou uma modernização à “brasileira”. Trata-se, antes disso, de levar a sério o fato de que a modernidade não é uma forma social homogênea, muito menos uma forma social que se realiza apenas no contexto normativo do constitucionalismo tal qual descrito pela teoria política europeia (DANTAS, 2016).

É preciso reconhecer que o modelo de Estado Constitucional das teorias constitucionais europeias deixa de levar em conta as instituições políticas realmente existentes em grande parte do planeta. Uma observação das teorias constitucionais de 1988 deve assim observar os limites das distinções de que elas partem, por terem sido formuladas a partir de uma concepção provinciana da sociedade mundial. Nesse sentido, proponho a seguir uma observação contextual da teoria constitucional moderna a partir de um conjunto de distinções propostas para o contexto de Estados pós-coloniais pelo teórico político indiano Partha Chatterjee. A escolha de Chatterjee se dá, porque sua contribuição é umas das únicas com impacto global na teoria política que leva a sério as assimetrias entre as realidades da formação do Estado nacional no centro e na periferia, relacionando a constituição política do Estado moderno a partir da distinção entre uma sociedade civil herdeira da colonização e o restante da população vista como objeto do “processo civilizatório” de colonização. A partir dessa proposta, tentarei realizar uma desconstrução das distinções utilizadas por nossa teoria constitucional. Minha intenção não é propor uma “análise pós-colonial” ou “decolonial” da teoria constitucional brasileira. Muito menos aderir à teoria política de Chatterjee. Minha proposta é mais modesta: resume-se a propor um descolamento do olhar, para que compreendamos um pouco melhor o nosso constitucionalismo de 1988 e seus pressupostos.

3.3. Estado/Sociedade Civil e Sociedade Civil/População: diferenças constitutivas da modernidade política

Assim como outros autores, Partha Chatterjee aponta que as teorias políticas modernas europeias seriam quase todas baseadas em uma homogeneização artificial do espaço e tempo políticos, como se o Estado nação moderno surgisse em uma esfera a-histórica, nas quais indivíduos chegassem a acordos sobre uma ordem política igualitária, habitada por indivíduos membros livres de uma sociedade civil (2004, pp. 5–8, 2011, pp. 1–4). Ele aponta que, embora abstrata, essa operação teórica tem implicações práticas importantes. Ela seria responsável pela emergência de uma “estrutura norma-desvio, a partir do Século XIX e até nossos dias, que provê um esquema duradouro para enfrentar questões de política pública como problemas relativos a avanço, progresso, modernização e desenvolvimento” (CHATTERJEE, 2011, p. 9). Contextos desviantes da norma e das condições descritas pela teoria seriam vistos como espaços de exceção. Esses espaços seriam exatamente aqueles em que o processo de modernização não se teria dado de acordo com a realidade europeia.

Para Chatterjee, a modernidade foi constituída em contextos estrutural, cultural e historicamente heterogêneos (1993, pp. 3–14)4, não em uma continuidade homogênea de tempo-espaço, mas em espaço e tempo concretos, num processo de colonização do “mundo fora da Europa Ocidental e da América do Norte e que constitui a maior parte do mundo moderno” (2011, p. 136). Para interpretar os processos de modernização em seus contextos diversos, Chatterjee propõe uma observação da formação dos Estados nacionais em contextos pós-coloniais em contraste com os processos revolucionários observados nas potências coloniais europeias.

Para ele, a construção do nacionalismo em Estados pós-coloniais como a Índia teria, desde o princípio, um caráter ambíguo, produzindo a valorização da cultura nacional, heterogênea e particular, ao mesmo tempo em que produzia uma elite responsável por estabelecer instituições políticas e econômicas que refletissem a experiência política europeia de acordo com o modelo homogêneo (atemporal e a-histórico) de espaço-tempo da teoria política moderna (CHATTERJEE, 1993, pp. 10–14). Essa aparente contradição teria sido resolvida no entanto em favor da estratégia modernizante de acordo com a qual a retórica nacionalista funcionava como tática de mobilização e produção de apoio político (CHATTERJEE, 1993, pp. 200–205), enquanto o Estado nacional se tornava o principal ator do processo de modernização. A elite pós-colonial se autocompreendia, ao mesmo tempo, como a representante da nação heterogênea e como responsável pela construção do Estado nacional moderno homogêneo (nos moldes europeus). De forma que sua legitimidade passava a ser independente até mesmo do processo político de representação, se confundindo com o projeto nacional de modernização (CHATTERJEE, 1993, pp. 210–219).

A reconstrução de Chatterjee do processo de formação do Estado nacional pós-colonial interessa ao meu argumento porque é a partir dela que ele propõe uma releitura do sistema de referências e distinções que articulam a base da teoria constitucional moderna. E embora o transplante de sua análise para além do caso indiano tenha diversos limites, o que proponho é apenas um uso desconstrutivo das distinções que ele propõe para compreender o sistema político aplicado à teoria constitucional brasileira.

Para Chatterjee, a teoria política moderna, a partir da Revolução Francesa, foi articulada em torno da distinção fundamental entre Estado e Sociedade Civil. Nesse sentido, liberais, comunitaristas ou republicanos concordariam que o Estado constitucional se articula em função de uma Sociedade Civil entendida como uma associação (ou conjunto de associações) de indivíduos livres da tutela estatal, dotados de direitos iguais, inclusive contra o Estado, passando a valer como cidadãos capazes de interferir nos negócios públicos por meio de instituições políticas representativas (CHATTERJEE, 1993, pp. 227–230, 2004, pp. 30–33). Sociedade Civil e Estado se distinguem, mas sua unidade é a unidade da comunidade política moderna simbolizada no Estado nacional (CHATTERJEE, 1993, pp. 234–235).

Chatterjee chama a atenção, porém, que uma outra diferença fundamental emerge no processo de construção do Estado moderno: uma diferença entre Sociedade Civil e população. A Sociedade Civil seria habitada pelos cidadãos, que carregariam uma “conotação ética de participação na soberania do Estado”; já as “populações” habitariam o domínio da “política pública” (policy), e seu conceito seria “descritivo e empírico”, sem maiores conotações normativas (CHATTERJEE, 2004, p. 34). “Populações são identificáveis, classificáveis e descritíveis de acordo com critérios empíricos e comportamentais, passíveis de serem controladas por técnicas estatísticas; elas são tornadas disponíveis para os “funcionários do Estado e para uma série de instrumentos de manipulação racional”, como “alvos de políticas públicas” ” (CHATTERJEE, 2011, p. 198). Como cidadãos, os indivíduos são vistos como sujeitos normativos do Estado. Como partes da população, eles são objetos passivos da ação administrativa e policial do Estado.

A rigor, essa distinção surge e se afirma em todo o mundo político moderno ao longo da modernidade, tal como descrito por Foucault (1984). De um lado, a sociedade civil operaria como conceito normativo que funda a legitimidade da democracia representativa. De outro, a população designaria o objeto de políticas sociais, que articula um conceito empírico para descrever a clientela do Estado administrativo. A transição histórica entre uma forma e outra teria sido descrita de forma exemplar por Marshall (MARSHALL, 1950; CHATTERJEE, 2004). Mas, enquanto nos países centrais da Europa e América do Norte, a carreira do conceito de população se confunde com a ascensão do constitucionalismo, e mais precisamente com a afirmação do Estado social, que é a última afirmação da “governamentalidade” como técnica de produção de “sujeitos” modernos, em Estados pós-coloniais o significado desses conceitos seria bastante diferente.

Para Chatterjee, “excluindo-se as colônias de povoamento de brancos europeus, o domínio de instituições da sociedade civil e da política representativa na maior parte do mundo colonial foi restrito somente a uma pequena parcela da população colonizada” (CHATTERJEE, 2011, p. 13). No contexto das periferias pós-coloniais da sociedade mundial, a política moderna emergiria, desde cedo, como um terreno dividido “entre uma sociedade civil habitada por cidadãos relacionados ao Estado” e uma sociedade política em que indivíduos contariam apenas como uma “população” submetida ao poder estatal e como clientes precários de suas estruturas (CHATTERJEE, 2011, p. 14). A relação histórica entre cidadania e população não seria aquela descrita por Marshall, como uma ampliação da cidadania para setores cada vez mais amplos da população até o ponto em que todos se tornariam clientes de um Estado administrativo conduzido por elites tecnocráticas. Em lugar disso, a população seria constituída por indivíduos que permanecem como não membros da sociedade civil e que assim são vistos pelas instituições do Estado (CHATTERJEE, 2011, pp. 14–19). Ao mesmo tempo, a sociedade civil emerge como a herdeira do Estado colonial, ocupando a burocracia estatal e identificando como sua tarefa o uso dos instrumentos do Estado para promover a modernização e preencher a lacuna entre o modelo europeu de modernidade e a realidade social local, desviante da norma estabelecida.

Segundo entendo, o argumento central de Chatterjee é o de que o processo de modernização no contexto de Estados pós-coloniais deu origem a uma epistemologia política fundada em uma diferenciação fundamental entre uma Sociedade Civil identificada com o Estado e uma população que é vista, pelo complexo estrutural Estado+Sociedade Civil, como fonte de resistência ao processo de modernização e construção do Estado nacional. Se o conceito de população também pode ser usado para identificar a emergência dos indivíduos como objetos da governamentalidade em Estados centrais europeus, o seu desenvolvimento, nos países colonizadores teve um significado completamente distinto: ele foi fundado na ideia de disciplinamento gradativo dos cidadãos por meio do desenvolvimento de tecnologias de governo cada vez mais sofisticadas de reprodução capitalista (FOUCAULT, 2008, pp. 75–100)5. A sociedade civil foi inventada nesse processo de inclusão política, nos países centrais. No contexto pós-colonial das vastas periferias da sociedade mundial, a população é, porém, identificada como objeto de um Estado nacional em vias de modernização. E, como apontou aliás Spivak, o conceito de soberania é bastante mais adequado do que o de governamentalidade para descrever o exercício do poder nas partes do mundo que foram colonizadas pela Europa, algo que se expressa no grau de violência dispensada pelo Estado aos corpos da população (SPIVAK, 1988). Em outras palavras, para a Sociedade Civil pós-colonial, guardiã do emergente nacionalismo estatal, a população é identificada com o objeto por excelência do desvio social da norma da modernidade, como artefato pré-moderno de tradições a serem superadas de acordo com estratégias que podem variar na sua forma, mas não em seu objetivo. A sociedade civil, limitada aos seus núcleos modernizados, existe, mas ela deve atuar contra a população.

3.4. A Sociedade Civil contra a população na “formação” constitucional brasileira

Embora com diferenças importantes em relação à história de descolonização do Sul e Sudeste da Ásia e da África em meados do Século XX, a história política brasileira guarda semelhanças estruturais com a reconstrução conceitual proposta por Chatterjee. Tal semelhança pode ser identificada ainda no período colonial, no uso do conceito de “população” como alternativo ao conceito de “povo”, um traço constante apontado por estudiosos da burocracia colonial portuguesa (SCHWARTZ, 2000; PEREIRA, 2011, p. 99). Como aponta Schwartz, “o conceito de povo enquanto terceiro estado na sociedade de ordens (...) não chegou a se estabelecer na colônia” (SCHWARTZ, 2000, p. 111). Portugueses preferiam sempre expressões como “moradores”, “povoadores”, mas jamais usavam o conceito de “povo” como uma ideia “constitucionalmente vinculada ao corpo da política e ao rei” (SCHWARTZ, 2000). Para os burocratas do Império colonial português, o Brasil tinha populações de negros, indígenas, mestiços e quejandos, mas não um povo. E os europeus (portugueses) que aí habitavam eram parte da ordem política europeia.

Essa relação com uma população que não era um povo foi marcante também no processo de independência do Brasil. Como aponta Modelli, durante a constituinte de 1823 restou claro que o papel de cidadão, como membro da sociedade civil, poderia incluir apenas uma pequena parcela de proprietários capazes de exercer direitos políticos ativos (2018). De fato, em boa parte do século XIX, a cidadania era igualmente limitada em países como França e Inglaterra, onde se fazia uma distinção entre o povo, composto pelos cidadãos membros da sociedade civil, e a plebe urbana e camponesa, incapaz de exercer direitos políticos ativamente, mas incluída no rol daqueles que gozariam de direitos civis mínimos (MODELLI, 2018, p. 99). No Brasil e nas periferias do mundo, o problema era contudo distinto, pois, embora todos os grupos políticos representados na Constituinte (liberais e coimbrões) compartilhassem do conceito oitocentista de cidadania, o que implicaria a existência de uma plebe urbana desprovida de direitos políticos ativos, nenhum desses grupos considerava a possibilidade de atribuir a escravos, libertos e indígenas nem mesmo as prerrogativas de cidadania passiva. Em outras palavras, parte considerável da população era excluída até mesmo do que seria a plebe europeia, constituindo na prática uma “população de não brasileiros” (MODELLI, 2018, pp. 90–122).

Para os coimbrões, posteriormente agrupados no Partido Conservador e denominados “Saquaremas” durante o Segundo Império, os quais representavam em grande medida a elite burocrática do Império, “somente um governo esclarecido poderia modificar o perfil daquela população e transformá-la em um povo” (LYNCH, 2011, p. 369). Essa seria a tarefa de um governo imperial forte e centralizado, capaz de promover “o amálgama entre as etnias, a educação para a liberdade, a civilização dos índios, a imigração estrangeira” (LYNCH, 2011). Os liberais, em grande medida compostos por proprietários rurais das províncias, embora fossem contrários à centralização do poder monárquico e a favor de um federalismo republicano que desse mais poder aos governos locais, tampouco eram simpáticos a qualquer ideia de inclusão da população no processo político (LYNCH, 2011). Em realidade, ainda na constituinte, foram os liberais os que mais decididamente combateram a atribuição de qualquer status de cidadania passiva aos mestiços e negros libertos (MODELLI, 2018). Uma postura que perduraria durante o Segundo Império, quando se estabeleceu um acordo razoavelmente estável entre os dois partidos para evitar os riscos da desordem liderada por populares tal como vista durante o período regencial (LYNCH, 2011, pp. 375–377).

Com a crise da Monarquia e o crescimento de ideias republicanas a partir de 1870, a democracia surgia como uma ideia poderosa, mas que de modo algum significava a adoção do sufrágio universal. E mesmo os liberais radicais descartavam a inclusão de libertos (assim como das mulheres e escravos, obviamente) no rol dos aptos a votar (LYNCH, 2011, p. 382). As elites políticas imperiais podiam divergir acerca da centralização ou descentralização do poder na corte ou nas províncias, mas eram a rigor de uma classe política bastante homogênea ideologicamente quando se tratava de excluir a maioria da população do processo político e constitucional (CARVALHO, 2008, pp. 139–141).

A abolição da escravidão rompeu com o arranjo político que sustentava a Monarquia. Mas a República não significou uma mudança significativa nas estruturas sociais radicalmente excludentes vigentes no Brasil, mesmo que a Constituição de 1891 tenha expandido nominalmente os direitos civis para o conjunto da população. Tampouco houve mudanças significativas na semântica com a qual as elites políticas e sociais descreviam essa população. Em realidade, a Proclamação da República significou um aprofundamento do domínio das elites provinciais sobre o Estado e sua burocracia (LYNCH, 2014, pp. 155–159). Desde a Lei Saraiva (1881), o círculo dos que gozavam de direitos políticos havia sido substancialmente reduzido. Além de ampliar o critério censitário de renda para os eleitores (mulheres não eram eleitoras), a Lei excluiu analfabetos do direito ao voto, o que, por si só, significava que aproximadamente de 80% dos homens livres (e libertos) não poderiam votar. Na República, embora a Constituição tivesse abolido o voto censitário, a exclusão legal dos analfabetos foi mantida. E as práticas eleitorais baseadas na fraude organizada e generalizada se tornaram apenas mais institucionalizadas (CARVALHO, 2002, pp. 25–45). A fraude eleitoral era vista, aliás, não apenas com naturalidade, mas como uma necessidade, diante da falta de preparo da população para a democracia (LYNCH, 2014, p. 157). Para o então deputado Gilberto Amado, “povo propriamente não o temos. Sem contar o das cidades que não se pode dizer seja uma população culta, a população politicamente não tem existência” (LYNCH, 2014).

O fim da República Oligárquica, em 1930, pode ser visto como o começo do fim da mentalidade colonial de “um país com população, mas sem povo” e o início da fase propriamente pós-colonial do nosso sistema político. Se até aquele ponto o círculo dos indivíduos politicamente significativos era reduzido à pequena elite burocrática e militar do Estado e aos círculos da elite provincial, ocupada sobretudo com a manutenção da ordem econômica oligárquica, passava-se agora a se constituir uma sociedade civil urbana como elite social ocupada com o processo de modernização nacional (CARVALHO, 2002, pp. 89–109). Ao mesmo tempo, a população se tornava parte do sistema político (que antes não era), mesmo que como o principal objeto desse processo. Isso não quer dizer que a Revolução de 1930 tenha sido uma revolução burguesa. Ela resultou muito mais de um conjunto de alianças entre oligarquias insatisfeitas e atores sociais emergentes (FAUSTO, 1997). Mas é inegável a participação política crescente, a partir de 1930, de setores urbanos burgueses e operários, que já tinham tido importância em movimentos como a campanha civilista de 1910 e as greves operárias de 1917, na fundação do Partido Comunista Brasileiro e no movimento tenentista, a partir de 1922 (CARVALHO, 2002, pp. 89–97). Ao mesmo tempo, ainda que analfabetos continuassem a ser proscritos dos direitos políticos ativos, o que em 1950 significava nada menos que 57% da população, é inegável que as massas urbanas, e pouco a pouco também as rurais, ganhavam importância política. Novamente: não como parte da sociedade civil, mas como população a “irritar” o sistema político: seja como massa ameaçadora ou como recurso de ameaça às elites, no que alguns chamam de “República Populista” (1946-1964), dominada pela disputa entre varguistas (no PSD e PTB) e liberais (organizados na UDN).

A “ameaça das massas”, que segundo as elites militares e civis se radicalizava graças ao populismo na direção do comunismo bolchevique, foi crucial para a criação do ambiente político que levou ao Golpe Militar de 1964 (DREIFUSS, 1981, pp. 293–336). O medo de uma suposta radicalização do campo, graças às Ligas Camponesas “cubanófilas” e aos sindicatos influenciados pelo PCB, era articulado em uma retórica que dava continuidade a uma longa história de oposição entre a sociedade civil contra a população. E, dado o golpe, restou claro que as “massas” não tinham tomado qualquer conhecimento da influência dos comunistas sobre elas (CARVALHO, 2002, pp. 143–144).

Com efeito, a retórica que opõe a sociedade civil e a população é parte da nossa tradição constitucional pós-colonial e pode ser reconstruída nos discursos legislativos e doutrinários sobre a ordem política em reação a revoltas populares, como no Período Regencial (sobretudo a Balaiada, a Cabanagem e a Sabinada), passando pelas revoltas da República (Canudos, o Contestado e as revoltas urbanas no Rio de Janeiro). Essa oposição se tornou mais evidente após a emergência de uma sociedade civil urbana mais articulada institucionalmente, e estruturada em uma burocracia estatal profissional, a partir dos anos 1930. Segundo essa retórica política, na ausência de uma sociedade civil ativa e forte, a população facilmente se identificaria com líderes populistas que ameaçariam a democracia e precisariam ser contidas ou orientadas por aqueles que representam a sociedade civil. Esses seriam os verdadeiros responsáveis pela construção do desenvolvimento nacional e pela efetivação constitucional.

E longe de ser uma distinção exclusiva da teoria constitucional liberal, tal como corporificada mais recentemente na TCE, essa semântica articula a visão da sociedade civil tanto de liberais e conservadores, que sempre temeram a manifestação da população como “sociedade política”, como de progressistas, que sempre viram na população uma sociedade política de massas a ser transformada em ator político (sociedade civil) de acordo com paradigmas bastante específicos do que seria a modernização política, algo que fica evidente no projeto constitucional da TCD. Recentemente, progressistas passaram a ver novamente um risco à modernização nos traços tradicionalistas de uma população moralmente conservadora e religiosa, mobilizada pelo populismo de extrema direita.

As ideologias modernizantes que a partir de 1930 passaram pouco a pouco a disputar a hegemonia política brasileira são a corporificação da distinção proposta por Chatterjee. E não se trata aqui da inclusão ou não da população no conceito de “povo”. A rigor, o Brasil teve, de 1824 a 1881, ao menos nominalmente, direitos políticos mais inclusivos que vários Estados europeus (CARVALHO, 2002, pp. 25–45). E a Constituição de 1934 positivou direitos sociais generosos, que foram inclusive ampliados nas constituições outorgadas de 1967 e 1969 (CARVALHO, 2002, pp. 170–173). Trata-se, ademais, de uma distinção que não se assemelha àquela entre povo e plebe dos processos de “construção da cidadania” dos Estados centrais, onde a plebe constituía parte do povo mesmo no sistema estamental do antigo regime (SCHWARTZ, 2000), passando a ter cidadania passiva (direitos civis) e, depois, ativa, como povo constitucional, ao longo da primeira metade do Século XX.

A “população” no Brasil é, ao menos simbolicamente, parte do povo constitucional desde 1988. E dotada de direitos sociais, desde 1934. Mas o subtexto do nosso constitucionalismo, invisível às suas teorias constitucionais hegemônicas, constitui-se a partir de uma distinção entre sociedade civil e Estado que exclui estruturalmente da sociedade civil aquilo que é visto como uma população inadequada à modernidade. A sua justificativa para a falta de “efetividade” ou “concretização” constitucional é a de que a constituição é como uma tarefa a ser realizada, ou seja, um projeto de construção política, liderado pela sociedade civil e seus prepostos (sobretudo no sistema de justiça). A população é vista como parte carente a ser “integrada” ao processo de modernização. E o instrumento fundamental para a realização dessa tarefa é, evidentemente, o Estado.

Essa estrutura e semântica são centrais na experiência da constituinte de 1988. As descrições do processo constituinte como resultado “de uma intensa e influente participação da sociedade civil organizada, um fenômeno de magnitude única na história brasileira” (NOBRE, 2008, p. 98) costumam apontar as organizações que emergiram da luta contra o regime ditatorial como tendo sido responsáveis por um amplo acordo político democrático e inclusivo (BENVINDO, 2017) ou, no mínimo, um arranjo “sem vencedores”, em que procedimentos democráticos podiam ser utilizados de forma inclusiva (RODRIGUEZ, 2019). Sem dúvidas, organizações como a OAB, a CNBB, a ABI, o MST, a CUT e partidos políticos novos, como PT, foram decisivos no processo constituinte. Poderíamos disputar aqui em que medida essas organizações da sociedade civil rompem com o subtexto da distinção entre Sociedade Civil+Estado e uma população a ser transformada. Mas basta observar a teoria constitucional e a forma como ela foi hegemonizada pela TCE e sua concepção reducionista da distinção Estado/Sociedade Civil, para constatar que o subtexto central do constitucionalismo de 1988 é fundado na invisibilização da distinção estruturante entre Estado+Sociedade Civil/População. Efetivar a constituição é um projeto da sociedade civil, que deve usar a lei, o sistema de justiça e o Estado, muitas vezes contra a população.

E, para além da teoria constitucional, a disputa política que se estabilizou a partir dos anos 1990 entre liberais e desenvolvimentistas (NOBRE, 2008), em grande medida acompanha essa estrutura e essa semântica. Sem querer negar a relevância dessa disputa, ela expõe uma relativa continuidade da luta política das elites brasileiras desde os anos 1930. Enquanto isso, em 2007, 40% da população era analfabeta ou analfabeta funcional, número que caiu a pouco mais de 30% em 20156.

Como apontado pela TCC, a experiência constitucional de 1988 é um momento de continuidade com descontinuidades. Mas ela definitivamente não é um ponto fora do espaço e tempo de nossa história constitucional. A tarefa da uma teoria constitucional crítica adequada é, exatamente, observar a relação entre continuidade e descontinuidade para além da relação entre texto, norma e efetividade da Constituição. Uma tarefa que pode ser enriquecida a partir de distinções que contextualizem o processo constitucional frente às estruturas sociais que a subjazem e às semânticas que refletem sobre essas estruturas.

4. Conclusão: Deslocar o olhar para compreender o constitucionalismo de 1988

Desde o início, chamei a atenção que a intenção desse texto não era propor uma teoria alternativa da constituição de 1988. Em grande medida, a reflexão proposta é uma continuidade dos esforços já empreendidos pela teoria crítica da constituição de 1988 (TCC). Tampouco se trata, aqui, de propor uma substituição pura e simples da diferença Sociedade Civil/Estado como distinção fundamental da teoria constitucional. Essa substituição significaria a proposta de um verdadeiro programa político e uma nova teoria constitucional, o que está longe de ser possível ou mesmo desejável.

O próprio Chatterjee nos adverte contra a tentação de uma leitura romantizada da população como a fonte de uma força política “anti-moderna”. Retomando um conceito de Gramsci, ele aponta que a população emerge na modernidade como a “sociedade política”. Nesses termos, ela é dependente, conceitual e pragmaticamente, do complexo político formado por Sociedade Civil e Estado. Desde o princípio, a população “procura se constituir a si mesma em grupos que merecem a atenção do governo” (CHATTERJEE, 2011, p. 15). Seja por meio de ocupações urbanas irregulares, seja como trabalhadores informais ou como usuários ilegais de serviços públicos, a população se torna sociedade política e assume um papel dependente e ambíguo em relação à ordem constitucional. Ao invés de negar o caráter muitas vezes ilegal de sua situação, essa sociedade política afirma a sua excepcionalidade ilegal como forma de garantir o seu “direito à moradia e sobrevivência” (CHATTERJEE, 2011, pp. 16–19). Eles constroem uma legalidade à margem da sociedade civil apelando exatamente aos princípios constitucionais mais fundamentais.

O paradoxo é extremo. Em Estados pós-coloniais, a realidade social inconstitucional se materializa muitas vezes em demandas feitas pela sociedade política frente ao complexo Estado+Sociedade Civil que exigiriam a negação de toda a estrutura social vigente. Diante desse fato, o complexo Estado+Sociedade Civil interpreta essa realidade como uma zona de anormalidade, ou como uma “zona de inefetividade”, que deve ser combatida, mas dentro do sistema que é negado pela existência mesma da população.

A proposta de Chatterjee parece ser, contudo, conceber a comunidade política para além do nacionalismo moderno, superando a divisão entre “Sociedade Civil” e “população” e criando um espaço para as formas heterogêneas de comunidade, num pluralismo constitucional bastante problemático em que a população se afirmaria como ator constitucional, como uma sociedade política permanente, alternativa e paralela à sociedade civil. Creio que a proposta de Chatterjee é problemática, primeiro, porque o nacionalismo, embora importante, não é a categoria que define o Estado moderno (KASTNER, 2007). Influenciado por sua leitura de Benedict Anderson, Chatterjee dá demasiada importância à ideia de nação, numa sociedade mundial moderna que já se constitui de forma muito mais fragmentada do que quer fazer parecer Anderson. Comunidades políticas são hoje resultado de processos de constitucionalização que podem ser puramente nominais, simbólicos ou normativos, a depender das estruturas sociais no seu ambiente social. A rigor, a população é heterogênea em todos os Estados da sociedade mundial. A diferença, em vários contextos periféricos pós-coloniais, é que a heterogeneidade da população é convertida em uma forma hierárquica e condicionada por relações de exclusão social (NEVES, 1995). Dito de outra forma, trata-se de contextos constitucionais estruturados de acordo com o subtexto da distinção Estado+Sociedade Civil/População, em que a população serve ao processo político como objeto de um processo de modernização que reproduz a posição hierárquica da sociedade civil pós-colonial.

O próprio Chatterjee insiste frequentemente nas ilusões contidas numa superação da forma política moderna. E o que propõe parece ser uma forma moderna de pluralismo, que seja disruptiva da hierarquia social colonial. Nesse sentido, é importante dizer que textos constitucionais com dispositivos sensíveis a formas diferentes de pluralismo social são evidentemente uma possibilidade. Com efeito, muitas ordens constitucionais já o fazem. E, a princípio, não há nada de anticonstitucional ou anti-moderno em modelos de pluralismo constitucional como no caso da República Plurinacional da Bolívia. Embora o texto possa ter, também, apenas significado simbólico, a depender do contexto, é possível constituir formas diversas de estabelecer a convivência constitucional. A romantização da diferença e da heterogeneidade parece ser, aliás, parte da reprodução do subtexto colonial. Interessaria mais saber em que medida processos de exclusão produzem e reproduzem essas hierarquias.

A diferença entre Sociedade civil e população tem atualidade operativa no processo constitucional de 1988, também no nível da reflexão (teoria constitucional). Esse argumento busca desconstruir a distinção entre Sociedade Civil e Estado, mostrando sua insuficiência para a compreensão da CF88. Mas ele tampouco quer superar essa diferença. Trata-se muito mais de deslocar o olhar teórico numa tentativa de tornar visível uma outra diferença que lhe serve de subtexto. Com efeito, nenhuma dessas duas diferenças vai sumir a golpes de teoria. Ambas são estruturantes para a sociedade no Brasil e parte implícita das semânticas de que a teoria constitucional se utiliza para descrever a ordem política.

Mas teorias podem ser mais, ou menos reflexivas e incluir, ou não diferenças diversas (e potencialmente relevantes) em sua observação da realidade e de si mesmas. Nesse sentido, o esforço desconstrutivo pode tornar evidente que a reprodução estrutural de elites políticas e sociais se dá também por meio das suas próprias descrições do processo de constitucionalização como um processo de modernização. Essas descrições localizam na sociedade civil, de antemão, a fonte do processo de “efetivação” e “concretização” constitucionais. Desconsiderando, assim, estruturas sociais que constituem a própria distinção entre quem é parte legítima ou não da sociedade civil.

É importante insistir que a consideração teórica da distinção entre Sociedade Civil e população não exige a superação do constitucionalismo. Primeiramente, é evidente que a sociedade política (da população) não apenas convive com a ordem constitucional, como a torna condição de sua sobrevivência. Por outro lado, não há forma de levar em conta a população que não seja por meio da sua participação nos processos democráticos (CHATTERJEE, 2011, p. 88). O experimento desconstrutivo pode nos fazer perceber como diferentes formas de socialização política da população são muitas vezes entendidas como estranhas e inadequadas aos olhos da teoria política e constitucional (da Sociedade Civil). Isso é evidente na conhecida aversão liberal às formas de populismo que mobilizaram, historicamente, os pobres de uma população de politicamente inadequados. Ou na dificuldade que o Brasil oficial tem de mediar a ilegalidade difusa da vida da população e a suposta legalidade do “mundo oficial” do Estado, algo tão comum nas periferias das grandes cidades brasileiras. Ou, ainda, na antipatia progressista por formas de manifestação política da religiosidade popular cristã, uma marca de revoltas populares como a de Canudos, do Contestado e, mais recentemente, manifestada no apoio evangélico à extrema direita.

É difícil dizer quais as implicações metodológicas de uma reflexão desconstrutiva como a que proponho. Arrisco dizer que não é possível materializar institucionalmente os efeitos dessa crítica. Trata-se muito mais de observar a teoria constitucional de 1988, sobretudo a TCE e a TCD, com outros olhos. Uma mudança de ponto de vista observacional, por si só, não muda a forma como se observa, mas ela talvez seja capaz de reenquadrar perguntas teóricas e empíricas. Talvez não seja possível evitar que a sociedade civil que se arvora a missão de orientar nosso processo constitucional o direcione contra a população. Mas a mudança da estrutura social só pode ser tentada uma vez que sua forma de reprodução seja observada desde outros pontos de vista. Nesse sentido, a descontrução pode ter um efeito prático importante: o autoesclarecimento do observador sobre seus próprios limites.

  • 1
    Essa é uma intuição próxima à compreensão de Reinhardt Koselleck acerca do significado da semântica social que também condiciona estruturalmente a forma como se produz sentido. Ver: (KOSELLECK, 2006). Também interessante é a diferença entre estrutura e semântica no contexto da teoria dos sistemas. Ver: (LUHMANN, 1980; STICHWEH, 2000).
  • 2
    Essa intuição é comum em outras tradições sociológicas, como por exemplo aquela que vem sendo chamada de neomaterialismo, e vem sendo estudada pelos estudos de ciência e tecnologia. Mackenzie mostrou, por exemplo, como teorias econômicas sobre comportamento de investidores servem como base para modelos de decisão acerca das taxas de juros do Banco da Inglaterra, funcionando como força estruturante das próprias expectativas de mercado. Segundo ele, os modelos teóricos “produziriam” assim as próprias relações econômicas que deveriam compreender. Ver: (CALLON, 1998; CALLON et al., 2009; MACKENZIE, 2009)
  • 3
    A teoria da Metódica Estruturante, de Friedrich Müller, também foi bastante influente, sobretudo nas duas décadas depois da promulgação da constituição.
  • 4
    Neves faz interpretação semelhante para o caso brasileiro. Para ele, antes de negar a modernidade da experiência moderna brasileira, como se aqui as ideias do “liberalismo moderno” estivessem “fora do lugar”, ele propõe que se investigue como as ideias e estruturas do liberalismo moderno se manifestam em contextos regionais distintos, diante de estruturas sociais diferentes. Para ele, interessa como essas ideias interagem e operam “em outro lugar” (NEVES, 2013).
  • 5
    Assim como outros autores dos estudos subalternos indianos, Chatterjee foi bastante influenciado por autores europeus como Gramsci, Foucault e, obviamente, Marx.
  • 6

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2020
  • Aceito
    17 Nov 2020
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