Resumo
O Bem Viver dos povos indígenas, isto é, a articulação entre os direitos à terra, à água, à natureza em harmonia com as culturas locais, à dignidade e à vida, corriqueiramente é ferido no Brasil. Em Pernambuco, região Nordeste do país, estado que congrega uma significativa população indígena, os territórios sagrados são o alvo de conflitos sangrentos entre produtores rurais, latifundiários, garimpeiros, madeireiros e os povos tradicionais, sob a displicência ingênua, colonial e, cada vez mais, permissiva do Estado brasileiro. Diante desse cenário, o presente ensaio busca discutir o caso do povo indígena Xucuru, localizado no município de Pesqueira (PE), na Corte Interamericana de Direitos Humanos e suas reverberações não apenas na garantia de direitos aos povos indígenas no país, mas também nos contornos que a luta de outros grupos étnicos de Pernambuco ganha a partir do resultado do pleito. A proposta aqui é pensar, junto com os povos indígenas, sobre as particularidades da luta pelo Bem Viver entre as comunidades de Pernambuco e como o caso Xucuru possibilita uma crítica decolonial a uma concepção universalista no campo do Direito e na efetivação de Direitos Humanos.
Palavras-chave: Povos indígenas; Pensamento decolonial; Direito; Interculturalidade
Abstract
The well-being of the indigenous peoples, i.e., the articulation between the rights to land, to water, to nature in harmony with local cultures, to dignity and to life, are constantly wounded in Brazil. In Pernambuco, located in the Brazilian Northeast, a state that congregates a significant indigenous population, their sacred territories are the target of bloody conflicts between rural producers, landowners, miners and loggers, and the traditional peoples, under the naïve, colonial and increasingly permissive negligence of the Brazilian State. Before this setting, this article aims to discuss the case of the Xucuru indigenous people, located in the city of Pesqueira (PE), in the Brazilian Northeast, in the Inter-American Court of Human Rights and its reverberations not only in guaranteeing the rights of the indigenous peoples in the country, but also regarding the contours that the fights by other ethnic groups in Pernambuco gain from the results of the plea. The proposal here is to think, alongside the indigenous peoples, about the particularities of the fight for the Well-Being among the communities in Pernambuco and how the Xucuru case allows for a decolonial critique to a universalist conceptualization in the field of Law and in the actualization of Human Rights.
Keywords: Indigenous peoples; Decolonial Thought; Law; Interculturality
Apresentação
O Bem Viver dos povos indígenas, isto é, a articulação entre os direitos à terra, à água, à natureza em harmonia com as culturas locais, à dignidade e à vida, corriqueiramente é ferido no Brasil. Em Pernambuco, região Nordeste do país, estado que congrega uma significativa população indígena, os territórios sagrados são o alvo de conflitos sangrentos entre produtores rurais, latifundiários, fazendeiros, invasores e os povos tradicionais, sob a égide da displicência diligente, colonial e, cada vez mais, permissiva do Estado brasileiro. A proposta aqui é refletir sobre o caso do povo indígena Xucuru, localizado no município de Pesqueira (PE), na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) e suas reverberações não apenas na garantia de direitos aos povos indígenas no país, mas também nos contornos que a luta de outros grupos étnicos de Pernambuco ganha a partir do resultado do pleito.
Para tanto, este ensaio busca agregar algumas das reflexões elaboradas na pesquisa Contribuições da Filosofia do Bem Viver e do Pensamento Indígena a uma Pedagogia Antirracista, desenvolvida no programa de Iniciação Científica da Universidade Federal Rural de Pernambuco – Unidade Acadêmica de Serra Talhada (UFRPE-UAST), durante os anos de 2018 e 2019, a partir da perspectiva da antropologia simétrica proposta por Latour (2009) e Ingold (2012). Por meio de um diálogo intercultural com Tosowmlaka Fulni-ô, reflete-se sobre as particularidades da luta pelo Bem Viver entre as comunidades indígenas de Pernambuco e como o caso Xucuru possibilita uma crítica decolonial a uma concepção universalista no campo do Direito e na efetivação de Direitos Humanos. O arcabouço conceitual da teoria crítica de direitos humanos desenvolvida por Flores (2009), a perspectiva intercultural em Direitos Humanos de Santos (2009), a teoria do pluralismo jurídico desenvolvida por Wolkmer (2015) e o potencial crítico e paradigmático aberto pelos novos constitucionalismos latino-americanos serão o aporte para sulear1 o diálogo intercultural neste ensaio. Diante disso, propomos um exercício de deslocamento e desconstrução epistêmica. A ideia é trazer o manancial teórico e metodológico à medida que se faça necessário, recorrendo-se, para isto, a uma escrita ensaística que aprofunda e problematiza questões pertinentes postas ao longo do texto.
Neste sentido, é pertinente perguntar: como as noções que utilizamos nas Ciências Sociais e no Direito podem ser atingidas e desestabilizadas por experiências de vida radicalmente distintas? Muitas vezes não nos empenhamos em localizar nossos paradigmas teóricos, ou, em outras palavras, falta-nos comprometimento em mostrá-los como parte de um local. Mesmo diante de todas as controvérsias que perpassam o vasto campo das Ciências Sociais – marcado pelo dissenso epistemológico e pela profunda interdisciplinaridade com outras ciências humanas –, ainda há centros de gravidade epistêmicos que levam à valorização de certas experiências de vida ou de certas perspectivas de conhecimento em detrimento de outras. As Ciências Sociais já aceitam os relatos de experiência e os saberes tradicionais como corpus de estudo; todavia, ainda assim, persiste uma profunda disparidade epistêmica. Essa crítica é empreendida desde a Virada Linguística, e aqui, em Abya Ayla2, é mobilizada com força por intelectuais indígenas, pensadores/as pretas/os, pelas epistemologias feministas e cuir, assim como pelo grupo Modernidade/Colonialidade. Por sua vez, o Direito, por si só, já é a manifestação de uma certa colonialidade. Se há uma hegemonia epistêmica eurocêntrica nas Ciências Sociais, de maneira ainda mais monolítica e intransigente, isto também acontece com o Direito. Por tal, apenas no jogo de contraponto entre tradições e esquemas conceituais é que podemos fraturar ou desestabilizar esses centros de poder.
A terra, um dos elementos centrais das disputas jurídicas no Brasil, precisa ser pensada a partir de seus múltiplos significados. Müller e Simioni (2016), ao discutir os desafios para a demarcação das terras Guarani no Brasil, observam que a perspectiva do Ocidente sobre o conceito encontra-se alicerçada em uma semântica capitalista, a qual compreende a terra como um meio de produção e acumulação de riquezas. Na Modernidade, torna-se não apenas uma infraestrutura econômica, mas também um modo de produção do ser e passa a ter também um sentido político (MÜLLER; SIMIONI, 2016). Ainda para os autores, o modo de vida dos povos indígenas aponta para uma experiência de entendimento do significado da terra absolutamente diferente da cosmovisão da sociedade ocidental. Um significado que, aos olhos etnocêntricos da cultura do Ocidente, só pode ser entendido como algo místico e alheio à contemporaneidade dos sistemas capitalistas. Dentro das lógicas de manutenção e disputa de poder, esse modo de vida é sinônimo de atraso e precisa ser extinto em prol do progresso e do desenvolvimento econômico predatório (MÜLLER; SIMIONI, 2016).
Diante disto, a questão central deste ensaio está em um esforço de reflexão sobre a forma como os povos indígenas de Pernambuco, especialmente os Xucuru e os Fulni-ô, concebem a ideia de terra e como, por sua vez, tanto as Ciências Sociais quanto o Direito têm estabelecido mediações interculturais para a efetivação dos direitos básicos dessas populações. Trata-se de um aspecto relevante, porquanto abre senda para um processo de crítica decolonial do Direito ocidental a partir das lutas e cosmovisões dos próprios intelectuais indígenas.
O Bem Viver e a educação pela natureza
A filosofia do Bem Viver é um projeto ético compartilhado na atualidade pelos povos originários do mundo inteiro. Segundo Acosta (2016), o Bem Viver3 é uma categoria em permanente construção e reprodução. Ela foi incorporada na Constituição do Equador de 2008 como sumak kawsay, da língua quéchua (sumak significando plenitude, o ideal, o bom, e kawsay significando vida), bem como na Constituição da Bolívia de 2009 como suma qamaña, da língua aimará (Suma significando plenitude, sublime, e Qamaña significando vida, conviver, viver). Nesses países, a categoria representa uma alternativa às atuais compreensões ocidentais de desenvolvimento e crescimento econômico.
Os povos indígenas do Equador, em 2008, conseguiram um feito inédito na história da América Latina, tendo, através de muita luta e resistência, garantido juridicamente a manutenção de um dos mais importantes traços de sua cosmologia, o direito à Pachamama (WILHELMI, 2009). A Pachamama é, na língua dos povos indígenas do Equador, o que entendemos como espaço e natureza. Neste caso, é um sentimento compartilhado por todos os povos indígenas que reivindicam como parte de sua existência a terra, a água, a natureza como divindade e fundamento mitológico para a existência humana. A Pachamama é a síntese do que acreditam os povos originários em sua complexidade social, cultural e existencial. Deste modo, as Constituições do Equador e da Bolívia garantem, até então, a natureza como prioridade e digna de ter seus direitos resguardados, assim como os seres humanos:
Na Constituição boliviana é apresentado como ‘Viver Bem’ e aparece na seção dedicada às bases fundamentais do Estado, onde se fala dos princípios, valores e fins do Estado (ensaio 8). Ali se diz que o Estado ‘assume e promove como princípios ético-morais da sociedade plural: amoa qhilla, amoa llulla, amoa suwa (não sejas preguiçoso, não sejas mentiroso nem sejas ladrão), suma qamaña (Viver Bem), ñandereko (vida harmoniosa), teko kavi (vida boa), ivi maraei (terra sem males) e qhapaj ñan (caminho ou vida nobre)’. Esta formalização boliviana é pluricultural, já que oferece a ideia do Viver Bem a partir de vários povos indígenas e todas as ideias estão no mesmo plano hierárquico (GUDYNAS, 2008, p. 8, grifos do autor).
Walsh (2009) afirma que a incorporação do conceito de Bem Viver nas Constituições da Bolívia e do Equador foi uma conquista histórica emblemática. Antes disso, assim como ocorre na Constituição brasileira de 1988, o modo de vida indígena estava contemplado no aparato constitucional desses países, mas apenas como política de inclusão, direitos especiais e, ainda assim, tendo como modelo dominante o ocidental. Nas novas Constituições, o modelo plurinacionalista propõe a incorporação e a contribuição do Bem Viver para toda a sociedade, promovendo transformações reais e profundas na estrutura social. Um exemplo disso é que os saberes tradicionais passam a ser considerados como fonte de conhecimento para toda a sociedade, trazendo novas e mais profundas formas de interpretar e compreender o mundo.
A filosofia do Bem Viver é a visão de um mundo melhor a partir da descentralização dos Mercados e da desconstrução das estruturas do racismo indígena e do etnocentrismo. Deste modo, o Bem Viver é muito mais do que um estilo de vida, sendo, antes, um pacto ético e moral. É necessário que se faça entender essa forma de enxergar o mundo, uma vez que a perspectiva do Bem Viver denuncia o capitalismo e o seu suporte ideológico centralizado na razão instrumental historicamente estruturada no etnocentrismo europeu (LANDER, 2005).
Quijano (2005), por sua vez, declara que é fundamental pensar o racismo como alicerce ideológico para a manutenção de uma ordem capitalista estabelecida. Para tanto, se faz necessário problematizar, também, a sua configuração em escalas que sobressaem o micro e se articulam em um entendimento encontrado na própria definição de ciência. Quando se diz ciência, ciência tout court, está se falando de ciência ocidental; para se falar de ciência tradicional, é necessário acrescentar o adjetivo (CUNHA, 2007). Logo, ao pensarmos a natureza como algo que não se fundamenta como “corpo”, mas enquanto “verdade”, podemos buscar nos saberes tradicionais – ou seja, a ciência de povos originários – a relevância que existe em suas compreensões. Deste modo, em consonância com Ailton Krenak (2019), é válido refletir como o método de fazer ciência eurocêntrico contribuiu para as crises civilizatórias atuais e relativizou a independência e soberania do pensamento indígena e sua importância.
Ao aportar esse debate no contexto brasileiro, Santana (2017) reforça que é preciso atentar que vivemos em uma das maiores e mais complexas sociedades multirraciais e pluriétnicas do mundo, composta majoritariamente por descendentes de africanos dispersos na diáspora e povos indígenas. Após quinhentos anos das invasões europeias e uma intensa miscigenação entre europeus, africanos e indígenas, ainda persiste, mesmo que de maneira velada, a hegemonia de padrões eurocêntricos e, por consequência, a sedimentação de uma série de práticas racistas que corroboram as desigualdades sociais com relação aos povos indígenas e aos negros (SANTANA, 2017).
A questão da terra, em contexto brasileiro, tangencia uma série de nuances pertinentes ao que se convencionou chamar de Pensamento Social Brasileiro, uma subárea das ciências sociais que, entre outras coisas, se esforça em construir um painel interpretativo acerca da formação do país. Mas, como sabiamente nos lembra o pensador quilombola Antônio Bispo dos Santos (2015), o viés eurocêntrico da origem e formação de muitos dos mais importantes autores que perfazem essa subárea acabou por invisibilizar aspectos como a profunda interrelação entre a questão fundiária e o modelo católico de colonização, a escravização e a dominação indígena, a instituição do escravismo na formação econômica e social brasileira, a ideologia da mestiçagem, a democracia racial e, além disso, as lógicas de desenvolvimento sedimentadas no regime capitalista de exploração da terra e dos recursos naturais das florestas e dos rios e mares. A mensagem final e oficial desse tipo de interpretação elitizada e míope sobre o país, reproduzida no nosso universo acadêmico, no Direito e na vida política desde os anos 1930 até hoje, é a de que somos um único povo, especial porquanto é capaz de conviver harmoniosamente com a diversidade (SANTOS, 2015). Ainda para Santos (2015), esse padrão de sociedade imposto às populações indígenas e pretas pelos portugueses reverbera em revoltas, rebeliões, lutas antirracistas e autodemarcações levadas a cabo por esses grupos diante da morosidade genocida do Estado brasileiro.
Para dar conta dos objetivos deste ensaio, torna-se necessário definir alguns conceitos que ajudarão a compreender a história peculiar dos territórios indígenas em Pernambuco. Em primeiro lugar, terra indígena pode ser entendida como um conceito jurídico, designando uma unidade territorial delimitada e demarcada de acordo com princípios engendrados pela política indigenista. Deste modo, qualquer terra indígena é resultado não de condições imutáveis e atemporais, mas de processos políticos com sua própria historicidade, processos que geralmente envolvem uma gama de atores sociais indígenas e não indígenas nos mais diversos níveis hierárquicos (LIMA, 2005; OLIVEIRA, 2006). Porém, terra indígena também pode ser compreendida sob a perspectiva do Bem Viver: uma cosmopolítica que se faz articulada aos deuses das religiões de matriz indígena e à natureza, num esforço contínuo de manter aquilo que Aílton Krenak (2019) chama de viver em coletivo mantendo um vínculo profundo com a memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade.
Essa ambivalência de abordagem se dá em função da complexidade da discussão. Há aqui disputas narrativas, de sentido e interesse em torno da terra. O poder público, ruralistas de toda sorte e povos indígenas reivindicam significados e funções distintas sobre a ideia de terra e é preciso lançar luz sobre essas concepções.
No plano ideal, uma terra indígena e um território indígena coincidem completamente, o que parece ser um sentido implícito e comum das normas de regularização de terras indígenas pautadas pela definição do artigo 231 da Constituição (BRASIL, 2018). Na prática, esse ideal não é alcançado por diversos motivos, os quais são perpassados, porém, de forma imperiosa, pelas forças políticas em disputa. Para entender melhor a conexão entre terra e território, em particular no Nordeste indígena, é profícuo lançar mão de um terceiro conceito, o de territorialização, proposto e elaborado por João Pacheco de Oliveira (1998):
A noção de territorialização tem a mesma função heurística que a de situação colonial [...], da qual descende e é caudatária em termos teóricos. É uma intervenção da esfera política que associa – de forma prescritiva e insofismável – um conjunto de indivíduos e grupos a limites geográficos bem determinados. [...]. O que estou chamando aqui de processo de territorialização é precisamente o movimento pelo qual um objeto político-administrativo – [...], no Brasil as ‘comunidades indígenas’ – vem a se transformar em uma coletividade organizada, formulando uma identidade própria, instituindo mecanismos de tomada de decisão e de representação, e reestruturando as suas formas culturais (inclusive as que o relacionam com o meio ambiente e com o universo religioso) (OLIVEIRA, 1998, p. 56).
Oliveira (1999) demonstra como a territorialização, enquanto processo social desencadeado por imposições políticas históricas, é distinta do conceito de territorialidade. Nesta conjuntura, a visibilidade da luta do movimento social indígena na esfera pública brasileira é relativamente recente, tendo ganhado os holofotes após a Constituição de 1988. Entretanto, é vital frisar, as lutas e a ação coletiva indígena têm início no dia que as primeiras naus portuguesas desembarcaram por aqui. O Brasil foi formado a partir da espoliação e injustiça contra os povos indígenas e africanos e, em meio a uma conjuntura de sangue e guerra, vários pensadores indígenas propõem um modelo alternativo de sociedade, baseado na filosofia do Bem Viver; dentre eles, Ailton Krenak (2015, 2019) e Davi Kopenawa (2015).
Essa filosofia é uma alternativa ao paradigma da vida contemporânea, fundamentado pelas lógicas da razão instrumental, isto é, a ideia de que o ser humano é capaz de dominar a natureza para promover o uso abusivo e exaustivo dela (KRENAK, 2019). O Bem Viver, como nos ensina Krenak (2019), não se caracteriza por ser apenas uma crítica ao sistema capitalista e ao modelo ocidental de existir, que se pretendem universais, mas é também uma reflexão sobre as possibilidades que diferentes modos de vida, já existentes porém invisíveis, podem oferecer. Os povos indígenas inspiram o Bem Viver e nos convidam a pensar em novos modelos de vida e relações mais orientadas para o respeito, a justiça, a solidariedade e a paz. Para Walsh (2009), a possibilidade do Bem Viver só pode ser conquistada por meio de um novo modelo de educação, que deve abandonar sua doutrina tecnocrata para se tornar crítica, reflexiva, intercultural e libertadora.
No Brasil, a luta dos povos indígenas para poder viver amplamente os princípios do Bem Viver é imensa. Muitos desses territórios foram invadidos e ocupados por posseiros durante o período colonial e suas famílias permanecem nessas terras até hoje. Já que as políticas do Estado a favor dos indígenas não se efetivam, reproduz-se uma luta incessante entre indígenas e não indígenas. Apesar do empenho e dedicação do Movimento Social Indígena pela demarcação de seus territórios de direito, invasores de toda sorte seguem avançando sobre suas terras. A mídia hegemônica, tantas vezes aliada do agronegócio, distorce narrativas sobre a luta por terra no Brasil e contribui para a manutenção e a agudização dos confrontos, o que acaba por deixar as populações indígenas ainda mais vulneráveis dentro seus próprios territórios (MÜLLER; SIMIONI, 2016).
A luta pelo território no Nordeste do Brasil: o caso Xucuru
Na produção bibliográfica brasileira acerca do Bem Viver, de maneira corrente as cosmologias Guarani e Yanomami são trazidas ao debate como exemplos desse modo de vida entre nós. Os povos indígenas do Nordeste, tantas vezes, são marginalizados e invisibilizados dessa discussão. Neste sentido, Oliveira (1998) problematiza de maneira contundente a ausência de um olhar etnológico sobre as questões que envolvem os “índios misturados” do Nordeste. Em Santana (2017), há uma reflexão importante sobre como a invisibilidade dos povos indígenas do Nordeste é construída não só na narrativa dominante da história local e nacional, o que é consensual, mas também nas interações cotidianas nas cidades sertanejas que nasceram após a invasão portuguesa e os primeiros “aldeamentos”. Oliveira (1998) afirma que, antes mesmo do final do século XIX, já não se falava mais em povos e culturas indígenas no Nordeste. Destituídos de seus antigos territórios, não são mais reconhecidos como coletividades, mas referidos individualmente como “remanescentes” ou “descendentes”. São os “índios misturados” de que falam as autoridades nos documentos históricos, a população regional e eles próprios, os registros de suas festas e crenças sendo realizados sob o título de “tradições populares” (OLIVEIRA, 1998).
Se a partir de suas lutas e resistências os povos indígenas conquistaram nas últimas décadas considerável reconhecimento enquanto atores políticos, exigindo novos olhares, pesquisas e reflexões, por outro lado, é perceptível o desconhecimento, os preconceitos e as lógicas racistas que se reproduzem e estruturam nos discursos hegemônicos do cotidiano (SANTANA, 2017). No Nordeste, durante muito tempo foi corroborado o imaginário social de que os “índios” eram sertanejos, caboclos, pobres e sem acesso à terra, bem como desprovidos de forte contrastividade cultural. No contexto local, parte significativa das terras indígenas foi incorporada por fluxos colonizadores anteriores, não diferindo muito as suas posses atuais do padrão camponês e estando entremeadas com a população regional. Para Oliveira (1998), essa desproporção dá uma importante dimensão ambiental e geopolítica aos problemas e às mobilizações dos povos indígenas na Amazônia, enquanto que, no Nordeste, as questões se mantêm primordialmente nas esferas fundiária e de intervenção assistencial. Se, na Amazônia, a mais grave ameaça é a invasão dos territórios indígenas e a degradação de seus recursos ambientais, no caso do Nordeste, o desafio à ação indigenista é restabelecer os territórios indígenas, promovendo a retirada dos não indígenas das áreas indígenas, desnaturalizando a “mistura” como única via de sobrevivência e cidadania (OLIVEIRA, 1998).
A questão fundiária, a qual Oliveira (1998) nos lembra estar tão fortemente associada aos povos indígenas do Nordeste, se relaciona intimamente às políticas assimilacionistas executadas desde o início dos processos de colonização. A partir da promulgação da Lei de Terras, em 1850, tem-se início por todo o Império um movimento de regularização das propriedades rurais. Vilas progressivamente expandem o seu núcleo urbano e famílias vindas das grandes propriedades do litoral buscam se estabelecer nas cercanias como produtoras rurais. Sucessivamente, os governos provinciais vão declarando extintos os antigos aldeamentos indígenas e incorporando os seus terrenos a comarcas e municípios em formação. Arruti (1996) lembra que foi exatamente isso que se sucedeu, por exemplo, com os Pankararu do Brejo dos Padres, no município de Tacaratu-PE, que descrevem a extinção do antigo aldeamento fazendo referência ao “tempo das linhas”, quando ocorreram os trabalhos de demarcação e distribuição de lotes.
Neste sentido, é fundamental endossar que as populações indígenas do Nordeste, a despeito de todas as violências que lhes foram imputadas – envolvendo o extermínio de seus corpos, de sua cultura e de seus territórios –, não perderam de vista a busca pelo Bem Viver como elemento fundamental para não vir a sucumbir ao deslocamento impingido tanto pelo Estado quanto pelas forças colonialistas e capitalistas. Em Santana (2017), há uma elaboração sobre como as populações indígenas do Nordeste brasileiro, diante de tantas violências, seguem à sombra nas representações da discussão epistemológica (e ontológica). Esse lugar de apagamento espelha também seu não lugar no âmbito político. Desde a obra de Clastres (2014) nos anos 1970, as instituições políticas ameríndias vêm sendo pensadas em afastamento às tradições ocidentais de poder, Direito e soberania. Para este autor, as lógicas de chefia nas comunidades indígenas garantiam alguma visibilidade no discurso público, mas pouco poder decisório sobre as implicações do sistema jurídico na vida cotidiana das comunidades. Raoni, Davi Kopenawa e o próprio Xicão Xucuru são vozes bastante conhecidas na esfera pública, por exemplo, mas precisaram dar suas vidas4 para garantir direitos básicos e constitucionais aos seus povos. A antropologia de Clastres, profundamente conectada ao seu trabalho de campo com os Guarani, parece, no entanto, possibilitar a compreensão também quanto às demandas da vida de vários povos indígenas do Nordeste. A luta dos povos indígenas do Nordeste por seus territórios ancestrais os coloca não apenas na linha de frente de um enfretamento contra o Estado, como diria Clastres, mas também contra o sistema capitalista. Entretanto, essas sociedades precisam manter-se em contato e articulação com o Estado. Assim, há a necessidade de um registro duplo: contra a representação política, uma vez que a política é o exercício de uma multiplicidade justaposta, e, também, se utilizando dela, por questões estratégicas.
Em termos políticos (aproveitando o duplo uso epistemológico-político da noção de representação), pensar espaços para além da representação pode também ser pensar em espaços para além do Estado. Temos visto acontecer a nossa volta aquilo que se convencionou chamar de crise de representação, expressa a nível mundial pela rejeição popular às elites político-econômicas. Embora a manifestação dessa crise tome formas muito aterrorizantes, culminando no que podemos interpretar contemporaneamente como recrudescimento do fascismo, há também espaços abertos. A experiência política dos povos indígenas que acompanhamos mostra não só uma pauta de reivindicações ou um desejo de ação política frente aos governos. Mostra também a realidade da prática de uma ação política que se dá em confronto e para além da tutela do Estado. São novas formas de ação política, inseridas no interior de uma cosmopolítica do Bem Viver.
Diante disso, a luta do povo Xucuru de Pernambuco por seu território ancestral e contra as inúmeras violações de seus direitos decorrentes da ineficiência da atuação estatal pode ser compreendida como um emblema dessa conjunção estratégica de uma cosmopolítica do Bem Viver. Após ser analisado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o caso Xucuru foi levado a julgamento pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que, em 05 de fevereiro de 2018, proferiu sentença condenando o Brasil pela violação dos direitos humanos daquele povo indígena.
Antes de adentrar nas minúcias do caso e seus desdobramentos, é importante compreender o contexto de luta do povo Xucuru. O povo indígena Xucuru do Ororubá, com cerca de oito mil membros, ocupa por direito mais de 27 mil hectares de terra do município de Pesqueira, situado no Agreste do estado de Pernambuco.5 Sua população está distribuída em 24 comunidades espalhadas dentro do seu território. Somam-se a esse número de indígenas outros quatro mil, que vivem fora do perímetro de Pesqueira. Trata-se de um povo que possui organização política e de poder própria, composta por uma liderança e pela participação dos seus membros por meio da Assembleia.
Segundo a obra Xukuru - Filhos da mãe natureza: uma história de resistência e luta, organizada por Eliane Almeida (1997) e escrita à várias mãos e mentes por professoras, professores e lideranças do povo Xucuru, os Xucuru do Ororubá resistem ao colonialismo português desde o século XVII, o qual ocupou o espaço da Serra do Ororubá. Esta é um lugar de grandiosa importância para os Xucuru, pois lhes garante sua cosmologia e uma forte condição de pertencimento. O direito dos povos indígenas aos seus territórios ancestrais vem sendo reconhecido nos mais diversos diplomas legais, tanto nacionais quanto internacionais. No Brasil, o referido direito tem status de norma constitucional, tendo sido uma notável conquista dos povos indígenas, a qual apenas foi possível graças à ativa participação de representantes indígenas nas discussões que antecederam a elaboração e a promulgação da Constituição vigente. Neste sentido, Almeida (1997, p.25) esclarece o seguinte:
Os Xukuru participaram de forma muito ativa, juntamente com outros povos de Pernambuco e do Brasil, com o apoio do Conselho Indígena Missionário – CIMI, das mobilizações em Brasília para pressionar os deputados e senadores nas votações dos direitos indígenas na Constituinte. Motivados com a conquista dos direitos indígenas aprovados na Constituição Federal de 1988, os Xucuru sem terra para trabalhar e viver, iniciam um processo de retomada de suas terras em poder de fazendeiros invasores.
Assim, de maneira inédita, os direitos indígenas receberam um tratamento especial na Constituição de 1988, a qual dedicou um capítulo exclusivo para tratar dos mesmos. Apesar de a nossa atual Carta Magna assegurar o direito à terra para os povos indígenas, “o processo administrativo de demarcação da terra indígena, iniciado em 1989, somente foi concluído em 2005, com o registro da Terra Indígena Xucuru. Porém, até 2015, não tinha sido completada a desintrusão da área, com a retirada de não indígenas” (BASSETTO; KONNO, 2019, p. 37). Mesmo assegurado constitucionalmente, o povo Xucuru continuava sendo violentado, a ponto de, inclusive, o seu cacique, Xicão, ter sido assassinado no dia 20 de maio de 1998.6
Com isso, o Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) / Regional Nordeste, o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop) e o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) apresentaram, em 16 de dezembro de 2002, uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) referente à falha política do direito à terra dos povos Xucuru do Ororubá. Logo, “por meio do Relatório nº 44/1521, a (CIDH) analisou o Caso 12.728 e emitiu, em 28.07.2015, sua apreciação acerca do mérito da questão atinente ao Povo Indígena Xucuru, no Brasil” (BASSETTO; KONNO, 2019, p. 36), alertando o país para que lhes garantisse o seu direito.7
O Brasil acabou por negligenciar a determinação da CIDH e o caso se estendeu para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que, por sua vez, em 05 de fevereiro de 2018, expôs internacionalmente a falta de justiça do governo brasileiro alegando violação dos Direitos Humanos para com o povo Xucuru. A despeito de ter sido intimado a pagar uma indenização no valor de um milhão de dólares aos Xucuru, somente o fez em fevereiro de 2020, dois anos após a decisão (ALBUQUERQUE; SILVA, 2020). Infelizmente, o caso do povo Xucuru está muito longe de ser uma exceção no que diz respeito à violação dos direitos indígenas; antes, trata-se de uma regra instaurada de maneira ilegal e ilegítima, a qual contraria toda a sistemática estabelecida no texto constitucional.
Conversas com Tosowmlaka Fulni-ô
Ao seguir os passos de Latour (2009), Ingold (2012) e Clifford (2008), propomos neste ensaio um exercício de simetria ou antimodernidade, articulando na escrita os atores em rede e trazendo como teoria e metateoria seus próprios quadros explicativos, num esforço de ruptura com a ideia de autoridade etnográfica. Busca-se, assim, escapar das assimetrias tão fortemente presentes nos pensamentos moderno e pós-moderno. Para uma aproximação às cosmologias e às cosmopolíticas sobre a terra, é vital que se busque pelas definições nativas, isto é, as definições sobre o mundo e sobre as relações entre os seres articuladas por nossos interlocutores. Além disso, é necessário que acreditemos nessas definições, não como meras representações do real, mais ou menos distorcidas (LATOUR, 2009), mas em simetria com as definições criadas pela ciência. Por essas e outras razões, esta seção será composta por uma conversa entre os autores e Tosowmlaka Fulni-ô, intelectual, cineasta e parceiro de longa data de várias atividades promovidas pelo Grupo de Estudos e Pesquisas Macondo: artes, culturas contemporâneas e outras epistemologias.
Fulni-ô é a autodenominação étnica atual usada por todos os Fulni-ô. No Nordeste brasileiro, excluindo o Maranhão, os Fulni-ô são o único povo indígena que ainda fala uma língua nativa. Os Fulni-ô referem-se à sua língua como Yaathe [ya:'th e], “nossa boca, nossa fala”. Hoje em dia, o Yaathe é classificado como pertencente ao tronco Macro-Jê, porém sem inseri-lo em nenhuma das famílias do tronco, conforme o modelo proposto pelo linguísta Aryon Dall‘Igna Rodrigues (1986). A sobrevivência extraordinária do Yaathe pode ser explicada por sua função decisiva no ritual do Ouricuri e na construção das fronteiras étnicas. A religião, por exemplo, depende essencialmente do uso da língua indígena, que também representa um meio de iniciação a ela. Por isso, muito do que se produz em termos de conhecimento sobre os Fulni-ô gira em torno da importância da língua ancestral em seu contexto sociocultural. Deste modo, a importância e a luta pela terra acabam sendo sombreadas pelo relevo da língua Yaathe. Esses temas são relacionais e têm, conjuntamente, profunda importância. Questões relativas à terra não podem ser desvinculadas dos modos de ser Fulni-ô. Assim, escolhemos travar essa conversa com Tosowmlaka Fulni-ô no intuito de trazer a este texto acadêmico um olhar sensível aos desafios impostos pelas relações com o Estado no que tange ao reconhecimento de seus territórios milenares. Para começarmos a conversa, pedimos que Tosowmlaka Fulni-ô8 (2020) se apresentasse de maneira livre:
Bom, meu nome é Elvis Ferreira de Sá. Eu sou Tosowmlaka e meu apelido é Hugo Fulni-ô. Eu sou do povo indígena Fulni-ô. Sou professor indígena da rede estadual há mais de nove anos e tenho um trabalho voltado à questão linguísta aqui do meu povo. Documentação linguísta. Fiz mestrado pela Universidade Federal de Alagoas, no Programa PPGL-UFAL. Também trabalho com a questão do audiovisual indígena, eu sou realizador indígena. A gente criou aqui, nós professores indígenas, o Coletivo Fulni-ô de Cinema e a gente vem com essa preocupação de registrar nossos aspectos culturais, justamente por causa das perdas ocasionadas no nosso território. Falo isso sobre a questão linguística. [...]. Então, isso me motivou para que eu viesse a ingressar na universidade também. É que eu tenho a formação em ciências humanas, na licenciatura indígena da UFPE, com mestrado em Linguística agora. E isso me motivou pra eu vir registrar a cultura do meu povo e a língua Yaathe. Que está, segundo a Unesco, em iminente risco de extinção. Então, a minha missão e a minha tarefa também como pesquisador, professor e realizador indígena é revitalizar a língua do meu povo. Dar uma nova oportunidade, dar uma nova energia pra que isso seja ensinado sistematicamente nas escolas indígenas aqui de nosso povo.
Tosowmlaka é um intelectual orgânico que está na linha de frente de vários desafios enfrentados pelos povos indígenas do Nordeste: o esforço de revitalização da língua ancestral, o ensino de humanidades a partir de uma perspectiva decolonial na escola indígena e a produção cinematográfica como exercício de mídia contra-hegemônica, num esforço conjunto de trazer à baila várias lutas empreendidas pelo povo Fulni-ô desde a invasão portuguesa. Por tudo isso, para além de nossa parceria na Mostra de Cinema Indígena da UFRPE-UAST, consideramos Tosowmlaka como um interlocutor importante das questões elaboradas neste ensaio. Diante disto, perguntamos qual a importância e o significado da terra para o povo Fulni-ô:
Eu acredito que a terra tem uma grande relevância para os povos indígenas em geral, diferentemente dos não indígenas que vê ela como mercadoria. Para nós, povos indígenas, e especificamente para o nosso povo Fulni-ô, ela está conectada com a gente, ela é uma garantia de extração das riquezas naturais e de conexão com a nossa cultura. Então, a gente não tem que separar ela e a gente. Não tem que ver a terra como como fonte de mercadoria. A terra nos garante a sobrevivência e se relaciona com a própria cultura do nosso povo. É preciso respeitar os eventos naturais ocorridos nela. (TOSOWMLAKA FULNI-Ô, 2020).
Muito antes da invasão portuguesa, os povos originários viviam em integração holística com a natureza, como partes de um mesmo corpo, filhos de uma mesma mãe, a terra, que, em Yaathe, chama-se fea. Em sua elaboração, Tosowmlaka aponta que as sociedades com base comunitária, a exemplo da Fulni-ô, têm como princípio a interdependência entre todos os seres. Neste modo de organização social, os objetivos do grupo são mais importantes do que os objetivos individuais de seus membros, a prioridade é o bem estar coletivo e não o individual, justamente o oposto do que se dá num sistema tipicamente capitalista. É como se, para sentir-se pleno, o indivíduo necessitasse que tudo em seu entorno estivesse equilibrado. Contudo, esse exercício de harmonia, imprescindível para o povo Fulni-ô, foi fortemente impactado após a invasão portuguesa e a emergência da empresa colonial. Várias terras indígenas foram usurpadas por fazendeiros, madeireiros, garimpeiros, bandeirantes e até mesmo pelo Estado. Terras indígenas passaram a ser positivadas pelo Estado de Direito, o que lançou as populações indígenas num grande empreendimento para retomar seus territórios sagrados. Neste sentido, Tosowmlaka reflete sobre como ocorreu esse processo de expropriação do território Fulni-ô e os acordos que vieram depois:
Relacionado à questão jurídica aqui do povo Fulni-ô: atualmente tem onze mil quinhentos e quatro hectares de terra. Acredito eu que é insuficiente para a questão cultural, de manutenção cultural do nosso povo. Esses onze mil e quinhentos hectares são históricos. Eles vieram da empreitada, segundo documentos históricos, da Guerra do Paraguai. É remoto isso, falando no sentido de que nosso povo, nossos ancestrais, tiveram que ir para a guerra e lutar na guerra do Paraguai pra poder ganhar esses onze mil e quinhentos hectares. Como o governo imperial dominava e oprimia as populações minoritárias, os povos indígenas, os negros, então, nossos ancestrais tiveram que sair daqui e lutar na guerra do Paraguai onde muitos morreram e apenas três sobreviveram nessa guerra. Na verdade, é de direito essa terra. Nossa terra é muito extensa do ponto de vista ideológico, dos anciões, do ponto de vista cultural, do ponto de vista das narrativas onde os nossos antepassados contam. Ainda existe ancião que diz que a gente, o nosso povo veio da Serra dos Cavalos. Migravam por esses territórios todinhos. Aí, apareceu em 2003 um GT. Um grupo de trabalho, para fazer esse estudo na nossa comunidade. Hoje em dia esse documento, esse estudo, está engavetado na Funai, porque era para pegar desde a Serra dos Cavalos, abranger esse território todinho, a Serra de Campo Grande, totalizando mais ou menos setenta e cinco mil hectares de ampliação. Isso foi em 2003. Agora que os direitos tão sendo negados por esse governo atual a situação fica ainda pior. [...]. Esses setenta e cinco mil que eu estou falando com certeza dá garantia à reprodução cultural do nosso povo, porque é muito insuficiente esses onze mil hectares. Por quê? Porque a gente tem a extração das matérias primas para praticar a cultura. Eu falo do caruá, das plantas medicinais que estão no nosso território e que a gente tem que sair do nosso território para tirar nas terras dos fazendeiros que usurparam nossos ancestrais. A gente necessita dessa ampliação. [...]. Ainda sobre essa questão jurídica da terra, desses onze mil e quinhentos hectares quando nosso povo ganhou foi na época do SPI, junto com o governo de Pernambuco da época. É muito interessante a questão fundiária do povo Fulni-ô porque eles lotearam esses onze mil e quinhentos hectares para as famílias existentes na época. Isso foi uma política integracionista, no meu ponto de vista, para dividir as pessoas em um quadrado. Ou seja, deixar os Fulni-ô na margem. Dessa ideia de individualidade que hoje a gente se encontra. Cada família na época ganhou digamos três hectares de terra. Então, permanece esse sistema aqui de Fulni-ô que é diferente do vários povos (TOSOWMLAKA FULNI-Ô, 2020).
Aqui, Tosowmlaka trata de uma série de questões importantes e que precisam ser reiteradas. A primeira delas diz respeito à violência e ao genocídio perpetrado contra o povo Fulni-ô no processo de luta pela terra. O caráter das relações entre indígenas e não indígenas em Águas Belas ficou patente durante a Guerra do Paraguai. Foi preciso constituir, estrategicamente, uma empreitada de morte na guerra para que a terra fosse “cedida” pelo Estado como moeda de troca. Segundo relatos de Mello (1929, 1930), Vasconcelos (1962) e Silva (2005), logo que o Governo Imperial decretou o “voluntariado”, Águas Belas concorreu com 72 homens, formando uma companhia composta em sua grande maioria por indígenas recrutados à força em ação enganosa, como relatam com base na história documental e oral.
Depois, houve um loteamento do território entre as famílias da época, num esforço de integrá-las à sociedade envolvente; assim, mais uma vez, oferecia-se a terra em troca do apagamento cultural do povo. Outro aspecto importante diz respeito à morosidade do Estado em homologar essas terras. Apenas em 2003 houve início o processo de construção do Grupo de Trabalho da Fundação Nacional do Índio (Funai) para dar andamento ao processo de regularização das terras. Por fim, Tosowmlaka também ressalta a importância da extração de recursos naturais, que vai na contramão de uma visão sobre a natureza como fonte de exploração. Tem-se aqui uma perspectiva de Bem Viver alinhada com o que Fernando Huanacuni Mamani9, advogado Aimará e pesquisador da cosmovisão ancestral dos povos originários andinos, chama de direito de todos. Todos devem ter o direito à moradia, à comida, à água, à roça. Para tal, a ideia de propriedade existe como um direito de todos, mas estaria ligada ao tamanho das famílias, e vem junto com a responsabilidade de cuidar daquele espaço:
De acordo com a história, houve uma política de integrar os povos indígenas, especificamente o povo Fulni-ô à comunidade nacional. Então, essa estratégia do SPI em lotear o território Fulni-ô para as famílias, cada família ganhou seu território, mas as famílias cresceram e as gerações futuras não têm terra. Por conta disso, hoje em dia, muitos Fulni-ô têm aquela ideia de propriedade privada que já não é de acordo com a ideologia dos povos indígenas, de que a terra é pra todos. Isso daí já é herança colonial, isso daí foi instalado na nossa comunidade. (TOSOWMLAKA FULNI-Ô, 2020).
Mamani (2014) lembra, em acordo com o relato de Tosowmlaka, sobre a pertinência de incentivar que todos os membros do grupo, desde cedo, participem das tomadas de decisões públicas, desenvolvendo, assim, o compromisso coletivo e a preocupação com o bem viver da comunidade. Para garantir esse direito a todos, uma das prerrogativas do Bem Viver propõe a redistribuição de grandes propriedades para que todos possam produzir. Dentro da concepção de Bem Viver, as diferenças de poder são inaceitáveis, a vida está acima de tudo. Outro princípio é o de substituir a monocultura pela multicultura, valorizar a agricultura familiar, substituir sementes transgênicas por orgânicas e crioulas, promovendo-se, assim, um modo de vida mais sustentável e agroecológico. Portanto, a economia dentro do Bem Viver busca melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, estando a serviço das pessoas e não do mercado. A situação em que os Fulni-ô estão, relegados pela inoperância do Estado brasileiro, é um contrassenso em relação aos princípios do Bem Viver. Para que pratiquem sua ciência e medicina, como narra Tosowmlaka, faz-se necessário avançar para outros territórios e negociar a extração de fibras ou plantas medicinais com fazendeiros do entorno. Para piorar a situação, o território demarcado no passado é insuficiente para a vida cotidiana das novas famílias que se formaram após a demarcação:
Existe Fulni-ô espalhado por todo canto aí do Brasil. Em São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Recife. O território é insuficiente pra todas as famílias. O Fulni-ô tem que sair para buscar outras oportunidades. Com a ampliação acredito que isso não ocorreria. Se tivesse ampliação anteriormente, se as políticas públicas fossem favoráveis aos povos indígenas…Anteriormente negavam os seus direito e agora, está descarado mesmo, tá visivelmente. É uma afronta o governo atual negar esse direito de ampliação dos territórios indígenas. [...]. Os ruralistas eles entram para criar medidas que impedimento dessa ampliação, dessa demarcação. Então, tá escancarada aí a retirada de direitos das populações indígenas. (TOSOWMLAKA FULNI-Ô, 2020).
Diante dessa trajetória de flagrante violação dos direitos básicos constitucionais do povo Fulni-ô, perguntamos a Tosowmlaka se ele já ouvira falar sobre o caso Xucuru na Corte Interamericana de Direitos Humanos, no qual, em uma decisão inédita, o Brasil foi condenado por violação de direitos e pagou uma indenização ao povo Xucuru:
Já ouvi falar sobre o caso Xucuru, na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Eu ouvi o cacique Marquinhos Xucuru, onde ele relata todas agressões sofridas pelo povo dele e a negação de direitos de seus territórios. Foi muito importante ter visto essa reportagem porque serve como base para muitos povos indígenas brigar pelos seus direitos. A gente tem que sair para outras instâncias internacionais pra que esse direito seja efetivado. [...]. Com base nos argumentos do povo Xucuru, vai servir também como modelo para outros povos também brigar pelos seus direitos. Já que aqui não está funcionando, a Justiça ela tá cega de verdade, então é bom que se faça uma estratégia para a gente migrar para essas agências internacionais para que nosso direito venha a ser efetivado aqui no Brasil (TOSOWMLAKA FULNI-Ô, 2020).
Tosowmlaka elabora uma importante crítica ao Estado Democrático de Direito e ao aparato jurídico brasileiro. Essa percepção quanto à práxis cotidiana trazida ao debate é reiterada por Boaventura de Sousa Santos (2009), autor cujo pensamento nos lembra que, nas últimas décadas, desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, outras declarações internacionais, convênios e normativas vêm a proclamar direitos a serem considerados universalmente humanos. Na mesma esteira, Cademartori e Grubba (2012) atentam que as Constituições mais recentes, assim como a brasileira, subscreveram tais normativas internacionais, apregoando em seus textos direitos fundamentais em variadas dimensões, juntamente com garantias processuais e institucionais para sua consecução, como no caso do Brasil. Contudo, na forma como foram predominantemente concebidos, os Direitos Humanos são o que Santos (2009) chama de localismo globalizado, isto é, passam longe de se transformar na linguagem cotidiana da dignidade humana nas diferentes regiões culturais do globo. Neste sentido, compete à hermenêutica diatópica, segundo Santos (2009), transformá-los numa política cosmopolita que ligue, em rede, línguas diferentes de emancipação pessoal e social e as torne mutuamente inteligíveis e traduzíveis. Este seria um projeto de concepção intercultural dos Direitos Humanos. Neste sentido, para Flores (2009), o grande desafio não é apenas jurídico, mas também político e social, uma vez que se faz necessário garantir direitos já assegurados, sem prejuízo à possibilidade do surgimento de novos direitos. Mais do que isso, é assegurar que esses direitos não continuem a ser violados e anulados, conforme posto por Tosowmlaka Fulni-ô (2020):
Eu acredito que o Brasil ele tem que ser denunciado por essa práticas genocidas contra os povos indígenas em geral. O povo Xucuru ganhou, graças a Deus, esse direito. E vários povos também podem se manifestar e ir procurar essa ajuda, essa garantia, e que o Brasil seja condenado mesmo pelos povos indígenas todinho do Brasil, principalmente os povos indígenas no Nordeste. Digamos assim, vamos começar com os povos indígenas do Nordeste que é onde foram os primeiros a serem agredidos pela catequização, os fazendeiros e os usurpadores que ainda têm nas terras indígenas.
Santos (2009) afirma que um projeto de concepção multicultural dos Direitos Humanos pode parecer utópico e é tão utópico quanto o respeito universal pela dignidade humana; todavia, nem por isso este último deixa de ser uma exigência ética séria. Os povos indígenas, na sua busca incansável por respeito ao seu modo de vida, garantiram vitórias importantes no âmbito jurídico que reverberam não só na elaboração de hermenêuticas decoloniais, como abrem caminho para a construção de outras estratégias de luta para os movimentos sociais de uma maneira geral.
Fica evidente que apenas a positivação dos direitos indígenas não tem sido suficiente para que eles sejam observados na prática pelo Estado. A existência da temática indígena dentro do ordenamento jurídico brasileiro ainda se apresenta como um desafio para o Direito, já que a sua gênese, a partir deste Estado monista, colonialista e ocidental, como único reprodutor de juridicidade, acaba sendo um entrave para abarcar todas as nuances de um país pluriétnico e multicultural, repleto de nações, línguas e saberes diversos. Neste cenário de inação perversa do Estado brasileiro, vários outros povos indígenas de Pernambuco seguem lutando por seus territórios. Por isso, este ensaio busca trazer outras vozes para diálogo, no intuito de ecoar os clamores por demarcação de território para os povos originários da região, um dos pilares fundamentais para o Bem Viver, como se depreende das palavras finais de Tosowmlaka Fulni-ô (2020) a seguir:
É notório a gente saber que os direitos dos povos indígenas eram negados na época do Império. Então, as Constituições anteriores não davam esse direito. Aí, séculos mudaram e os direitos foram garantidos na Constituição, na democracia, de acordo com os preceitos democráticos, mas que na verdade esses direitos eles são agredidos constantemente. Foram agredidos e até a data atual eles são negados. [...]. Está lá expresso no texto constitucional, mas é que os deputados da base ruralista e outros deputados criam medidas para poder negar esses direitos. A gente tem que observar essa questão. Então, nós povos indígenas, os povos indígenas que estão entrando na política tem que garantir de fato esses direitos. Só ingressando e procurando meios de agências internacionais para poder garantir nossos direitos aqui no Brasil.[...] Então que sirva como base para muitos povos, para a gente poder condenar de verdade o Brasil. Porque a democracia aqui no Brasil ela de fato não é feita, a democracia é para os grandes latifundiários de terra. A democracia ela é para os bem nascidos. Não existe de verdade uma democracia que garanta os direitos das sociedades ditas minoritárias.
As reflexões de Tosowmlaka atestam que esta história está inacabada, uma vez que o povo Fulni-ô ainda enfrenta a violação de seus direitos no instante em que estas linhas são escritas. Além disso, reforça Schröder (2012), a homologação por decreto presidencial de uma terra indígena não representa a conclusão do processo, pois sempre haverá interação, dilemas e desafios entre os que habitam a terra e os que vivem fora dos limites dela:
Contudo, olhando para o lado oposto da narrativa, enfrentaríamos um desafio ainda maior por tentar definir um ponto de partida, por exemplo, os supostos contornos ‘originais’ do território Fulni-ô. Isto seria apenas interessante para narrar alguma história, porém tal reconstrução seria empiricamente impossível. Em primeiro lugar, por causa das informações escassas disponíveis e, em segundo lugar, o que é mais importante, porque não existe território ‘original’ e imemorial de um grupo ou de uma etnia. Os antropólogos envolvidos em questões de terras indígenas fazem questão de frisar que todo e qualquer território étnico é resultado de processos históricos. Por isso, a legislação indigenista brasileira destaca o princípio da tradicionalidade, da ideia da duração transgeracional, de territórios indígenas a identificar. Esta ideia é manifesta na definição de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas no § 1º do ensaio 231 da Constituição Federal por quatro critérios: são terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (SCHRÖDER, 2012, p. 20-21).
O território de um povo indígena, por sua vez, é entendido como um espaço criado e atualizado por práticas culturais no devir da história, tendo estas práticas não apenas caráter pragmático mas também, e principalmente, simbólico. Tanto atividades econômicas para diversas finalidades quanto práticas sociais, religiosas e rituais contribuem para constituir tais espaços (SILVANO, 2001). Apesar disso, na prática, como é possível ver no desabafo de Tosowmlaka, esse ideal muitas vezes não é alcançado por diversos motivos, tanto técnicos e metodológicos quanto políticos. Schröder (2012) aponta que a situação atual da terra indígena Fulni-ô é um exemplo perfeito para ilustrar a diferença entre terra e território: o território dos Fulni-ô estende-se além dos limites do quadrado da terra indígena atual. Em sua reflexão generosa, Tosowmlaka desvela um processo cruel que causou reduções drásticas do território Fulni-ô. Assim, a partir das forças autoritárias da violência estatal e da sociedade não indígena, foram transformadas profundamente não só as relações dos Fulni-ô com o mundo dos brancos (Mlati, em Yaathe), mas também com o próprio território.
Considerações finais
Os povos originários vêm lidando há cinco séculos com a usurpação de seus territórios nativos, sob o pretexto civilizatório e desenvolvimentista do Estado ocidental, sofrendo profundas transformações em suas culturas e identidades. Enfrentam batalhas constantes contra as violências cometidas por uma estrutura social elitista e reprodutora de injustiças. Somam-se o preconceito, a discriminação e o racismo de uma sociedade envolvente que os estigmatiza e ignora como seres humanos e cidadãos. Neste sentido, a fim de que se possa repensar as estruturas e buscar um Estado efetivamente mais plural, é basilar escutar os povos originários e tradicionais.
Remontar a trajetória do caso Xucuru na Corte Interamericana de Direitos Humanos em diálogo com a crítica e a reflexão de Tosowmlaka Fulni-ô abre vereda para pensarmos sobre como o discurso dos Direitos Humanos, apesar de sua história intimamente relacionada com as lutas sociais, está fortemente marcado por referenciais da modernidade. A construção de uma ideia de igualdade, de liberdade e de universalidade de maneira constante passa ao largo dos desafios enfrentados por grupos sociais marginalizados. Quando Tosowmlaka afirma que “a democracia aqui no Brasil ela de fato não é feita, a democracia é para os grandes latifundiários de terra. A democracia ela é para os bem nascidos. Não existe de verdade uma democracia que garanta os direitos das sociedades ditas minoritárias” (TOSOWMLAKA FULNI-Ô, 2020), há um questionamento da pertinência da construção e do alcance dos ideais de igualdade, liberdade e universalidade. Os casos dos Xucuru e dos Fulni-ô explicitam que esses referentes não dão conta das diferenças culturais, dos diversos modos de situar-se diante da vida, dos valores, das várias lógicas de produção de conhecimento, práticas e visões de mundo.
Dos primeiros contatos com a violência das frentes colonizadoras até o presente, os Fulni-ô sofreram uma constante redução de seu território a ponto de ficarem confinados a um quadrado loteado de 11.663,55 hectares, cujo espaço continua ser reduzido pela expansão da cidade de Águas Belas e pela ocupação da maior parte da terra indígena por arrendatários não indígenas (SCHRÖDER, 2012). A história dos Fulni-ô desde a invasão, assim como nos conta Tosowmlaka, configura- se basicamente como uma história de perdas. Perdas de grandes partes do território tradicional, perdas de acesso a áreas importantes para a reprodução física, social e cultural do grupo, perdas de vidas, perdas de autonomia política. Em tal contexto, atenta Schröder (2012), a sobrevivência dos Fulni-ô como grupo social e culturalmente diferenciado pode parecer, se não milagrosa, ao menos impressionante.
Neste sentido, o caso Xucuru se torna emblemático para continuar a renovação das esperanças pela luta por território:
[...] Então, se a gente tivesse a oportunidade de brigar e de argumentar na Corte Americana sobre nossos direitos isso seria muito relevante para a nossa comunidade. Eu acredito que muitos Fulni-ô pensam dessa forma e se a gente puder conseguir o contato Corte Internacional de Direitos Humanos, é… e a gente poder dialogar com eles sobre o fato do território Fulni-ô, sobra as agressões que ocorreu durante a história e o nosso território ser verdadeiramente ampliado, vai ser muito importante pras famílias pra garantia da sobrevivência das famílias aqui. Do ponto de vista físico e cultural. (TOSOWMLAKA FULNI-Ô, 2020).
Apesar de reacender a chama da esperança, a fala de Tosowmlaka Fulni-ô também desvenda o quão o acesso aos direitos básicos ainda é hermético. Essa dificuldade de conhecer as veredas para a reivindicação de direitos está profundamente relacionada com o elitismo colonial do universo jurídico. Por isso, o pensamento decolonial traria uma alternativa crítica e intercultural de Direitos Humanos, em oposição ao conhecimento hegemônico e excludente acerca das populações tradicionais, tidas como subalternas, inferiores e incivilizadas pela lógica da colonialidade de epistemologia universal da racionalidade moderna.
Assim, é urgente que os Direitos Humanos, numa visão reflexiva, estejam comprometidos com a práxis histórica local: numa escuta constante, atenta e ativa das demandas dos povos tradicionais e originários em prol de uma contextualização emancipadora. Faz-se fundamental colocar o Direito/direito10 em prática e incorporar outros vocabulários de contestação. As lutas de resistência e pela libertação do eurocentrismo opressor são a base desse diálogo intercultural. Para Wolkmer (2015), somente assim o pensamento decolonial pode devolver uma perspectiva integradora aos Direitos Humanos, por meio do reconhecimento das diferenças, voltando-se para a diminuição das desigualdades pela redistribuição de recursos e proibindo processos de exclusão. Não se trata, portanto, de civilizações ou culturas superiores ou inferiores, mas de civilizações e culturas equivalentes mas diferentes, como afirma Baniwa (2006). A práxis antirracista, decolonial e intercultural só pode ser construída com escuta atenta à descolonização de saberes.
Por isso, o caso Xucuru na Corte Interamericana de Direitos Humanos surge como algo tão especial e, como não poderia deixar de ser, reverbera fortemente na construção de um ethos, de um espírito de luta esperançoso entre outros povos indígenas de Pernambuco. O processo e o resultado do caso Xucuru é parte de um movimento decolonial, com suas várias vertentes teóricas e de práticas de luta, que promove vozes silenciadas durante séculos de expansão violenta e genocida de países europeus e dos Estados Unidos da América pelo mundo. Os povos originários, projetaram suas vozes para recontar, de acordo com suas perspectivas de clamor por justiça e resistência, a dor a que são submetidos pela mão pesada do Estado.
Neste sentido, as reflexões trazidas aqui a partir do emblemático caso Xucuru, em diálogo com Tosowmlaka Fulni-ô, visam lançar luz sobre as alternativas civilizatórias construídas pelas populações indígenas em prol do Bem Viver, em contraposição ao modelo ecocida de desenvolvimento econômico perpetrado no Brasil desde sempre. O caso Xucuru possibilita uma leitura a contrapelo da história “oficial” e das obras canônicas do Pensamento Social Brasileiro (e no Brasil) e do Direito positivista e eurocêntrico. Este ensaio procurou, por meio do diálogo intercultural, elaborar questões a partir de uma perspectiva profundamente invisibilizada na intelectualidade brasileira: a visão dos povos originários, que traz a memória e a práxis de quem resistiu à violência colonial e ao genocídio até os dias de hoje.
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1
Optamos pelo termo sulear em contraponto à nortear. As línguas são construções sociais dinâmicas e o exercício crítico em torno delas é ferramenta importante no campo da Antropologia. Por isso, quando operamos essa troca, seguimos a perspectiva lançada pelo artista uruguaio Torres García (1874-1949), que propôs um mapa onde o sul estaria no topo, dando visibilidade a um olhar a partir do sul como forma de contrariar a lógica hegemônica eurocêntrica em que o norte surge como referência universal. Dessa forma, abre-se senda para problematizar e contrapor o viés ideológico do termo nortear (norte: acima, superior x sul: abaixo, inferior).
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2
Segundo Carlos Walter Porto-Gonçalves, Abya Yala vem da língua do povo Kuna e significa “Terra Viva”. Pouco a pouco, nos diferentes encontros do movimento dos povos originários, o nomeAméricavem sendo substituído porAbya Yala, indicando, assim, não só outro nome, mas também a presença de um outro sujeito enunciador de discurso, até aqui silenciado e subalternizado em termos políticos: os povos originários. Mais informações disponíveis em: http://latinoamericana.wiki.br/verbetes/a/abya-yala.
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3
Segundo Tadeu Breda, tradutor da obra escrita por Acosta (2016, p. 10-11, grifos do autor), “‘Bom Viver’ é a tradução que mais respeita o termo utilizado pelo autor (Buen Vivir) e também o termo em kíchwa (sumak kawsay), língua da qual nasceu o conceito em sua versão equatoriana. De acordo com o Shimiyukkamu Dicionario Kichwa-Español, publicado pela Casa de Cultura de Ecuador em 2007, sumak se traduz como hermoso, bello, bonito, precioso, primoroso, excelente; kawsay, como vida. Ou seja, buen e sumak são originalmente adjetivos, assim como ‘bom’ – seu melhor sinônimo em português, no caso. Vivir e sumak, por sua vez, são sujeitos. Contudo, em atenção ao termo utilizado há alguns anos por movimentos sociais brasileiros, decidimos traduzir o título do livro como O Bem Viver, considerando ‘bem’ como advérbio e ‘viver’ como verbo. [...]. Afinal, assim como Buen Vivir é usado no Equador e Vivir Bien, na Bolívia, Bem Viver é a expressão em uso no Brasil.
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4
“Dar suas vidas” no sentido simbólico, uma vez que essas lideranças dedicaram suas existências à luta por direitos, mas também literalmente, como no caso de Xicão, que foi assassinado por causa de sua batalha pela demarcação do território ancestral do povo Xucuru.
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5
TERRAS indígenas no Brasil. Terra indígena Xucuru. Disponível em: https://terrasindigenas.org.br/pt-br/terras-indigenas/3909. Acesso em: 13 jun. 2020.
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6
OLIVEIRA, Kelly. Xicão Xucuru, [201-]. Disponível em: https://osbrasisesuasmemorias.com.br/xicao-xukuru/. Acesso em: 13 jun. 2020.
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7
O relatório completo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso Xucuru encontra-se disponível no link a seguir: http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2016/12728FondoPt.pdf.
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8
Tosowmlaka carrega o nome de batismo Elvis e a alcunha Hugo. Em comum acordo com nosso interlocutor e parceiro, optamos por endossar e afirmar a importância de seu nome Fulni-ô no transcorrer da conversa e do texto.
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9
MAMANI, Fernando Huanacuni. Vivir Bien / Buen Vivir. [2014]. (45min31s). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FQo-qkjS6Qc. Acesso em: 13 ene. 2020.
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10
Aqui fazemos uma dupla referência: ao Direito enquanto disciplina, assim como ao direito dos povos originários violados historicamente.
Referências
- ACOSTA, Alberto. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução de Tadeu Breda. São Paulo: Elefante / Autonomia Literária, 2016.
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ALBUQUERQUE, Evelyn Pinheiro Tenório de; SILVA, Carla Ribeiro Volpini. O direito ao território ancestral e a proteção dos povos indígenas: a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso do povo indígena Xucuru e seus membros versus Brasil. Revista Direitos Culturais, Santo Ângelo (RS), v. 15, n. 16, p. 167-192, maio/ago. 2020. Disponível em: http://san.uri.br/revistas/index.php/direitosculturais/article/view/20/14 Acesso em: 20 dez. 2019.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Abr 2022 -
Data do Fascículo
Jan-Mar 2022
Histórico
-
Recebido
31 Jan 2022 -
Aceito
02 Fev 2022