Resumo
Este artigo pretende explorar o impacto exercido tanto pela Revolução Francesa como pelas invasões napoleônicas sobre o reino do Piemonte-Sardenha e, sobretudo, as reações de um de seus mais célebres súditos, o contra-revolucionário saboiano Joseph de Maistre (1753-1821) às mesmas, seja na condição de publicista, seja nas atribuições de estadista (embaixador sardo na Rússia, entre 1803-1817). À guisa do sesquicentenário da unificação italiana celebrado em 2011, buscamos reconstituir, por meio do testemunho intelectual de Maistre, alguns dos muitos e intricados mosaicos que compuseram o processo de unificação daquela península, destacando os dilemas identitários suscitados pelos desdobramentos revolucionários nos territórios da Casa da Sabóia, bem como a importância (certamente indireta e involuntária, mas não desprezível), para o futuro desfecho deste paradoxal processo de unificação, do contra-revolucionário saboiano.
Palavras-chave: Revolução Francesa; Historiografia; conservadorismo; Unificação Italiana; Maistre
Abstract
This article aims to explore the impact exerted by both the French Revolution and the Napoleonic invasions on the kingdom of Piedmont-Sardinia, and especially the reactions of his famous counter-revolutionary Savoyard subject, the count Joseph de Maistre (1753-1821) to them - first as a publicist, latter as a statesman (Sardinian ambassador in Russia between 1803-1817). In the manner of the sesquicentennial of the Italian unification celebrated in 2011, we seek to reconstruct, through the intellectual testimony of Maistre, some pieces of the intricate mosaic that made up the unification process of that peninsula, highlighting the identitarian dilemmas posed by the revolutionary developments in the territories of the House of Savoy, as well as the importance (certainly indirect and unintended, but not negligible), for the future outcome of this paradoxical process of unification, of the counter-revolutionary Savoyard.
Keywords: French Revolution; Historiography; conservatism; Italian Unification; Maistre
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MAISTRE, Joseph de. Lettre A M. le Marquis D'Azeglio, 21/02/1821. In: Oeuvres complètes de Joseph de Maistre (De agora em diante, apenas OC). Lyon: Vitte et Perussel, vol.XIV, 1886. p.258259. Esta e as demais traduções são de inteira responsabilidade do autor.
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PALMER, Robert R. The Age of the Democratic Revolution: The Challenge. Princeton: Princeton Univ. Press, 1959.
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Conforme célebre e nada diplomática "boutade" proferida pelo embaixador francês, Charles de Brosses, nos anos 1740: a Itália era como uma "alcachofra" que a Casa de Sabóia devorava "folha a folha. In: NICOLAS, Jean. La Savoie au XVIIIe siècle: noblesse et bourgeoisie (1978). Montmélian: La Fontaine de Siloé, 2003. p.626-627.
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ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista (1974). Trad. de João R. Martins Filho. São Paulo: Brasiliense, 2004, 3ª edição. p.171-172.
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NICOLAS, Jean. Op. Cit., p.596.
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PORCHNEV, Boris. Les soulèvements populaires en France au XVIIe siècle (1963). Paris: Flammarion, 1972. p.399.
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GRAMSCI, Antonio. Il Risorgimento (1975). Torino: Riuniti, 1991. p.132.
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Isto é, levando-se em conta o conceito de a "grande revolução de 1789-1848" consagrado pelo historiador Eric J. Hobsbawm, vale dizer, da "revolução dupla": na economia, triunfo da indústria capitalista; na política, ascensão da classe média e triunfo do conceito burguês de liberdade. Aplicado à situação histórica da península itálica posterior à existência de Maistre, este conceito permite destacar ainda mais a excepcionalidade política piemontesa (cuja estrutura social aristocrática, decisiva para a unificação, logrou sobreviver, não sem concessões, à ascensão das classes médias, sobretudo após 1848) no interior da península, cujo papel no processo de unificação italiana só pode ser comparável - o que não significa dizer que foi idêntico - ao que a Prússia desempenhou no processo de unificação da Alemanha (em linhas gerais, liderado também por um Estado periférico, fortemente centralizado e socialmente marcado pelo controle político da aristocracia). In. HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções, 1789-1848 (1962). Trad. de Maria Tereza Lopes Teixeira e Marcos Penchel. São Paulo: Paz e Terra, 2005, 19a edição. p.16.
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Dualidade esta já abordada, dentre outros, por LEBRUN, Richard. Joseph de Maistre: an intellectual militant. Quebec: McGill-Queen's University Press, 1988; e PRANCHÈRE, Jean-Yves. L'autorité contre les Lumières: la philosophie de Joseph de Maistre. Genève: DROZ, 2004.
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NICOLAS, Jean. Op. Cit., p.613.
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MAISTRE. Joseph de. Arquivos da Sabóia, B 1167, conclusões de 28 de julho de 1784.
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Sobre a história do conceito de ''direito natural'' na cultura política francesa do século XVIII, da Ilustração até o momento em que o mesmo se torna hegemônico como argumento político, vale dizer, nos quadros de radicalização e dissensão republicana durante o julgamento de Luís XVI, leia-se EDELSTEIN, Dan. The Terror of Natural Right: Republicanism, the Cult of Nature, and the French Revolution. Chicago: University of Chicago Press, 2009.
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MAISTRE, Joseph de. Adresse de quelques parents des militaires savoisiens à la Convention Nationale des Français (1793). In: OC, Vol.VII, p.72.
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Ibidem, p.55.
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MAISTRE, Joseph de. Apud. DARCEL, Jean-Louis (org). Présentation de Écrits sur la Révolution. Paris: PUF, 1989. p.21.
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MAISTRE, Joseph de. Lettres d'un royaliste savoisien a ses compatriotes (1793). In: OC, Vol. VII, p.36.
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Quanto a Michelet, o fato de aludir às Considerações em sua Histoire de la Révolution française, apenas confirma a excentricidade deste panfleto contra-revolucionário, que, apesar de representar uma refutação radical da Revolução Francesa, ofereceu ao professor republicano argumentos contundentes que serviram para reforçar suas críticas aos resquícios feudais e à aristocracia do antigo regime: "Eram uma classe de homens muito heterogêneos, mas em geral fracos e fisicamente decadentes, levianos, sensuais e sensíveis..." É o que reconhece o sr. de Maistre em suas Considerações sobre a França." In: MICHELET, Jules. Histoire de la Révolution française. Livro II, cap. III. Mais adiante, certo é que Michelet se remetia às Considerações quando dizia: "Os emigrados arriscavam vencer, assassinar a pátria, para sua desonra eterna. Ter-lhes-ia dito M. de Maistre: 'Oh, infelizes, felicitai-vos por terem sido derrotados pela Convenção!... Teríeis, pois, querido uma França desmembrada e destruída?" In: MICHELET, Jules. Histoire de la Révolution française. Livro XIII, cap.I.
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MAISTRE, Joseph de. Lettres d'un royaliste savoisien a ses compatriotes, Op. Cit, p.83-84.
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21
Ibidem, p.162.
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22
Ibidem, p.99.
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Ibidem, p.146.
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MAISTRE, Joseph de. Considérations sur la France (1797). In: OC, Vol.I, p.18.
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Ibidem, p.74.
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Ibidem, p.18. Grifos nossos.
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MAISTRE, Joseph de. Lettre au Baron Vignet des Etoles, 15 agosto 1794. In: DARCEL, JeanLouis (org.). De la terreur à la restauration: correspondances inédites. Revue des Études Maistriennes, vol.10, Paris, 1986-1987, p.97.
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O golpe de estado de 18 frutidor (4 de setembro de 1797), com o apoio dos militares, anulou o resultado das eleições da primavera (a qual tinha sido amplamente favorável aos moderados e realistas), frustrando as esperanças dos realistas franceses numa Restauração pacífica, pela via eleitoral. Em decorrência do golpe, estabeleceu-se a censura e a cassação dos deputados suspeitos de simpatias ou implicados em manobras monárquicas (como o recém-eleito presidente do Conselho dos Quinhentos, o general Charles Pichegru).
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Entenda-se por 'país' a região do Piemonte, a qual fora anexada à França pelas tropas de Napoleão.
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Em 1816, como reação às atividades missionárias dos jesuítas (e também de Maistre) na Rússia, publicou Considérations sur la doctrine et l'esprit de l'Eglise orthodoxe, na qual defendia, num tom nacionalista, a igreja ortodoxa contra as "impurezas heterodoxas trazidas pelos estrangeiros" (LEBRUN, Richard. Op. Cit., p.315).
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Ibidem, p.183. Isaiah Berlin demonstrou que na obra-prima de Tolstói, Guerra e Paz (1865-8), existem profundos ecos do pensamento de Maistre (o qual chega a ser citado no volume IV, parte III, cap. 19, da obra). Para o filósofo liberal, Maistre e Tolstói estavam "unidos pela incapacidade de escapar do mesmo paradoxo trágico: eram ambos por natureza raposas de olhar perspicaz, inevitavelmente conscientes das simples diferenças de facto que dividem e das forças que desintegram o mundo humano, observadores totalmente imunes aos enganos de muitos estratagemas sutis, de sistemas, credos, e ciências unificadoras, pelos quais os superficiais ou os desesperados procuravam ocultar o caos de si mesmos e dos outros". BERLIN, I. O ouriço e a raposa. In: HARTIG, H. e HAWSHEER, R. (orgs.). Estudos sobre a humanidade: uma antologia de ensaios (1997). Trad. de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Cia das Letras, 2002. p.447-505.
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MAISTRE, Joseph de. Mémoire a S.M. le Roi de Sardaigne, 15/12/1812. In: OC, Vol.XII, p.321-322.
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33
Ibidem, p.323-324.
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34
l'état présent de l'Europe, 12 de outubro de 1806. MAISTRE, Joseph de. Mémoire à consulter sur In: OC, Vol.X, p.468.
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35
MAISTRE, Joseph de. Mémoire à S.M. l'Empereur de toutes les Russies, 20/03/1813. In: OC, vol.XII, p.351.
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36
Ibidem, p.352.
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37
MAISTRE, Joseph de. Lettre à M. le Chevalier de Rossi, 18 de agosto de 1810. In: OC, Vol.XI, p.218.
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38
Ibidem, setembro de 1806, Vol.X, p.203.
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39
MAISTRE, Joseph de. Mémoire à son excellence M. de Novosiltzof, 1805. OC, Vol.IX,p.405.
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40
Idem. Mémoire à consulter sur l'état présent de l'Europe, janeiro de 1804. OC, Vol.IX, p.131.
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Apesar de concordar com as conclusões absolutistas de Hobbes, Maistre foi um crítico contumaz de suas premissas contratualistas, uma vez que para ele semelhante hipótese de 'estado natural' era uma suposição arbitrária (uma hipótese não amparada na experiência ou na história), cujo potencial revolucionário fora demonstrado pela filosofia Iluminista do século XVIII (sobretudo através de Rousseau) e pela Revolução Francesa.
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MAISTRE, Joseph de. Mémoire a S.M. le Roi de Sardaigne, 15/12/1812. In: OC, Vol.XII, p.410.
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43
MAISTRE, Joseph de, apud DARCEL, Jean-Louis. De la terreur à la restauration: correspondances inédites..., Op. Cit., p. 97.
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MAISTRE, Joseph de. Mémoire a S.M. le Roi de Sardaigne, 15/12/1812. In: OC XII: 411.
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MAISTRE, Joseph de. Notice Biographique. In: OC, Vol.I, p.XLI.
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MAISTRE, Joseph de. Lettre A M. le Marquis D'Azeglio, 21/02/1821. OC, Vol.XIV, p.257.
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Idem. Du Pape (1819). In: OC, Vol.II, p.237-247.
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48
SALVEMINI, Gaetano. Scritti di storia moderna e contemporanea (1961). Milano: Feltrinelli, 1973. p.524.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Dez 2012
Histórico
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Recebido
Fev 2012 -
Aceito
Mar 2012