O contexto mais contemporâneo dos debates sobre desenvolvimento regional encerra o ciclo da metrópole como o lugar, por excelência, da indústria e abre um novo ciclo, fundado nos negócios da produção imobiliária e das condições de infraestruturas indispensáveis à metropolização e à valorização do espaço metropolitano. A forma expandida da metrópole é central para a acumulação. A descontinuidade é a expressão do espaço-mercadoria, instrumentalizado pela valorização imobiliária do capital. As grandes regiões configuradas, com limites extremamente dinâmicos e difusos e intensos movimentos pendulares, expressam ao mesmo tempo uma nítida fragmentação territorial e uma transparente segregação social.
O Brasil caracteriza-se por contrastes e por abrigar distintos padrões de metrópole. Historicamente desigual, o processo de metropolização no Brasil se justapõe e superpõe traços de opulência, devido à pujança da vida econômica e de suas expressões materiais e sinais de desfalecimento, graças ao atraso das estruturas sociais e políticas. Tudo o que há de mais moderno pode aí ser encontrado, ao lado das carências mais gritantes, reproduzidas e exacerbadas pelos rumos da modernização.
Essa estrutura pode ser reconhecida em escala nacional e regional por vetores de modernização; entre os quais, o desenvolvimento industrial e a expansão do consumo de bens e serviços, por meio de uma rede urbana formada de centros articulados hierarquicamente. Consideradas as escalas da urbanização brasileira, podemos diferenciar metrópoles e metropolização como processo. Embora expressem distintas escalas de um mesmo processo, a introdução de novas tecnologias, as alterações nas redes técnicas, o aprofundamento da globalização da economia e o avanço da fronteira da ocupação são fatores que imprimiram modificações recentes no território. Essas mudanças, associadas ao avanço da divisão técnica e territorial do trabalho, ampliaram a organização em redes – de produção e distribuição, de prestação de serviços, de gestão política e econômica – e imprimiram cenários que devem ser acompanhados. No cenário das metrópoles, o efeito de massa e de primazia de rede não é o mesmo da metropolização como processo, que é orientado por grandes investimentos dirigidos e de constituição de cidades-empresa e de infraestrutura de grande porte para circulação ampliada de mercadoria, incluídas as commodities dos setores exportadores de bens agrícolas e minerais.
Desse modo, o conjunto dos artigos selecionados para este número de Cadernos Metrópole se situam nesse campo de discussão, trazendo importantes subsídios para o debate acerca da atualidade do tema da metropolização e das diferenciações regionais, sobretudo no Brasil. Tais artigos abordam tanto dinâmicas de metropolização na região “core”, especialmente na macrometrópole paulista (5 artigos), quanto transformações em outras regiões menos diretamente configuradas pelo processo de industrialização.
O texto A expansão da macrometrópole e a criação de novas RMs: um novo rumo para a metropolização institucional no estado de São Paulo?, de Henrique Rezende de Castro e Wilson Ribeiro dos Santos Júnior, faz uma avaliação da gestão metropolitana no estado de São Paulo, verificando a ocorrência de um processo de metropolização institucional, capitaneada pelo governo estadual, que se expressa em regulamentação e normatização de novas regiões metropolitanas e através da consolidação de uma escala regional ampliada no planejamento estadual: a macrometrópole paulista. Tal processo estaria marcado por problemas e entraves, relacionados às assimetrias do federalismo brasileiro. A entrada em vigor do Estatuto da Metrópole, em 2015, reforça a necessidade de uma reflexão sobre os rumos da metropolização institucional, ante os desafios impostos pela continuidade no tempo das desigualdades socioespaciais, descontínuas no espaço.
Dando continuidade ao tema, Késia Anastacio Alves da Silva, José Marcos Pinto da Cunha e Guilherme Margarido Ortega, no artigo Um olhar demográfico sobre a constituição da macrometrópole paulista: fluxos populacionais, integração e complementaridade, analisam a formação de novas morfologias urbanas, mostrando que estas passam não apenas pelos vetores de expansão da população, mas, principalmente, pelos fluxos populacionais; contribuindo, dessa forma, com o debate sobre a constituição da macrometrópole paulista.
Outra questão importante, também relacionada ao tema da macrometrópole paulista, é debatida por Jóice de Oliveira Santos Domeniconi e Rosana Baeninger, em seu artigo: A dinâmica da migração internacional qualificada para o estado de São Paulo no século XXI: os espaços da migração dos “trabalhadores do conhecimento”. Esse artigo ressalta a compreensão de que o fenômeno migratório envolve, também, suas dimensões espaciais. Além disso, constata a inserção de imigrantes qualificados no mercado de trabalho formal, presente nos diferentes municípios do estado de São Paulo, para além de suas regiões metropolitanas.
Ainda com relação à macrometrópole paulista e ao que diz respeito ao tema da dispersão urbana, Daniela Maria Eigenheer e Nadia Somekh apontam para as Formas avançadas de dispersão urbana no vetor noroeste paulista: eixo São Paulo-Campinas. Partindo do princípio de que as tendências da urbanização incorporam transformações espaciais da economia, as autoras analisam as novas dinâmicas de dispersão urbana, que vêm alterando os padrões de ocupação do tecido urbano ao longo do vetor noroeste paulista, eixo São Paulo-Campinas, estruturado pelo sistema de rodovias.
Outra questão importante é tratada por Marco Antonio Henrique, Adriane Aparecida Moreira de Souza e Paulo Romano Reschilian sobre a Duplicação da rodovia dos Tamoios–SP: fluidez e repercussões no espaço regional da Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte que conferiu uma nova dinâmica às interações econômicas inter e intrarregional nessa região.
Nesse contexto de metropolização como processo e considerando diferentes escalas regionais, o trabalho Rio de Janeiro: rumo a uma nova região metropolitana?, de Joseane de Souza e Denise Cunha Tavares Terra, aponta os casos especiais de Cabo Frio, Macaé-Rio das Ostras e Campos dos Goytacazes para distinguir padrões de metrópole em áreas do Norte fluminense especialmente afetadas pela economia do petróleo.
Do mesmo modo, as diferenciações regionais da metropolização brasileira são tratadas no artigo de Ana Paula Campos Gurgel, intitulado As metrópoles do interior do Nordeste: a caracterização de um tipo metropolitano regional, que mostra quão diferenciadas são as características assumidas pelo processo de urbanização no Brasil. Buscando a caracterização de um tipo metropolitano regional, constata que, por seu estágio intermediário de metropolização em relação às grandes metrópoles nacionais, as metrópoles do interior congregam equipamentos, serviços e empregos que atendem a uma escala regional e que, portanto, representam uma dominância socioeconômica e funcional dessas cidades-sede sobre suas hinterlândias.
Na mesma direção, o artigo Metropolização e diferenciações regionais: estruturas intraurbanas e dinâmicas metropolitanas em Belém e Manaus, de Tiago Veloso dos Santos, analisa a relação entre metrópole e região na Amazônia brasileira, mostrando a importância e o significado dessas formações em face de processos diferenciados de produção do espaço regional.
Por sua vez, o artigo Santarém (PA): um caso de espaço metropolitano sob múltiplas determinações, de Taynara do Vale Gomes, Ana Cláudia Duarte Cardoso, Helder Santos Coelho e Kamila Diniz Oliveira, ilustra um padrão de metrópole em formação incomum, no qual a diversidade socioespacial atende tanto ao perfil hegemônico metropolitano, quanto à origem amazônica ribeirinha. Expõe as coalizões criadas entre agentes econômicos do capitalismo global, elites locais e forças governamentais e o quanto as novas correlações de forças favorecem os interesses do setor imobiliário e financeiro, em detrimento da população local que historicamente tem sabido manejar seus espaços.
Finalmente, Óscar A. Alfonso R. apresenta, no contexto colombiano, uma abordagem institucional cujos dilemas, no Brasil, foram abordados no primeiro artigo deste dossiê. Em Regiones metropolitanas de Colombia: la gravitación y la desarticulación como rasgos dominantes de la organización territorial en curso, o autor exemplifica experiências relevantes e demonstra a necessidade de um novo modelo territorial do Estado de base regional: as áreas metropolitanas.
Fora do dossiê, o número 40 de Cadernos Metrópoles apresenta três artigos que, ainda que não abordem diretamente a relação metropolização e diferenciação regional, tratam de vetores de expansão metropolitana ressaltados pelos artigos componentes do dossiê.
Melba Rubiano Briñez, em Más allá de la metrópoli. La difusión espacial de la residencia de los grupos sociales con ingresos medios y altos de Bogotá, estuda em municípios distantes de Bogotá, na escala da “pós-metrópole”, a reprodução de padrões autossegregados de produção imobiliária em empreendimentos destinados a grupos sociais de rendas médias e altas. Reforça, então, a tese do caráter central dos negócios imobiliários num processo de metropolização bem além dos limites físicos da metrópole e sem que, para isso, fosse necessária a continuidade territorial.
Marcio Rodrigo da Silva Pereira e José O. Alcântara Jr., no artigo A mobilidade e a expansão territorial na cidade de São Luís, MA: um novo paradigma social na ocupação do espaço urbano, apresentam uma retrospectiva histórica da expansão urbana da cidade, destacando a centralidade explicativa da mobilidade urbana apoiada em infraestruturas viárias que desenharam os eixos ao longo dos quais se constituiu a aglomeração na Ilha de São Luís. Desse modo, os empreendimentos viários e de transportes urbanos, suportes físicos geralmente decorrentes de investimentos públicos, associam-se nitidamente aos empreendimentos imobiliários, sejam esses públicos ou privados, para reconfigurar, além de limites anteriores, o espaço urbano.
Sara María Boccolini, no artigo Construcción sociodemográfica en Córdoba (Argentina): cambios de las estructuras sociales en el territorio y su impacto en la demanda de hábitat urbano, apresenta uma análise das transformações demográficas em diversas escalas, enfocando especialmente a escala das unidades familiares no contexto da etapa final da transição demográfica concomitante à generalização de relações de trabalho mais flexíveis. Esse olhar demográfico e social permite à autora constatar que tanto a macrocefalia urbana quanto a dinâmica da concentração territorial da urbanização em grandes cidades podem não dar mais conta dos rumos atuais da metropolização.
Maria do Livramento M. Clementino
Jan Bitoun
Organizadores
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Sep-Dec 2017