Resumo
O objetivo deste artigo é demonstrar, a partir de uma ocupação localizada no Brás, organizada por migrantes latino-americanos e brasileiros, a forma de associação e entrelaçamento entre deslocamento, moradia e trabalho. Demonstra-se o modo de constituição da ocupação e de organização do local, indicando a rede de proteção que se estabeleceu em torno do espaço urbano e como uma ação judicial, que requer a remoção das famílias, aborda o tema do trabalho no local. A partir da dinâmica desse espaço urbano, demonstra-se que o trabalho constituído na ocupação fomenta um outro mercado, o mercado tido como informal de moradia.
migrantes; ocupação; remoção; moradia; trabalho
Abstract
The objective of this article is to demonstrate, using a squatted building located in the Brás neighborhood and organized by Brazilian and Latin American migrants, the way in which commuting, housing, and work are associated and interwoven. The article shows the constitution and organization of the squatted building, displays the protection network that was formed around the urban space, and explains the way in which a lawsuit that requires the eviction of families addresses the issue of work in the squatted building. Based on the dynamics of this urban space, we demonstrate that the form of work constituted in the squatted building fosters another market: the informal housing market.
migrants; squatted building; eviction; housing; work
Introdução
Na rua 21 de Abril,1 localizada no bairro do Brás, centro de São Paulo, formou-se, no decorrer dos anos, uma ocupação2 organizada por brasileiros, bolivianos, paraguaios, venezuelanos e colombianos. São 57 famílias, em sua maioria migrantes,3 que constituíram no local um lugar para morar e trabalhar.
O Brás é reconhecido como bairro de migrantes nacionais e internacionais na cidade de São Paulo. A região desenvolve-se como bairro operário e como destino de inúmeros trabalhadores migrantes ao longo do final do século XIX e início do século XX. No decorrer dos anos, o bairro foi se transformando, sendo reconhecido pelo comércio popular, consolidando-se como centro gravitacional de comércio de sacoleiros no Brasil e na América Latina.
O bairro constitui-se como centro de migração, seja definitiva, pendulares4 ou de negócios. Hoje a região faz parte de redes transnacionais de migração e comércio popular, continuando como local de moradia para inúmeros migrantes.
O comércio popular na região, que engloba o eixo Brás, Bom Retiro, ruas 25 de Março e Santa Ifigênia, é marca do centro de São Paulo; desde o século XX o comércio popular se concentra na região e surgem as primeiras indústrias ligadas à produção têxtil ( Freire, 2008 ). A região do Brás foi o primeiro polo industrial da cidade, passando por grandes transformações durante a década de 1980; local de concentração industrial que se reestruturou, fazendo com que a indústria de confecções da região desse lugar às lojas-fábricas, pequenas confecções organizadas por migrantes em fundo de quintais ou no interior de sua moradia ( Freire, 2015 ).
O Brás, juntamente com o Bom Retiro, continua como um dos principais centros de produção e distribuição de artigos de vestuário. O eixo Brás e Bom Retiro com o tempo foi expandindo-se para as Zonas Leste e Norte da cidade, regiões em que inúmeros pequenos ateliês de costura e estabelecimentos de confecções se instalaram; são pequenas oficinas de confecções terceirizadas, constituindo uma rede de subcontratação que fomenta o comércio de vestuário ( Freire 2015 ; 2008).
A expansão dessas pequenas oficinas acentua-se na década de 1990 com a reestruturação produtiva pela qual a indústria do vestuário passou. Essa mudança ocorre principalmente na gestão da mão de obra e organização produtiva, não se vincula com inovação tecnológica de grande impacto ( Freire, 2008 ). Assim, a partir dessa década, a terceirização por meio de redes de subcontratação de pequenas oficinas ganha impulso:
[...] a indústria de confecções passou por um processo de reestruturação onde as empresas diminuíram o tamanho de suas plantas e concentraram-se nos processos de criação, modelagem, corte de tecidos e comercialização dos produtos finais. As empresas formalmente constituídas passaram a subcontratar o serviço de oficinas de costura externas às fábricas na parte mais intensiva em mão de obra da produção. A terceirização foi uma estratégia de gestão de mão de obra para lidar com uma produção diversificada, de pequenas escalas e que muda constantemente de acordo com as variações nas tendências da moda. A inserção dos imigrantes bolivianos nesse setor da indústria paulistana parece ter ocorrido justamente através dessas oficinas de costura e, na medida em que se expande, este serviço é terceirizado. (Ibid., p. 93)
A estratégia de subcontratação por meio da terceirização da confecção descaracteriza a relação de trabalho, evitando responsabilização pelas condições dessa atividade e, muitas vezes, de exploração que essas formas de agenciamento de mão de obra produzem. Nesta estrutura, o responsável pela contratação do serviço ou responsável pela venda final do produto deixa de ser responsabilizado (ibid.).
O eixo Brás e Bom Retiro onde se concentra grande parte de empresas que produzem roupa na cidade, também, é local de grande concentração de migrantes, seja no comércio ambulante, seja morando na região ou trabalhando nas pequenas oficinas de confecções. São redes e formas de vida na cidade que entrelaçam trabalho, moradia e migração.
Mercado de trabalho tido como informal ligam-se com as dinâmicas presentes nos espaços urbanos e redes transnacionais de fluxos de mercadorias e pessoas ( Peralva e Telles, 2015 ). Esse mercado de trabalho vincula habitação, migração, redes de locação residencial informais, formas de exploração, mas, também, sociabilidades, formas de vida e resistência na cidade de São Paulo.
A Ocupação 21 de abril ilustra esse percurso. Em meio à ameaça de remoção, as famílias, apesar dos conflitos internos e externos que atravessam a dinâmica desse espaço urbano, constituíram uma forma de organização própria e resistem há mais de dois anos à ameaça de remoção.
Essas formas de vida e dinâmicas na cidade se estabelecem nas fronteiras fluidas e incertas entre formal, informal, lícito e ilícito. São mercados que florescem nessas fronteiras e constituem-se como estratégia cada vez mais frequente na reprodução do capital. Se a informalidade, até a década de 1980, era considerada característica inerente do Sul Global, hoje, é característica inerente do capitalismo contemporâneo (ibid.). O Estado, o direito e seus agentes compõem essas fronteiras, corroboram sua indistinção e a reprodução do capital que ocorre nesses espaços.
Os caminhos entrecruzados de moradia, trabalho e migração fazem parte dos circuitos inscritos na cidade pelos “indesejáveis” ( Agier, 2008 ) submetidos à informalidade e que se realizam, muitas vezes, como única alternativa para determinadas populações para constituição de trabalho, habitação, deslocamentos, sobrevivência e formas de vida na cidade de São Paulo ( Santos, 2022 ).
Os migrantes são produtores de escala e da cidade; são sujeitos que possuem identificação e agência nas transformações e lutas urbanas locais. São sujeitos que assumem diversas identidades e formas de integração, não apenas a identidade de “migrante” ou a integração em circuitos tidos como propriamente migratórios. Ao apontar a relação entre cidade e migração, é possível evidenciar múltiplos caminhos percorridos pelos migrantes no cotidiano, múltiplas conexões, transpassando circuitos migratórios ou étnicos, evidenciando sociabilidades mais amplas ( Çaglar e Schiller, 2011 ; Santos, 2022 ).
Ao analisar os percursos individualizados de migrantes, é possível observar que a categoria de “migrante” obscurece a identificação e agência desses sujeitos nas transformações e lutas urbanas. Assim, a categoria “migrante” é insuficiente para se referir aos sujeitos urbanos que vivem, lutam e performam na cidade. Essa categoria é insuficiente para revelar toda a complexidade, as formas diversas de morar, trabalhar e se organizar, deixando de evidenciar toda a potência nas vidas, trajetos e arranjos que esses sujeitos produzem ( Santos, 2022 ; Santos, 2020 ).
A partir das ações do Estado, de processos de despossessão, organização e resistência entre brasileiros e migrantes, como ocorreu na Ocupação 21 de Abril, emergem sociabilidades coletivas, constituindo uma ação de um coletivo urbano e social mais amplo, que não se limita à categorização de “migrantes” ou, por exemplo, de “sem-teto”. Os expedientes utilizados pelo Estado, as violências sofridas, bem como os processos de resistência, articulam diversos sujeitos e produzem repertórios compartilhados de um coletivo social amplo ( Santos, 2020 ).
A informalidade urbana, seja no trabalho, seja na moradia, na documentação ou nos caminhos percorridos até a cidade de São Paulo, não se constituí como um setor específico, mas caracteriza-se como uma série de transações que conectam diferentes economias e espaços, funcionando como um modo de governo em que o Estado, seus agentes e as ações tomadas por eles, tidas como formais ou inseridas no quadro da legalidade, corroboram sua reprodução ( Roy, 2005 ). A informalidade urbana é reproduzida por meio da ação estatal, de seus agentes e dos processos administrativos ou judiciais de remoção de moradias ou dos comerciantes ambulantes da região ( Santos, 2022 ).
Portanto, quando se mobiliza o conceito da informalidade, não se determina um setor específico, não está sendo caracterizada uma determinada forma, status ou condição de trabalho, pois a ideia difundida de “setor informal” inscreve a informalidade na genealogia dos dualismos, deixando de ser entendido como ferramenta conceitual para ser utilizado como categoria de descrição do real ( Rabossi, 2019 ). A informalidade urbana são transações que conectam diferentes espaços e economias que transitam entre o formal/informal e legal/ilegal. Assim, a informalidade não é objeto de regulação do Estado, mas produto do próprio Estado, a partir da sua capacidade de constituir e reconstituir categorias de legitimidade e ilegitimidade ( Roy, 2005 ; Telles 2010 ).
Na Ocupação 21 de Abril, as famílias trabalham e moram no local com a perspectiva constante da remoção, pois há mais de dois anos é objeto de uma ação judicial5 que busca remover os moradores e interditar o prédio diante do risco que estariam submetidos devido às condições do imóvel e à possibilidade de incêndio.
Assim, diante do contexto apresentado e do acompanhamento dessa ocupação, a discussão aqui proposta é analisar sua forma de organização, como surgiu e iniciou, como o trabalho é organizado, a rede de proteção que se formou em defesa das famílias e pela sua permanência; de que maneira a ação judicial aborda a atividade que é desenvolvida no imóvel; e de que forma as ações judiciais reproduzem a informalidade, funcionando, muitas vezes, como instrumento de planejamento e intervenção urbana cotidiano.
O artigo está estruturado em três partes, além da introdução e das considerações finais. A primeira parte apresentará a forma de constituição da ocupação e os agenciamentos realizados por proprietários que cobram dos migrantes valores altos de aluguéis (de forma informal) para habitarem e trabalharem em condições precárias.
Configura-se uma forma de exploração que não se vincula diretamente à organização e à exploração da mão de obra, mas que, por meio do aluguel informal cedendo o espaço de trabalho e moradia, recolhem-se altos valores de um imóvel que, anteriormente, estava abandonado.
A segunda parte do artigo apresentará a trajetória de B.,6 moradora reconhecida, por grande parte das famílias, como liderança da ocupação. B. é boliviana e chegou ao Brasil para trabalhar em oficinas de costura, percorrendo diversas oficinas até chegar na Ocupação 21 de Abril. Por fim, a terceira parte apresentará a ação judicial e a ameaça que os moradores sofrem, identificando a forma que a atividade laborativa desenvolvida no imóvel é apresentada na ação e os discursos utilizados pelos agentes do Estado para caracterizá-la.
Ocupação e sua história de formação
Ao sair da estação do Brás na praça Agente Cícero, próximo ao Largo da Concórdia, logo, a quantidade de vendedores ambulantes, barracas, lonas no chão, produtos, pessoas e informações nas ruas nos atordoa. Ainda dentro da estação de trem, alguns jovens com catálogos de roupas te abordam na tentativa de levá-lo para loja em que trabalham.
Inúmeras barracas de comidas, pimentas, camarões secos e lonas com roupas, acessórios, eletroeletrônicos e brinquedos espalhados na calçada deixam um estreito corredor para os pedestres transitarem. Entre trabalhadores chegando ou saindo do expediente e pessoas que buscam comprar produtos a preços populares, a passagem deixada para transitar torna-se apertada.
O comércio de rua confunde-se com as lojas e galerias estabelecidas nos prédios da região. O local possui a forma de bazar, são inúmeras alternativas de compra, as opções são vastas e, para quem não está acostumado com a dinâmica, é fácil se perder.
Turistas, imigrantes, refugiados, funcionários do metrô, crianças, adultos, jovens, latino-americanos, africanos, asiáticos, todos compondo um caos harmônico em um espaço de compra e venda que se apresenta na aparência de um bazar ( Peraldi, 2001 ).
Aquele espaço é uma praça comercial, na qual redes transnacionais de mercadorias e pessoas são acionadas, transformando a região do Brás em um centro gravitacional que ativa redes e fluxos transnacionais de mercadorias e pessoas (ibid.; Tarrius e Peraldi, 1995 ; Peralva e Telles, 2015 ). Forma-se no local uma economia de bazar:
Não é apenas um centro comercial e artesanal onde se termina pacificamente o ciclo da mercadoria. O bazar é, sobretudo, o lugar onde se cruzam os mundos da troca, os diferentes “estágios” da máquina econômica. A eficácia do bazar não está apenas no fato de organizar espacialmente as relações de troca. Ela está, também, na contiguidade, talvez promiscuidade com que ele organiza os mundos comerciais. Bem mais que um centro comercial, o bazar é um lugar de equilíbrio entre uma lógica de racionalização econômica da troca que tende à fluidez e à divisão das ordens mercantis, e uma lógica, à primeira vista, economicamente aberrante, de um emaranhado e de superposição de produtos, de sequências, de ritmos, de ordens sociais [...]. ( Peraldi, 2001 , p. 17; tradução livre)
Aquele aparente caos faz crer que o mundo, repentinamente, encontrou-se em um mesmo lugar, naquele determinado espaço urbano. Pela avenida Rangel Pestana, entre a multidão, na estreita passagem e no meio da avenida entre os inúmeros carros que passam, diversas pessoas de origens, países, regiões e línguas distintas se intercalam em um vasto corredor de mercadorias.
Conforme andamos, afastando-nos da estação do Brás, a quantidade de barracas e comerciantes diminui, restando apenas os grandes comércios e lojas.
Ao entrar na rua do Hipódromo, em direção à rua 21 de Abril, a paisagem e o agito daquela praça comercial dão lugar às ruas calmas e com pouco movimento. Os comércios dão lugar a pequenos bares, muitos com migrantes conversando em sua língua. As lojas dão lugares a sobrados antigos utilizados como moradia, muitos lembrando cortiços. As pessoas espalhadas nas ruas dão lugar a moradores da região sentados em suas portas conversando sobre seu dia.
Conforme se anda na rua do Hipódromo, surgem inúmeros prédios e galpões abandonados, alguns deles ocupados por pessoas que buscam uma moradia e outros que ainda funcionam como depósito ou estacionamento de caminhão.
Ao chegar na rua 21 de Abril, a paisagem é a mesma, alguns cortiços, poucos bares, pessoas sentadas em suas portas conversando e grandes galpões que agora se transformaram em residência e local de trabalho.
A Ocupação 21 de Abril é uma dessas construções. A entrada é um grande portão metálico, dando acesso a um vasto galpão; ao lado, uma pequena porta, que dá acesso a uma escadaria de um prédio de quatro andares, que está construído acima desse galpão localizado no térreo. Este é o imóvel da Ocupação 21 de Abril.
Ao entrar no galpão, inúmeras construções de madeira – uma verdadeira autoconstrução – delimitam as casas de cada um dos moradores. Entre as casas de madeira, vários carrinhos utilizados para comércio estão espalhados, carros estão estacionados, há manequins utilizados como moldes para costura distribuídos por toda parte. São casas de madeira e ateliês de costura, uma vila construída no interior de um vasto galpão.
Cada casa possui um tamanho distinto, e o vasto galpão estende-se com mezaninos em alguns pontos específicos, com mais unidades habitacionais e de trabalho construídas. Apenas no galpão, estima-se que morem mais de 40 famílias entre brasileiros, venezuelanos, bolivianos, paraguaios e colombianos.
Ao entrar em uma dessas pequenas moradias-ateliê, o espaço é quase insuficiente para a máquina de costura, a cama, uma geladeira e o fogão – quando existentes –, com seus pertences espalhados, amontoados ou organizados nos cantos da construção. Em alguns casos, o morador habita em um local com lugar apenas para seu colchão. Outros conseguiram um espaço para dormir e outro, ao lado, para seu ateliê. São pequenas construções de tamanho distintos que se intercalam entre habitação, ateliê de costura, marcenaria e carros dos moradores que ficam estacionados no galpão.
Ao entrar pela porta localizada na rua ao lado do portão metálico, subimos a escadaria do prédio, a divisão dos espaços de moradia e trabalho, aparentemente, está mais organizada. As delimitações são feitas com divisórias de escritório; os banheiros são todos coletivos no imóvel, tanto no prédio, como no galpão. Porém, em alguns dos andares, foram construídas cozinhas coletivas, não individualizadas como no interior das minúsculas unidades construídas no galpão.
No primeiro andar, ao entrar pela porta da divisória de escritório, encontramos uma grande oficina de costura. São diversas máquinas espalhadas em pequenas mesas, fios caem do teto e diversos equipamentos conectados em uma mesma tomada. Encontramos alguns trabalhadores que, sem tirar os olhos da máquina, estão costurando sem parar em um ritmo surpreendente, como se ninguém estivesse andando pelo local. A “trilha sonora” daquele espaço é o barulho constante da máquina de costura, com pequenas pausas, até o trabalhador reposicionar a agulha e dar continuidade ao trabalho.
Entre uma máquina e outra, um estreito corredor para transitar, no qual se espalham tecidos por todos os lados. No dia da visita fazia frio, era inverno, as pessoas estavam costurando grandes cobertores, como na imagem a seguir:
No prédio existem oficinas de costura intercaladas com moradia no primeiro, terceiro e quarto andares; o segundo andar é utilizado apenas como residência. Espalhados pelos andares habitam, ao menos, 17 famílias, todas bolivianas.
A dinâmica no imóvel não é desvinculada da encontrada nas ruas e nos comércios da região, são famílias que moram e trabalham em volta desse centro gravitacional e do pujante comércio de vestuário da região. O trabalho, o que se costura e as demandas estão estreitamente vinculados com a época, com o que está na moda, com a demanda da clientela e com a encomenda que chega pelos comerciantes aos moradores da ocupação.
Os moradores são contratados por comerciantes para costurar o que será vendido por eles; essas famílias não trabalham diretamente com a clientela que compra os produtos. A dinâmica daquele espaço urbano parece constituir-se como “bastidor” das dinâmicas comerciais encontrada nas ruas do Brás. Os cobertores estavam sendo costurados devido à demanda que se apresentou durante o inverno, e foi solicitada pelos comerciantes e lojas da região.
Esse prédio começou sua formação no ano de 2014. Inicialmente abandonado e sem qualquer destinação, os primeiros moradores passaram a alugar o imóvel para morar e trabalhar por meio de acordo verbal e tido como informal com o proprietário; o valor do aluguel era cobrado de acordo com o espaço cedido, variando entre R$900,00 e R$1.500,00.
B. relata que passou a morar no imóvel a convite de um amigo que possuía uma dívida com ela. Este antigo morador alugou do proprietário os três primeiros andares do imóvel; apenas para o primeiro andar, o valor acordado era de R$1.500,00. Depois, ele passou a sublocar os espaços, dividindo o local como se encontra atualmente.
O valor da sublocação variava, também, conforme o tamanho cedido, girando em torno de R$500,00 e R$900,00. Para quitar a dívida que esse amigo possuía com B., ele passou a cobrar dela R$500,00 por mês para seu ambiente de moradia e trabalho. Segundo B., o valor de aluguel é baixo para a região, pois, antes de se mudar para esse imóvel, ela pagava o valor de R$1.000,00 em uma pensão da região, com um espaço menor ( Santos, 2022 ).
Ao descobrir que esse morador sublocava quartos, o proprietário passou a ameaçá-lo e o expulsou do imóvel. Inicialmente, ameaçou todos os residentes, pois acreditava que eram apenas funcionários. Porém, ao perceber que pagavam o aluguel, permitiu que permanecessem e passou a cobrar diretamente os aluguéis deles. Se anteriormente o proprietário cobrava, do antigo morador, valores determinados por andar, agora ele passou a cobrar valores individualizados por família, aumentando sua arrecadação com os aluguéis informais cobrados (ibid.).
Esse antigo morador foi expulso no ano de 2019, estruturando uma dinâmica de cobrança de aluguéis e ameaças às famílias; estrutura típica dos cortiços do centro de São Paulo, que se organizam com a cobrança de altos valores de aluguel por metro quadrado, tendo em vista a pequena unidade habitacional das famílias, por meio de um intermediário que recolhe os valores e, em caso de inadimplência, as expulsa na base da ameaça ( Kohara, 1999 ).
Assim, no imóvel, os valores eram pagos em dinheiro, sem a disponibilização de qualquer recibo ou informação de pagamento, sendo recolhido por um morador brasileiro, chamado por eles de “encargado”. Havia dois “encargados” no imóvel, um para administrar o galpão e outro para administrar os andares do prédio, sempre brasileiros e residentes do imóvel. Os valores eram recolhidos todo dia 30 nos andares e todo o dia 10 no galpão, sendo a função principal dos “encargados” vistoriar o local, repassar as informações do que ocorria ao proprietário e, quando necessário, ameaçar e expulsar os moradores ( Santos, 2022 ).
As condições do imóvel fazem com que obras e reformas sejam recorrentes, porém, reclamações e pedidos não eram bem-vindos. O proprietário afirmava que os próprios moradores deveriam se responsabilizar pelas obras e reformas e, se não quisessem, poderiam ir embora, pois havia muitas famílias precisando de moradia. Dependendo das reclamações efetuadas, o proprietário ameaçava aumentar o valor cobrado; o aumento de aluguel era feito repentinamente, ou o pagamento era realizado, ou havia a expulsão do imóvel (ibid.).
A função principal dos “encargados” era justamente expulsar quem não queria efetuar os pagamentos; a expulsão era realizada na base da ameaça; chamavam-se conhecidos para intimidar e, se necessário, remover à força o morador.
A exploração e a organização do trabalho que ocorre na cidade de São Paulo não se vinculam única e exclusivamente com a exploração direta da mão de obra. As redes de subcontratação terceirizadas, que ocorrem no mercado de vestuário da região, facilitam o desrespeito aos direitos trabalhistas desses migrantes que vêm ao Brasil, porém, não é apenas a organização desse mercado que circunscreve as condições de exploração da mão de obra. As formas de morar encontradas por essa população e seu vínculo estreito com o trabalho, quase indissociável, apresentam outra faceta das violências sofridas pelos migrantes.
Além da exploração direta relacionada à atividade laborativa, esses sujeitos estão submetidos às ameaças de proprietários e seus representantes, aumentos repentinos e expressivos no valor de aluguel, ações judiciais que pretendem removê-los e que fazem com que mudem constantemente seu local de moradia e trabalho.
As ameaças de remoção sofridas de forma constante fazem com que aumentem a carga de trabalho para arcar com os valores de aluguel cobrado ou com a necessidade de estruturar uma nova moradia.
Moradia e trabalho no mercado de vestuário no eixo expandido Brás e Bom Retiro são indissociáveis; as formas de exploração na moradia dos migrantes vinculam-se com as condições da atividade laborativa.
No ano de 2020, diante das condições do imóvel, a Prefeitura de São Paulo ajuizou ação em face do proprietário e dos moradores, requerendo a desocupação do local e a requalificação do imóvel devido à manutenção da edificação em condições inadequadas de segurança. Os perigos indicados para o prédio confundem-se com o ofício desenvolvido pelos ocupantes; somada às condições precárias de ligação de energia elétrica, por exemplo, a própria atividade laboral é motivo para a remoção por risco às famílias.
No fim do ano de 2020, a remoção das famílias foi determinada pela justiça, e a remoção forçada foi agendada para ocorrer em março de 2021. Com a iminente remoção, as famílias passaram a se organizar e deixaram de pagar os aluguéis ao proprietário. A organização atual dos moradores configura-se nesse momento; passando a se organizar internamente de forma autônoma, o imóvel torna-se uma ocupação.
A partir da ameaça de remoção, uma rede de apoio é constituída: movimentos sociais tradicionais de luta por moradia passam a conceder apoio aos moradores; o Centro de Referência e Atendimento ao Imigrante (Crai), serviço da Prefeitura, organiza visitas no local; ONGs da cidade de São Paulo de apoio aos migrantes passam a auxiliá-los; e a defesa no processo judicial passa a ser efetuada pelo Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos7 (CGGDH).
Por meio da atuação da organização dos moradores, da rede que se constituiu e com a defesa jurídica elaborada pelo CGGDH, em meio à operação de remoção organizada pela Prefeitura e Polícia Militar, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), devido ao recurso elaborado na ação judicial, suspende a remoção em razão da pandemia de covid-19, entendendo que a remoção das famílias no decorrer da pandemia configuraria risco maior à vida dos moradores do que sua permanência. No momento em que a polícia avançava em direção às pessoas para abrir o imóvel à força e removê-los, a decisão do TJSP é disponibilizada, e a operação cancelada.
Com o apoio concedido aos moradores e sua organização, estrutura-se uma nova dinâmica: os pagamentos de aluguéis não são mais realizados, os “encargados” passam a ser mais um morador, assembleias periódicas são organizadas e os ocupantes passam a viver, trabalhar e morar com a perspectiva constante da remoção. A nova organização não se realiza sem conflitos, rapidamente, e com a ameaça constante de remoção, as famílias passam a brigar entre si, pessoas e famílias que possuem espaços pequenos buscam aumentar sua moradia, dinheiro é recolhido, cobrado e organizado por todos para efetuarem melhorias no imóvel. Com as brigas, os moradores do prédio e do galpão deixam de conversar; porém, entre brigas, avanços e percalços, a remoção das famílias continua suspensa, e os ocupantes permanecem em sua residência e com seu trabalho (ibid.).
Caminhos percorridos: vida, moradia e trabalho
Moradia, trabalho e migração cruzam-se e, muitas vezes, tornam-se indissociáveis; são caminhos percorridos por inúmeros migrantes que chegam ao Brasil para trabalhar com costura, por contato de conhecidos e familiares que já estão no País, por agenciadores de mão de obra de seu país de origem ou pelos percursos da vida. Neste percurso, o trabalho, normalmente, é vinculado à moradia, e sua exploração passa pela forma de organização da habitação, são oficinas que concedem moradia a esses migrantes ou pessoas que, na busca por se “independizar”,8 pagam aluguéis informais a proprietários de imóveis na região.
As oficinas de confecções e ateliês de fundo de quintal que se organizam, frequentemente, vinculam-se com formas de morar, são oficinas que concedem residência aos trabalhadores, por meio de acordos muitas vezes incertos, ou são pessoas que compram suas máquinas e passam a trabalhar em sua casa por conta própria ou com auxílio de familiares e amigos. Os caminhos de moradia e trabalho percorridos pelos migrantes são inúmeros e as possibilidades são diversas: migrantes que passam a se organizar em movimentos sociais e morar em ocupações, pagando aluguéis formais ou informais, moradores de cortiços, centros de acolhida, residência de amigos ou familiares, entre inúmeras outras possibilidades (ibid.).
Porém, uma das formas de moradia que muitos migrantes encontram é vinculada ao trabalho. O percurso de B. no Brasil ilustra trajetória tomada por muitos migrantes na cidade de São Paulo; é um mecanismo de migração que vincula viagem, trabalho e moradia ( Freire, 2008 ).
B. tem 30 anos, é boliviana da cidade de Santa Cruz de la Sierra, chegou ao Brasil há 11 anos. Ela decidiu vir ao País depois de uma briga familiar. Em sua cidade natal, trabalhava como ambulante e, após um acidente, ficou impossibilitada de carregar peso e exercer a atividade. Após a briga com seus familiares, B. deixou a sua casa e, em meio aos seus percursos na cidade natal, encontrou uma agência que ofereceu trabalho na cidade de São Paulo; mesmo sem estar procurando emprego, acaba por aceitar a proposta, segundo ela, em um momento de raiva (ibid.).
A agência propôs para que ela trabalhasse como assistente em uma oficina localizada na região da Casa Verde, Zona Norte de São Paulo. O trabalho de assistente seria para dobrar e embalar as peças para entrega aos fornecedores. A proposta de salário era de duzentos dólares mensais, com moradia e alimentação inclusos, e com horário de expediente entre oito horas da manhã e cinco da tarde.
Segundo B., existem inúmeras agências em sua cidade que oferecem emprego em todo o mundo, não apenas no Brasil. São aliciadores de mão de obra, agências que ofertam o trabalho na Bolívia, muitas vezes com anúncios falsos, que facilitam a viagem e concedem ofertas de emprego em oficinas e ateliês de costura, como demonstra Freire (2008 , pp. 91-92):
Tais agenciamentos têm na cidade de São Paulo um ponto de ancoramento fundamental que se desenvolve em torno da indústria de confecções. Podemos dizer que são formas particulares de circulação que se conectam com formas específicas de produção, uma mobilidade que é acionada pela demanda por este tipo de trabalho subcontratado característico deste setor da indústria paulistana.
Quando chegou, rapidamente, a história passada pelos agenciadores mostrou-se falsa. Trabalhou os três meses iniciais sem receber seu salário e decidiu, a partir de contatos feitos no Brasil, mudar-se para a Praia Grande e trabalhar em outra oficina. Viveu nessa cidade por 6 anos, mas, com o passar do tempo, a demanda de trabalho na cidade foi diminuindo até que a oficina precisou fechar. B. ainda guarda o desejo de retornar para Praia Grande ( Santos, 2022 ).
Sem demanda de trabalho, ela retorna para São Paulo, novamente na região da Casa Verde, porém, em uma nova oficina, local que também concedia moradia. Insatisfeita, mudou-se para o Brás na rua Coimbra.
Após inúmeras tentativas de encontrar condições de emprego adequadas e que a satisfizessem, decidiu criar sua própria oficina, adquirindo sua máquina de costura. Foi para uma pensão na rua Gomes Cardin, também no Brás. Assim, passa a pagar aluguel e a trabalhar em sua residência; sua moradia continuou sendo seu local de trabalho, porém ela pagava seu próprio aluguel e organizava sua própria atividade.
Em 2017, B. muda-se para a rua 21 de Abril em outra pensão, pagando R$1.000,00 de aluguel, e lá fica até a oferta de seu amigo para morar na atual Ocupação 21 de Abril. Assim, com o desejo de comprar mais máquinas, com a chegada de sua irmã para trabalhar com ela e com o valor de R$500,00 cobrados de aluguel, decidiu se mudar novamente (ibid.). Após a expulsão de seu amigo do prédio, ela passa a pagar aluguel diretamente ao proprietário do imóvel até a chegada da ameaça de remoção.
Sua trajetória ilustra um caminho comum de migração à cidade de São Paulo, em que o trabalho e a moradia são indissociáveis; as condições de trabalho e a exploração da mão de obra vinculam-se com as condições de moradia.
B. passou a costurar há, mais ou menos, 5 anos; antes trabalhava de assistente ou como “encargada”9 da oficina, não utilizando as máquinas de costura. Os fornecedores e contatos de B. para a produção de vestuário foram constituídos ao longo de seu percurso, diretamente com oficinas em que trabalhou. As oficinas encaminham parte da produção a ela para entregar os produtos no prazo solicitado, repassando parte dos valores; ou a demanda chega diretamente pelos comerciantes da região, que trabalham na “feira da madrugada”.
Os fornecedores concedem as peças cortadas, e sua função é costurá-las; as peças são diversas: camisetas, calças, moletom, jaquetas, blazers, e o valor cobrado, entre R$1,80 e R$2,00, é efetuado por peça costurada. Os contatos solicitam um número de peças e estabelecem um determinado prazo. Diante da demanda que possui, ela aceita ou não, dependendo de sua capacidade de produzir as peças no prazo solicitado.
As encomendas chegam para ela, mais ou menos, a cada 15 dias. No momento, consegue costurar até 70 peças por dia. Segundo B., essa produção é baixa, porém, não conseguiria produzir mais, pois precisa cuidar de sua filha com um ano de idade (ibid.).
Essa organização do trabalho, muitas vezes, configura-se ou é associada a trabalho análogo à escravidão. A população boliviana e que está nessa atividade carrega esse estigma e se incomoda com essa associação. Na Ocupação 21 de Abril não é diferente; órgãos da Prefeitura, quando vistoriaram o local, indicaram essa possibilidade, como consta na ação judicial:
Os moradores e moradoras alegaram que as moradias, que ainda não tinham sido visitadas nesta data, eram utilizadas também para trabalho, e que havia máquinas e instrumentais de costura e confecção de roupas. Naquele momento não ficou claro se havia ou não uma situação de exploração laboral que se configure como trabalho análogo ao de escravo. Moradores negaram em suas falas esse tipo de atividade, mas os elementos trazidos nas narrativas podem ser associados a uma realidade exploratória. (São Paulo, Agravo de Instrumento n. 2041018-35.2021.8.26.0000, p. 159)
Os ocupantes, quando questionados quanto à forma de trabalho, incomodam-se com tal associação. Algumas pessoas que não moram na ocupação trabalham nas oficinas construídas no prédio, por meio de acordos não revelados, porém negam a associação comumente feita com trabalho análogo à escravidão. Não negam que a situação em 0que vivem e trabalham é precária e existe exploração, mas afirmam que são livres para fazerem suas escolhas.
Porém, os trabalhadores carregam esse estigma na cidade de São Paulo. Os discursos que atravessam o trabalho e as formas de morar dessa população sempre passam por questionamentos dessa natureza, como indica Freire (2008 , p. 103)
O assunto dos casos extremos de exploração e das situações análogas ao trabalho escravo certamente é um tema importante sobre a imigração dos bolivianos, mas a ênfase exclusiva nesse ponto não permite entender o vigor desse fluxo migratório. Trata-se de uma configuração de relações que no limite pode acabar em situações extremas de exploração do trabalho como efetivamente ocorre nesse circuito. No entanto não é possível atribuir o cerceamento de liberdade como uma característica das formas de inserção desse grupo de migrantes na cidade. Também não entenderíamos a grande rotatividade que existe entre as oficinas nem as constantes idas e vindas da Bolívia se nos determos apenas nesse ponto. O assunto escravidão já aparece para a comunidade boliviana em São Paulo como um estigma com todas as consequências discriminatórias que isso acarreta. É uma imagem da qual eles tentam se desvencilhar.
Nessas oficinas, mesmo as constituídas por conta própria, as condições de trabalho são precárias e a pressão e a demanda por produção são extenuantes, os pagamentos são realizados por peça costurada a valores baixos e os calotes são frequentes. Ainda, a estrutura de subcontratação terceirizada, em que fornecedores demandam para oficinas e oficinas repassam a demanda para migrantes que estruturam sua própria produção, dificulta a responsabilização pelas condições de trabalho. Quando ocorre alguma responsabilização, ela recai, quase sempre, aos próprios migrantes, deixando os fornecedores e as grandes empresas da indústria de vestuários intactos (ibid.).
Não é apenas a forma segundo a qual se organiza a atividade laboral que desperta o estigma, as formas de morar às quais se vincula também são fundantes para as condições de trabalho. A concessão de residência pelas oficinas, por um lado, facilita a acolhida e a chegada desses migrantes devido às dificuldades de acesso à moradia no País, mas, por outro, amplia as formas de exploração desses migrantes (ibid.).
Como ocorreu na Ocupação 21 de Abril, a exploração e o receio que desperta nos órgãos públicos, ao analisarem as condições de trabalho, vinculavam-se, na realidade, com a relação que os migrantes possuíam com o proprietário do imóvel e os “encargados” que mediavam essa relação por meio da ameaça. A exploração e a condição da atividade desenvolvida estavam, também, diretamente vinculadas à forma de morar, aluguéis altos para os espaços concedidos, aumentos repentinos no valor, precariedade das instalações de responsabilidade do proprietário e as ameaças recebidas.
O receio da configuração de trabalho análogo à escravidão vincula-se com essa forma de constituição de habitação histórica e comum na cidade de São Paulo. Essa organização que se constituía na Ocupação 21 de Abril é típica dos cortiços espalhados por São Paulo, ou seja, os altos valores de aluguéis que fazem com que o metro quadrado por pessoa nos cortiços da área central seja mais caro do que o metro quadrado por pessoa em regiões mais valorizadas ( Kohara, 1999 ); os pagamentos, aumentos e cobranças são realizados na base da ameaça; e a relação moradores e proprietário, que é mediada por intermediários, responsáveis pela organização e expulsão das famílias. Organização sem registro de pagamentos e sem qualquer mediação do Poder Judiciário.
As características que chamaram a atenção dos órgãos da Prefeitura e se evidenciaram na ação judicial, que possui o imóvel como objeto, vinculam-se menos com as condições de trabalho, do que com as de moradia.
A exploração desse tipo de mão de obra possui diversas camadas; vincula-se com a forma de estruturação da indústria de vestuário na cidade de São Paulo, falta de pagamento aos migrantes que, muitas vezes, ocorre em determinadas oficinas, maneira que se organiza a viagem desses sujeitos mediada por aliciadores de mão de obra, mas que se vincula, também, com a dificuldade de acesso à moradia e as condições de habitabilidade encontradas pelos migrantes na cidade.
Ameaça de remoção: trabalho e moradia sob risco
A ação judicial tem a capacidade de tornar visíveis as dinâmicas desse espaço urbano; é do encontro com o poder que as “vidas infames” se tornam visíveis ( Foucault, 2003 ). A ação judicial tem a capacidade de trazer à tona o cotidiano, o trabalho e a forma de morar desses sujeitos; é a partir dela que Defesa Civil, Prefeitura (seus órgãos e equipamentos), oficiais de justiça, peritos e a rede de apoio (ONGs e movimentos sociais) passam a orbitar nesse espaço urbano, antes sem qualquer visibilidade ( Santos, 2022 e Foucault, 2003 ).
A vida e a dinâmica desse território só se tornam visíveis, deixando seus rastros e sendo documentadas a partir da instauração da ação judicial; as vidas desses sujeitos passam a ser marcadas pelos discursos impostos no processo e pelas instituições e organizações que passam a orbitar na ocupação ( Santos, 2022 e Foucault, 2003 ).
Repentinamente, no ano de 2020, após mais de 7 anos de existência, o cotidiano, a moradia e o trabalho dessas pessoas vêm à tona, e passa-se a discutir a legitimidade ou ilegitimidade de sua forma de morar e trabalhar. As práticas judiciárias marcam a vida desses indivíduos, que vivem com a perspectiva constante da remoção; essas práticas inscrevem essas vidas no terreno entre a lei e sua aplicação ( Foucault, 1999 e 2003 e Santos, 2022 ).
A partir da ameaça de remoção, uma rede de apoio surge para tentar garantir a permanência das famílias ou apresentar alternativas adequadas de atendimento habitacional. A ação judicial e a rede de apoio que passa a orbitar na ocupação conectam diversos parceiros e ocupações espalhadas por São Paulo; movimentos sociais que possuem outras ocupações na cidade concedem apoio, organizações da sociedade civil que trabalham com moradia ou migração e acompanham outras ocupações passam a dar suporte, assim, uma nova forma de organização se impõe na ocupação e um coletivo urbano mais amplo se forma.
A ação judicial reconfigura constantemente as categorias de legitimidade e ilegitimidade daquele espaço. Em determinado momento, toma-se a decisão pela remoção que deveria ser realizada em março de 2021, porém, no momento de cumprimento da ordem, garante-se a permanência dos ocupantes momentaneamente. Configura-se com a ação judicial um campo de disputas que afeta o cotidiano e os ilegalismos que se reproduzem naquele local. Altera-se a microconjuntura daquele espaço, por exemplo; afetam-se o mercado informal de aluguéis e a forma de organização do imóvel. Com a ameaça de remoção, deixa-se de pagar os valores de aluguel e a administração do prédio deixa de ser efetuada pelos “encargados” ( Foucault, 2014 ; Santos, 2022 ; Telles, 2010 ).
Aquela construção que foi considerada, por decisão judicial, como não condizente com as leis edilícias e que coloca em risco a vida dos moradores e trabalhadores, com a suspensão da remoção e a nova decisão, ela é legitimada a existir. A própria ação judicial no espaço entre a lei e sua aplicação redefine constantemente as fronteiras das leis ( Santos, 2022 ).
Nessas fronteiras incertas, circunscritas pela ação judicial, constitui-se um campo de disputa no espaço urbano que flexibiliza o que se entende como formal, alteram-se as margens de tolerância dos contornamentos da legalidade e formalidade realizados pelos evolvidos na ação e que operam no imóvel (agentes do judiciário, oficiais de justiça, agentes da prefeitura, moradores, proprietários). Constitui-se um jogo nessas fronteiras indeterminadas do formal e informal, realiza-se um uso estratégico das leis nesse campo de disputa que se constitui entre a permanência e a extinção daquele espaço urbano; essa é a forma que a ação judicial opera socialmente ( Santos, 2022 ; Teles, 2010).
A lei e o direito não se constituem como algo dado, são estratégias de uma guerra em ato, não são constituídos para impedir determinados comportamentos, mas sim para diferenciar as formas de contorno da própria lei a partir das práticas, ações e comportamentos que se desenrolam, riscando os limites de tolerância, dando terreno, fazendo pressão, excluindo e tornando úteis certas práticas ( Foucault, 2014 , p. 267; Deleuze, 1988 ).
Assim, a ação judicial ao operar socialmente acaba:
[...] impondo temporalidades, visibilizando as ocupações, criando zonas de ambiguidade e compondo os modos operatórios da informalidade urbana, conectando diferentes economias e espaços. A partir da ameaça de remoção toda uma institucionalidade começa a orbitar a ocupação, dinâmicas se produzem e conflitos emergem no limiar entre a permanência e a extinção. ( Santos, 2022 , p. 24)
O processo possui a capacidade de constituir e reconstituir as categorias de legitimidade e ilegitimidade, funcionando como instrumento de intervenção urbana e compondo circuitos da informalidade urbana.
Na ação judicial, o ponto primordial vincula-se à questão fundiária, o tema principal está relacionado com o risco constituído pelas características do imóvel e o fato de morarem em local que não cumpre a legislação edilícia. O espaço, a dinâmica, forma de organização, exploração do proprietário no imóvel e o ofício desenvolvido aparecem, aparentemente, como pano de fundo; o que importa para os juízes é se existe ou não perigo no prédio, uma vez que a própria motivação para suspender a remoção era o risco de remoção das famílias em meio à pandemia de covid-19.
Apesar de o trabalho emergir nos autos da ação, como em relatório elaborado por serviços da Prefeitura indicando possível trabalho análogo à escravidão ou como circunstância que agrava o risco aos moradores, não é tema central e passa quase despercebido, como se tais condições e circunstâncias não fossem relevantes para a tomada de decisão na ação judicial. Porém, no desenvolvimento da ação, evidencia-se que a irrelevância é apenas aparente, pois a ação judicial não se desenvolve apenas nos autos do processo, mas também repercute na realidade social.
No imóvel, mais do que as condições estruturais do prédio, o trabalho é a própria condição do suposto perigo. Aponta-se, pelo laudo produzido por peritos na ação, que a fiação e a quantidade de energia que as máquinas demandam, a forma de organização do ateliê com pouca distância entre as mesas, a quantidade de panos e retalhos espalhados configuram-se como o principal motor do risco a que as famílias estariam submetidas. Em outras palavras, o trabalho é o risco.
Somam-se, às condições de trabalho, as condições das moradias, divisórias dos quartos e casas feitas de madeirite aumentam a potencial possibilidade de incêndio.
A precariedade no trabalho e na moradia a que esses migrantes estão submetidos é a motivação para removê-los, como se a simples interdição do prédio e a retirada dos ocupantes fossem suficientes para melhorar as condições das famílias e impedi-las de constituírem residência em outros locais de risco. As condições das moradias e a associação do trabalho com condições análogas à de escravos tornam-se argumentos para remoção; transformam-se em argumento para deslegitimar e criminalizar usos do espaço e os sujeitos daquele imóvel. Assim, a remoção sem qualquer alternativa às famílias se torna a solução para o suposto problema.
Portanto, por mais que a atividade laborativa não seja o tema central da discussão, o entrelaçamento de moradia e trabalho, nesse percurso migrante, é o motivo para remoção. O cotidiano da Ocupação 21 de abril emerge e se torna visível com a ação judicial, discutindo-se a legitimidade daquele espaço urbano e de seus usos. Não é apenas a moradia que passa a ser considerada como irregular e informal, o trabalho transforma-se em objeto desse discurso, passando, também, a ser tratado como informal e irregular.
As decisões e o vai e vem do processo legitimam ou não determinadas formas de morar e trabalhar; a remoção, nesse contexto, passa a ser entendida como solução para a extinção da dinâmica daquele espaço. A remoção é uma forma de extinguir naquela localidade determinada forma de trabalho entendida como indesejada, sem a necessidade de se debruçar sobre o tema, analisar as reais condições da atividade ou chamar autoridades legitimadas para realizar essa avaliação. Extinguindo a ocupação, supostamente, a questão do trabalho tido como irregular que se desenvolve naquela localidade está resolvido e deixa de existir (ibid.).
Assim, a ação judicial reproduz a informalidade urbana ao optar exclusivamente pela remoção; o direito e as ações do Estado compõem os circuitos informais, os atos e intervenções entendidos como formais e legais produzem seu avesso, formal e informal se confundem ( Telles, 2010 ). A ação judicial, ao circunscrever a ordem legal, (re)produz seu avesso, e a solução encontrada (a remoção sem alternativas) faz com que os moradores encontrem residência e trabalho em locais que se estruturam em condições análogas ou piores que as encontradas no imóvel em que habitavam.
O direito e as práticas judiciárias determinam a (i)legitimidade de determinadas ocupações e usos desse espaço, como sua utilização para morar e trabalhar, delimitando quais espaços são formais ou não na cidade e quais usos são permitidos ou não. Assim, o direito reproduz a informalidade urbana enquanto modo de urbanização ( Roy, 2005 ; Santos, 2022 ).
Considerações finais
Nesse circuito migratório percorrido pela maioria dos moradores da Ocupação 21 de Abril, moradia, trabalho e migração se confundem. Agenciadores de mão de obra nos países de origem, famílias que já estão constituídas em São Paulo ou conhecidos que encontram na indústria de vestuário seu sustento formam esse circuito que vincula tais eixos. A exploração no trabalho está diretamente vinculada às condições de moradia ou à forma como os migrantes chegam no Brasil.
São oficinas que concedem residência, trabalhadores que acolhem seus familiares, aluguéis informais e cortiços que são utilizados para morar e trabalhar a partir de cobranças abusivas mediadas pela violência e ameaça.
As dinâmicas encontradas na Ocupação 21 de Abril são ligadas com a estrutura da indústria de vestuário que se constituiu no eixo expandido Brás e Bom Retiro. Na ocupação, organizaram-se oficinas de costura que fazem parte da rede de subcontratação terceirizada fomentada pela indústria de confecções. São migrantes que moram no mesmo local onde trabalham e, a partir de contatos realizados no comércio da região ou em oficinas por onde passaram, recebem as demandas de produtos para serem produzidos.
A ocupação está entrelaçada com a pujante produção têxtil e a dinâmica comercial do bairro; a forma de morar e trabalhar constituídas pelas famílias da Ocupação 21 de Abril são articuladas e fomentadas por esse centro gravitacional.
A forma como se estrutura a indústria de vestuário na cidade de São Paulo influencia circuitos migratórios e faz com que o eixo Brás e Bom Retiro se constitua como região de habitação de muitos migrantes. Prédios, pensões e galpões da região tornam-se moradia e são utilizados, ao mesmo tempo, como oficina de costura.
Os proprietários (ou supostos proprietários) desses imóveis alugam esses locais sem qualquer contrato ou acordo tido como formal, atribuem alto valor de aluguel para o tamanho do espaço e condições do prédio, os valores são aumentados repentinamente (quase sempre de forma abusiva), o local é administrado por um intermediário responsável por retirar os inadimplentes e organizar o espaço (quase sempre por meio da ameaça e violência). Essa forma de morar que ocorreu na Ocupação 21 de Abril se constitui como forma de exploração do trabalho. A exploração da mão de obra não está ligada apenas com as condições de trabalho encontradas pelos migrantes em São Paulo, pois deslocamento, moradia e trabalho constituem um circuito único, como indica a trajetória de B.
A população migrante, nesse circuito, constitui sua vida em deslocamento permanente; ao chegarem em São Paulo, passam de uma oficina a outra, bem como de uma moradia a outra, seja pela dificuldade de arcar com os aluguéis cobrados, seja pelas remoções forçadas decretadas por decisões judiciais ( Rolnik, 2015 ). Esse circuito de vulnerabilidade social faz com que esses sujeitos constituam sua moradia de maneira informal, pagando valores altos de aluguéis. Na região do Brás, dificilmente, o aluguel informal, acessado por essa população, está abaixo dos R$1.000,00 valor cobrado apenas para pequenos espaços, como um quarto, e para imóveis que, normalmente, estão em condições precárias ou estavam abandonados ( Santos, 2022 ).
Apenas com o ajuizamento da ação judicial, a Ocupação 21 de Abril tornou-se visível, e uma nova forma de organização surgiu. As famílias deixam de pagar aluguéis, começam a se relacionar entre si, emergindo brigas, mas também estratégias de resistência. Aquele espaço se constitui como campo de disputas do qual o Estado, o direito e seus agentes fazem parte.
Com a formação de uma rede de apoio e um coletivo urbano mais amplo, a iminente remoção é suspensa e o local passa a se organizar com a perspectiva constante da remoção.
O direito e as ações do Estado compõem a informalidade urbana, circunscrevendo esse espaço entre a lei e sua aplicação. As categorias de formal e informal, legítimo e ilegítimo são constantemente avaliadas, flexibilizadas e alteradas, afetando as dinâmicas do imóvel ao mesmo tempo que essas dinâmicas afetam os desdobramentos da ação judicial (ibid.).
São circuitos percorridos e estratégias de resistência (muitas vezes estratégias de sobrevivência) que não se resumem apenas ao trabalho, à moradia ou à migração. São sujeitos e formas de vida que não se circunscrevem à categorização de “sem-teto” ou de “migrantes”; são múltiplas as formas de integração ou os percursos possíveis, e o caminho tomado pela Ocupação 21 de Abril é apenas um deles ( Santos, 2020 ; Çaglar e Schiller, 2018 ). Tal circuito que articula viagem, moradia e trabalho se torna comum a partir da década de 1990, com a reestruturação da indústria têxtil na cidade de São Paulo.
A cobrança de aluguéis para habitar e trabalhar em condições precárias, associando exploração do trabalho a partir das condições de moradia, organiza e fomenta o mercado de aluguéis informais da região. A comercialização de unidades habitacionais, sua disponibilização para aluguéis por meio de acordos obscuros e mediados pela violência, configura um mercado rentável que essa atividade constituída pelos moradores da Ocupação 21 de Abril alimenta, estrutura e financia. O mercado de moradia tido como informal é fomentado, também, por essa forma de trabalho; a exploração da mão de obra e os recursos que são produzidos e revertidos para os proprietários (ou supostos proprietários) configuram uma das formas de exploração do trabalho desenvolvido por esses migrantes.
Referências
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Notas
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1
A numeração do imóvel não é disponibilizada para preservação das famílias moradoras. O imóvel será identificado, neste artigo, por “ocupação 21 de abril”, nome utilizado pelos moradores e trabalhadores do prédio. Essa ocupação foi acompanhada durante a pesquisa de mestrado realizada na Universidade Federal do ABC, no programa de pós-graduação em Planejamento e Gestão do Território.
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2
Identifica-se esse local como ocupação, pois está ameaçado de remoção. Ao identificá-lo assim, valoriza-se o direito à moradia e as legislações que giram em torno do tema do direito à cidade, contrapondo-se aos discursos depreciativos e estigmatizantes mobilizados na ação judicial, como invasão, moradia irregular ou ilícita. Ademais, com a ameaça de remoção e a organização das famílias, os próprios moradores passam a identificar o local como ocupação.
-
3
Utiliza-se migração, em vez de imigração, e migrante, em vez de imigrante, pois, assim, destacam--se as múltiplas formas de mobilidade, as diversas temporalidades e motivações que marcam as migrações, deixando de circunscrever tais movimentos a partir de categorizações utilizadas pelos Estados Nacionais ( Çaglar e Schiller, 2011 ).
-
4
São diferentes mobilidades produzidas pelos migrantes, não são apenas mobilidades de origem e destino ou vinculadas ao trabalho que realizam; são mobilidades pendulares, temporárias, pontuais; são circuitos de passagem e inúmeras outras formas de mobilidade possíveis ( Adelkhah e Bayart, 2007 ).
-
5
Processo de desocupação e condenatória de obrigação de fazer (demolição ou regularização) n. 1032834-79.2020.8.26.0053.
-
6
Para preservá-la, utiliza-se apenas a letra de seu nome, para evitar sua identificação.
-
7
Organização de direitos humanos conveniada à Defensoria Pública do Estado de São Paulo que presta assessoria jurídica gratuita em casos de conflitos fundiários de população em situação de vulnerabilidade social e econômica.
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8
Termo empregado por B. para justificar sua saída das oficinas anteriores em que trabalhou e sua tentativa de construir seu ateliê próprio.
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9
Termo empregado por ela para se referir à sua função de responsável da oficina, em uma posição de coordenação, encarregada.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
01 Dez 2023 -
Data do Fascículo
Apr-Jun 2024
Histórico
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Recebido
3 Mar 2023 -
Aceito
5 Maio 2023