RESUMO
Este artigo examina os discursos de Jair Bolsonaro nos primeiros meses da pandemia de coronavírus no Brasil postos a público no programa Live da Semana, protagonizado pelo presidente em seu canal do YouTube. Argumentamos que o tratamento discursivo empregado por Bolsonaro à epidemia foi francamente amparado no uso de procedimentos atenuadores, estratégia retórica que busca controlar os efeitos de sentido dos atos de linguagem, imprimindo tons menos peremptórios a alguma asserção potencialmente ameaçadora. Nesse espaço de enunciação, projetado para interlocutores com quem ele compartilha uma identidade ideológica, Bolsonaro intensifica laços político-afetivos de intimidade capazes de minimizar e normalizar o contágio e as mortes ocorridas pela pandemia, isentando o governo federal de responsabilidade.
Palavras-chave: pandemia no Brasil; atenuadores discursivos; governo Bolsonaro; crise democrática; comunicação política
ABSTRACT
This article analyzes Brazilian President Jair Bolsonaro’s speeches during the first months of the coronavirus pandemic that were released on his YouTube channel’s program “Ao Vivo da Semana”. It argues that Bolsonaro’s discourse about the pandemic was based on the use of “mitigating procedures,” a rhetorical strategy that aims to control language’s emotional impacts by using less brusque tones when issuing potentially threatening statements. By directing these tactics at people with whom he shares an ideological identity, Bolsonaro has been able to intensify intimate political-affective ties that are capable of minimizing and normalizing the contagion and death caused by the pandemic and exempting the federal government from responsibility.
Keywords: pandemic in Brazil; mitigating procedures; Bolsonaro administration; democratic crisis; political communication
RESUMEN
El artículo examina los discursos de Jair Bolsonaro en los primeros meses de la pandemia de coronavirus en Brasil hechos públicos en el programa Live da Semana, protagonizado por el presidente en su canal de Youtube. Argumentamos que el tratamiento discursivo empleado por Bolsonaro a la pandemia fue francamente amparado en el uso de procedimientos atenuadores, estrategia retórica que busca controlar los efectos del sentido de los actos del lenguaje, imprimiendo tonos menos perentorios a alguna aserción potencialmente amenazadora. En este espacio de enunciación, proyectado para interlocutores con quien él comparte una identidad ideológica, Bolsonaro intensifica lazos político-afectivos capaces de minimizar y normalizar el contagio y las muertes ocurridas por la pandemia, eximiendo al gobierno federal de responsabilidad.
Palabras Clave: pandemia en Brasil; atenuadores discursivos; gobierno Bolsonaro; crisis democrática; comunicación política
I
Em dezembro de 2020, militares chilenos reportaram que 36 pessoas de uma base na Antártida estavam em quarentena por força do novo coronavírus. Era o último continente sem casos registrados da doença. Essas estações de pesquisa ficam localizadas nos lugares mais remotos da Terra. Nos últimos meses daquele ano, a circulação de pessoas foi rigidamente limitada como parte dos esforços para evitar o contágio. Além disso, devido às condições climáticas, a região é basicamente ocupada por cientistas em caráter sazonal, sobretudo no verão, quando a temperatura média é de apenas -10º C. Ainda assim, dezenas de casos do novo coronavírus foram registrados, o que tornou a pandemia um fenômeno visceralmente planetário, fazendo com que uma doença atingisse simultaneamente, em larga escala e pela primeira vez na história, todos os continentes.
Ainda que tal disseminação se deva às formas relativamente simples de contágio, é inequívoco que a amplitude da epidemia seja tributária da intensa conectividade entre os países por força do fluxo de pessoas e das trocas comerciais. Apesar de ser um fenômeno global que, não obstante, resulta da globalização, os tratamentos dados à pandemia foram fortemente nacionais. Em que pese os diálogos e acordos de cooperação científicos para desenvolvimento de antígenos, as decisões sobre fronteiras, políticas migratórias, distribuição de vacinas, fechamento ou abertura comercial, protocolos sanitários e outras diretrizes, salvo exceções, foram escassamente negociadas entre os países, inclusive por ocasião dos acordos para aquisição dos primeiros lotes das vacinas. Como alertou Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), a desigualdade na distribuição das vacinas se tornou um problema de primeira ordem: “o mundo está à beira de um fracasso moral catastrófico e o preço desse fracasso será pago com vidas e meios de subsistência nos países mais pobres do mundo”1. A pandemia, portanto, não solapou as desigualdades sociais preexistentes, produzindo um esforço inédito de solidariedade internacional que pudesse mitigar seus efeitos; pelo contrário, acentuou a distância entre ricos e pobres, sobretudo os bilionários, que recuperaram em nove meses as perdas financeiras que os menos abastados levarão dez anos para cobrir.2
Além das diferenças econômicas, outros fatores contribuíram para a forte nacionalização do combate à pandemia. Variações culturais também afetaram os protocolos, produzindo oscilações que, no limite, posicionaram grupos em posições extremas, desde a aceitação absoluta das recomendações científicas à mais completa negação; da produção e divulgação de informações seguras à disseminação de fake news; do recolhimento ao espaço doméstico por força do medo à inalterabilidade das relações com o espaço público por razões diversas.
No entanto, e a despeito da lógica prescritiva do discurso médico-sanitário, a evolução da pandemia depende, em primeira instância, das decisões políticas. Não foram poucos os discursos dissuasórios praticados por alguns governos, sobretudo os de extrema-direita que assumiram o poder nos últimos anos. Em alguns casos, essas lideranças se viram diante da difícil tarefa de renunciar a seus princípios em favor de decisões socialmente responsáveis; em outros casos, intensificaram suas apostas e contribuíram fortemente para a corrosão das instituições democráticas.
No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro assumiu postura similar a seus afetos ideológicos, investindo em medidas e, sobretudo, em discursos que buscavam, em seus termos, preservar o país do isolamento social para garantir a saúde da economia. Essa disposição produziu inúmeros conflitos, inclusive no interior do próprio governo. Em abril de 2020, o então ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta foi demitido por divergir da política bolsonarista; seu sucessor, Nelson Teich, pediu demissão em maio do mesmo ano por razões similares, tendo permanecido apenas 29 dias no cargo. Os conflitos com governadores e prefeitos, com o Supremo Tribunal Federal e com o Parlamento foram igualmente significativos para entender como a disputa pela gestão da crise acelerou o processo de tensão entre as instituições democráticas brasileiras ocorrido nos últimos anos.
Como mostraremos, utilizando como referência principal o programa Live da Semana, protagonizado pelo próprio presidente em seu canal do YouTube, o tratamento discursivo dado por Jair Bolsonaro à epidemia foi francamente amparado no uso de procedimentos atenuadores, estratégia retórica que busca controlar os efeitos de sentido dos atos de linguagem, imprimindo tons menos peremptórios a alguma asserção potencialmente ameaçadora. Trata-se de um dispositivo que se insere na lógica discursiva das distorções próprias às fake news ou da confirmação de um sistema de crenças capaz de confirmar expectativas prévias, tais como na noção de pós-verdade, mas que conhece especificidades em relação a elas. Não nos interessa prioritariamente, portanto, contrapor as mentiras enunciadas sobre a pandemia (ainda que isso fosse possível), mas evidenciar uma estratégia discursiva utilizada para minimizar os efeitos danosos da doença e naturalizar as mortes. O fenômeno será observado pela perspectiva de Brown e Levinson (1987), no marco da teoria da polidez, bem como pelas análises de Bruce Fraser (1980) acerca do que denomina mitigadores, caracterizados como locuções que buscam reduzir tanto quanto possível os efeitos indesejados de alguma informação oferecida ao público-alvo.
II
As Lives da Semana são gestos políticos que envolvem uma dimensão pragmática do discurso, ou seja, um ato de fala dito por alguém, dirigido a um público-alvo, por um determinado meio de difusão e atento ao cálculo de seus efeitos políticos. Essa abordagem nos aproxima dos trabalhos de Pocock (2003), Skinner (1988), Palti (2014) e Jasmin e Feres (2006) que, dentre outros, se dedicam à história das linguagens políticas. Leva-se em conta o vocabulário político como resultado da combinação entre repertório ideológico, capaz de moldar discursos e ações, e as circunstâncias políticas, a partir das quais o nosso locutor se move, incluindo não somente a correlação de forças do jogo político, mas também os meios pelos quais os discursos são disponibilizados ao público.
Compreender a historicidade do discurso político, segundo Skinner, é levar em conta não apenas o significado das palavras, mas o contexto linguístico em que o discurso foi proferido, isto é, o que o enunciador estava fazendo ao dizer o que disse, direcionando o interesse não somente aos significados, mas aos atos elocutivos. Para Jasmin e Feres, o estudo das ideias em contexto, proposto por Skinner, desafia historiadores a pensar usos políticos dos discursos, examinando-os em suas adaptações e transformações “com o objetivo de justificar práticas sociais e comportamentos inovadores” (JASMIN; FERES, 2006, p. 18), elevando, ainda, o “cuidado para resguardar o foco no uso de conceitos na argumentação, ou seja, naquilo que é feito com eles” (p. 33). Com Pocock, a sugestão de Skinner em relação às fraturas e instabilidade do vocabulário político ganha ainda mais centralidade, na medida em que reforça a ideia de “linguagem” em detrimento da “intencionalidade autoral” skinnereana, apresentando um programa analítico calcado na plurivocidade do vocabulário político. Como explicam Feres e Jasmin, em Pocock, os vocabulários políticos se apresentam como
conjuntos mais ou menos estáveis de conceitos, gramática e sintaxe próprias, com suas respectivas associações. Desse modo, várias linguagens políticas podem coexistir no interior de uma mesma sociedade histórica ou de uma mesma língua, cada uma delas apropriada por um grupo determinado, não raro dotadas de interesses conflitantes em relação aos demais (JASMIN; FERES, 2006, p. 21).
Para Palti, o que está em jogo, nessa perspectiva, é o questionamento da tradicional separação - fundadora de uma tradição na História das Ideias - entre, de um lado, ideias independentemente geradas - espécie de “mundo de ideias puras” - e, de outro, realidades históricas concretas; “na medida em que os textos são compreendidos como fatos, atos de fala, tal distinção perde seu sentido anterior” (PALTI, 2014, p. 15). Reconstruir o contexto pragmático do discurso - quem fala, a quem fala, como fala e em quais meios -, portanto, abre caminho para compreender as variações de sentido associadas aos contextos particulares de enunciação. Dessa forma, os textos compreendidos como atos de fala não são apenas meras representações da realidade, mas formas de intervenção prática, tanto simbólicas quanto materiais (p. 12), pressuposto que gera como conclusão: “não existe uma história intelectual que não seja uma história política” (p. 15).
No caso de Jair Bolsonaro, a indistinção entre discurso e ação política, ou ainda, o discurso como ação política é um traço que sobressalta desde o período de sua atuação parlamentar. Como deputado, Bolsonaro sempre conheceu maior notoriedade por suas falas na tribuna ou na imprensa do que por ações concretas na efetivação de uma agenda e a sua ascensão enquanto “mito” nas redes sociais, capaz de canalizar o sentimento antipolítica que acometeu boa parte da sociedade brasileira nos últimos anos, repercute essa disposição (PINHA, 2020). Em Bolsonaro, confundem-se a voz do “agitador político” nas redes3 e a do próprio presidente da República. Ele assume como responsabilidade pessoal a liderança de guerra cultural e de uma “retórica do ódio” que mantém acesas as disputas, tensões, ataques a inimigos ocultos e teorias da conspiração (ROCHA, 2021). Assim, o chefe de Estado não atua no sentido de produzir consensos em torno de agendas mínimas, mas age como protagonista de manifestações políticas dirigidas a iguais, com vistas a estimular a manutenção das convicções de afetos políticos prévios, subvertendo, nesse sentido, o princípio democrático da abertura para a pluralidade e diferença. Em outras palavras, o discurso político deixa de valorizar a diversidade de perspectivas para se tornar uma voz da unidade que estimula a manutenção de vínculos de fidelidade já consagrados.
Estamos diante de um fenômeno associado ao contexto de “morte da verdade”, nos termos de Michiko Kakutani (2018), no qual as fake news e as mentiras são disseminadas de maneira acelerada4, lançadas em fluxo contínuo pelas redes sociais de lideranças políticas - como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump - cultuando valores avessos à democracia como o tribalismo e o ódio aos estrangeiros. A morte da verdade é caracterizada, ainda, pelo estímulo de afetos políticos como o medo e a raiva ao diferente e o questionamento de autoridades científicas ancoradas em pesquisas e evidências empíricas. Um cenário amplificado pelas bolhas de comportamento político forjadas nas redes sociais, conectando usuários que compartilham do mesmo pensamento, em ambientes encerrados em si mesmo que repercutem ideias preconcebidas (KAKUTANI, 2018, p. 11). Diante de um clima de fragilidade na constituição de laços afetivos por meio do mundo de trabalho, a dinâmica comunitária identificada em clubes, igrejas e bairros se espraia agora no espaço virtual, seja “por fóruns de interesses específicos e pelas redes sociais, que ajudam as pessoas a se isolarem ainda mais em bolhas de interesse compartilhados” (p. 83).
As Lives da Semana expressam intensamente esse movimento. Ali é o espaço do encontro, da palavra solta, de uma conversa entre amigos, que são também seguidores à espera de um influencer capaz de comentar a realidade e compartilhar visões de mundo. Nessas falas, Bolsonaro acolhe as demandas de sua audiência digital e busca referendá-las, ofertando fórmulas e argumentos que são posteriormente reivindicados por esses mesmos grupos, tanto para garantir a coesão interna como para enfrentar as óbvias oposições que produz.
III
Mesmo antes das eleições de 2018, Bolsonaro investiu no diálogo direto com o público através da comunicação política digital, tema que ocupa a atenção de especialistas em mídia há alguns anos5. Essa prática recrudesceu no período eleitoral, fomentada pelos circuitos de informação construídos não apenas no Twitter ou Facebook, mas também no WhatsApp, onde os discursos são menos visíveis, mas igualmente influentes. Trata-se de um fenômeno recente do ponto de vista histórico, mas cujos efeitos foram suficientemente poderosos para reorientar a relação dos agentes com os sistemas de informação tradicionais: com a possibilidade de produzir, transmitir e comunicar conteúdo sem a mediação dos veículos da imprensa tradicional, as formas consolidadas de enquadrar o debate público sofreram enorme abalo e, pari passu, desvalorizou-se também o acesso à informação tratada a partir dos princípios jornalísticos. De acordo com Castells (2015, p. 22), “a análise das relações de poder exige uma compreensão da especificidade das formas e processos da comunicação socializa6da”, o que inclui, além da grande imprensa tradicional, essas redes de comunicação horizontais e interativas. Ainda segundo Castells,
Essas redes horizontais possibilitam o surgimento daquilo que chamo de autocomunicação de massa, que definitivamente amplia a autonomia dos sujeitos comunicantes em relação às corporações de comunicação, à medida que os usuários passam a ser tanto emissores quanto receptores de mensagens (CASTELLS, 2015, p. 22).
A Live da Semana, que costuma ser publicada no YouTube toda quinta-feira, é um programa produzido para o meio digital inspirado em A Voz do Brasil, transmitida pelo rádio desde o Estado Novo7. Ao contrário deste, porém, a programação se resume a um diálogo direto do presidente com seus seguidores, quase sempre acompanhado de algum secretário ou ministro de Estado que aproveita a oportunidade para discorrer sobre as ações de sua pasta. As falas presidenciais, ao contrário de sua inspiração varguista, são marcadas por notória informalidade, observável não apenas pelo figurino do presidente, que muitas vezes transmite o programa com camisas de times de futebol brasileiros, mas também pelas piadas, trocadilhos e provocações que faz. Esse meio de comunicação, por carência de regulamentação, assegura a quebra dos protocolos sem comprometer o interlocutor juridicamente. Mais do que isso, o público preferencial, como vimos, é a base de apoio bolsonarista, o que converte seu discurso não em uma fala abrangente, atenta às exigências, liturgias do cargo e aos princípios que regem a comunicação em meios oficiais, mas em uma conversa que supre a demanda de controle de informação nos termos que a presidência da República considera adequado, a despeito, inclusive, da própria veracidade do que está sendo dito.
Do ponto de vista de Jair Bolsonaro, as justificativas para a realização dessas lives semanais são bastante nítidas. Em primeiro lugar, destaque-se a relação de enfrentamento que estabeleceu com veículos da grande imprensa no Brasil. Em praticamente todos os programas analisados há alguma crítica à alegada parcialidade desses meios, que supostamente faltam com a verdade, razão pela qual conviria manter um espaço de comunicação direta. Além disso, Bolsonaro sustenta a necessidade de reduzir os gastos do governo com publicidade, disposição que cativa um público afeito à lógica da austeridade fiscal propagandeada nas últimas décadas. Na live do dia 27 de fevereiro de 2020, após um ataque dirigido à jornalista Vera Magalhães, afirma que as críticas que sofre da imprensa resultam da diminuição de verbas: “Não vou gastar um bilhão com a imprensa, com tantos problemas que nós temos, eu não posso gastar um bilhão com a imprensa brasileira. Afinal de contas, graças a Deus, hoje nós temos as mídias sociais. Custo? Zero”.
Mas ainda que haja essa crítica específica à grande imprensa brasileira (e, por vezes, também à estrangeira), o governo federal mantém o programa com base no apelo discursivo que o presidente faz a uma noção de verdade da qual seria legítimo portador, celebrizada pelas insistentes menções ao versículo do Evangelho de João (8:32). Assim, o efeito de sentido que parece estar na base da preocupação bolsonarista parece bem sintetizado por um metadiscurso que apresenta na live de 3 de janeiro: “a intenção dessa live é mostrar pra você o que acontece no Brasil. Se você se informar, realmente, o que é um governo por dentro e por fora, você pode escolher alguém melhor na política para me suceder”.
A aferição da audiência é bastante difícil. A transmissão é feita simultaneamente em diversas mídias sociais. No YouTube, ao vivo, a audiência oscila entre 15 e 30 mil espectadores, mas a gravação permanece disponível na plataforma e no curso dos meses acumula alguns milhares de visualizações. Números semelhantes são replicados nas demais redes sociais do presidente, como Facebook, Twitter e Instagram. Veículos de imprensa alinhados ao governo também replicam, ao vivo ou posteriormente, o conteúdo na íntegra ou editado. Diversas afirmações que faz nessas lives reverberam na grande imprensa e, sobretudo, nas redes sociais, impulsionadas tanto por ações organizadas no meio digital como pela adesão espontânea dos usuários, seja para criticá-lo, seja para apoiá-lo. De todo modo, os efeitos de sentido e enquadramentos que o governo espera dos temas que aborda são expostos nessas lives, o que faz delas importante referência para entender a política discursiva do governo sobre diversos assuntos e, em nosso caso particular, sobre os usos políticos associados à pandemia do novo coronavírus.
Na grande imprensa, as menções ao novo coronavírus ganham destaque em janeiro de 2020. A capa da edição impressa do jornal O Globo do dia 21 noticia o primeiro caso do “vírus chinês” registrado nos Estados Unidos, chamando atenção para a possibilidade de transmissão humana e dos sintomas de pneumonia causados pela doença desconhecida8. No mesmo dia a Folha de São Paulo ressaltava o quarto caso de morte na China e a chegada do vírus à Coreia do Sul 9. Em ambos os casos, as matérias faziam parte das seções sobre ciência e saúde dos respectivos jornais. Não tardou, porém, para que as características do Sars-CoV-2 fossem desnudadas. A doença começou a ser investigada pelas autoridades chinesas em 12 de dezembro de 2019 e, em 30 de janeiro de 2020, foi declarada emergência internacional pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os brasileiros que estavam em Wuhan foram resgatados pela operação Regresso à Pátria Amada, brevemente mencionada por Jair Bolsonaro na live de 12 de fevereiro de 2020; em 26 de fevereiro foi confirmado o primeiro contágio em solo nacional.
Até março de 2020, Bolsonaro utilizou pouco as lives para abordar a doença. Em 27 de fevereiro, por exemplo, ele externou sua preocupação com os efeitos econômicos da crise. No mesmo dia em que mencionou a repatriação dos brasileiros, Bolsonaro explicou aos apoiadores que cobravam por aparições no horário televisivo que isso não seria possível, pois, segundo a legislação, não se tratava de assunto de interesse nacional - como o então ministro Mandetta teria feito em sua primeira manifestação acerca do coronavírus. Na live do dia 5 de março não houve qualquer discurso nessa direção, e a pandemia só se tornou tema recorrente a partir do dia 12 de março quando, ao lado do ministro da Saúde, Bolsonaro começou a ensaiar as primeiras diretrizes discursivas que marcariam o tratamento mitigador dado ao assunto pelo governo federal.
IV
Os pesquisadores Nicolás Ajzenman (FGV), Tiago Cavalcanti (Cambridge) e Daniel da Mata (FGV) publicaram um artigo que analisa a influência que as lideranças políticas exercem no comportamento dos agentes. Observam os autores também que “o presidente Bolsonaro minimizou o efeito da doença a ponto de contradizer de forma explícita e publicamente os instrumentos comunicados pelos governadores. Em diferentes eventos [...] o presidente do Brasil motivou publicamente os cidadãos a saírem e, assim, quebrarem as políticas de isolamento social” (AJZENMAN; CAVALCANTI; DA MATA, 2020, p. 2). Assumindo como referência as propostas de isolamento definidas pelo Imperial College Report, consideraram que as respostas do governo brasileiro à pandemia foram heterogêneas e descoordenadas. Adotando o modelo de análise baseado em índice de distanciamento social em nível municipal, a partir de dados anônimos obtidos por dispositivos móveis em todo o Brasil, os autores concluíram que houve “forte efeito de persuasão de Bolsonaro sobre o comportamento de seus eleitores”, sobretudo em cidades cujo eleitorado tende a ser majoritariamente a favor do governo (AJZENMAN; CAVALCANTI; DA MATA, 2020,p. 11). Ainda que seja difícil de estimar a quantidade, os discursos de Bolsonaro provocaram, segundo os autores, significativo aumento do contágio e, por correspondência, das mortes provocadas pelo novo coronavírus. Os procedimentos atenuadores podem ser entendidos como uma das principais estratégias retóricas para viabilizar essa narrativa.
São bem conhecidas as análises acerca de atos de linguagem que buscam controlar os efeitos de sentido de alguma palavra ou expressão que o interlocutor considera potencialmente ofensivas. No âmbito da chamada teoria da polidez, Penelope Brown e Stephen C. Levinson (1987, p. 1) argumentam que “um problema para qualquer grupo social é controlar as agressões internas enquanto retém o potencial de agressão tanto no controle interno do grupo social quanto, especialmente, nas relações competitivas externas com outros grupos” (p. 1). Como a comunicação pode ser potencialmente agressiva, diversos mecanismos linguísticos são utilizados para controlar os efeitos de sentido. Nesse contexto, a noção de atenuadores sugere processos de substituição de falas ameaçadoras por formulações mais macias, incluindo o uso de substitutivos, lítotes, eufemismos e outros recursos de ordem similar oferecidos pela linguagem. A mitigação, inscrita nessa lógica de polidez, visa proteger o interlocutor dos efeitos do discurso que a audiência pode associar a ele (BROWN, 1980, p. 345).
Essa tendência começa a se manifestar desde 12 de março de 2020, um dia após a OMS declarar pandemia, quando Bolsonaro faz a primeira live majoritariamente dedicada ao assunto do coronavírus. Esse programa foi precipitado pela confirmação do contágio de Fabio Wajngarten, então secretário de Comunicação da Presidência, que testou positivo após uma viagem aos EUA em que esteve ao lado de Bolsonaro e outros ministros. Participaram, além do presidente da República, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e a intérprete de Libras, Elizângela Castelo Branco. Todos usavam máscara, fato pouco observado no conjunto das lives. Até então, o governo federal havia se manifestado timidamente a respeito do coronavírus, razão pela qual essa live recebeu particular atenção. No dia seguinte, 13 de março, o jornal O Globo utilizou um print screen do programa em sua matéria decapa da edição impressa10. Chama a atenção o quanto parte dos discursos que se tornaram frequentes acerca do coronavírus começaram a ser delineados nesse mesmo programa.
Logo no início, Bolsonaro afirma que o coronavírus “não tem uma grande letalidade, mas quem tem mais de 60 anos aumenta um pouquinho, né?”. Nesse caso, observa-se o uso de dois atenuadores: o primeiro, que introduz a frase, é entendido como um desarmador, que antecipa e tenta edulcorar a negatividade da sentença [“não tem uma grande letalidade”] e de um minimizador, um dos procedimentos mais recorrentes no marco da polidez negativa: observando que a população idosa seria mais suscetível aos sintomas, Bolsonaro sugere que o risco “aumenta um pouquinho”. Estratégias semelhantes são percebidas na fala de Mandetta, inclusive com a substituição do nome coronavírus por gripes e resfriados, enfermidades corriqueiras e que não provocam, na maioria dos casos, grandes preocupações: “Então a gente sabe que vai levar um tempo em que as pessoas terão resfriados, gripes. Vamos proteger os nossos idosos. Qual o grande problema do vírus? Quando muita gente, ao mesmo tempo, pega o vírus, os idosos que complicam ao mesmo tempo vão para o hospital”. O ex-ministro, portanto, emprestava sua posição e seu cargo para sancionar o ceticismo em relação aos riscos que Bolsonaro começava a ensaiar.
Bolsonaro e a intérprete de Libras mantiveram o uso da máscara na live seguinte, transmitida em 19 de março. A insistência na suscetibilidade dos idosos é reiterada de duas maneiras: a primeira de forma indireta, na fala inicial, através da menção a três integrantes do governo com idades próximas ou superiores aos 60 anos e que, apesar de terem testado positivo, estariam assintomáticos ou com sintomas leves da doença. A segunda se dá diretamente, quando afirma que “para algumas pessoas, mais idosas, que têm outros problemas, a infecção torna-se grave e realmente, em alguns poucos casos, pode levar ao óbito”. Nota-se o uso de gradação para atenuar o problema: a assunção do risco de morte é precedida por condicionantes [“mais idosas”; “que têm outros problemas”] e locuções [“algumas pessoas”; “alguns poucos casos”] que respectivamente restringem e minimizam o universo possível de pessoas ameaçadas pela letalidade do coronavírus. Ainda que o desenvolvimento ulterior da pandemia e as pesquisas acadêmicas questionem frontalmente a veracidade dessa afirmação, parece claro o desejo de restringir ao máximo possível o grupo vulnerável, não apenas porque a letalidade dos idosos é de fato maior, mas, sobretudo, porque boa parte dessas pessoas já não participam ativamente do mercado de trabalho. Reforça essa interpretação o fato de que, nessa mesma live, Bolsonaro introduz o discurso de que é necessário manter as atividades produtivas, em clara crítica às políticas de distanciamento/isolamento social levadas a cabo por alguns governadores. Sem citações nominais, Bolsonaro afirma:
Algumas autoridades estaduais estão tomando medidas e tem tido reclamação, tem tido elogio também, mas eu deixo claro que o remédio quando é em excesso pode não fazer bem ao paciente. Uns fechando supermercado, outros querendo fechar aeroportos, outros querendo botar uma barreira na divisa, fechando os estados, fechando academias... a economia tem que funcionar, porque caso contrário as pessoas não vão ficar em casa e se alimentar aí do nada. Tem que buscar meios de sobrevivência, e se faltar emprego, falta o pão em casa e os problemas se avolumam.
No dia seguinte a esta live, Bolsonaro deu uma das declarações mais polêmicas de 2020. Em entrevista coletiva no Palácio do Planalto, após ser questionado sobre sua saúde (circulavam suspeitas de que estaria com covid), respondeu: “Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”11, como noticiou O Globo em 20 de março. Essa afirmação ganhou as mídias sociais e a grande imprensa e não tardou para que “gripezinha” se tornasse epônimo das críticas feitas ao distanciamento do governo das práticas recomendadas mundialmente para a contenção do contágio. O atenuador é, em certo sentido, francamente percebido pela opinião pública, não só pela evidente provocação que encerra, mas pelo exagero óbvio: se não bastasse a já observada equivalência entre coronavírus e uma gripe comum, a palavra foi colocada no diminutivo para reforçar, com algum grau de redundância, a semântica da descrença/negação dos riscos.
A polêmica retornou na live seguinte, em 26 de março. Duas pessoas dividiam a mesa com o presidente: a supracitada intérprete de Libras e Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica Federal. Ambos usavam máscara; Bolsonaro, não. A pandemia é o primeiro assunto abordado, introduzido, novamente, pela crítica a alguns governadores e prefeitos (que não são citados nominalmente) em função das medidas de distanciamento social que julgou excessivas. Em seguida, faz uma analogia que sugere a inevitabilidade do contágio: “esse vírus é igual uma chuva: fechou o tempo, trovoada, você vai se molhar, e vamos tocar o barco”. Logo em seguida, atento à polêmica iniciada por sua coletiva, afirma: “Não vou minimizar a gripe, se bem que dizem aí os infectologistas que para 90% da população essa gripe não é quase nada. Não vou falar ‘gripezinha’ se não vão me criticar, né? ‘Gripezinha’ não pode, né? [...] mas não é quase nada. A gente vê os estudos aí. Quem tem menos de 40 anos, apesar de infectado, a chance de óbito é próxima a zero, uma para cada 500 pessoas”.
Nota-se, mais uma vez, que a substituição da palavra coronavírus por “gripe” já traz implicada uma lógica de atenuação, descredibilizada nessa ocasião pela forma com que tratou a reação pública diante de sua fala. Mais do que isso, além da defesa implícita que faz do termo “gripezinha”, Bolsonaro apela aos números para mitigar os efeitos da pandemia, em consonância com a analogia anterior. Sem entrar no mérito da correção dos dados, é de se destacar que uma taxa de letalidade de 0,2%, como alegada, para uma população de até 100 milhões de habitantes, representaria 200 mil mortos, estatística essa “próxima a zero”, segundo a leitura de Bolsonaro. Cabe ressaltar, ainda, que esse número se associava ao grupo menos vulnerável. Nessa mesma fala, o presidente da República convida as famílias a cuidarem dos mais idosos, como se fosse um problema de natureza privada, indicativo de uma tendência de isenção de responsabilidade do governo federal nos cuidados com a pandemia que irá se confirmar nas semanas seguintes: “e a primeira pessoa a se preocupar com o grupo de risco é você, que tem o pai, avô ou bisavô dentro de casa. Essa é a preocupação. Não é esperar que o governo faça alguma coisa”.
Além disso, após comentar sobre sua participação em uma reunião do G-20, Bolsonaro introduz nas lives a defesa do medicamento hidroxicloroquina, que se tornou igualmente polêmico pela absoluta ausência de comprovação científica quanto aos seus méritos no tratamento dos efeitos provocados pelo novo coronavírus. Ao final do programa, exibindo caixas dos remédios em cada uma das mãos, Bolsonaro também decide atacar os discursos acerca da pandemia, cujo teor supostamente alarmista é associado à imprensa:
Se Deus quiser, esse aí será confirmado brevemente como o remédio para curar todos aqueles portadores do coronavírus [...] e daí com o remédio essa histeria [grifo nosso] que foi plantada no Brasil - não foi a imprensa não; foi, acho que, o Papai Noel, o Saci-Pererê - plantou no Brasil.
V
A pandemia pôs à prova prerrogativas de regimes políticos antidemocráticos de extrema-direita, em ascensão em países como Estados Unidos, Hungria, Nicarágua, Filipinas, Turquia, Brasil e Ucrânia. O programa democrático estabilizado no pós-Guerra parecia não caber mais nos projetos de futuro de lideranças que forjaram sua identidade política enquanto outsiders do sistema democrático, alheios à pactuação em torno dos Direitos Humanos estabelecida em confronto com o nazifascismo (REIS, 2006; MIGUEL, 2014). Partindo de circunstâncias de crise econômica neoliberal e, como desdobramento, da não concretização de universalização da cidadania proposta em Constituições liberais, essas lideranças prometiam devolver a democracia aos seus verdadeiros detentores, isto é, o povo, fortalecendo a ideia de que os mecanismos formais de representação seriam incapazes de manifestar a vontade popular (RUNCIMAN, 2018; LEVITSKY; ZIBLATT, 2018) Postulados anticientíficos, especulações, falsificações, enfim, todo o repertório negacionista que sustentava discursos antidemocráticos (KAKUTANI, 2018) foram mobilizados à medida que o vírus se mostrava cada vez mais uma presença concreta (ARAUJO; PEREIRA; MARQUES, 2020): até onde seria possível sustentar fake news e teorias da conspiração ideologicamente demarcadas diante do avanço das contaminações, colapso de sistema de saúde, em suma, à medida que a presença do vírus se tornava uma evidência cada vez mais concreta e verdadeira no corpo da população?
Na Hungria, o premiê Viktor Orbán conseguiu que o Parlamento aprovasse, em 30 de março de 2020, uma lei que o permitia governar por decreto por tempo ilimitado, sob a escusa de garantir celeridade e fortalecer ações contra o coronavírus; nos Estados Unidos, o então presidente Donald Trump protagonizou algumas situações insólitas, como a recomendação de maior exposição à luz solar e o uso de injeção de desinfetantes como tratamento clínico para a covid-19. Na Bielorrússia, o presidente Alexander Lukashenko sugeriu o uso de vodca e sauna para o tratamento da doença. No Brasil, até o mês de janeiro de 2021, Bolsonaro questionava o uso de vacinas e pregava pela não obrigatoriedade da vacinação, após passar um ano recomendando o uso de medicamentos sem eficácia cientificamente comprovada, como a supracitada hidroxicloroquina.
Para além da difusão de falseamentos e negacionismos, o colapso provocado pela pandemia se tornou uma oportunidade para que Bolsonaro levasse ao limite sua guerra permanente contra a democracia (NOBRE, 2020), evidenciando o quanto o regime democrático-representativo delimitado pela Constituição de 1988 era incompatível com seu programa político. Basta lembrar que, no início da pandemia, em 15 de março, grupos de extrema-direita convocaram às ruas de todo o Brasil manifestações pró-governo pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal; uma semana antes, o presidente da República foi acusado de divulgar vídeo de convocação para o ato, o que gerou grande repercussão entre parlamentares. Em 19 de abril de 2020, mais uma onda de manifestações se realiza e, dessa vez, Bolsonaro participa de corpo presente. Em meio a faixas e cartazes com o pedido de fechamento das instituições democráticas, golpe militar e retorno do AI5, Bolsonaro discursou sem mostrar repúdio às ameaças. Ao fim, tirou fotos, abraçou e apertou a mão de manifestantes, contrariando as recomendações da OMS e decretos estaduais sobre aglomerações e contatos pessoais. Durante e após os atos, Bolsonaro filmou e transmitiu sua participação nas redes sociais. Esse ritual se repetiu nos dias 3, 17, 24 e 31 de maio com a presença do presidente, e, também no mês de junho, com menos participantes e sem Bolsonaro.
A pandemia veio acompanhada de outras crises que colocaram o governo diante de dificuldades até então pouco experimentadas. No primeiro semestre de 2020, em meio aos questionamentos acerca da (in)ação governista no combate à disseminação do novo coronavírus, a base bolsonarista precisou gerir a mais grave celeuma interna vivida pelo governo até então, desencadeada pelo pedido de demissão feito em 24 de abril pelo então ministro da Justiça, Sergio Moro. A saída de Moro não apenas dividiu a base de apoio ao governo, como expôs a suspeita de que o presidente estaria aparelhando instituições de Estado, como a Polícia Federal e ABIN, em benefício próprio e de seus filhos. Na entrevista coletiva em que anunciou o pedido de demissão, Moro acusou Bolsonaro de tentar interferir na autonomia investigativa da Polícia Federal, indicando um Superintendente de sua confiança pessoal - o delegado Alexandre Ramagem - em vez de um nome indicado pelo ex-ministro. Além disso, Moro afirmou que Bolsonaro manifestou essa vontade de interferência em uma reunião ministerial realizada em 22 de abril, gravada em vídeo e divulgada um mês depois, sob determinação do STF.
Em meio a toda essa ebulição política, buscando manter a coesão em sua base de apoio, Bolsonaro dedicou pouco espaço para repercussão da crise política em suas lives de abril e maio. Priorizou as ações do governo na gestão da crise econômica - ocasionada, segundo ele, não pela pandemia, mas pelas medidas restritivas de circulação social adotadas por prefeitos e governadores - e a minimização das mortes ocasionadas pela covid-19. Assim, ampliou a aposta feita em fórmulas discursivas exploradas nas lives de março, ora denunciando as mazelas da campanha “Fique em casa”, do isolamento e lockdown, ora capitalizando politicamente para o governo o Programa de Auxílio Emergencial, cujo cadastramento de beneficiários e distribuição das parcelas ocorriam em abril, em paralelo à crise política. Não por acaso, o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, foi assíduo frequentador das lives, assim como o ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas, reforçando a ideia de que as obras e construções do governo não estavam paradas.
Nesse contexto, a tática dos atenuadores consolida-se através do estabelecimento de dicotomias que visavam denunciar os riscos do distanciamento social e, portanto, combatê-los: “Sempre dissemos que tínhamos dois problemas: o vírus, que tem a ver com a vida, e o emprego, que tem a ver com a saúde, pois sem emprego o sujeito fica mais propenso a ter problema sério ao adquirir o vírus”, assim ele afirma em 21 de maio. A mitigação dos efeitos da crise se dá a partir de uma aparente aporia, só aceitável quando se presume a incapacidade prática de ação do governo para gerir as consequências por ela desencadeadas12. A disseminação da pandemia é tratada como um fato incontornável, uma fatalidade, sintetizada na máxima de que todos estamos fadados à morte, e que, quando chegada a hora, nada poderia ser feito. Espécie de resignação combinada aos desígnios divinos, razão pela qual os efeitos que se desenrolam são enquadrados por uma lógica de naturalização, dentre os quais a fome, o desemprego, o suicídio, o aumento da violência doméstica, e outros fatos sociais sobre os quais o governo federal teria pouquíssimo influxo. Reforça esse argumento a prática de apropriação semântica de terminologias próprias ao coronavírus para definir problemas que dele se deduziriam. Essa estratégia é bem visível, por exemplo, quando Bolsonaro amplia o campo semântico da noção de “doença” para abarcar metaforicamente o desemprego. Em sua defesa do “isolamento vertical”, que liberaria a população economicamente ativa abaixo de 40 anos para as atividades produtivas, o presidente afirma: “como sempre tenho dito, é um paciente com dois problemas graves, que é o vírus e a questão do desemprego”, diz em 16 de abril. Analisando o conjunto das lives, sobretudo pela forma com que repete exaustivamente os mesmos argumentos, é possível observar a existência de pelo menos três formações discursivas que confirmam essa disposição.
Em primeiro lugar, em função de uma decisão do STF13, Bolsonaro faz observar que seus limites de atuação se tornaram restritos, o que lhe conferia uma espécie de salvo-conduto para que pudesse comentar o desenvolvimento da pandemia, isentando-se de responsabilidade de ação. A partir desse fato, usado também para recrudescer as tensões com o Sistema de Justiça, o presidente acaba por assumir uma posição de espectador, de comentarista, uma espécie de “observador externo” que usa o espaço das lives mais para difundir suas impressões do que para anunciar decisões. Por um lado, ele dizia respeitar a decisão do Supremo e que não queria entrar em polêmicas; por outro, deixava clara a sua opinião sobre como procederia caso tivesse condições. Na live de 30 de abril, ele diz, por exemplo, que “ao governo federal não cabe praticamente quase nada nessa área [medidas restritivas ou abertura]: a nós coube as ações do Ministério da Saúde e recursos...” para, logo a seguir, afirmar que “desde o primeiro momento, nós nos preocupamos com o desemprego. O desemprego está aí, batendo forte à porta do trabalhador brasileiro, e as medidas emergenciais tomadas por muitos governadores e prefeitos, de isolamento total, que foram tomadas, têm as consequências...”
Em segundo lugar, ao mesmo tempo em que se mostra indignado com as medidas de isolamento da OMS, as alternativas propostas por Bolsonaro são marcadas por enormes incertezas. Ele se alterna entre momentos enfáticos e vacilantes, como se tivesse convicção do diagnóstico negativo do isolamento, mas os remédios são notadamente precários. Em 9 de abril, por exemplo, ao defender o uso da hidroxicloroquina, afirma: “não digo um estudo completo, definido, mas que seja publicado um emergencial, dando muita força para uso da cloroquina no combate ao pessoal acometido pela covid-19”14. Nessa e em outras lives, Bolsonaro não esconde a ausência de comprovação científica acerca dos méritos terapêuticos, o que não o impede de fazer prescrições baseado em hipotética confirmação futura. O uso de atenuadores nesse caso parecem cumprir pelo menos duas funções: garantir proteção contra potenciais efeitos jurídicos advindos da prescrição do medicamento e reforçar a atmosfera de dúvidas sobre decisões cientificamente respaldadas, como o próprio isolamento social: “a cloroquina pode dar certo. Por que eu falo que ela pode dar certo? Porque não temos a comprovação ainda... pode ser daqui a um ou dois anos, pode chegar à conclusão que a cloroquina não teve validade nenhuma e que teve efeito psicológico apenas, mas também pode chegar à conclusão de que foi eficaz”, diz Bolsonaro em 16 de abril. Solução discursiva semelhante é observada na live de 9 de abril, ao comentar sobre os insumos vindos da Índia para a fabricação de hidroxicloroquina no Brasil, como se observa pelo enunciado preliminar: “Pelo que tudo indica, tem salvado vidas”.
Finalmente, em terceiro lugar, Bolsonaro passa a representar a si próprio como defensor de determinados grupos sociais que se viam diante das dificuldades econômicas impostas pela pandemia. Além de produzir antagonismos entre os profissionais urbanos e rurais - já que apenas os primeiros teriam feito isolamento social, razão pela qual a produção agrícola não teria sido afetada -, Bolsonaro passa a direcionar sua atenção aos trabalhadores informais, sobretudo, ligados ao setor de serviços. Segundo a retórica bolsonarista, uma vez proibidos de trabalhar, eles poderiam contar com o governo não só para o Auxílio Emergencial, mas para lutar pelo direito ao próprio trabalho. Em 30 de abril, Bolsonaro afirma: “amanhã é Dia do Trabalho, e estamos, em grande parte, proibidos de trabalhar”. Nota-se que, em sintonia com seu discurso de campanha, a questão a ser enfrentada não era a informalidade, mas o isolamento que impedia o trabalhador informal de buscar seus meios de sobrevivência.
As formações discursivas ensaiadas em março, em síntese, são insistentemente exploradas ao longo dos meses seguintes. A pandemia não é tema dominante na maioria absoluta de suas lives, talvez para evitar o engajamento de seu público-alvo com o assunto, mas quando mencionada, seguia sendo tratada segundo a lógica de atenuação e mitigação que observamos nos primeiros meses. Nota-se também que a manutenção dessa lógica discursiva não foi severamente afetada pelas condições objetivas, sobretudo com o aumento da contaminação e mortes correspondentes. Pelo contrário, o crescimento exponencial da curva de contágio que se deu a partir do segundo semestre funcionou como poderoso incremento para a defesa de seus postulados. E, se durante meses, Bolsonaro recorreu ao exemplo de pessoas próximas, em geral idosas, que foram contaminadas e aparentemente não tiveram qualquer manifestação grave da doença, a partir de julho de 2020 ele fará uso de sua experiência pessoal com propósito similar.
Em meados do ano, Bolsonaro começou a levantar suspeitas sobre a própria saúde, alegando a possibilidade de ter contraído o coronavírus. Na live do dia 25 de junho, afirma: “eu não sei se já peguei. Fiz dois testes lá atrás, deu negativo [...] eu acho que já peguei, tá certo? Mas isso vai de cada um, do perfil, da vida sanitária de cada um”. Não deixa de ser curioso, em função da prática de testagem de integrantes da cúpula do governo que muitas vezes, segundo o próprio Bolsonaro, detectou contágio em pessoas que não manifestavam sintomas, que o presidente da República não tivesse acompanhamento pelo menos equivalente para dirimir essa dúvida. Oficialmente, o contágio de Jair Bolsonaro foi comunicado em 7 de julho de 2020. Na entrevista coletiva em que fez o anúncio, o presidente retomou a metáfora da chuva que sugeriu na live de 26 de março: “O que posso falar para todo mundo aqui? Esse vírus é quase como, eu já dizia no passado e era muito criticado, era como uma chuva. Vai atingir você, né? Alguns, não. Alguns têm que tomar maior cuidado com esse fenômeno, por assim dizer”15.
Por esse motivo, a live do dia 9 de julho de 2020 foi a primeira a ser transmitida com o presidente infectado. Aparentemente por algum problema técnico, os 04’13” foram exibidos sem áudio16. Quando a questão foi corrigida, ouve-se Bolsonaro em meio à descrição dos sintomas que vinha sentindo e, logo em seguida, fazendo um elogio aos alegados poderes terapêuticos da hidroxicloroquina. Na live de 30 de julho, passado o período de infecção, mantem a mesma tônica.
estou curado do covid, já tenho anticorpos, sem problemas. E agradeço da minha parte, em particular, com toda a certeza, em primeiro a Deus, e depois a medicação que me foi dada pelo médico do presidente da República, que foi hidroxicloroquina. No dia seguinte eu estava bom já. Se foi coincidência ou não, não sei. Mas, funcionou. O ministro Onix, a mesma coisa. Tomou e no dia seguinte passou bem. O ministro da Educação também fez a mesma coisa, o Milton. E ontem tivemos a notícia de que o Marcos Pontes tinha dado positivo. E eu não sei o que ele está tomando. Para o Marcos Pontes ali é uma dose de astronauta que ele toma, e não sei o que ele está tomando, mas se for a hidroxicloroquina ele vai dizer aí para vocês também. Comigo deu certo, coincidência ou não. Recomendo que procure um médico para tomar a decisão sobre o que você quer tomar. Não tem comprovação científica? Não tem. Mas também não dizendo que não faz efeito. Então está na dúvida. E quem não tem alternativa, não fique desestimulando, falando contra uma coisa que você não sabe. Tem médico no Brasil todo que recomendam e outros que não recomendam. É um direito do médico, dar uma receita off lable, fora da bula.
Ao longo do tempo em que esteve infectado, Bolsonaro argumentou em favor dos supostos benefícios do medicamento, recorrendo a seu exemplo pessoal como viés de confirmação dos discursos praticados ao longo desses meses iniciais da pandemia: Em sua defesa recorrente da retomada das atividades econômicas, Bolsonaro insistia que a doença devia ser motivo de preocupação fundamentalmente dos idosos, alegando que todos os demais estariam exagerando os riscos da doença.
Mais do que manter os argumentos pré-fabricados, Bolsonaro acrescenta um bemol. Na live de 16 de julho, que também conduziu sozinho em função de seu estado de saúde, reforça a inevitabilidade do problema e caracteriza as políticas e abordagens midiáticas acerca da pandemia como neurose:
Houve uma neurose no tocante a isso aí. Ninguém disse que ninguém ia morrer por causa do coronavírus, tanto que ia como tá morrendo, infelizmente. Agora, alguns acham que tinha como diminuir o número de óbitos. Diminuir como? Todos dizem e são unânimes em que pelo menos 70% da população vai ser infectada [...] mas mais cedo ou mais tarde esse idoso também não tá livre de se contaminar pelo vírus. Isso é uma realidade.
A equivalência que estabeleceu entre a saúde das pessoas e a saúde da economia, tratadas, como vimos, como problemas de igual grandeza, é solapada pela assertiva de que os efeitos da quarentena são mais desastrosos que a própria pandemia: “Não podemos continuar sufocando a economia. Dá pra entender que a falta de salário, a falta de emprego mata, e mata mais do que o próprio vírus?”. Sobre o uso da hidroxicloquina, por fim, Bolsonaro recomenda que os infectados procurem um médico que a receite e, caso não o faça, sugere que procurem outro: “O que eu recomendo é o seguinte: procure um médico. [...] ‘Doutor, aplica, ministra a hidroxicloroquina ou não? Ministra Annita ou não? O que que o senhor recomenda?’. O médico vai falar alguma coisa. O médico pode falar ‘vai pra casa e deite’. Aí você decide. Procure outro médico se quiser”. Em seguida, faz uso de sua experiência pessoal como exemplo a ser emulado: “O meu caso particular: eu, de imediato, quando senti os sintomas na segunda-feira retrasada, peguei o médico da presidência [...] e falei dos sintomas [...]. Tomei por volta das 17 horas, às 5 da manhã tomei outra dose e às 8 da manhã não sentia mais nada [...] praticamente acabou no dia seguinte”.
VI
Com base nas questões anunciadas na introdução do presente artigo, observamos que os atenuadores e mitigadores são marcas discursivas de formações mais amplas, inscritas em um padrão retórico próprio à linguagem bolsonarista. Não sem razão, optamos pelas lives por considerá-las espaço exemplar para a prática desses discursos. Investindo em um formato comunicativo que buscava criar uma atmosfera de informalidade e que lhe permitiria expor sua alegada sinceridade, seus titubeios, erros e emoções, a voz política do presidente é francamente direcionada a seu grupo de apoio para provê-los de argumentos para o debate público. O Bolsonaro que se apresenta nas lives revela-se aos apoiadores sem a mediação da grande imprensa, de quem ele só poderia esperar ataques. Se na relação com veículos de mídia convencionais ele assumia uma tática de guerra permanente, já que dela só poderia esperar distorções, exageros e “viés ideológico”, nas transmissões de YouTube ele poderia exercitar o bom humor, a compreensão do interlocutor, explicações sobre medidas polêmicas, bastidores, em suma, poderia revelar-se em sua mais profunda intimidade através de uma linguagem simples, direta e emocional, explorando, com as falas, a exposição da intimidade tão em voga na internet.
Esse espaço enunciatário permite construir e intensificar laços político-afetivos de intimidade capazes de minimizar e normalizar as mortes ocorridas pela pandemia do novo coronavírus, como se elas fossem uma fatalidade, isentando, dessa forma, a responsabilidade do governo federal, sem força para agir diante da descentralização federativa imposta pelo Supremo Tribunal. Em outra mão, ele manobrava a crise político-institucional provocada por sua atuação na presidência, seu outro “corpo político”: no Brasil, o auge da pandemia expôs e acelerou um processo de crise institucional e corrosão de valores democráticos, sintetizado na figura de Bolsonaro. Cabe sublinhar, a esse respeito: todos os discursos analisados foram francamente reiterados, live a live, semana a semana, não só na plataforma de vídeo, mas também em entrevistas coletivas e demais mídias sociais. Foi reivindicando a franqueza e a autenticidade de que seria legítimo portador que Bolsonaro pavimentou seu caminho à presidência reivindicando uma identidade política - inclusive a alcunha de mito - agora transposta para a crítica ao distanciamento social e determinadas medidas de prevenção que poderiam, na pior das hipóteses, reduzir não apenas as mortes, mas também a crise econômica que evidentemente acompanha a pandemia.
Entre a submissão e a revisão do presente artigo, o número de mortos saltou de 250 para 440 mil. As estimativas futuras seguem pessimistas.
Entre a submissão e a revisão final do presente artigo, o número de mortos no Brasil saltou de 250 para 600 mil.
Fontes primárias
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BOLSONARO ANUNCIA resultado positivo de teste de covid-19 e diz que está ‘perfeitamente bem. O Globo Online, 7 jul. 2020. Disponível em:Disponível em:https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/07/07/bolsonaro-diz-que-seu-exame-para-covid-19-deu-positivo.ghtml Acesso em: 25 jan. 2021.
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2
De acordo com a ONG Oxfam Brasil, “em todos os países, os mais pobres sofreram os maiores impactos, perdendo emprego e renda, enquanto os mais ricos conseguiram se recuperar em tempo recorde. A pandemia de covid-19 expôs, alimentou e aumentou as desigualdades econômicas, de raça e gênero por toda a parte” (O VÍRUS da Desigualdade. Oxfam Brasil. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/o-virus-da-desigualdade/. Acesso em 26 jan. 2021).
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Estamos tratando de uma forma de comunicação política ancorada no que Castells denomina “sociedade de rede”, que envolve os meios permitidos pela agitação política das redes sociais e seus nichos de interesse comportamental ou político. O político, nesse sentido, enuncia um discurso tendo em vista os meios pelos quais esse discurso será disponibilizado e para quem ele será, isto é, orienta sua ação política a partir do cálculo político dos efeitos medido pela dinâmica da internet e das redes sociais, divididas em grupos de interesse e comportamento.
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Observe-se que a especificidade histórica das fake news depende do suporte digital. Como foi observado oportunamente, “as notícias falsas podem ser consideradas não somente pela forma ou conteúdo da mensagem, mas também em termos de infraestruturas mediadoras, plataformas e culturas participativas que facilitam a circulação. Nesse sentido, o significado das notícias falsas não pode ser compreendido em sua totalidade fora da sua circulação online” (BOUNEGRU; GRAY; VENTURINI; MAURI, 2017, p. 8).
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Para sermos mais precisos, os efeitos das mídias digitais nas campanhas eleitorais se converteram em objeto específico de atenção de especialistas, no Brasil e no exterior, desde o início do séc. XXI, como observado nos trabalhos de Aggio (2010), Alcott e Gentzkow (2017), Bimber e Davis (2003), Canel e Voltmer (2014), Enli e Skogerbo (2013) e Persily (2013).
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As Lives da Semana citadas aqui estão disponíveis online em www.youtube.com, organizadas em ordem cronológica na página de Jair Bolsonaro. Pertencem também aos arquivos pessoais dos autores. Nos trechos em que transcrevemos as palavras de Bolsonaro, optamos por indicar no corpo do texto o dia em que a Live foi ao ar pela primeira vez. Os acessos foram realizados entre dezembro de 2020 e fevereiro de 2021.
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A associação interdiscursiva com a prática varguista não passou despercebida pelo próprio Bolsonaro, que repete inclusive a fórmula do programa, que começa formalmente com o anúncio da data, dia da semana, horário e local da transmissão. No episódio de 20 de fevereiro de 2020, tendo ao seu lado o ministro Onyx Lorenzoni, Bolsonaro repete essa fórmula tradicional e recorda brevemente, com humor, a semelhança com a iniciativa varguista: “Boa noite. Brasília, 20 de fevereiro, quinta-feira, 19 horas. A Voz do Brasil, né?”
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EUA TÊM primeiro caso de coronavírus O Globo Online, 21 jan. 2020 Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/01/21/eua-tem-primeiro-caso-de-coronavirus.ghtml Acesso em 27 jan. 2021.
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VÍRUS DESCONHECIDO causa 4ª morte na China e chega à Coreia do Sul. Folha de São Paulo Online, 20 jan. 2020. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2020/01/virus-desconhecido-se-espalha-pela-china-e-chega-a-coreia-do-sul.shtml. Acesso em 28 jun. 2021.
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CORONAVIRUS CHEGA ao Palácio do Planalto; Bolsas têm o pior dia desde a década de 80. O Globo Online, 13 mar. 2020. Disponível em https://g1.globo.com/politica/blog/matheus-leitao/post/2020/03/13/coronavirus-chega-ao-palacio-do-planalto-bolsas-tem-o-pior-dia-desde-a-decada-de-80.ghtml. Acesso em: 20 jan 2021.
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BOLSONARO VOLTA a minimizar pandemia e chama covid-19 de gripezinha. O Globo Online, 20 mar. 2020. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/bolsonaro-volta-minimizar-pandemia-chama-covid-19-de-gripezinha-24318910. Acesso em: 27 jan. 2021.
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Mitigando a posição que o coronavírus ocupa no marco dos grandes temas nacionais, não apenas de caráter prático ou objetivo, mas também ideológico, como seu convite para que o interlocutor manifeste sua indignação diante de medidas restritivas praticadas por prefeitos e governadores: “para mim tem algo mais importante do que a vida, a liberdade”.
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Referimo-nos à decisão unânime do STF, definitivamente votada em 15 de abril de 2020, que assegurou aos governadores e prefeitos os poderes para decretar medidas de restrição de circulação e outras iniciativas de combate à pandemia em nível estadual e municipal.
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O vídeo dessa live está publicado pela página de Jair Bolsonaro no Facebook. Nota ao leitor: quando este artigo foi produzido, o vídeo estava disponível no canal de Jair Bolsonaro no YouTube. No entanto, no momento da revisão do texto, no link correspondente ao vídeo havia o seguinte aviso: “Este vídeo foi removido por violar as diretrizes da comunidade do YouTube”. Nota ao leitor: no momento da revisão deste artigo, a Live da Semana de 9 julho de 2020 havia sido retirada do ar pelo YouTube. O motivo, segundo o site, é que o vídeo divulgava remédios sem eficácia no combate à covid. A esse respeito ver: YOUTUBE DERRUBA mais 4 vídeos onde Bolsonaro fala de remédios sem eficácia contra a covid, mas não suspende canal. O Globo, 23 abr. 2021. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2021/04/23/youtube-derruba-mais-4-videos-de-bolsonaro-por-desinformacao-sobre-a-covid.ghtml. Acesso em: 11 out. 2021
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BOLSONARO ANUNCIA resultado positivo de teste de covid-19 e diz que está 'perfeitamente bem. O Globo Online, 7 jul. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/07/07/bolsonaro-diz-que-seu-exame-para-covid-19-deu-positivo.ghtml Acesso em: 25 jan. 2021.
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Nas palavras de Bolsonaro, sobre os sintomas da covid e a eficácia da Cloroquina: “[dor] muscular, no fundo dos olhos, e por volta das 17 horas tomei um comprimido da Cloroquina. É um direito meu, devidamente orientado pelo médico (recomendo que você faça a coisa caso sinta sintomas, sempre orientado pelo médico), logo depois fiz o exame, por volta das 18 horas de segunda-feira. Na madrugada de terça-feira tomei mais um comprimido da hidroxicloroquina. Logo depois chegou a confirmação de que eu estava contaminado”. Esta live foi retirada do ar pelo YouTube.
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Dedicamos este artigo à memória dos mortos por covid-19 no Brasil e seus familiares. Agradecimentos: aos alunos e professores do Departamento de História da UERJ e da UFF, ao Programa de Pós-Graduação em História Social/FFP-UERJ, ao Programa de Pós-Graduação em História da UFF e ao PROFHISTÓRIA UERJ.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Dez 2021 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2021
Histórico
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Recebido
02 Mar 2021 -
Aceito
20 Maio 2021