RESUMO
A recepção dos sobreviventes da Shoah e de suas memórias em Israel passou por um primeiro e relativamente longo momento de desconfiança e silenciamento. A oposição entre o judeu da Diáspora, visto como passivo diante das agressões nazistas, e o novo judeu, como ideal sionista, fez com que, marcadamente até o julgamento de Eichmann, as histórias particulares de humilhação e sofrimento não encontrassem espaço nessa sociedade em formação. O problema ao qual este artigo busca responder é como e por que formas específicas de representação do Holocausto, definidas aqui como uma literatura ilegítima, nomeadamente as publicações de Ka-Tzetnik e as chamadas Stalags, ganharam espaço em Israel até o julgamento de Eichmann. Para isso, uma análise dessa literatura e uma revisão bibliográfica serão realizadas a fim de mostrar a união perturbadora entre Holocausto e pornografia como a maneira encontrada por uma geração para lidar com memórias de sofrimento até então latentes em espaços públicos e privados.
Palavras-chave
Shoah; Ka-Tzetnik;
Stalags
; memória; trauma
ABSTRACT
The reception of Shoah survivors along with their traumatic memories in Israel initially went through a long moment of distrust and silencing. The opposition between the Diaspora Jew – seen as passive in the face of Nazi aggression – and the new, Zionist Jew meant that private histories of humiliation and suffering did not find room in this emerging society until the Eichmann trial. This article seeks to explain how and why, in this context, specific forms of Holocaust representation defined as illegitimate literature, such as Ka-Tzetnik’s publications and the so-called Stalags, gained space in Israel before the Eichmann trial. To this end, it analyzes relevant literature to show the disturbing union between the Holocaust and pornography as the way that generation found to deal with memories of suffering then latent in public and private spaces.
Keywords
Shoah; Ka-Tzetnik;
Stalags
; Memory; Trauma
RESUMEN
La percepción de los sobrevivientes de Shoah y de sus memorias en Israel, pasó por un primer y relativamente momento de desconfianza y silenciamiento. La oposición entre los judíos de la Diáspora, visto como pasivo delante de las agresiones nazistas, y el nuevo judío, como ideal sionista, hace con que, marcadamente hasta el juicio de Eichmann, las historias particulares de humillación y sufrimiento no encontrasen espacio en esas sociedades en formación. El problema que este artículo busca responder es cómo y por qué formas específicas de representación del Holocausto, definidas aquí como una literatura ilegítima, nombradamente las publicaciones de Ka-Tzetnik y las llamadas Stalags, ganaron espacio en Israel hasta el juicio de Eichmann. Para eso, un análisis de esta literatura y una revisión bibliográfica serán realizadas a fin de mostrar a unión entre el Holocausto y la pornografía como la manera encontrada por una generación para lidiar con las memorias de sufrimiento hasta entonces latentes en espacios públicos y privados.
Palabras-claves
Shoah; Ka-Tzetnik;
Stalags
; memoria; trauma
A discussão sobre os limites de representação toma o Holocausto1 1 A Shoah coloca a questão dos limites de representação já na nomeação do evento, uma vez que a discussão sobre qual o termo mais adequado não se restringe ao nível terminológico. Shoah ou Holocausto podem denotar tendências diferentes acerca da construção da memória e, ao mesmo tempo, referem-se ao mesmo acontecimento histórico. Apesar da controvérsia que acompanha a etimologia da palavra “Holocausto”, este é, hoje, o termo mais comumente utilizado, fazendo com que tenha também maior alcance. A palavra “Shoah” surge como uma possibilidade que parte da tradição judaica, mas que pode soar “exótica” ao leitor não introduzido a essa discussão. Tendo em vista a impossibilidade de desenvolver a discussão conceitual dentro dos contornos deste artigo, serão evitadas palavras que remetem a uma terminologia nazista, tais como “Solução Final”, enquanto Shoah e Holocausto serão utilizados em alternância, com a consciência de suas limitações inevitáveis. como exemplar, como o evento que, segundo Friedländer (1992, p. 2-3)FRIEDLÄNDER, Saul (ed.). Probing the Limits of Representation: Nazism and the “Final Solution”. Cambridge: Harvard University, 1992., em publicação indispensável sobre o tema, testa as categorias conceituais e de representação existentes, ao que se deve à sua caracterização como um evento-limite (event at the limits). Por outro lado, é profícuo o uso do conceito de trauma para tratar da interface entre memória e história no passado que irrompe no presente, especialmente dos sobreviventes – como utilizado por LaCapra (1998)LACAPRA, Dominick. History and Memory after Auschwitz. Ithaca: Cornell University Press, 1998., entre outros. É possível que se compreenda os limites de representação da Shoah para além da imposição de limites morais sobre o que se deve ou não dizer acerca de eventos traumáticos, considerando também os limites daquilo que se consegue dizer, a não ser que seja criada uma nova forma para tal. Não caberá a este artigo retomar em detalhes as questões colocadas pelos limites de representação, mas vale a menção, uma vez que a literatura tratada aqui se constituirá nesses limites, no limiar do que se deve e do que é possível dizer.
As representações do Holocausto na literatura e no cinema, para citar apenas duas das numerosas possibilidades dessas representações, são diversas e passam por formas inovadoras e exemplares em seu teor testemunhal, como o filme Shoah, de Claude Lanzmann, e a história em quadrinhos Maus, de Art Spiegelman. Ao mesmo tempo, tais representações podem se manifestar em configurações simplificadas e reducionistas e, ainda, em outras um tanto controversas, como as que serão examinadas aqui. A associação entre eventos históricos traumáticos e pornografia tampouco é uma novidade ou exclusividade do Holocausto, mas encontrou, no paradigma que se tornou o evento para a memória coletiva, terreno fértil para inspirar histórias povoadas de perversões sexuais e personagens sádicos, tais como aquelas unidas sob o nome nazisploitation (MAGILOW; LUGT; BRIDGES, 2012MAGILOW, Daniel; LUGT, Kristin; BRIDGES, Elizabeth (ed.). Nazisploitation! The Nazi Image in Low-Brow Cinema and Culture. Nova Iorque: Continuum, 2012.), um subgênero do cinema de sexploitation, popular principalmente nos Estados Unidos durante as décadas de 1960 e 1970.
Perscrutar a erotização da memória dos crimes nazistas levará a um vasto e múltiplo conjunto de manifestações em diferentes locais e épocas. Este artigo se concentrará em tratar do que foi chamado de “literatura ilegítima da Shoah” (BARTOV, 1997BARTOV, Omer. Kitsch and Sadism in Ka-Tzetnik’s Other Planet: Israeli Youth Imagine the Holocaust. Jewish Social Studies, v. 3, n. 2, p. 42-76, 1997.), uma literatura que engloba as obras de Ka-Tzetnik, sobrevivente de Auschwitz, produzidas a partir de 1946, bem como as Stalags Fiction, um gênero de vida curta que surgiu em Israel entre as décadas de 1950 e 1960. A literatura ilegítima2 2 Para Bartov (1997), a literatura legitimada sobre o Holocausto em Israel consistia, até o julgamento de Eichmann, em textos de caráter fortemente didático imbuídos de viés ideológico sionista e relatos de resistência. Como será tratado ao longo do texto, as obras de Ka-Tzetnik foram, em diferentes momentos até 1960, incorporadas como leitura em escolas e na biblioteca das forças armadas em Israel, o que pode gerar dúvidas quanto à terminologia “ilegítima” para dar conta dessa literatura, que unia reflexões morais sobre o problema colocado pelo genocídio e descrições perturbadoras de sadismo e humilhação. A questão é que essas obras estiveram na fronteira daquilo que era legitimado ou proibido e estão aqui figuradas entre a chamada “literatura ilegítima” por terem sido ambiguamente fetichizadas e apropriadas no submundo da nazisploitation, principalmente em Israel e nos Estados Unidos. dividiria entre si a particularidade de realizar uma narrativa abertamente sexualizada sobre a Shoah, fazendo um contraponto à literatura sobre o Holocausto legitimada em Israel até o julgamento de Eichmann. Assim, partir-se-á do momento inicial de silenciamento das memórias dos sobreviventes em Israel, particularmente de suas histórias privadas, que iam de encontro à narrativa oficial que acompanhava a própria criação do Estado de Israel, o que explicita a dualidade entre o judeu da Diáspora e o “novo judeu” israelense. Em seguida, será introduzida a obra de Ka-Tzetnik, a questão do lugar da violência sexual supostamente sofrida pelos judeus sobreviventes e como, a partir dos testemunhos finalmente expostos durante o julgamento de Eichmann, essa violência sexual imaginada desembocou no surgimento das Stalag Fiction. É a partir da erotização da memória e da feminização da vítima que será possível apontar para as Stalag Fiction não só como tendo sua existência devida à literatura de Ka-Tzetnik, mas como uma resposta, uma tentativa de elaboração do passado por uma geração de judeus nascidos após a Shoah, diante das memórias reveladas e das histórias expostas durante o julgamento de Eichmann.
O silenciamento
Se hoje se fala em um excesso de memória do Holocausto, é preciso lembrar que a historicização do evento e a presença de sua narrativa na memória coletiva passaram por um período de cerca de vinte anos de latência (FRIEDLÄNDER, 1992, p. 47-48FRIEDLÄNDER, Saul. Trauma, Transference and “Working hrough” in Writing the History of the “Shoah”. History and Memory, v. 4, n. 1, p. 39-59, 1992.), nem sempre sendo tratado como uma catástrofe particular digna de nome próprio, mas como mais um efeito da guerra. Os motivos identificáveis para o silêncio diferem se estivermos falando da Alemanha, dos Estados Unidos ou de Israel, por exemplo. No entanto, a incorporação do conceito freudiano de trauma na historiografia da Shoah serve como uma chave de compreensão privilegiada. Considerando o trauma como “uma vivência que, em curto espaço de tempo, traz para a vida psíquica um tal incremento de estímulos que sua resolução ou elaboração não é possível da forma costumeira, disso resultando inevitavelmente perturbações duradouras” (FREUD, 2014, p. 299FREUD, Sigmund. Conferências introdutórias à psicanálise (1916-1917). In: FREUD, Sigmund. Obras completas. Tradução: Sérgio Tellaroli. v. 13. São Paulo: Companhia das Letras, 2014.), percebe-se como o evento traumático sequer é registrado no momento de sua ocorrência, passando por um intervalo temporal, um momento de latência, em que é inicialmente reprimido, deslocado ou negado, e por isso retorna. No trauma, o passado não deixa de irromper no presente, o que é reprimido da memória retorna de um modo transformado e desfigurado, seja em experiências artísticas controladas ou sonhos e alucinações (LACAPRA, 1998, p. 23LACAPRA, Dominick. History and Memory after Auschwitz. Ithaca: Cornell University Press, 1998.), pois “em circunstâncias particulares, porções inteiras do passado reputadas, esquecidas e perdidas podem voltar” (RICOEUR, 2007, p. 453RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: Ed. da Unicamp, 2007.). Assim, seja pela culpa, pela vergonha, ou mesmo por imposições externas, a tentativa de supressão da memória traumática não deixa de ser acompanhada pela sua impossibilidade.
A Shoah é, sem dúvidas, um evento formativo na história do judaísmo contemporâneo, do sionismo e do Estado de Israel. A narrativa acerca da perseguição nazista foi incorporada no próprio mito fundador de Israel, sendo introduzida bem cedo pelo establishment do Yishuv3 3 Yishuv significa “assentamento” e é a palavra usada para designar a comunidade judaica que já vivia na região da Palestina (Eretz Yisrael) no período pré-Estado. Há o “antigo Yishuv”, judeus que viviam na região desde antes de 1880 sob o domínio do Império Otomano, e o “novo Yishuv”, formado por uma maioria de judeus russos, que emigraram no século XX, fugindo da ascensão de pogroms. O Yishuv fundou bases para a criação de um Estado na região. David Ben-Gurion, judeu polonês, migrou em 1906 e se tornou um dos grandes líderes do Yishuv e do posterior Estado de Israel. como fonte de legitimação do Estado recém-criado e serviu também como uma posterior justificativa para o conflito árabe-israelense, pois, diante da catástrofe, seria preciso não subestimar o antissemitismo, não negligenciar o perigo. Os israelenses, após a independência e a comprovação do plano nazista de exterminar todos os judeus, encontravam-se ainda muito envoltos em problemas imediatos relacionados ao recém-criado Estado. Não é exagero afirmar que certo sentimento de culpa chegou a assolar o Yishuv, que pouco fez ou nada pôde fazer para salvar os judeus europeus. Por outro lado, entretanto, os sobreviventes não representavam o perfil desejado para a formação da sociedade sionista idealizada por seus fundadores: não eram sionistas ou socialistas, mas pessoas expropriadas e traumatizadas, “destroços humanos” inviáveis de serem integrados e compreendidos em uma sociedade militarizada e marcada pelo arquétipo do “novo judeu”.
A busca por um “novo judeu” surgiu na Europa durante o Iluminismo, com as mudanças no modo de vida judaico almejadas à medida que os judeus foram integrados aos Estados modernos e considerados cidadãos. Segundo Conforti (2011, p. 88-95)CONFORTI, Yitzhak. “The New Jew” in the Zionist Movement: Ideology and Historiography. Australian Journal for Jewish Studies, v. 25, p. 87-118, 2011., os esforços assimilacionistas dos judeus da Haskalah (ou Iluminismo judeu) foram incorporados à aspiração sionista de criar um novo tipo de judeu, que conheceria o passado judaico e a tradição, mas avançaria em direção a um futuro distinto – um intermediário entre a bagagem histórica e a noção de progresso sionista, que dependia de um judeu forte, também fisicamente, e diferente do judeu alvo do antissemitismo: fraco, doente, de “natureza excessivamente espiritual”. O que a narrativa sionista empreendeu, à época da criação de Israel, foi a instrumentalização do passado para a construção de uma narrativa teleológica triunfante, uma possibilidade de união, afinal, entre a identidade judaica e a questão nacional, um reingresso na corrente principal da história. Essa reinserção, porém, aconteceu às custas de uma tentativa de distanciamento da perspectiva da Diáspora, da experiência do exílio – que passou a ser associada à passividade diante dos pogroms e outras humilhações – e a um apego às tragédias e à falta de lugar no mundo. O sionismo aparece como o único caminho possível, pois mesmo que os sionistas, como acusados por judeus ultraortodoxos, tenham falhado em salvar os judeus da morte, as possibilidades orientadas para a Diáspora culminaram em Auschwitz. O historiador israelense Tom Segev (1991, p. 99)SEGEV, Tom. The Seventh Million: The Israelis and The Holocaust. Nova Iorque: Owl Books, 1991. aponta para o fato de que já em 1943, quando existiam indícios substanciais do genocídio em curso, líderes do Yishuv, percebendo que o salvamento total era inviável, insistiram na importância da Selektsia, a seleção de imigrantes que iriam para a Palestina, privilegiando aqueles que não se tornariam um fardo para o futuro Estado. Segev (2019, p. 446)SEGEV, Tom. A State at Any Cost: The Life of David Ben Gurion. Tradução: Haim Watzman. Londres: Head of Zeus, 2019. reproduz também um discurso de Ben-Gurion no qual ele usaria a expressão “material humano” para tratar da imigração, opondo aqueles com capacidade para impulsionar o país, colonizar a terra como pioneiros e defendê-la como soldados – o material humano desejado – aos refugiados sem qualquer recurso financeiro ou emocional, os “destroços humanos”.
Anita Shapira (1998, p. 41)SHAPIRA, Anita. The Holocaust: Private Memories, Public Memory. Jewish Social Studies, v. 4, n. 2, p. 40-58, 1998. afirma que houve consenso entre historiadores israelenses de que a Shoah foi suprimida da consciência nacional israelense nas duas primeiras décadas após a guerra, de modo que desempenhou um papel no máximo marginal na formação da identidade nacional em um primeiro momento, tendo sido ofuscada também no sistema educacional pelas lutas pela fundação do Estado e a Guerra da Independência. Não havia espaço para demonstrações de fraqueza e humilhação, mas a tese da ausência de uma memória da Shoah no discurso público dos primeiros anos de Israel deve ser problematizada – afinal, como dito, documentar a Shoah foi determinante para a narrativa criada pelos primeiros líderes israelenses. O que deve ser destacado é que a percepção da Shoah usada na retórica política, nos discursos da mídia e nas escolas era unilateral e simplista, privilegiando a ótica do ideal sionista de heroísmo judaico através do elogio à resistência ativa e com a crítica, direta ou velada, aos judeus que supostamente aceitaram inertes o extermínio. Nesse contexto, repetiu-se a máxima de que os judeus caminharam para a morte como “ovelhas em um matadouro”. A frase, que tem origem bíblica e se relaciona inicialmente ao martírio na tradição, foi retomada no contexto pós-Holocausto para difundir a ideia de que os judeus da Diáspora teriam aceitado passivamente as humilhações e a morte impostas pelos nazistas. A frase explicita uma expectativa irreal de que os judeus europeus poderiam ter lutado por suas vidas e teria sido dita por Abba Kovner (1918-1987), judeu resistente do Gueto de Vilna, que testemunhou durante o julgamento de Eichmann, além de ter sido um dos primeiros a denunciar o plano nazista de exterminar todos os judeus. Kovner teria criado até mesmo um plano de vingança contra os nazistas, tornando-se o sobrevivente ideal na lógica sionista. O que Kovner disse, para tentar convencer os judeus a pegarem em armas por suas vidas, foi: “Não iremos como ovelhas para o matadouro” (PORAT, 2010, p. 138PORAT, Dina. The Fall of a Sparrow: The Life and Times of Abba Kovner. Tradução e edição: Elizabeth Yuval. Stanford: Stanford University Press, 2010.). A frase foi repetida por muitos posteriormente, inclusive por Shmuel Yosef Agnon (1888-1970), escritor de literatura hebraica e ganhador do Nobel de literatura, que usou a metáfora para destacar a diferença entre o judeu da Diáspora e os judeus de Israel, onde finalmente poderiam se defender (AGNON, 1995, p. 378AGNON, Shmuel Yosef. The Sign. In: AGNON, Shmuel Yosef. A Book that Was Lost and Other Stories. Edição: Alan Mintz e Anne Golomb Hoffman. Nova Iorque: Schocken Books, 1995.). Para Yael Feldman (2013)FELDMAN, Yael S. “Not as Sheep Led to Slaughter”? On Trauma, Selective Memory, and the Making of Historical Consciousness. Jewish Social Studies: History, Culture, Society, v. 19, n. 3, p. 139-169, 2013., contestar a figura da vítima e acusá-la de ser parcialmente culpada pelo próprio destino é um dilema ético característico da consciência histórica judaica, produto de uma repressão coletiva e de uma memória seletiva que remontaria séculos antes da Segunda Guerra Mundial e que teria sido despertado pelo apelo à resistência no contexto de emergência do sionismo.
Shapira apresenta, portanto, a diferenciação entre memória pública e memórias privadas. Estas últimas foram silenciadas nos primeiros anos até que se iniciasse o processo de validação e reconhecimento dos testemunhos dos sobreviventes, especialmente durante o julgamento de Eichmann, quando as experiências pessoais finalmente ganharam destaque público. Houve uma supressão das memórias privadas, ao passo que, no âmbito da retórica pública, a histórica foi evocada repetidamente. Assim, várias tendências teriam se combinado para um longo período de silenciamento dessas memórias pessoais, pois a princípio, pouco após a libertação, grande parte dos sobreviventes teria sido tomada por um impulso, quase como uma obsessão, por contar os horrores pelos quais haviam passado, mas, tendo sido expostos a condições de vida muito específicas – incluindo os conflitos pelos quais o frágil Estado estava exposto, bem como as questões de ordem das necessidades básicas –, logo perceberam que essas memórias não serviriam para a integração à sociedade israelense, pelo contrário. Uma escolha feita nos primeiros anos, dos veteranos de não perguntar e dos imigrantes de não relatar, acabou por instaurar um silêncio que perdurou durante muito tempo até mesmo dentro do ambiente familiar (SHAPIRA, 1998, p. 50-51SHAPIRA, Anita. The Holocaust: Private Memories, Public Memory. Jewish Social Studies, v. 4, n. 2, p. 40-58, 1998.).
Ka-Tzetnik
Ka-Tzetnik 135633 foi o pseudônimo utilizado por Yehiel Dinur – nome hebraico escolhido em Israel –, nascido Yehiel Feiner (1909-2001), na Polônia, para escrever acerca das experiências em um campo de concentração e extermínio. Yehiel Dinur passou dois anos em Auschwitz até conseguir emigrar para a Palestina sob mandato britânico em 1945. O pseudônimo se refere a como se pronunciaria, em iídiche, a abreviação KZ da palavra alemã Konzentrationslager (campo de concentração), seguida do número tatuado em seu braço. Essa escolha diz respeito aos efeitos devastadores de serem reduzidos a um número para a identidade dos prisioneiros, além de mostrar que o objetivo de Dinur não era simplesmente relatar a sua experiência individual, mas dar voz a tantos outros anônimos que não poderiam mais falar, um objetivo que outros sobreviventes também buscaram ao lembrar os que não sobreviveram. Enquanto muitos autores usam pseudônimos para encobrir algum aspecto de sua existência, Ka-Tzetnik força o leitor a olhar para o único aspecto de sua existência que importava para o livro. Dinur ficou conhecido por protagonizar uma das cenas mais icônicas do julgamento de Eichmann4 4 O episódio foi tratado por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém, ocasião em que a autora percebeu com suspeição que numerosas testemunhas teriam se voluntariado para estar presentes e atestou o depoimento interrompido de Dinur como uma marca do fracasso geral do julgamento (ARENDT, 1999, p. 241-251). Shoshana Felman (2002, p. 146-152), por outro lado, defende que é justamente por não ter concluído sua fala que Dinur representou, naquele momento, os limites da lei diante do trauma e, mais, uma possibilidade através do testemunho. . Quando foi questionado se seria ele o autor dos livros escritos sob um pseudônimo, ele acabou desmaiando em meio ao testemunho. Pouco antes, foi perguntado a respeito da escolha do nome Ka-Tzetnik e respondeu que o que ele escrevia não era literatura, mas
uma crônica do planeta Auschwitz. Estive lá cerca de dois anos. O tempo lá não é o mesmo que aqui, na Terra (…). Os habitantes desse planeta não tinham nomes. Não tinham pais e nem filhos. Não usavam [roupas] como aqui. Não nasceram lá e não deram à luz... Não viviam de acordo com as leis do mundo aqui e não morreram. Seu nome era o número Ka-Tzetnik (EICHMANN..., 1961bEICHMANN Trial. Sessions 68 and 69 - Testimonies of Y. Dinur, Y. Bakon, A. Oppenheimer, A. Beilin. Direção: Leo Hurwitz. Produção: Milton Fruchtman. Operadores de câmera: R. M. Kneller; F. Csaznik; J. Jonilowicz; J. Kalach; E. Knebel. Jerusalém: Capital Cities Broadcasting Corporation, 1961b. 34 min. Disponível em: https://collections.ushmm.org/ search/catalog/irn1001698. Acesso em: 16 maio 2022.
https://collections.ushmm.org/ search/ca... )5 5 Trad. livre da autora: “I do not see myself as a writer who writes literature. This is a chronicle from the planet Auschwitz. I was there for about two years. The time there is not the same as it is here, on Earth. (…) And the inhabitants of this planet had no names. They had no parents and no children. They did not wear [clothes] the way they wear here. They were not born there and did not give birth... They did not live according to the laws of the world here and did not die. Their name was the number K. Tzetnik”. .
Com a metáfora de um outro planeta, Ka-Tzetnik foi o primeiro a escrever e publicar suas histórias baseadas nas vivências nos campos de concentração em Israel nos anos 1950. Sua obra é repleta de elementos presentes em diversos outros testemunhos: ele fala da progressiva dessensibilização em relação aos judeus que iam “desaparecendo”, da impossibilidade de comunicação entre falantes de tantas línguas diferentes nos campos, da falta de conhecimento acerca do alcance do extermínio enquanto ele acontecia e da concomitante negação do próprio destino (KA-TZETNIK, 1955, p. 1-10KA-TZETNIK 135633. House of Dolls. Nova Iorque: Simon and Schuster, 1955.). Entre esses elementos comuns, um ponto se destaca em suas obras: as narrativas extensas e detalhadas sobre a violência sexual, uma questão sensível e pouco mencionada mesmo entre as narrativas cruas de tantos outros sobreviventes. O primeiro livro de sua autoria, intitulado Salamandra, foi lançado em 1946 e escrito em hebraico. A obra se afastou das narrativas legitimadas dos contos de atos heroicos dos judeus, que resistiram e posteriormente se estabeleceram nos kibutzim. Foi praticamente a única história publicada de um sobrevivente comum e focava, de maneira destoante, na impotência judaica. Salamandra conta com uma narrativa inflexível das violências sofridas nos guetos e nos campos de concentração e é o primeiro volume de uma série de novelas, “crônicas de uma família judia no século XX”, sobre a vida de Harry Preleshnik, um alter ego de Yehiel Dinur, e seus irmãos. As histórias foram supostamente baseadas nos fatos reais de sua família, de modo que foram tomadas por muitos como autobiografia e não ficção. Essas histórias são narradas, no entanto, por uma voz externa e onisciente – Ka- -Tzetnik –, que tem acesso aos sentimentos e pensamentos íntimos dos personagens, além de se debruçar sobre situações das quais Dinur não poderia ser testemunha direta.
O livro mais famoso de Ka-Tzetnik é House of Dolls, escrito em hebraico em 1953 e traduzido para o inglês em 1955. No livro, é contada a história de Harry e sua irmã Daniella, uma judia polonesa de catorze anos selecionada para trabalhar na Doll’s House, um bordel para soldados nazistas, onde ela foi esterilizada, recebeu no peito uma tatuagem escrita “Feld-Hure” (prostituta do campo) e foi obrigada a se prostituir, sob ameaças de ser denunciada e morta. É preciso destacar que a Doll’s House é uma invenção. A prostituição forçada de mulheres, principalmente polonesas e russas, existiu e tomou lugar nos chamados Sondenbauten, construções às quais internos privilegiados tinham acesso. Esses internos nunca eram judeus e estavam nos campos de trabalho de Mauthausen, Gusen, Auschwitz- -Stammlager, Auschwitz-Monowitz, Buchenwald, Flossenbürg, Neuengamme, Dachau, Sachsenhausen e Mittelbau-Dora. O objetivo de tais regalias seria aumentar a produtividade em um momento em que a produtividade do trabalho forçado caía (SOMMER, 2009, p. 168-169SOMMER, Robert. Camp Brothels: Forced Sex Labour in Nazi Concentration Camps. In: HERZOG, Dagmar (ed.). Brutality and Desire: War and Sexuality in Europe’s Twentieth Century. Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2009. p. 168-196.). A historiadora Na’ama Shik (2009)SHIK, Na’ma. Sexual Abuse of Jewish Women in Auschwitz-Birkenau. In: HERZOG, Dagmar. Brutality and Desire: War and Sexuality in Europe’s Twentieth Century. Nova Iorque: Palgrave Macmillan, 2009. assinala que a violência sexual existiu, mas não havia prostitutas judias em Auschwitz, o que não impede que guias em Auschwitz, ainda hoje, parem em frente ao Bloco 24, onde supostamente funcionaria um bordel, e leiam para visitantes atentos trechos do livro de Ka-Tzetnik descrevendo minuciosamente o que mulheres teriam vivido nesse lugar. Também é preciso destacar que, segundo a ideologia nazista, o contato sexual entre uma pessoa ariana e alguém categorizado como eslavo e/ ou “etnicamente estrangeiro” (fremdvölkisch) foi definido como “relação sexual indesejável” (unerwünschter Geschlechtsverkehr), enquanto o contato sexual com alguém designado judeu ou “de outra raça” (artfremd) consistiria em uma “degeneração do Volkskörper alemão”, sendo estritamente proibido (verbotener Geschlechtsverkehr) (PRZYREMBEL, 2003, p. 63PRZYREMBEL, Alexandra. “Rassenschande”: Reinheits Mythos und Vernichtungs Legitimation im Nationalsozialismus. Göttingen: Vandenhoeck and Ruprecht, 2003.). A narrativa da existência de bordéis de mulheres judias no ambiente controlado dos campos de concentração não se sustenta, portanto.
Uma foto6
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A foto pode ser acessada em: https://museum.imj.org.il/artcenter/includes/item.asp?id=643298.
, supostamente datada de 1945, de autoria de Paul Goldman (1900-1986) – fotógrafo que cobriu importantes momentos da história de Israel, incluindo a chegada dos primeiros sobreviventes – mostra uma mulher com a inscrição “Feld-Hure” (prostituta do campo) no peito. A foto foi exposta no Muza Eretz Israel Museum Tel-Aviv, mas não corresponde ao que se sabe sobre a existência de bordéis em campos de concentração, especialmente em Auschwitz. Outras incongruências podem ser apontadas, como o fato de não haver outras imagens de mulheres com tatuagens do tipo, bem como a posterior descoberta de que a foto foi tirada em 1944 e não 1945 em Nahalal, onde não havia, à época, mulheres sobreviventes. A capa das primeiras versões7
7
Um exemplo dessas capas é a da Editora Pyramid Books, publicada em 1970: https://pictures.abebooks.com/1LACEYLANE/md/md6442582636.jpg.
publicadas nos Estados Unidos de House of Dolls são bastante parecidas com a foto de Goldman. Segev (2007, p. 7)SEGEV, Tom. Dreaming With Shimon. Haaretz, p. 1-15, 18 jul. 2007. Disponível em: https://www.haaretz.com/1.4953633. Acesso em: 16 fev. 2021.
https://www.haaretz.com/1.4953633...
defende a hipótese de que, ao invés de confirmar os escritos de Ka-Tzetnik, a foto foi fabricada como capa para a obra.
Daniella tem seu fim quando seu irmão, Harry, a vê com os oficiais e ela, tomada pela vergonha, caminha em direção à saída do campo e é morta. Outro livro da série de novelas foi publicado em 1962 sob o título de They Called Him Piepel ou Moni: A Novel of Auschwitz e narra a trágica história de Moni, o irmão mais novo de Harry, que teria sido forçado a viver como escravo sexual dos comandantes de Auschwitz e posteriormente foi assassinado. O historiador alemão Robert Sommer (2014, p. 86-103)SOMMER, Robert. Pipels: Situational Homosexual Slavery of Young Adolescent Boys in Nazi Concentration Camps. In: EARL, Hilary; SCHLEUNES, Karl A. (ed.). Lessons and Legacies XI: Expanding Perspectives on the Holocaust in a Changing World. Illinois: Northwestern University Press, 2014. p. 86-106. definiu como “homossexualidade ocasional” uma prática relativamente comum nos campos de concentração, quando um homem mais velho e hierarquicamente superior (um prisioneiro privilegiado ou um Kapo responsável pelo bloco) exprimia sua sexualidade masculina se relacionando com um menino supostamente de aparência feminina, o que significava muitas vezes simplesmente um menino de aparência infantil. O abuso sexual de crianças é um tema sensível em qualquer contexto e, assim como a violência sexual em geral, foi assunto evitado por grande parte dos sobreviventes que testemunharam após a libertação, até porque, diante dos sofrimentos de cada um, esses meninos foram estigmatizados, vistos como colaboradores. Os meninos eram chamados de piepel, que em dialeto berlinense e em iídiche significa algo como “pequeno menino”. Em troca de se relacionar sexualmente com tais prisioneiros privilegiados, eles recebiam proteção, comida e não precisavam trabalhar como os outros prisioneiros. Assim, Sommer (2014)SOMMER, Robert. Pipels: Situational Homosexual Slavery of Young Adolescent Boys in Nazi Concentration Camps. In: EARL, Hilary; SCHLEUNES, Karl A. (ed.). Lessons and Legacies XI: Expanding Perspectives on the Holocaust in a Changing World. Illinois: Northwestern University Press, 2014. p. 86-106. considera que a distinção entre trocas sexuais e estupro é imprecisa e há certa lacuna no estudo de uma situação tão complexa, até porque a maioria dos relatos é de outros prisioneiros carregados de julgamentos morais.
A violência sexual imaginária e imaginada
O quanto o Yishuv realmente sabia acerca da perseguição e destruição da comunidade judaica na Europa e o que poderia ter sido feito é ainda uma discussão aberta na história judaica. No entanto, mesmo que se considere que os líderes sionistas muito sabiam e poderiam ter despendido mais recursos para salvar os judeus da Diáspora, a população israelense tinha uma compreensão inicial bastante rasa do que consistia a Shoah, o que se somou a uma crescente onda de denúncias de colaboração judaica e deu lugar a duas impressões bastante perversas a respeito dos sobreviventes: de que eles teriam caminhado para a morte como ovelhas em um matadouro e de que o melhor dos judeus havia perecido e apenas Kapos, membros dos Judenrät (conselhos judaicos) e mulheres que se prostituíram chegaram a Israel.
Quando os sobreviventes chegaram e nos primeiros anos de adaptação, a ideia de que as mulheres haviam sido exploradas sexualmente por nazistas permeou a imaginação da população israelense que acreditava que, para terem sobrevivido, os que foram libertados só poderiam ter ofertado algo em troca, especialmente as mulheres, tidas como frágeis demais para terem sobrevivido. Soma-se a isso o fato de que o primeiro contato do Yishuv com as histórias de sobreviventes se deu primordialmente pela literatura de Ka-Tzetnik, que se tornou também o meio privilegiado que os Sabras (como eram chamados os judeus pertencentes à primeira geração nascida em Israel) usaram para conhecer as histórias sobre as quais seus pais ou vizinhos não falavam a respeito. As obras de Ka-Tzetnik foram utilizadas nas escolas (TIMM, 2017, p. 1TIMM, Anette F. Introduction: The Dillemas of Ka-Tzetnik’s Internacional Fame. In: TIMM, Annette F. (ed.). Holocaust History and the Readings of Ka-Tzetnik. Londres: Bloomsbury Academic, 2017. p. 1-12.; BOS, 2018, p. 105BOS, Pascale. Sexual Violence in Ka-Tzetnik’s House of Dolls. In: TIMM, Annette F. (ed.). Holocaust History and the Readings of Ka-Tzetnik. Londres: Bloomsbury Academic, 2018. p. 106-138.) e incluídas na chamada biblioteca Yalkut das forças armadas israelenses, uma série de livros de bolsos feitos para caber nas mochilas (yalkut) dos soldados. As descrições realistas de sadismo nos livros de Ka-Tzetnik, em contraste com o silêncio dos sobreviventes, ofereceram a esses jovens a sensação de adentrar um “mundo proibido” (PORAT, 2017, p. 14PORAT, Dina. An Author as His Own Biographer: Ka-Tzetnik: A Man and a Tattooed Number. In: TIMM, Annette F. (ed.). Holocaust History and the Readings of Ka-Tzetnik. London: Bloomsbury Academic, 2017. p. 13-36.).
Pascale Bos aponta que o tropo da prostituição judaica surgiu pela primeira vez no discurso público não em Israel, mas nos Estados Unidos, em 1943, com a publicação de um breve artigo intitulado “93 Choose Suicide Before Nazi Shame” no jornal The New York Times. O artigo descrevia a história de uma professora e de noventa e três de suas alunas, com idades entre catorze e vinte e dois anos, da escola ortodoxa Beth Jacob para meninas. Essas moças teriam se suicidado por envenenamento, escolhendo a morte ante a possibilidade de serem forçadas à prostituição por soldados alemães (93 CHOOSE…, 1943, p. 893 CHOOSE SUICIDE BEFORE NAZI SHAME. The New York Times, Nova Iorque, p. 8, 8 jan.1943.). Hoje a história é comprovadamente fictícia, mas foi tomada como uma narrativa autêntica, alcançou ampla circulação e não demorou para chegar à Palestina. Bos (2014, p. 62-64)BOS, Pascale. Her Flesh is Branded: “For Officers Only”: Imagining and Imagined Sexual Violence against Jewish Women during the Holocaust. In: EARL, Hilary; SCHLEUNES, Karl A. (ed.). Lessons and Legacies XI: Expanding Perspectives on the Holocaust in a Changing World. Illinois: Northwestern University Press, 2014. p. 59-85. considera que a narrativa da violência sexual praticada por nazistas serviu como uma confirmação de sua natureza depravada, além de mostrar o martírio como espiritualmente redentor e introduzir um elemento comum de horror, o estupro, em uma tentativa de domesticar as atrocidades nada familiares e ainda pouco documentadas da Shoah. Assim, pressupõe-se que o artigo foi forjado com a intenção de reafirmar a fé da comunidade judaica americana em uma época de incertezas e poucas informações acuradas sobre o que acontecia na Europa. A mensagem isolada, entretanto, é inquietante, pois sugere que, para uma mulher, seria preferível morrer a ser estuprada, evidenciando a pouca compreensão do que era a perseguição nazista ao interpretar esses atos como martírio e supor a possibilidade de escolha. Ser um mártir requer algum arbítrio, enquanto as vítimas da Shoah não tiveram nenhuma ou qualquer escolha.
Yitzhak Sadeh, fundador das forças judaicas de combate na Palestina sob mandato britânico (Palmach), publicou em 1945 um poema que pode ter servido de inspiração para a história de Daniella criada por Yehiel Dinur (SEGEV, 2007, p. 6SEGEV, Tom. Dreaming With Shimon. Haaretz, p. 1-15, 18 jul. 2007. Disponível em: https://www.haaretz.com/1.4953633. Acesso em: 16 fev. 2021.
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), chegando a ser incluído, em 1994, em uma das edições em hebraico de House of Dolls, com apoio do Ministério da Educação de Israel, como “uma autêntica fotografia da heroína do livro” (BARTOV, 1997, p. 56BARTOV, Omer. Kitsch and Sadism in Ka-Tzetnik’s Other Planet: Israeli Youth Imagine the Holocaust. Jewish Social Studies, v. 3, n. 2, p. 42-76, 1997.). O poema leva o título de “Minha irmã na praia” e narra o encontro entre um soldado judeu, talvez o próprio Sadeh, e uma moça que acabara de desembarcar em uma praia palestina de um navio clandestino de imigrantes. A moça tinha tatuado no peito, como Daniella, a inscrição “apenas para oficiais”. O soldado, de sua superioridade, diz que sabe sobre o que aconteceu com ela, que foi torturada e tornada estéril. A impureza dessa mulher é mencionada várias vezes; ela se diz indigna de ser resgatada pelos jovens sionistas e deixa a entender que se chegou à Palestina foi porque não defendeu sua integridade, se rendeu, se prostituiu (ZERTAL, 1998, p. 264-268ZERTAL, Idith. From Catastrophe to Power: Holocaust Survivors and the Emergence of Israel. Berkeley: University of California Press, 1998.). O objetivo do poema é sugerir que a sobrevivente, a irmã, apesar de sua impureza e indignidade, será abraçada pela nação israelense, mas mesmo que a intenção de Sadeh tenha sido legitimar a chegada desses imigrantes vitimizados, acaba por reproduzir e sustentar determinada visão do judeu da Diáspora e, consequentemente, do sobrevivente. Esse judeu que chega é representado pela prostituta humilde, como feminino e fraco, além de carregar, no subtexto da tatuagem grotesca no peito da mulher, a mensagem de que é também culpado e cúmplice. Os sobreviventes carregavam uma marca da qual não poderiam se livrar. A vítima é abraçada e recebida pelo forte soldado, mas ele não pode salvá-la e, por isso, promete vingança: “por essas irmãs, eu também serei cruel” (ZERTAL, 1998, p. 265ZERTAL, Idith. From Catastrophe to Power: Holocaust Survivors and the Emergence of Israel. Berkeley: University of California Press, 1998.). Assim, o sionismo emerge da catástrofe como um discurso de masculinidade e poder.
Esse modo de perceber os judeus da Diáspora pode ser notado na forma como os judeus que já viviam na Palestina e os nascidos em Israel escreveram sobre os sobreviventes. Falar em uma literatura ilegítima da Shoah pressupõe a existência de uma literatura legitimada, tornada oficial, e nessas narrativas o tom em relação aos sobreviventes vai da pena à suspeita e ao desdém: enquanto os judeus do Yishuv e os Sabras são descritos como fortes e autossuficientes, os judeus da Diáspora são passivos, vitimizados e fracos (BOS, 2014, p. 67BOS, Pascale. Her Flesh is Branded: “For Officers Only”: Imagining and Imagined Sexual Violence against Jewish Women during the Holocaust. In: EARL, Hilary; SCHLEUNES, Karl A. (ed.). Lessons and Legacies XI: Expanding Perspectives on the Holocaust in a Changing World. Illinois: Northwestern University Press, 2014. p. 59-85.). Os judeus sionistas são frequentemente representados como masculinos, em contraposição a seus irmãos femininos, que foram humilhados e não impuseram resistência. Mesmo que a intenção de Yehiel Dinur não tenha sido essa, suas obras acabaram por promover a imagem da sobrevivente contaminada e da passividade judaica. Bartov (1997, p. 46-49)BARTOV, Omer. Kitsch and Sadism in Ka-Tzetnik’s Other Planet: Israeli Youth Imagine the Holocaust. Jewish Social Studies, v. 3, n. 2, p. 42-76, 1997. observou que os livros de Dinur apresentavam uma sinceridade explícita e desconcertante, que teria tido tanto apelo entre os jovens justamente por ter sido escrita por um autor com habilidades literárias limitadas, porém determinado a representar experiências sem precedentes. A narrativa de Ka-Tzetnik é uma descrição densa de atos de sadismo, sofrimento e humilhações, e, concomitantemente, de detalhes sobre relações sexuais e anatomia humana. Essa combinação ofereceu livros capazes de alimentar a curiosidade dos jovens sobre questões distintas, como sexo e violência, em uma sociedade onde o acesso à pornografia era raro ou mesmo vetado e onde a convivência com os sobreviventes gerava sentimentos complexos, como culpa, vergonha ou desprezo. Ou seja, a obra saciou, por vias ambíguas, o desejo de saber a verdade sobre fatos que pareciam estar sendo escondidos.
Stalag Fiction
A Shoah esteve presente, portanto, tanto nos discursos públicos quanto entre os jovens israelenses nas décadas de 1950 e 1960, de maneira que fomentou a noção de desamparo e vitimização judaica e suscitou uma atitude ambígua e um tanto perturbadora em relação ao perpetrador nazista, visto como forte, implacável e até vitorioso, já que o plano de extermínio alcançou grande parte dos judeus europeus. Assim, teria surgido a noção, entre os jovens Sabras, de que, para evitar o destino de seus ancestrais, seria preciso agir como seus inimigos (BARTOV, 1997, p. 46-49BARTOV, Omer. Kitsch and Sadism in Ka-Tzetnik’s Other Planet: Israeli Youth Imagine the Holocaust. Jewish Social Studies, v. 3, n. 2, p. 42-76, 1997.). Se a literatura legitimada narrava, então, os feitos de heróis resistentes e mártires, as descrições densas e explícitas de Ka-Tzetnik não só destoaram, como também abriram caminho para um novo tipo de literatura ilegítima, que tomou forma em revistas chamadas Stalags ou Stalag Fiction. O nome advém de Stammlager, uma das palavras alemãs para campo de concentração, e as Stalags eram revistas no estilo das Pulp fiction norte-americanas com capas chamativas e pornográficas que foram escritas em hebraico e lançadas em Israel à época do julgamento de Eichmann. As Stalags foram, provavelmente, o reaparecimento mais estranho da metáfora do “outro planeta”, transfigurando-se em revistas baratas de pornografia de teor sadomasoquista (VITIELLO, 2017, p. 139VITIELLO, Guido. The Eroticization of Witnessing: The Twofold Legacy of Ka-Tzetnik. In: TIMM, Annette F. (ed.). Holocaust History and the Readings of Ka-Tzetnik. Londres: Bloomsbury Academic, 2017. p. 139-152.), adentrando um duplo tabu, o sexo e o Holocausto, dois domínios sancionados pelos mais velhos e proibidos aos jovens (PINCHEVSKI; BRAND, 2007, p. 392PINCHEVSKI, Amit; BRAND, Roy. Holocaust Perversions: The Stalags Pulp Fiction and the Eichmann Trial. Critical Studies in Media Communication, v. 24, n. 5, p. 387-407, 2007.).
As capas8 8 A imagem retirada de uma revista publicada em 1960 pode ser acessada em: https://static01.nyt.com/images/2007/09/06/world/06stalag-600.jpg?year=2007&h=289&w=600&s=a5d7ee74a4ed848b4fc62226c50d495d178cd2eb1a883d1eaf60f383e3084a1b&k=ZQJBKqZ0VN&tw=1. Acesso em: 2 ago. 2024. eram geralmente compostas por desenhos de mulheres sensuais vestidas com uniformes nazistas. O enredo das Stalags não inovava muito de uma a outra: havia um herói símbolo do ideal de masculinidade aceito, geralmente um piloto americano ou britânico membro das tropas aliadas, que era capturado e enviado a um Stalag, onde era abusado por oficiais sádicas das SS até que conseguia escapar, mas não sem antes se vingar de suas algozes, estuprando e matando (STALAGS, 2007STALAGS: Holocaust and Pornography in Israel. Direção, coprodução e roteiro: Ari Libsker. Israel: Heymann Brothers Films, 2007. 62 min.). As Stalags se tornaram imediatamente um sucesso entre os jovens; a Stalag 13 chegou a vender 25 mil cópias, um best-seller até mesmo para os padrões israelenses atuais (PINCHEVSKI; BRAND, 2007, p. 389PINCHEVSKI, Amit; BRAND, Roy. Holocaust Perversions: The Stalags Pulp Fiction and the Eichmann Trial. Critical Studies in Media Communication, v. 24, n. 5, p. 387-407, 2007.). Um sucesso de popularidade entre os jovens de uma sociedade cuja população consistia em quase metade de sobreviventes, muitos, portanto, pais desses leitores. Os nomes que apareciam como autores desses pequenos livros eram americanizados, como Mike Baden, Mike Longshot ou Ralph Butcher, e nas capas também constava o nome de um suposto tradutor. Os mesmos “autores” eram, muitas vezes, também os narradores e heróis dessas histórias. Sabe-se hoje que essas histórias foram originalmente escritas em hebraico por autores israelenses. Não há consenso quanto a quem teria sido o autor da primeira Stalag, mas inúmeros outros, hoje conhecidos, apenas seguiram o enredo inicial e acrescentaram suas próprias versões imaginárias. Mike Baden é, na verdade, Eli Keidar, israelense que se gaba pelo fato de algumas pessoas terem pensado que seus escritos eram reais e cuja mãe, a quem ele define como alguém que falava constantemente sobre a morte e chegava a fingir que estava morrendo, perdeu toda a família durante a Shoah (STALAGS, 2007STALAGS: Holocaust and Pornography in Israel. Direção, coprodução e roteiro: Ari Libsker. Israel: Heymann Brothers Films, 2007. 62 min.).
Personagens judeus ou outros elementos judaicos eram raros, salvo referências indiretas ao extermínio. Supõe-se que esse fosse um cálculo dos editores para que as pessoas consumissem essa literatura com menos culpa, ao focar na brutalidade contra prisioneiros não judeus, além de burlar a censura. Nas Stalags, o campo era retratado como um microcosmo isolado, a realização e a exceção concomitantes do nazismo, um lugar onde a aberração e a radicalização se encontravam, como destaca o próprio narrador ao afirmar que aquele era um campo diferente de qualquer outro, um “outro planeta”. Essa apropriação é nada mais do que uma amostra, aliás, de como essas Stalags estiveram correlacionadas ao julgamento de Eichmann, pois a metáfora de Ka-Tzetnik não foi a única peça da retórica do julgamento incorporada, e sim todo um vocabulário que incluía palavras em alemão (PINCHEVSKI; BRAND, 2007, p. 398PINCHEVSKI, Amit; BRAND, Roy. Holocaust Perversions: The Stalags Pulp Fiction and the Eichmann Trial. Critical Studies in Media Communication, v. 24, n. 5, p. 387-407, 2007.). A destacada aberração fundamental desse mundo, no entanto, foi a presença de homens e mulheres em lados opostos da linha de comando (VITIELLO, 2017, p. 141VITIELLO, Guido. The Eroticization of Witnessing: The Twofold Legacy of Ka-Tzetnik. In: TIMM, Annette F. (ed.). Holocaust History and the Readings of Ka-Tzetnik. Londres: Bloomsbury Academic, 2017. p. 139-152.). O campo imaginado seria administrado exclusivamente por oficiais do sexo feminino – algumas baseadas em figuras reais como Isa Koch, Irma Grese e Leni Riefenstahl. Um elemento comum é essa dominatrix, a comandante de uma unidade de guardas, que passa a dominar os homens por meio de ameaças, tortura e abuso sexual, enquanto provoca neles uma mistura de prazer e repulsa. A personalidade e a forma física dessas mulheres foram descritas em detalhes.
Ari Libsker, diretor do documentário Stalags: Holocaust and Pornography in Israel (2007) e neto de sobreviventes, considera que a representação gráfica e explícita da Shoah na cultura israelense fez com que a memória inicial de crianças e jovens se associasse a imagens que ele define, sem rodeios, como pornográficas. Segundo Libsker, antes de terem contato com os testemunhos dos sobreviventes, as crianças eram expostas a fotos de cadáveres em Bergen- -Belsen, de mulheres se despindo antes de um tiroteio em massa na Letônia e outras inúmeras situações em que a nudez, pouco presente no cotidiano dessa sociedade, combinava-se ao sofrimento e à iminência da morte (LEBOVIC, 2016LEBOVIC, Matt. When Israel Banned Nazi-inspired “Stalag” Porn. The Times of Israel, 17 nov. 2016. Disponível em: https://www.timesofisrael.com/when-israel-banned-naziinspired- stalag-porn/. Acesso em: 11 mar. 2021.
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). Vale destacar que, apesar de não ser corriqueira a imagem de alguém, em uma sociedade formada por vítimas reais ou potenciais do nazismo, obtendo prazer sexual com pornografia sobre o Holocausto, as Stalags sequer foram as pioneiras na exploração desse gênero. Revistas e filmes do tipo, sob a nomenclatura nazi exploitation, já circulavam nos Estados Unidos. A produção estadunidense, entretanto, não partilhava das particularidades da literatura produzida em Israel, destacadamente a preferência pelo inicial domínio feminino e posterior libertação e vingança. Nas produções norte-americanas, a violência sexual era praticada primordialmente por oficiais nazistas contra mulheres nos campos de concentração ou nos supostos bordéis criados nesses campos. Uma exceção que se aproximaria mais das Stalags israelenses seria o filme Ilsa, She Wolf of the SS (1974), que mostra Ilsa, uma comandante sádica de um campo de concentração, conduzindo experimentos dolorosos em prisioneiras mulheres e abusando sexualmente de homens (KOZMA, 2012, p. 56-59KOZMA, Alicia. Ilsa and Elsa: Nazisploitation, Mainstream Film and Cinematic Transference. In: MAGILOW, Daniel H.; BRIDGES, Elizabeth; LUGT, Kristin T. Vander (ed.). Nazisploitation! The Nazi Image in Low-Brow Cinema and Culture. Nova Iorque: Continuum, 2012. p. 55-71.).
O lançamento de I Was Colonel Schultz’s Private Bitch em 1962 rompeu com o enredo usual das Stalags e foi o único a causar intensa comoção pública. Essa foi uma Stalag supostamente baseada na história verdadeira de uma moça abusada por um oficial nazista na França ocupada. O livro continha descrições detalhadas de cenas de estupro e a editora chegou a ser penalizada por imprimir obscenidades. O episódio dos exemplares sendo recolhidos pela polícia marcou o fim da curta epidemia desse tipo de literatura em um mercado que repentinamente se mostrou saturado (PINCHEVSKI; BRAND, 2007, p. 391PINCHEVSKI, Amit; BRAND, Roy. Holocaust Perversions: The Stalags Pulp Fiction and the Eichmann Trial. Critical Studies in Media Communication, v. 24, n. 5, p. 387-407, 2007.; STALAGS, 2007STALAGS: Holocaust and Pornography in Israel. Direção, coprodução e roteiro: Ari Libsker. Israel: Heymann Brothers Films, 2007. 62 min.). O que esse livro, em especial, despertou nas pessoas? Como dito, a maioria das Stalags descrevia mulheres torturando homens. Seria possível, então, que, ao retratar o contrário, ele se aproximasse sobremodo da realidade ou da percepção sobre a Shoah? Pinchevski e Brand (2007, p. 388)PINCHEVSKI, Amit; BRAND, Roy. Holocaust Perversions: The Stalags Pulp Fiction and the Eichmann Trial. Critical Studies in Media Communication, v. 24, n. 5, p. 387-407, 2007. postulam as Stalags como uma contrapartida fictícia ao julgamento de Eichmann, complementando com fantasia o procedimento legal, além de servirem como instrumento para que os jovens negociassem questões de poder, identidade e sexualidade com a geração dos pais e com a ideologia sionista. Nesse sentido, o erotismo das Stalags não giraria exatamente em torno do ato da relação sexual ou de sua representação, mas das práticas de dominação, humilhação e servidão, em suma, uma postura sadomasoquista que teria funcionado como uma espécie de metacomunicação para negociar e subverter a memória – ou seja, o julgamento foi capaz de fazer com que a nova geração se deparasse com histórias pessoais e reais que, até então, faziam parte de uma história inacessível. Aqui teria se apresentado uma injunção contraditória para os jovens, pois, ao passo que representariam o novo judeu, identificaram-se com os sobreviventes e suas histórias, com o epítome da Diáspora complexificando as definições de forte e fraco e convertendo um no outro. Assim, as Stalags poderiam ser lidas como uma ficção que situa o novo judeu no lugar do antigo e ensaia uma resposta para “o que teríamos feito no lugar deles” através da erotização das relações de poder, substituindo os judeus da Diáspora servis, afeminados e humilhados por viris soldados aliados abusados sexualmente por sedutoras mulheres arianas, de um modo que cedem a fantasias de dominação e submissão, mas emergem poderosos no final. Mais ainda: realizam a vingança negada aos sobreviventes e adiada pelo tribunal, em uma alegoria do prazer de chegar ao poder depois de sofrer uma perda total (PINCHEVSKI; BRAND, 2007, p. 400-403PINCHEVSKI, Amit; BRAND, Roy. Holocaust Perversions: The Stalags Pulp Fiction and the Eichmann Trial. Critical Studies in Media Communication, v. 24, n. 5, p. 387-407, 2007.).
Considerações finais: a feminização da vítima e a resistência ao tema
Arthur Koestler (1905-1983)KOESTLER, Arthur. Israel: The Native Generation. The Guardian, 19 nov. 1948. Disponível em: https://www.theguardian.com/century/1940-1949/Story/0,,105125,00.html. Acesso em: 02 mar. 2021.
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, escritor judeu austríaco, publicou em 1948 um artigo no qual disserta sobre uma “geração perdida” em Israel, formada por aqueles incapazes de se esquecer da vida na Europa, que não se adaptaram bem ao clima, não falavam a língua e tampouco tinham a opção de voltar para sua terra natal; afinal, foram expulsos e enviados a campos de concentração, dos quais sobreviveram, mas não sem alguma deformação de caráter ou problemas psicológicos demasiadamente acentuados que os impediriam de levar uma vida social normal. Koestler contrapõe essa “massa transitória e amorfa” à figura dos Sabras. Os Sabras seriam distintos de seus pais tanto “na constituição mental” – mais extrovertidos, ousados, destemidos – quanto na aparência física – mais altos, mais robustos e de cabelos mais claros. Nota-se que Koestler destaca que as meninas ainda seriam mais próximas do tipo físico do judeu europeu por serem naturalmente mais lentas às alterações biológicas que a mudança de ambiente induziria (KOESTLER, 1948KOESTLER, Arthur. Israel: The Native Generation. The Guardian, 19 nov. 1948. Disponível em: https://www.theguardian.com/century/1940-1949/Story/0,,105125,00.html. Acesso em: 02 mar. 2021.
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). O judeu ariano de Koestler é certamente uma imagem perturbadora que ilustra a hipótese da feminilização do sobrevivente e como a violência sexual imaginada ocupou esse discurso e serviu à supressão do trauma.
Ronit Lentin (2000)LENTIN, Ronit. Israel and the Daughters of the Shoah: Reoccupying the Territories of Silence. Nova Iorque: Berghan Press, 2000., filha de judeus que emigraram “a tempo” e membro da primeira geração de judeus nascidos em Israel, defende que Israel moldou sua identidade nacional e sionista silenciando as verdadeiras testemunhas ao contrapor o Sabra, retratado como o soldado lutando pelo seu país, aos judeus da Diáspora, femininos e passivos. Lentin (2000, p. 3)LENTIN, Ronit. Israel and the Daughters of the Shoah: Reoccupying the Territories of Silence. Nova Iorque: Berghan Press, 2000. escreveu, em seu livro Israel and the Daughters of the Shoah: Reoccupying the Territories of Silence, objetivando quebrar o silêncio acerca da Shoah em uma sociedade construída para ser uma antítese ao judeu da Diáspora, ou, em suas palavras, construir uma ponte a partir da lacuna de memória entre o legado traumático da Shoah e os discursos disponíveis para sua representação. Sharoni (1992, p. 457)SHARONI, Simona. Every Woman is an Occupied Territory: The Politics of Militarism and Sexism and the Israeli-Palestinian. Journal of Gender Studies, v. 1, n. 4, p. 447-462, 1992. relaciona a violência da guerra à violência contra as mulheres, analisando as relações de gênero em uma sociedade cuja construção social da masculinidade se deu em um contexto histórico bastante particular no que diz respeito à Shoah e à criação do Estado judeu. O que a pesquisadora defende é que o Estado de Israel pode ser visto como uma reafirmação da masculinidade que cria a imagem de um israelense masculino, protetor, assertivo e se justifica na necessidade de encerrar uma história de fraqueza e sofrimento.
A literatura de Ka-Tzetnik e as Stalag Fiction – estas geradas pelo compartilhamento dos traumas finalmente expressos durante o julgamento de Eichmann – foram as primeiras (longe de terem sido as únicas) abordagens que tentaram lidar com a questão da sexualidade relacionada à Shoah e permearam a memória coletiva israelense em uma mistura de sadomasoquismo e pornografia. Para Susan Sontag (1986, p. 81-82)SONTAG, Susan. Sob o signo de Saturno. Porto Alegre: L&PM, 1986., ao tratar da obra de Leni Riefenstahl, “entre o sadomasoquismo e o fascismo há uma ligação natural”; afinal, funcionariam como um teatro sexual, uma representação excitante da sexualidade que não significa o que geralmente ocorreria (homens batendo em mulheres), mas se abriria para novas e excitantes encenações. O estupro representa, literal e alegoricamente, o mais profundo desamparo tanto de um indivíduo quanto de uma nação; especificamente no caso israelense, representa a completa vulnerabilidade da vida na Diáspora. Assim, mais do que uma coincidência temporal, a simultaneidade do julgamento e do lançamento das Stalags mostra como, ao passo em que os sobreviventes eram inevitavelmente confrontados com suas memórias traumáticas, seus filhos buscavam expressar a percepção extremamente sexualizada que tinham da violência nazista. Os relatos de humilhações constantes, da nudez forçada, os exames físicos invasivos, da violação do espaço íntimo e dos limites do corpo de cada um evidenciaram como o trauma vivido pelos pais transfigurou-se em uma realidade fantasmagórica para essa segunda geração. A imagem do judeu da Diáspora, afeminado e passivo, um resto a ser superado pela nova geração, tomou conta desses jovens de tal maneira que foi preciso, na ficção, que se fixassem na fantasia da inversão de papéis com um final catártico. As Stalags subverteram o protótipo do perpetrador nazista masculino que comete atrocidades contra uma vítima incapaz.
Um outro efeito do que foi chamado aqui de erotização da memória e da prostituição imaginada de mulheres judias é o ofuscamento de estupros realmente cometidos. Apesar das proibições relacionadas ao risco de contaminação racial (Rassenschande), a violência sexual contra pessoas judias (não restrita apenas a mulheres) existiu, mesmo que não de maneira sistematizada. No território soviético, por exemplo, a maior parte da população parecia estrangeira aos olhos alemães, de modo que o impedimento à mistura racial não evitou que as tropas alemãs – as SS, a Wehrmacht, a polícia aliada e colaboradores civis – praticassem violência sexual de forma generalizada (MÜHLHÄUSER, 2014, p. 32MÜHLHÄUSER, Regina. The Historicity of Denial: Sexual Violence against Jewish Women during the War of Annihilation, 1941-1945. In: EARL, Hilary; SCHLEUNES, Karl A. (ed.). Lessons and Legacies XI: Expanding Perspectives on the Holocaust in a Changing World. Illinois: Northwestern University Press, 2014. p. 31-58.). Nechama Tec (2003, p. 231)TEC, Nechama. Resilience and Courage: Women, Men, and the Holocaust. New Haven: Yale University Press, 2003. entrevistou sobreviventes e notou que, sempre que a questão do abuso sexual era levantada, as vítimas se mostravam hesitantes, o que a fez concluir que grande parte das histórias desse tipo morreriam com essas pessoas. Hoje, a literatura de Ka-Tzetnik não tem mais o mesmo alcance que nas décadas de 1950 e 1960; pelo contrário, vem sendo marginalizada e condenada por inúmeros pesquisadores. Para Sivan (2010, p. 202-203)SIVAN, Myriam. “Stoning the Messenger”: Yehiel Dinur’s House of Dolls and Piepel. In: HEDGEPETH, Sonja; SAIDEL, Rochelle (ed.). Sexual Violence Against Jewish Women during the Holocaust. Waltham: Brandeis University Press, 2010. p. 200-216., essa avidez por banir a literatura de Dinur não se deve à falta de sofisticação de sua escrita ou à inclusão de elementos fictícios, mas expressa ansiedade e medo, uma reação ao tema da violência sexual em geral. Essa imposição de limites não encontra defesa quando comparada a outras atrocidades de guerra narradas e nem mesmo nos relatos de tantos outros horrores contados em obras de não ficção ou ficção sobre a Shoah. A vergonha e o medo da responsabilização parcial fizeram com que a maioria dos sobreviventes que sofreram ou presenciaram esse tipo de violência se calassem e que o assunto ficasse por muito tempo reduzido a notas de rodapé nos abundantes estudos sobre o Holocausto.
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A Shoah coloca a questão dos limites de representação já na nomeação do evento, uma vez que a discussão sobre qual o termo mais adequado não se restringe ao nível terminológico. Shoah ou Holocausto podem denotar tendências diferentes acerca da construção da memória e, ao mesmo tempo, referem-se ao mesmo acontecimento histórico. Apesar da controvérsia que acompanha a etimologia da palavra “Holocausto”, este é, hoje, o termo mais comumente utilizado, fazendo com que tenha também maior alcance. A palavra “Shoah” surge como uma possibilidade que parte da tradição judaica, mas que pode soar “exótica” ao leitor não introduzido a essa discussão. Tendo em vista a impossibilidade de desenvolver a discussão conceitual dentro dos contornos deste artigo, serão evitadas palavras que remetem a uma terminologia nazista, tais como “Solução Final”, enquanto Shoah e Holocausto serão utilizados em alternância, com a consciência de suas limitações inevitáveis.
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Para Bartov (1997)BARTOV, Omer. Kitsch and Sadism in Ka-Tzetnik’s Other Planet: Israeli Youth Imagine the Holocaust. Jewish Social Studies, v. 3, n. 2, p. 42-76, 1997., a literatura legitimada sobre o Holocausto em Israel consistia, até o julgamento de Eichmann, em textos de caráter fortemente didático imbuídos de viés ideológico sionista e relatos de resistência. Como será tratado ao longo do texto, as obras de Ka-Tzetnik foram, em diferentes momentos até 1960, incorporadas como leitura em escolas e na biblioteca das forças armadas em Israel, o que pode gerar dúvidas quanto à terminologia “ilegítima” para dar conta dessa literatura, que unia reflexões morais sobre o problema colocado pelo genocídio e descrições perturbadoras de sadismo e humilhação. A questão é que essas obras estiveram na fronteira daquilo que era legitimado ou proibido e estão aqui figuradas entre a chamada “literatura ilegítima” por terem sido ambiguamente fetichizadas e apropriadas no submundo da nazisploitation, principalmente em Israel e nos Estados Unidos.
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Yishuv significa “assentamento” e é a palavra usada para designar a comunidade judaica que já vivia na região da Palestina (Eretz Yisrael) no período pré-Estado. Há o “antigo Yishuv”, judeus que viviam na região desde antes de 1880 sob o domínio do Império Otomano, e o “novo Yishuv”, formado por uma maioria de judeus russos, que emigraram no século XX, fugindo da ascensão de pogroms. O Yishuv fundou bases para a criação de um Estado na região. David Ben-Gurion, judeu polonês, migrou em 1906 e se tornou um dos grandes líderes do Yishuv e do posterior Estado de Israel.
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O episódio foi tratado por Hannah Arendt em Eichmann em Jerusalém, ocasião em que a autora percebeu com suspeição que numerosas testemunhas teriam se voluntariado para estar presentes e atestou o depoimento interrompido de Dinur como uma marca do fracasso geral do julgamento (ARENDT, 1999, p. 241-251ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução: José Rubens Siqueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.). Shoshana Felman (2002, p. 146-152)FELMAN, Shoshana. The Juridical Unconscious: Trials and Traumas in the Twentieth Century. Cambridge: Harvard University Press, 2002., por outro lado, defende que é justamente por não ter concluído sua fala que Dinur representou, naquele momento, os limites da lei diante do trauma e, mais, uma possibilidade através do testemunho.
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Trad. livre da autora: “I do not see myself as a writer who writes literature. This is a chronicle from the planet Auschwitz. I was there for about two years. The time there is not the same as it is here, on Earth. (…) And the inhabitants of this planet had no names. They had no parents and no children. They did not wear [clothes] the way they wear here. They were not born there and did not give birth... They did not live according to the laws of the world here and did not die. Their name was the number K. Tzetnik”.
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A foto pode ser acessada em: https://museum.imj.org.il/artcenter/includes/item.asp?id=643298.
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Um exemplo dessas capas é a da Editora Pyramid Books, publicada em 1970: https://pictures.abebooks.com/1LACEYLANE/md/md6442582636.jpg.
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A imagem retirada de uma revista publicada em 1960 pode ser acessada em: https://static01.nyt.com/images/2007/09/06/world/06stalag-600.jpg?year=2007&h=289&w=600&s=a5d7ee74a4ed848b4fc62226c50d495d178cd2eb1a883d1eaf60f383e3084a1b&k=ZQJBKqZ0VN&tw=1. Acesso em: 2 ago. 2024.
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
23 Set 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
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Recebido
14 Dez 2022 -
Aceito
18 Jul 2023