Open-access Avaliação da assistência pré-natal em unidades selecionadas de Saúde da Família de município do Centro-Oeste brasileiro, 2008-2009*

Evaluation of antenatal care in selected Family Health Centres in a Midwest Brazilian municipality, 2008-2009

Resumos

OBJETIVO:  avaliar a implementação da assistência pré-natal em unidades de Saúde da Família (SF) no município de Cuiabá-MT, Brasil.

MÉTODOS:  estudo de avaliação normativa, com estratégia de pesquisa de estudo de caso realizado em duas unidades de SF - caso I e caso II -; adotou-se a dimensão de conformidade do pré-natal ao Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento (PHPN); utilizaram-se parâmetros para classificação do grau de implementação - implementado (≥80%), parcialmente implementado (40 a 79,9%) e implementação crítica (<40%).

RESULTADOS:  participaram do estudo 69 gestantes; 19/30 (caso I) e 17/39 (caso II) tiveram seis ou mais consultas de pré-natal; 27/30 (caso I) e 10/39 (caso II) tiveram VDRL realizado na 1a consulta; os casos I e II apresentaram, respectivamente, 67,9% e 64,3% de implementação no elemento 'insumo', e 69,7% e 70,0% no elemento 'atividade'.

CONCLUSÃO:  a assistência pré-natal apresentou implementação parcial nos dois casos, sinalizando necessidade de melhorar sua qualidade.

Cuidado Pré-Natal; Atenção Primária à Saúde; Avaliação em Saúde


OBJECTIVE:  to evaluate antenatal care implementation in Family Health (FH) facilities in Cuiabá/MT.

METHODS:  normative evaluation study using two FH centres as case studies (Case I and Case II). The extent of antenatal compliance was evaluated according to Antenatal and Birth Humanization Program standards. Degree of implementation was classified using the following parameters: Implemented: ≥80%; Partially implemented: 40%-79.9%; Implementation Critical: <40%. Differences between cases were checked using Fisher's exact test.

RESULTS:  69 pregnant women were recruited. 19/30 (Case I) and 17/39 (Case II) had six or more antenatal consultations. 27/30 (Case I) and 10/39 (Case II) had VDRL screening at the 1st consultation. Case I had 67.9% 'input' implementation and 69.7% 'activity' implementation. Case II had 64.3% and 70%, respectively.

CONCLUSION:  antenatal care was partially implemented in both cases, indicating the need to adopt measures to improve its quality.

Prenatal Care; Primary Health Care; Health Evaluation


Introdução

A saúde materna é um tema de grande relevância nacional e internacional no campo da Saúde Pública, dos direitos sexuais e reprodutivos.1,2 No Brasil, durante a década de 1980, o Ministério da Saúde implantou o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), voltado aos principais problemas de morbidade e mortalidade nessa população. Suas diretrizes previam a capacitação dos serviços de saúde para atender necessidades específicas da mulher, além da humanização da assistência durante todas as fases da vida.3

Diante dos questionamentos relacionados à qualidade da assistência prestada e o impacto na mortalidade materna,4 no ano 2000, o Ministério da Saúde lançou o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (PHPN), propondo a humanização como estratégia para a melhoria da qualidade da atenção a saúde materna. Suas principais ações visavam a redução da mortalidade materna, assegurando o direito da gestante de acesso a um atendimento digno e de qualidade na gestação, no parto e no puerpério.4 Contudo, se desde o final da década de 1990, o Brasil vem apresentando aumento da cobertura da assistência pré-natal e do número de consultas por gestantes, persiste um elevado número de mortes de mulheres e crianças por complicações da gravidez e do parto.5

Na cidade do Rio Grande-RS, em 2007, apenas 26,8% dos pré-natais foram classificados como adequados, segundo os parâmetros fixados pelo PHPN.6 Outro ponto considerado como um desafio para a melhoria da qualidade do pré-natal no Brasil consiste na realização de exames, medida importante na assistência às mulheres durante o ciclo gravídico-puerperal.7

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a razão de mortalidade materna aceitável é de até 20 óbitos por 100 mil nascidos vivos (NV).8 No Brasil, a mortalidade materna apresentou queda, entre os anos de 2006 e 2010: a razão de 2006 foi de 77,2/100 mil NV; e a de 2010, 68,2/100 mil NV.9 No município de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, a razão de mortalidade materna também apresentou tendência de queda, de 116,41/100 mil NV (2006) para 80,40/100 mil NV (2011).10 Esses valores foram superiores ao indicador nacional e muito acima do aceitável segundo a OMS, que preconiza até 20/100 mil NV.8 As causas de mortes maternas predominantes foram as obstétricas diretas, com destaque para as doenças hipertensivas e as síndromes hemorrágicas.9,10 Dessa forma, no Brasil, uma década após a criação do PHPN, questiona-se sobre o que ainda deve ser feito para promover uma maior redução da mortalidade materna, visando atingir o valor máximo aceitável pela OMS, ainda que observada cobertura adequada do pré-natal.11,12

O presente estudo teve por objetivo avaliar a implementação da assistência pré-natal oferecida às gestantes atendidas, durante os anos de 2008 e 2009, em duas unidades de Saúde da Família do município de Cuiabá, Mato Grosso, segundo sua conformidade com as normas preconizadas pelo Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, do Ministério da Saúde.

Métodos

Foi realizado um estudo de avaliação normativa, tendo como estratégia de pesquisa o estudo de caso descritivo. O estudo de caso é uma estratégia na qual o pesquisador decide trabalhar com uma quantidade pequena de unidades de análise, concentrando a potência explicativa na profundidade da análise do caso.13 Dessa forma, as evidências de um estudo de caso podem vir de múltiplas fontes de dados, reforçando a validade de construção de um caso.14

O município de Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, possui um território de 3.538 km e em 2010, apresentava-se organizado em quatro regiões administrativas: Norte, Sul, Leste e Oeste. Segundo estimativa da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população residente no município era de 550.562 habitantes no ano de 2009.15 No mesmo ano, a Estratégia Saúde da Família apresentava uma cobertura de 42,20% da população municipal, sustentada em 63 unidades, 60 delas urbanas e 3 rurais.16

O estudo abordou unidades selecionadas de Saúde da Família, nos anos de 2008 e 2009. Para a seleção dessas unidades de saúde, realizou-se uma reunião entre a responsável pela pesquisa e representantes da área técnica da Saúde da Mulher, da Secretaria Municipal de Saúde, que forneceram informações-chave para a definição das unidades.

Como critério de inclusão de uma unidade no estudo, foi considerado o tempo transcorrido desde sua implantação. E como critério de exclusão, foram desconsideradas pelo estudo as unidades não cadastradas e/ou não credenciadas como de Saúde da Família. Isto posto, decidiu-se avaliar duas unidades: o caso I, justamente a unidade de Saúde da Família com mais tempo de existência e funcionamento (10 anos); e o caso II, correspondente à unidade de implantação mais recente (2 anos).

O caso I localizava-se no Bairro Jardim Vitória e contava, em 2009, com uma população residente de 3.848 habitantes15 e uma equipe de nove profissionais registrados no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES): uma enfermeira; um auxiliar de enfermagem; um técnico de enfermagem; e seis agentes comunitários de saúde. No momento da pesquisa, a equipe não contava com um profissional médico.

O caso II, por sua vez, estava localizado no Bairro Pedra 90 e contava, em 2009, com uma população de 4.211 habitantes15 e uma equipe de dez profissionais registrados no CNES, atuantes no momento da pesquisa: um médico; uma enfermeira; um técnico de enfermagem; e sete agentes comunitários de saúde.

O trabalho de campo desenvolveu-se entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010. Fizeram parte do estudo 69 gestantes residentes em Cuiabá-MT e usuárias das duas unidades de Saúde da Família avaliadas.

Para a seleção dos prontuários dessas gestantes, procedimento encarregado ao responsável pela unidade, promoveu-se a separação de todos os prontuários de gestantes atendidas que se encontravam no terceiro trimestre de gestação ou com o atendimento pré-natal finalizado no intervalo de tempo entre 2008 e 2009. Assim, foram disponibilizados aos pesquisadores 30 prontuários do caso I e 39 do caso II.

Para a análise dos serviços objeto desta pesquisa, selecionou-se a dimensão de conformidade do atendimento pré-natal às normas e recomendações do PHPN, no âmbito da Atenção Básica, priorizando-se, nesta análise, os elementos 'insumo' e 'atividade'. Definida a dimensão de conformidade, foram adotadas as seguintes subdimensões de disponibilidade, oportunidade, qualidade técnico-científica e adequação:17

  1. disponibilidade - a relação entre os serviços e recursos existentes e a necessidade dos usuários, ou seja, a oferta de exames fundamentais -;17

  2. oportunidade - a existência dos recursos no lugar e no momento em que são requeridos e necessários no atendimento aos usuários -;17

  3. qualidade técnico-científica - a atenção à saúde enquanto aplicação apropriada do conhecimento médico disponível, no cuidado com o paciente -;18 e

  4. adequação - a relação entre a forma como os serviços de saúde se organizam para receber o usuário e como o usuário deve-se adaptar a essa organização.18

Estas subdimensões da conformidade representam pontos fundamentais para o pré-natal, pois abrangem a disponibilidade de exames e ações de prevenção, promovendo interface da usuária com o serviço.

Desenvolveu-se um modelo lógico, adaptado daquele proposto por Hartz,19 priorizando-se os aspectos relacionados com a assistência pré-natal, prestada pelas unidades de Saúde da Família selecionadas, e sua conformidade com o padrão das normas e recomendações do PHPN (Figura 1).

Figura 1
Modelo lógico do programa de pré-natal do município de Cuiabá, estado de Mato Grosso. Brasil, 2008 e 2009

O parâmetro para classificação do grau de implementação foi definido por meio de tercil, baseado nos pontos de corte sugeridos por Cosendey:20 implementado - 80% ou mais -; parcialmente implementado - 40 a 79,9% -; e implementação crítica - menos de 40%.

Utilizou-se como fonte de dados um questionário aplicado a diversos atores, a análise de prontuários e dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc). Optou-se pela convergência de dados e a triangulação de métodos. Esta triangulação consistiu na combinação e no cruzamento de múltiplos pontos de vista, de vários informantes, e nas informações obtidas de diferentes fontes, conforme Minayo e colaboradores.21 As técnicas utilizadas compreenderam o levantamento de dados primários (questionários semiestruturados) e dados secundários (extraídos de sistemas de informações e de documentos impressos como, no caso deste estudo, o prontuário de pré-natal).

Com relação aos dados primários, procedeu-se a elaboração do questionário semiestruturado, único, aplicado ao profissional responsável pela direção da Atenção Básica do município, ao responsável pela unidade de Saúde da Família e aos profissionais da unidade (médico, auxiliar administrativo, técnico de enfermagem e agente comunitário de saúde), abarcando questões sobre disponibilidade de insumos, número de consultas de pré-natal realizadas, captação de gestantes e oferta, por esses profissionais, de atividades educativas em grupo.

Para a análise de prontuários, o roteiro incluiu questões sobre o processo assistencial oferecido às gestantes no pré-natal e dados sociodemográficos. No âmbito do elemento 'insumo', foram verificadas as seguintes variáveis: capacitação de profissionais no atendimento ao pré-natal e disponibilidade do protocolo do PHPN para consulta na unidade; adequação da área física; e disponibilidade de recursos para atividades educativas. Sobre o elemento 'atividade', verificou-se os seguintes registros no prontuário, sobre a gestante: nome; endereço; idade; situação conjugal; escolaridade; peso; aferição da pressão arterial; batimento cardíaco fetal; altura uterina; captação precoce; mais de 6 consultas realizadas; imunização; registro dos exames VDRL (Veneral Disease Research Laboratory), anti-HIV (vírus da imunodeficiência humana) e de EAS (elementos anormais do sedimento - exame de urina), glicemia de jejum, tipagem sanguínea e fator RH; e registro de exame preventivo de câncer.

Os resultados, coletados em formulários específicos, foram codificados e digitados em um banco de dados, reunidos e contabilizados em planilha e exportados para análise pelo Minitab Statistical Software (MINITAB), versão 15.

A análise dos dados foi realizada sob duas perspectivas: (i) análise dos dados obtidos dos prontuários das gestantes; e (ii) análise dos dados obtidos dos questionários respondidos pelos profissionais, segundo as subdimensões de disponibilidade, oportunidade, qualidade técnico-científica e adequação. Realizou-se análise estatística de teste de distribuição normal para duas proporções e o teste exato de Fisher, com nível de significância de 0,05, para dois critérios.

Foi solicitada às participantes a assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual constavam os objetivos da pesquisa, informação sobre a garantia da não divulgação dos nomes das participantes e a confidencialidade das informações por elas oferecidas, além de seu direito de recusa à participação. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fundação Instituto Oswaldo Cruz - CEP/ENSP/ Fiocruz -, conforme o Parecer no 141/09.

Resultados

A avaliação dos prontuários observou as características sociodemográficas e o processo de atendimento pré-natal. Entre os 69 prontuários avaliados, o nome e o endereço das gestantes estavam completos, e a amplitude de idade era de 14 a 40 anos: 12 (caso I) e 13 (caso II) eram adolescentes e 3 tinham 35 ou mais anos de idade. Em 24 prontuários do caso I e em 36 do caso II, não havia informação sobre situação conjugal. Em nenhum dos prontuários pesquisados havia registro sobre a renda. E quanto à escolaridade, 61 prontuários não apresentavam essa informação (Tabela 1).

Tabela 1
Dados de identificação da gestante e ações de pré-natal registrados nos prontuários avaliados em unidades de Saúde da Família selecionadas do município de Cuiabá, Mato Grosso, 2010

Todos os prontuários continham informação sobre aferição de pressão arterial, peso, registro de batimento cardíaco fetal e altura uterina. Quanto ao início do pré-natal, 21 gestantes do caso I e 33 do caso II começaram a ser atendidas no 1o trimestre. Entre as gestantes do caso I, 19 realizaram 6 ou mais consultas de pré-natal, e 8 gestantes, entre 2 e 4 consultas. No caso II , 17 gestantes realizaram 6 ou mais consultas, e 19, entre 2 e 4 consultas (Tabela 1).

Em relação aos demais procedimentos preconizados pelo PHPN, no caso I, o exame de VDRL foi solicitado na primeira consulta, segundo 27 prontuários; já no caso II, essa solicitação consta de 10 prontuários. O VDRL foi solicitado na segunda consulta em 1 prontuário do caso I e em 3 do caso II. Houve solicitação de exame anti-HIV em 26 prontuários do caso I e em 10 do caso II. Em 1 prontuário do caso I e em 5 do caso II, havia registros de exame preventivo para câncer cérvico-uterino. Quanto ao esquema de vacinação antitetânica, foi observado o registro correspondente em 20 prontuários do caso I e em 36 do caso II. Encontrou-se registro de EAS em 16 prontuários do caso I e em 21 do caso II, de glicemia de jejum em 17 prontuários do caso I e em 14 do caso II, tipagem sanguínea e fator RH em 19 prontuários do caso I e em 12 do caso II.

Tanto o caso I como o caso II apresentavam estruturas físicas adequadas, com salas limpas e confortáveis e de fácil acesso às gestantes. O protocolo do PHPN não foi encontrado nas duas unidades, apesar de as responsáveis informarem que o conheciam e o adotavam. Não foi encontrado qualquer material educativo específico do pré-natal, como folders à disposição das gestantes e cartazes afixados nas salas de espera. Sobre a capacitação de profissionais para o atendimento pré-natal, esse procedimento foi confirmado por 9 profissionais do caso I e 10 do caso II.

No que concerne ao elemento 'insumo', a subdimensão de disponibilidade apresentou um grau de implementação parcial (55%) nos casos I e II. A subdimensão de qualidade técnico-científica apresentou-se implementada (100%) no caso I e parcialmente implementada (75%) no caso II. Já a subdimensão de adequação apresentou-se implementada nos casos I e II (Tabela 2).

Tabela 2
Grau de implementação da assistência pré-natal, segundo o componente 'insumo', no município de Cuiabá, Mato Grosso, 2010

Quanto ao elemento 'atividade', verificou-se que a subdimensão de oportunidade obteve um grau de implementação parcial (58,5% no caso I e 59% no caso II). A subdimensão de qualidade técnico-científica apresentou-se implementada (87,5% nos dois casos), como também mostrou-se implementada a adequação (100% nos dois casos) (Tabela 3).

Tabela 3
Grau de implementação da assistência pré-natal, segundo o componente 'atividade', no município de Cuiabá, Mato Grosso, 2010

Constatou-se diferença entre o caso I e o caso II no que tange à realização das ações de pré-natal registradas nos prontuários, consideradas por este estudo como pertencentes ao elemento 'atividade', subdimensão de oportunidade. O caso I, proporcionalmente, executou mais atividades previstas no PHPN que o caso II, especialmente para os testes VDRL na primeira consulta (p<0,001), anti-HIV (p<0,001), de tipagem sanguínea e de fator RH (p<0,005). O caso II realizou mais ações de imunização das gestantes (p<0,008).

Discussão

No presente estudo, ao se avaliar a qualidade do pré-natal em duas unidades de saúde do município de Cuiabá-MT, evidenciou-se que o pré-natal estava parcialmente implementado em ambas as unidades.

Foi verificada elevada proporção de gestantes adolescentes (25/69). Estudo realizado no município do Rio de Janeiro-RJ22 revelou maior probabilidade de óbito no primeiro ano de vida, à medida que diminuía a idade materna. Devido à maior ocorrência de efeitos adversos no primeiro ano de vida em filhos de adolescentes,6,23 fica evidente a necessidade, para todo o país, de programas educacionais nessa faixa etária: é por demais conhecida a falta de informação das adolescentes, expostas não somente a uma gestação como a doenças sexualmente transmissíveis.24

Não foi encontrada informação sobre escolaridade em 61 prontuários e nenhum registro sobre a renda foi apresentado. Pesquisas encontraram que a ausência dessas informações se relaciona, no seu conjunto ou isoladamente, com a baixa utilização da assistência pré-natal, contribuindo para o aumento da morbimortalidade materno-fetal.5,25

Com relação ao processo de atendimento no pré-natal, apesar de 54/69 gestantes (21 do caso I e 33 do caso II) terem iniciado as consultas no primeiro trimestre da gravidez, apenas 36 (19 do caso I e 17 do caso II) realizaram 6 ou mais consultas, sugerindo despreparo dos serviços de saúde avaliados para captar essas gestantes. A baixa cobertura também foi identificada em outros estudos nacionais.11,12 Um número maior de consultas pode significar mais oportunidade de receber cuidados preventivos e de promoção da saúde. Entretanto, a discussão mais importante reside na qualidade dessas consultas e desses contatos com os serviços de saúde.11

Em relação aos demais procedimentos preconizados pelo PHPN, apesar de haver registro de aferição da pressão arterial e peso das gestantes, batimento cardíaco fetal e altura uterina em todos os prontuários avaliados, o registro de vários exames - como VDRL, anti-HIV, preventivo de câncer, glicemia de jejum, EAS, entre outros - foi muito baixo, semelhantemente ao verificado em outra pesquisa.23 Um dos pontos críticos para assegurar a qualidade da assistência pré-natal é a realização de exames complementares,5 cuja ausência de registro foi observada em elevado número de prontuários. É possível que essa ausência se deva à não solicitação dos exames pelos profissionais, dificuldades para a realização ou obtenção dos resultados, ou ainda, ao fato de os exames não terem sido registrados nos prontuários, simplesmente, o que representa séria omissão por parte dos profissionais das unidades avaliadas.5

A ausência do registro no prontuário - de 50,51% no caso I e de 72,3% no caso II - foi considerada como não realização do procedimento e consequente inadequação do cuidado pré-natal, critério já adotado em outros estudos de avaliação.5 Ademais, a ausência de registro em prontuários pode dificultar a tomada de decisão pelo profissional quando ocorre algum problema com a gestante, comprometendo a qualidade da assistência prestada.

A estrutura física das unidades avaliadas foi considerada adequada para o atendimento pré-natal. Contudo, nas duas unidades em questão, não foi encontrado o protocolo do Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento - PHPN -, tampouco os recursos visuais previstos - folders e cartazes -, elementos que pressupõem baixo custo tecnológico. O protocolo do PHPN é de grande importância para a qualidade do pré-natal, tanto nas atividades dos profissionais envolvidos, no diagnóstico e na terapêutica, quanto nas atividades das gestantes que procuram pelos tratamentos disponibilizados.26

Outro fator importante na assistência pré-natal é a capacitação periódica dos profissionais para acolher e solucionar as dúvidas da gestante e sua preocupação com a possibilidade de gerar um recém-nascido saudável, e assim diminuir sua ansiedade e insegurança durante o período de gestação até o parto.11

O não acatamento das normas e rotinas do PHPN, principalmente no registro inadequado das consultas, tem sido apontado como um dos obstáculos para o aperfeiçoamento da qualidade da assistência no pré-natal.5 Recursos visuais, como cartazes e folders sobre assistência pré-natal, DST/aids, gravidez na adolescência e outros temas relacionados à saúde da mulher, disponíveis para observação e consulta na sala de espera e nos consultórios, fazem parte das atividades educativas recomendadas para a assistência pré-natal.

A partir dos registros nos prontuários, em termos comparativos, o caso I foi melhor avaliado - de maneira significativa - quanto à oportunidade nas seguintes variáveis: registro de VDRL (p<0,001); testagem anti-HIV (p<0,001); tipagem sanguínea; e exame do fator RH (0,005). O caso II foi melhor avaliado nas seguintes variáveis: imunização das gestantes (0,008); e captação precoce das gestantes (0,151).

Apesar de questões relacionadas à quantidade e qualidade dos registros - e reiterando o que já foi dito neste relato -, aceitou-se como ações realizadas aquelas que se encontravam registradas nos prontuários, e como ações não realizadas, aquelas para as quais não havia esse registro nos prontuários.

O grau de implementação relacionado à conformidade da assistência pré-natal às normas do PHPN nas subdimensões de adequação, disponibilidade e oportunidade dos elementos 'insumo' e 'atividade' e na subdimensão de qualidade técnico-científica do elemento 'atividade', foi semelhante entre os casos I e II. Contudo, para o grau de implementação do elemento 'insumo' da subdimensão de qualidade técnico-científica, houve sim diferença entre o caso I e o caso II.

Nas ações de pré-natal, verificou-se que, principalmente nos exames básicos, a unidade com maior tempo de implementação (caso I) realizou mais atividades. A unidade com menor tempo de implantação (caso II) apresentou melhores indicadores de captação precoce da gestante e de imunização. Já a disponibilidade e oportunidade da assistência pré-natal conforme o padrão PHPN foi considerada parcialmente implantada, com grau de implementação semelhante entre as duas unidades.

Considerando-se as subdimensões de oportunidade, disponibilidade e qualidade técnico-científica dos elementos 'insumo' e 'atividade' da assistência pré-natal, segundo as normas do PHPN, para a efetiva implementação desses serviços em conformidade com o programa, as unidades necessitam ajustes internos de acordo com critérios e indicadores característicos, bem como do contexto organizacional e externo.

Os resultados encontrados não podem ser generalizados para a população de gestantes da cidade de Cuiabá-MT. Porém, a análise dos dados permite questionamentos e discussões sobre a assistência prestada, a gestão dos serviços de Atenção Básica e a situação da própria Estratégia Saúde da Família no município.

Entre as limitações metodológicas do estudo, além do pequeno tamanho da amostra, pode-se mencionar a qualidade da informação nos prontuários avaliados, nos quais, para algumas variáveis, identificou-se uma proporção relevante de ausência de registro, dificultando o entendimento quanto à não realização do procedimento ou à ausência do respectivo registro.

Os resultados sugerem que a assistência pré-natal nas unidades de Saúde da Família selecionadas no município de Cuiabá-MT, em seus componentes essenciais preconizados pelo PHPN, apresentou falhas que resultaram na avaliação de uma implementação parcial dessa assistência, sinalizando a necessidade de adoção de medidas com o objetivo de melhorar a qualidade da atenção a ser prestada, além de evidenciar a importância da realização de avaliações periódicas da assistência pré-natal na Atenção Básica do Sistema Único de Saúde - SUS.

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    Artigo elaborado a partir da dissertação de Mestrado Profissional em Vigilância em Saúde de Ingrid Botelho Saldanha Handell apresentada à Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, Fundação Instituto Oswaldo Cruz - ENSP/Fiocruz - em Brasília-DF, no ano de 2010.

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Mato Grosso. Secretaria de Estado de Saúde. Sistemas [Internet]. 2013 [citado 2013 set 4]. Disponível em: http://www.saude.mt.gov.br/aplicativo/indicadores

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    27 Jul 2013
  • Aceito
    11 Jan 2014
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