Resumos
OBJETIVO:
descrever a experiência de cárie dentária em adolescentes e sua distribuição espacial-temporal.
MÉTODOS:
estudo ecológico com 4.205 (2003) e 3.531 (2011) escolares de 12 e 15-19 anos de idade, respectivamente, em 36 municípios do Rio Grande do Sul, em cujas macrorregiões de saúde foram georreferenciados os indicadores de média de dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD), prevalência de livres de cárie (CPOD=0) e de cárie não tratada.
RESULTADOS:
em 2003 e 2011, respectivamente, as médias de CPOD foram de 3,63 e 1,66 (12 anos) e de 7,43 e 3,43 (15-19 anos); aumentaram os adolescentes livres de cárie, de 18,6 para 42,1% (12 anos) e de 7,5 para 22,2% (15-19 anos); reduziu-se a cárie não tratada, de 50,9 para 27,2% (12 anos) e de 56,1 para 32,4% (15-19 anos), diferentemente entre municípios e macrorregiões.
CONCLUSÃO:
no período, diminuiu a experiência de cárie, permanecendo a distribuição desigual entre municípios e macrorregiões.
Saúde Bucal; Adolescente; Cárie Dentária; Análise Espaço-Temporal
OBJECTIVE:
to evaluate dental caries in adolescents and its spatial and temporal distribution in southern Brazilian municipalities.
METHODS:
an ecological study was conducted with 4,205 (2003) and 3,531 (2011) students aged 12 and 15-19 in 36 cities in Rio Grande do Sul where macro-regional indicators of the average number of decayed, missing and filled teeth (DMFT), untreated caries prevalence and the percentage of caries-free teeth (DMFT = 0) were georeferenced.
RESULTS:
in 2003 and2011, respectively, mean DMFT was 3.63 and 1.66 (12 years) and 7.43 and3.43 (15-19 years). Caries-free adolescents increased from 18.6% to 42.1% (12 years) and from 7.5% to 22.2% (15-19 years); untreated caries decreased from 50.9% to 27.2% (12 years) and from 56.1% to 32.4% (15-19). Results varied between municipalities and macro-regions.
CONCLUSION:
dental caries reduced after 8 years, with uneven distribution between macro-regions and municipalities.
Oral Health; Adolescent; Dental Caries; Spatio-Temporal Analysis
OBJETIVO:
describir la experiencia de caries dental en adolescentes y su distribución espacio-temporal.
MÉTODOS:
estudio ecológico con 4.205 (2003) y 3.531 (2011) escolares de 12 y 15-19 años de edad, respectivamente, en 36 municipios de Rio Grande do Sul, en cuyas macro regiones de salud se georreferenciaron los indicadores de media de dientes cariados, perdidos y obturados (CPOD), la prevalencia de libres de caries (CPOD=0) y de caries no tratadas.
RESULTADOS:
en 2003 y 2011, respectivamente, las medias de CPOD fueron de 3,63 y 1,66 (12 años) y de 7,43 y 3,43 (15-19 aumentaron los adolescentes libres de caries, de 18,6 para 42,1% (12 años) y de 7,5 para 22,2% (15-19 años); se redujo la caries no tratada, de 50,9 para 27,2% (12 años) y de 56,1 para 32,4% (15-19 años), de modo distinto entre municipios y macro regiones.
CONCLUSIÓN:
en el período, disminuyó la experiencia de caries, permaneciendo la distribución desigual entre municipios y macro regiones.
Salud Bucal; Adolescente; Caries Dental; Análisis Espacio-Temporal
Introdução
Os primeiros levantamentos epidemiológicos em saúde bucal, como parte da política de vigilância em saúde no Brasil, foram realizados em 1986 e 1996.11. Roncalli AG. Levantamentos epidemiológicos em saúde bucal no Brasil. In: Antunes JLF, Peres MA, organizadores. Epidemiologia em Saúde Bucal. Rio de Janeiro: Guanabra Koogan; 2006. p. 32-48. A consolidação desses estudos como proposta metodológica de produção de dados primários e efetivos marcos descritivos das doenças e agravos bucais ocorreu a partir de duas pesquisas de abrangência nacional: Saúde Bucal (SB) Brasil, anos 2003 e 2010.22. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Projeto SB Brasil 2003. Condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. 68 p. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios). , 33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Projeto SB Brasil 2010. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.
Dados do último inquérito epidemiológico (2010)33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Projeto SB Brasil 2010. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. demonstram que 56,5% dos adolescentes brasileiros de 12 anos e 76,1% daqueles de 15 a 19 anos ainda tinham cárie dentária, apresentando, em média, 2,07 e 4,25 dentes cariados, perdidos e obturados (CPOD), respectivamente. Observou-se, também, diferenças na prevalência entre as regiões, capitais e cidades do interior. Nas capitais da região Sul, a prevalência de adolescentes livres de cárie aos 15-19 anos variou entre 33 e 40%, enquanto nas cidades do interior da mesma região, essa prevalência foi de apenas 21,7%.
No período de realização dos inquéritos, alguns estados ampliaram a amostra de indivíduos definida para o estudo nacional objetivando alcançar representatividade estadual. Em 2003, o Rio Grande do Sul (RS), além de ampliar a amostra para o estado, fez o mesmo com a representatividade para suas sete macrorregiões de saúde. Os resultados encontrados a partir desse estudo mostraram aspectos relevantes do perfil de saúde bucal da população do estado, evidenciando-se não apenas diferenças regionais como também desigualdades dentro dos municípios, estratos socioeconômicos e grupos etários.44. Secretaria de Estado da Saúde (Rio Grande do Sul). Divisão de Atenção à Saúde. Seção de Saúde Bucal. Condições de saúde bucal da população do Rio Grande do Sul: relatório final. Porto Alegre: Secretaria de Estado da Saúde; 2003. Observou-se uma associação entre a experiência de cárie de adolescentes e a densidade populacional: nas pequenas cidades, as médias de dentes cariados, perdidos e obturados - CPOD - foram duas vezes mais altas quando comparadas às mesmas médias encontradas nas cidades de maior porte. Em relação às macrorregiões de saúde, também houve diferenças significativas a observar: enquanto as regiões Sul e Centro-Oeste do estado destacaram-se por baixos valores no índice de CPOD, nas regiões da Serra e Norte, constatou-se melhor acesso aos serviços pelo alto índice de dentes restaurados.
O conhecimento da distribuição espacial e temporal das condições de saúde e problemas
bucais, segundo atributos individuais, populacionais e contextuais, tanto possibilita
caracterizar comportamentos como evidencia alterações ao longo do tempo, criando
condições para o planejamento das estratégias de promoção, controle e implementação mais
efetivas no cuidado com a saúde bucal.55. Barata RCB. The challenge of emergent disease and the return to
descriptive epidemiology. Rev Saude Publica. 1997 Oct;31(5):531-7.
6. Frazão P. Epidemiology of dental caries: when structure and context
matter. Braz Oral Res. 2012;26 Spec No 1:108-14.
-
77. Barcellos C, organizador. A geografia e o contexto dos problemas de
saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO; 2008. 384 p.
O objetivo deste estudo foi avaliar a experiência de cárie dentária em adolescentes e sua distribuição espacial em 36 municípios de pequeno porte do estado do Rio Grande do Sul, Brasil, em 2003 e 2011.
Método
Trata-se de um estudo ecológico que utilizou dados sobre a experiência de cárie dentária, obtidos a partir de dois inquéritos, um de base domiciliar e outro de base escolar, realizados em 36 municípios com menos de 50 mil habitantes no estado do Rio Grande do Sul, em 2003 e 2011.
Localizado na região sul do Brasil, o Rio Grande do Sul tem uma população de cerca de 11
milhões de habitantes distribuídos entre 496 municípios, dos quais 66,7% são municípios
de pequeno porte, com população inferior a 10 mil habitantes segundo o Censo Demográfico
2010.88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo populacional
2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2010. O estado se destaca na economia por sua
produção e exportação de grãos e por seu grau de industrialização, sendo considerado o
quarto maior produto interno bruto (PIB)99. Ferreira GS, Pessoa ML, Mammarella R. Aglomerações urbanas no Rio
Grande do Sul: diagnóstico socioeconômico (2000-10). Ind Econ FEE.
2013;41(2):91-106. e sexto
maior índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM-0,746) entre as demais unidades
federadas.1010. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. Atlas
Desenvolvimento Humano no Brasil 2013. Índice Desenvolvimento Humano [Internet].
Brasília: Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento [citado 2014 jun 20].
Disponível em: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/consulta
http://www.atlasbrasil.org.br/2013/pt/co...
A população-alvo deste estudo foi composta por adolescentes escolares de ambos os sexos, das idades de 12 e de 15 a 19 anos, residentes nos municípios investigados. Para o ano de 2003, utilizaram-se dados da Secretaria Estadual da Saúde resultantes de levantamento das condições de saúde bucal na população (SB/RS 2003).44. Secretaria de Estado da Saúde (Rio Grande do Sul). Divisão de Atenção à Saúde. Seção de Saúde Bucal. Condições de saúde bucal da população do Rio Grande do Sul: relatório final. Porto Alegre: Secretaria de Estado da Saúde; 2003. Para o ano de 2011, empregaram-se dados integrantes de uma pesquisa mais ampla sobre o 'Impacto da Estratégia da Saúde da Família no Perfil Epidemiológico de Saúde Bucal no Rio Grande do Sul'.
Para a seleção dos municípios em 2003, foi aplicada uma técnica de amostragem probabilística por conglomerados, com duas pré-estratificações. A primeira refere-se às sete macrorregiões de saúde do estado: Centro-Oeste; Metropolitana; Missioneira; Norte; Serra; Sul; e Vales. Considerando-se as diferenças populacionais internas a essas macrorregiões, a segunda pré-estratificação referiu o porte dos municípios, subdivididos em quatro categorias: porte 1 para município até 5.000 habitantes; porte 2 para municípios entre 5.001 e 10.000 habitantes; porte 3 para municípios entre 10.001 e 50.000; e porte 4 para municípios acima de 50.000 habitantes.88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo populacional 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2010. O sorteio dos municípios para compor a amostra de 2003 deu-se de forma ponderada: cada município tinha uma probabilidade associada a sua contribuição na população macrorregional. A partir do total de 467 municípios (RS 2003), foi calculada uma amostra aleatória simples, com nível de confiança de 95% e erro amostral de 10%, totalizando 95 municípios, dos quais, efetivamente, participaram 86. Para o cálculo da amostra de indivíduos, foi utilizado um nível de confiança de 95%, erro amostral de 4% e dados de prevalência média de cárie aos 12 anos de idade referentes a 6 municípios descritos por Ely e Pretto.1111. Ely HC, Pretto SM. Fluorose e cárie dentária no Rio Grande do Sul: estudo epidemiológico em cidades com diferentes níveis de flúor nas águas de abastecimento. Rev Odonto Cienc. 2000 dez;15(31):143-73. O processo de amostragem detalhado encontra-se disponível no Relatório Técnico do estudo.44. Secretaria de Estado da Saúde (Rio Grande do Sul). Divisão de Atenção à Saúde. Seção de Saúde Bucal. Condições de saúde bucal da população do Rio Grande do Sul: relatório final. Porto Alegre: Secretaria de Estado da Saúde; 2003. Para a idade de 12 anos, a coleta dos dados foi realizada em escolas; e para o grupo de 15-19 anos, no domicílio.
No estudo de 2011, inicialmente, verificou-se a distribuição dos 86 municípios do estudo de 2003, segundo a presença de equipes de Saúde Bucal na Estratégia Saúde da Família (ESB/ESF). A partir dessa verificação, foi realizada a estratificação dos municípios segundo a aplicação dos critérios de inclusão: tempo de implantação da ESB/ESF igual ou maior que 5 anos; cobertura populacional da ESB/ESF superior a 90%; e porte populacional inferior a 50.000 habitantes. Após essa estratificação, utilizando-se a mesma classificação de porte dos municípios em 2003, a amostra resultou em 38 municípios: 18 municípios de porte 1; 12 municípios de porte 2; e 8 municípios de porte 3. A seleção por conveniência foi definida segundo critérios de semelhança quanto à localização geográfica na macrorregião, porte do município e presença ou ausência de ESB na ESF. Dois municípios recusaram-se a participar do estudo, totalizando uma amostra final de 36 municípios.
A amostra de indivíduos em 2011 foi constituída por adolescentes que atendiam aos critérios de elegibilidade: nascimento no ano de 1999 para 12 anos; e entre janeiro de 1992 e dezembro 1996, para 15 a 19 anos. No cálculo amostral, foram utilizadas as médias do índice CPOD dos mesmos municípios, obtidas no estudo anterior.44. Secretaria de Estado da Saúde (Rio Grande do Sul). Divisão de Atenção à Saúde. Seção de Saúde Bucal. Condições de saúde bucal da população do Rio Grande do Sul: relatório final. Porto Alegre: Secretaria de Estado da Saúde; 2003. Estimando-se um nível de significância de 5% e um poder de 95%, obteve-se um total de 465 indivíduos. Considerando-se, ainda, uma proporção de não reposta de 20% e um efeito de delineamento de 1,5, a amostra totalizou 790 indivíduos em cada grupo etário e em cada situação, representando uma amostra final de 3.160 adolescentes.
Tanto em 2003 como em 2011, a seleção dos escolares foi realizada por meio de um
processo de seleção casual sistemática, observando-se a distribuição proporcional ao
tamanho dos municípios e das escolas, segundo dados populacionais88. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo populacional
2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2010. e do Censo Escolar da Secretaria da Educação do Rio Grande do
Sul.1212. Secretaria da Educação (Rio Grande do Sul). Estatísticas da Educação
[Internet]. [citado 2011 jan 31]. Disponível em:
http://www.educacao.rs.gov.br/pse/html/estatisticas.jsp?ACAO=acao1
http://www.educacao.rs.gov.br/pse/html/e...
Com listas numeradas, fornecidas pelas
escolas, apresentando o nome e o total de alunos por turma, foi calculado o intervalo
para o sorteio da amostra de cada escola em cada município. Após a escolha aleatória do
primeiro número do intervalo, foram sorteados os demais alunos, mantendo constante o
intervalo do sorteio até a totalização do número amostral da escola e, na sequência, do
município. Em 2011, participaram 125 escolas de Ensino Fundamental completo e/ou Ensino
Médio: 98 dessas escolas eram urbanas e 27 localizavam-se em área rural distante até 10
km da cidade. Destas, 5 escolas eram instituições privadas e as demais públicas,
municipais ou estaduais. Não existem outros registros sobre o número de escolas no
estudo de 2003, além do dado de que 88% dos escolares foram alunos de escolas
públicas.
Nos dois anos investigados, foi realizado um processo de calibração dos examinadores
anterior à coleta de dados, segundo proposta da Organização Mundial da Saúde (OMS)1313. Eklund SA, Moller IJ, Leclercq MH. Calibration of examiners for oral
health epidemiological surveys. Geneva: World Health Organization;
1993. e recomendação do Ministério da Saúde.1414. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação
Nacional de Saúde Bucal. Projeto SB Brasil 2010. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal:
manual da equipe de campo [Internet]. [citado 2012 out 17]. Disponível em:
http://dab.saude.gov.br/cnsb/sbbrasil/arquivos/SBBrasil2010_Manual_Equipe_
Campo.pdf
http://dab.saude.gov.br/cnsb/sbbrasil/ar...
A calibração interexaminadores incluiu a
simulação de situações a serem identificadas na pesquisa e discussão do registro até o
consenso. Estudos-piloto foram realizados sobre os dois anos, para testar e adequar os
instrumentos de pesquisa. Os exames bucais também foram realizados de acordo com
critérios recomendados pela OMS1515. World Health Organization. Oral health surveys: basic methods. 4th
ed. Geneva: World Health Organization; 1997. e pelo
Ministério da Saúde:1414. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação
Nacional de Saúde Bucal. Projeto SB Brasil 2010. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal:
manual da equipe de campo [Internet]. [citado 2012 out 17]. Disponível em:
http://dab.saude.gov.br/cnsb/sbbrasil/arquivos/SBBrasil2010_Manual_Equipe_
Campo.pdf
http://dab.saude.gov.br/cnsb/sbbrasil/ar...
sob luz natural e na
observância das normas de biossegurança específicas para o estudo. Foram utilizados
espelhos bucais, espátulas de madeira e sonda periodontal OMS (ponta terminada em bola),
utilizada como apoio diagnóstico e para remoção de depósitos. Para o diagnóstico das
lesões de cárie - compreendidas como aquelas em estágio de cavitação -, não foram usadas
radiografias e tampouco houve escovação sistemática prévia ao exame. Inicialmente, foi
registrada a condição de oclusão, as alterações em tecidos moles e o registro do grau da
fluorose. Na sequência, todos os dentes foram examinados para anotação da condição da
coroa dentária e da necessidade de tratamento. Foram considerados cariados os dentes
codificados como 1 (coroa cariada) e 2 (coroa restaurada e cariada). A necessidade de
tratamento foi medida pelos registros dos tratamentos indicados para cada condição de
coroa avaliada no ato do exame epidemiológico. Finalizaram-se os exames com o registro
das condições periodontais. Os dados socioeconômicos, demográficos e de autopercepção
foram registrados em questionários semiestruturados, desenvolvidos para o estudo a
partir de adaptações dos instrumentos utilizados pelo Projeto SB Brasil. Os
questionários foram enviados aos pais dos escolares na idade de 12 anos e respondidos em
entrevista direta pelos adolescentes de 15 a 19 anos, previamente ao exame. No caso de
ausência de retorno dos formulários respondidos pelos pais, os questionários foram
reenviados até duas vezes e na permanência da não devolução, o aluno foi computado na
taxa de não reposta do estudo. Os questionários foram utilizados para obter dados
concernentes aos objetivos da pesquisa principal. A reprodutibilidade dos exames
clínicos em 2011 foi avaliada durante a pesquisa, com a duplicação dos mesmos em 5% da
amostra, obtendo-se valores Kappa ≥0,90 (0,90-0,99). A confiabilidade dos exames,
avaliada na calibração entre examinadores para condição dental, apresentou valores Kappa
≥0,76 (0,76-0,94), sendo considerada de substancial a quase perfeita segundo Landis e
Koch.1616. Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for
categorical data. Biometrics. 1977 Mar;33(1):159-74.
Para avaliar as mudanças no perfil da cárie dentária entre os dois anos estudados, em cada município, no conjunto da amostra e nas macrorregiões de saúde do estado, foram considerados desfechos as médias do índice de CPOD, as diferenças médias na prevalência da cárie não tratada e o percentual de adolescentes livres de cárie. A prevalência de cárie não tratada foi registrada como o percentual de indivíduos com pelo menos um dente com lesão de cárie não tratada no momento do exame; diferentemente da proporção de indivíduos livres de cárie, que apresentavam CPO=0, qual seja, nenhum dente cariado, perdido e obturado. A faixa etária, o ano do estudo e a macrorregião de saúde do município foram as variáveis independentes do modelo.
Os dados coletados na pesquisa de 2011 foram digitados em duplicata, no programa EpiData versão 3.1. Tal procedimento visou à conferência dos dados digitados e posterior análise de coerência e consistência, de forma a eliminar possíveis erros de digitação. Os dados dos bancos dos dois anos estudados foram consolidados e analisados pelo programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para Windows, versão 17.0.
Inicialmente, foi realizada uma estatística descritiva das médias de CPOD, da prevalência de cárie, dos adolescente livres de cárie e de sua distribuição espacial nos municípios e macrorregiões de saúde.
A distribuição espacial da experiência de cárie por município e macrorregiões foi georreferenciada pelo Laboratório de Tratamento de Imagens e Geoprocessamento da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Para tanto, foram considerado os limites municipais definidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (2010) em escala cartográfica de 1:500.000, além das bases cartográficas do Departamento de Informática do SUS (Datasus)/Ministério da Saúde para as macrorregiões de saúde. Os dados foram 'plotados' em mapas, elaborados pelos programas Quantum GIS e ArcGis; e para projeção das imagens, foi utilizado o sistema SIRGAS 2000 com coordenadas geográficas.1717. Fitz PR. Geoprocessamento sem complicações. São Paulo: Oficina de Textos; 2008. 160 p.
A normalidade das distribuições foi testada por meio dos histogramas e pelo teste de Shapiro-Wilk. Para amostras paramétricas, adotou-se o teste t para amostras pareadas em dois tempos. No caso de assimetria das distribuições (livres de cárie nas duas idades pesquisadas e médias de CPOD nas macrorregiões de Missioneira, Serra e Vales, em 2003), adotou-se o teste não paramétrico de Wilcoxon. Para comparação das proporções populacionais entre as macrorregiões, foi utilizado o modelo estatístico ANOVA ou o teste de Kruskal-Wallis, embora tais dados não sejam apresentados nas tabelas constantes deste relato. Foi adotado o nível de significância de 5%.
Todos os indivíduos, municípios ou escolas selecionados para o estudo receberam informações sobre a pesquisa e após confirmarem sua participação, assinaram formulário específico de consentimento. Para os escolares de 12 anos de idade, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos pais ou responsáveis, uma vez prestados os devidos esclarecimentos pelos pesquisadores. Os resultados foram informados aos municípios e ao estado, sendo disponibilizados para consulta pública. Os adolescentes participantes do estudo, desde que necessitassem de serviços de urgência/emergência por apresentarem lesões cariosas ou outra necessidade de tratamento, foram devidamente esclarecidos e orientados sobre sua saúde bucal e referenciados para atendimento pelo serviço de odontologia municipal. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (no 15.370) e da Secretaria Estadual da Saúde (no 624/11).
Resultados
No ano de 2003, participaram do estudo 4.205 adolescentes: 1.177 com 12 anos e 3.028 nas idades de 15 a 19 anos. Em 2011, foram examinados 3.531 adolescentes: 1.760 com 12 anos e 1.771 com 15-19 anos de idade, cujas proporções de resposta foram de 85,3 e 94,0%, respectivamente. O principal motivo para não resposta foi a falta de autorização, a não devolução do questionário preenchido, absenteísmo ou atividades fora da escola no dia da pesquisa.
Para o conjunto dos municípios amostrais do estudo, observou-se, entre os anos de 2003 e 2011, uma redução significativa de CPOD, redução na prevalência de cárie não tratada e aumento da proporção de adolescentes livres de cárie nas duas faixas etárias estudadas.
Aos 12 anos de idade, a diferença nas médias de CPOD em oito anos, para o conjunto dos municípios, foi de aproximadamente 2 dentes (dif. -1,9; IC95%: 1,5; 2,3; p<0,001), significando uma redução de 51,0%. Na faixa etária de 15 a 19 anos, a média de CPOD em 2003, de 7,43 [desvio-padrão (dp)=2,14], passou para 3,43 (dp=1,23) em 2011, representando uma diferença de 4 dentes (dif. 4,0; IC95%: 3,4; 4,5; p<0,001), o que significa uma redução de 55,2% no período (Tabela 1).
A cárie dentária não tratada, prevalente em 50,9% nos escolares de 12 anos em 2003, reduziu-se significativamente, para 27,2% em 2011, representando uma diferença de 23 pontos percentuais ( IC95%: -16,7; 30,7; p<0,001). Redução semelhante foi verificada entre os adolescentes de 15-19 anos (dif. -23,7%; IC95%: -18,9; -28,5; p<0,001), nos mesmos municípios e em igual período de tempo (Tabela 2).
Observou-se um aumento da frequência de escolares sem cárie dentária. Aos 12 anos de idade, a prevalência de indivíduos livres de cárie aumentou 24,2 pontos percentuais (IC95%: 18,6; 29,8; p<0,001), de 18,6% em 2003 para 42,8% em 2011, entre os escolares com CPOD=0 (Tabela 2). Aos 15-19 anos, também foi observado um aumento significativo nos indivíduos livres de cárie, com 14 pontos percentuais a mais (IC95%: 11,8; 17,6; p<0,001) em 2011, comparativamente a 2003 (Tabela 2).
Na análise da situação de cada município em particular, verificou-se que as reduções de CPOD não ocorreram de forma homogênea entre todos os 36 municípios analisados. Apenas 16 municípios (44,0%) tiveram redução estatisticamente significativa aos 12 anos de idade (Tabela 3). Na faixa etária de 15 a 19 anos, foram 30 municípios com CPOD significativamente menor em 2011, comparativamente a 2003 (Tabela 4).
Os resultados dos desfechos para as macrorregiões de saúde, apresentados nas tabelas 3 e 4 (médias de CPOD de 2003 e 2011, nas duas idades) e geograficamente localizados na Figura 1 (variação na prevalência da cárie não tratada e dos indivíduos livres de cárie nas duas idades), demonstram uma tendência geral de redução da experiência da cárie em todas as macrorregiões de saúde do estado.
Distribuição do percentual de adolescentes livres de cárie (CPOD=0) e da prevalência da cárie não tratada (C≥1) entre adolescentes escolares aos 12 e aos 15-19 anos de idade e médias de CPOD aos 12 anos, por macrorregião de saúde do estado do Rio Grande do Sul, 2003 e 2011
As médias de CPOD aos 12 anos nas macrorregiões Centro-Oeste (dif. 0,7; IC95%: 1,4; 2,9; p=0,142) e Sul (dif. 0,2; IC95%: 0,4; 2,2; p=0,109) não representaram diferenças significativas entre os dois anos, mesmo tendo apresentado redução nas médias de 2011, relativamente a 2003 (Tabela 3). As macrorregiões Metropolitana, Missioneira, Norte, Serra e Vales apresentaram as médias de CPOD mais altas em 2003, reduzidas significativamente em 2011. Na faixa etária dos 15-19 anos, conforme apresentado na Tabela 4, apenas a macrorregião Centro-Oeste não apresentou redução significativa nas médias de CPOD (dif. 2,0; IC95%: -3,4; 7,5; p=0,132). A Metropolitana teve a menor média de CPOD entre as macrorregiões de saúde analisadas em 2011 (CPOD 2,5; IC95%: 2,2; 2,8); entretanto, as maiores diferenças entre os dois anos foram observadas nas macrorregiões Norte (dif. 5,3; IC95%: 4,1; 5,9; p<0,001), Serra (dif. 5,1; IC95%: 3,4; 7,7; p=0,004) e Vales (dif. 4,3; IC95%: 3,1; 5,4; p<0,001). A representação nos mapas das médias de CPOD das macrorregiões de saúde do estado (Figura 1-E), entre os dois períodos analisados, demonstra menor desigualdade entre elas, cujas médias em 2011 - para todas as macrorregiões - encontram-se na faixa considerada como de baixa prevalência de cárie, segundo a classificação da OMS (entre 1,2 e 2,6).1515. World Health Organization. Oral health surveys: basic methods. 4th ed. Geneva: World Health Organization; 1997.
Os dados relativos ao percentual de adolescentes livres de cárie (12 anos) mostra um aumento em todas as macrorregiões de saúde, em 2011(Figura 1-A). No entanto, o aumento no indicador de CPOD=0 no período de oito anos não foi significativo para as macrorregiões Centro-Oeste (dif. -16%; IC95%: -154,4; 121,0; p=0,372) e Serra (dif. -28,8%. IC95%: -62,8; 5,2; p=0,078). Na macrorregião Sul, os percentuais de 2003 já eram altos e observou-se pequena diferença em relação a 2011 (dif. -4,9%; IC95%: -10,6; 0,2; p=0,055). Na faixa dos 15-19 anos (Figura 1-B), as macrorregiões Metropolitana, Sul e Centro-Oeste mostraram as melhores condições, com um terço dos jovens - em média - livres de cárie em 2011. A variação neste indicador, no período de oito anos, não foi significativa para a macrorregião da Serra, onde apenas 9% de adolescentes apresentaram CPOD=0 em 2011 (dif. -9,1; IC95%: -20,0; 1,8; p=0,078), assim como para a macrorregião Centro-Oeste (dif. -18,0; IC95%: -107,2; 71,2; p=0,237).
Em relação à cárie não tratada aos 12 anos (Figura 1-C), as macrorregiões Centro-Oeste e Sul não apresentaram reduções no período; as demais reduziram esse índice entre 22 e 30 pontos percentuais. Observa-se baixa prevalência de cárie não tratada na macrorregião da Serra em 2011. Aos 15-19 anos (Figura 1-D), as macrorregiões Metropolitana (dif. 43,4; IC95%: 24,7; 62; p=0,005), Serra (dif. 27,0; IC95%: 7,7; 46,4; p=0,021) e Missioneira (dif. 27,0; IC95%: 16,6; 38,5; p<0,001) apresentaram maiores percentuais de redução na prevalência de cárie não tratada, entre 2003 e 2011.
Discussão
Os resultados deste estudo apontam uma redução significativa das médias do CPOD e da prevalência da cárie dentária não tratada, e um aumento dos adolescentes livres de cárie nas idades de 12 anos e da faixa etária de 15-19 em 36 pequenos municípios do Rio Grande do Sul, entre 2003 e 2011. Também se observaram diferenças relacionadas às macrorregiões de saúde. Estes resultados estão de acordo com estudos nacionais e internacionais, que demonstraram uma diminuição dos índices da cárie em diversos países desenvolvidos e em desenvolvimento, embora com diferenças entre eles e dentro das regiões.1818. Han DH, Kim JB, Park DY. The decline in dental caries among children of different ages in Korea, 2000-2006. Int Dent J. 2010 Oct;60(5):329-35. , 1919. Narvai PC, Frazão P, Roncalli AG, Antunes JLF. Cárie dentária no Brasil: declínio, iniquidade e exclusão social. Rev Panam Salud Publica. 2006 jun;19(6):385-93.
A maior redução das médias de CPOD foi observada entre os escolares de 15 a 19 anos de idade, os quais possuíam, em 2003, a maior carga de doença acumulada, achado válido também para os municípios: as maiores reduções ocorreram naqueles municípios onde o índice apresentava altos valores em 2003.
Neste estudo, a redução das médias de CPOD foi superior à redução observada no Brasil e na região Sul do país, entre os anos de 2003 e 2010.22. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Projeto SB Brasil 2003. Condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. 68 p. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios). , 33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Projeto SB Brasil 2010. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. Por outro lado, de modo similar aos resultados do Projeto SB Brasil 2010, observou-se uma variação das médias associada ao porte populacional: cidades maiores apresentaram médias de CPOD mais baixas e maior número de indivíduos sem cárie, nas duas idades selecionadas. Davies e colaboradores,2020. Davies GM, Jones CM, Monaghan N, Morgan MZ, Neville JS, Pitts NB. The caries experience of 11 to 12 years old children in Scotland and Whales and 12 years-olds in England in 2008-2009: reports of co-ordinated surveys using BASCD methodology. Community Dent Health. 2012 Mar;29(1):8-13. ao acompanharem a experiência de cárie de indivíduos de 11-12 anos de idade na Inglaterra, Gales e Reino Unido, concluíram que as variações em relação à cárie dentária permanecem dentro e entre as áreas geográficas, vinculadas às desigualdades em saúde.
As diferenças nas médias de CPOD encontradas entre os municípios também foram observadas em relação às macrorregiões de saúde onde não se observou redução significativa aos 12 anos de idade, em regiões que já apresentavam médias de CPOD mais baixas em 2003. Para reduções mais expressivas, possivelmente, serão necessários investimentos nas condições econômicas e sociais determinantes da doença e na adoção de estratégias focadas nos grupos de maior risco. Também no Brasil, a análise feita por grandes regiões nacionais, em todos os inquéritos realizados, mostrou variações na redução da cárie, com desvantagem para o Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste do país, onde se observa maior carga da doença.33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Projeto SB Brasil 2010. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.
O percentual de 22% dos adolescentes de 15-19 anos sem cárie revelado por este estudo é superior aos dados de 35 municípios-objeto de estudo realizado em São Paulo,2121. Gushi LL, Soares MC, Forni TIB, Vieira V, Wada RS, Souza MLR. Cárie dentária em adolescentes de 15-19 anos de idade no Estado de São Paulo, Brasil, 2002. Cad Saude Publica. 2005 set-out;21(5):1383-91. estes com apenas 9,6% de CPOD=0. Entretanto, a semelhança entre os percentuais observados para o ano de 2011 nesta pesquisa (42 e 22%) e os resultados encontrados pelo SB Brasil 2010 (43,5 e 23,9%) e em municípios do interior da região Sul nacional (40 e 21,7%),33. Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Projeto SB Brasil 2010. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. para os dois grupos etários, corroboram os resultados aqui apresentados.
Considera-se que os achados do presente estudo representam uma contribuição epidemiológica importante por apresentarem a evolução de indicadores de saúde bucal em dois momentos, para municípios de pequeno porte sobre os quais há pouca informação disponível. Ao destacar as diferenças existentes na saúde bucal de adolescentes de diferentes macrorregiões de saúde do estado, o presente trabalho estimula o planejamento de programas e políticas ajustadas ao necessário enfrentamento das realidades locais. Para macrorregiões ou municípios onde não se verificaram diferenças em oito anos, é necessário repensar as políticas locais de saúde, identificando a influência dos fatores contextuais e individuais, de maneira a reconhecer as necessidades e especificidades de cada território. Nesse contexto, inserem-se as explicações do padrão observado para a macrorregião de saúde da Serra, considerada uma das mais prósperas do estado, onde se observou as maiores médias de CPOD e os mais baixos percentuais de escolares livres de cárie. Com um CPOD médio de 1,89 aos 12 e de 4,67 aos 15-19 anos de idade, as médias do componente obturado (1,51 e 4,14, respectivamente nas duas idades) representaram 79,9 e 88,6% da composição do CPOD em 2011 (dados não apresentados em tabela). Se por um lado, isso pode significar maior acesso da população aos serviços de saúde, também sugerido pela baixa taxa de prevalência da cárie não tratada nessa região, por outro lado, pode indicar uma prática odontológica intervencionista com medidas preventivas de pouco impacto.
Neste estudo, foi observado um declínio da cárie dentária, constatado pela redução nas médias de CPOD e aumento na prevalência dos escolares livres de cárie, entre 2003 e 2011. Resultados do Censo 201088. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo populacional 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2010. mostram que as maiores taxas de crescimento da alfabetização ocorreram em municípios de pequeno porte, com poder de influência nos indicadores de saúde. Além disso, o debate acerca da melhoria na atenção à saúde bucal em pequenos e distantes municípios não pode estar desvinculado dos modelos e níveis de atenção à saúde dessas localidades. A Organização Pan-Americana da Saúde afirma que a Atenção Primária é a melhor abordagem para alcançar melhoras sustentáveis e equitativas na saúde dos indivíduos.2222. Organización Panamericana de la Salud. La renovación de atención primaria de salud en las Américas: documento de posición de la Organización Panamericana de la Salud/Organización Mundial de la Salud. Washington: Organización Panamericana de la Salud; 2007. Considerando-se a natureza cumulativa da cárie, o conhecimento científico e as evidências de que experiências anteriores na vida dos indivíduos impactam seu estado de saúde futuro,2323. Nicolau B, Mercenes W, Bartley M, Sheiham A. A life course approach to assessing causes of dental caries experience: the relationship between biological, behavioural, socio-economic and psychological conditions and caries in adolescents. Caries Res. 2003 Sep-Oct;37(5):319-26. , 2424. Peres KG, Peres M, Araujo CLP, Menezes AMB, Hallal PC. Social and dental status along the life course and oral health impacts in adolescents: a population-based birth cohort. Health Qual Life Outcomes. 2009 Nov;7:95. é necessário planejar ações fundamentadas na realidade local, identificando grupos, regiões e indivíduos sob situações de maior vulnerabilidade.
O aumento proporcional de adolescentes livres de cárie dentária no estado do Rio Grande do Sul contrasta, de certa forma, com o quadro da cárie não tratada entre suas macrorregiões de saúde. No presente estudo, nas duas idades analisadas, aproximadamente um terço dos adolescentes da amostra apresentavam cavidades de cáries não tratadas, ainda que consideradas as diferenças entre as macrorregiões de saúde. Narvai e cols.1919. Narvai PC, Frazão P, Roncalli AG, Antunes JLF. Cárie dentária no Brasil: declínio, iniquidade e exclusão social. Rev Panam Salud Publica. 2006 jun;19(6):385-93. comentam que a redução da magnitude da ocorrência da cárie não se mostra associada a alterações nos padrões de acesso aos serviços e ao tipo de cuidado ofertado aos escolares. Estudo realizado em municípios de Pernambuco2525. Pimentel FC, Albuquerque PC, Martelli PJL, Souza WV, Aciolo RML. Caracterização do processo de trabalho das equipes de saúde bucal em municípios de Pernambuco, Brasil, segundo porte populacional: da articulação comunitária à organização do atendimento clínico. Cad Saude Publica. 2012 jan;28 supl:s146-57. observou que o processo de trabalho das equipes de Saúde Bucal não tem incluído, de forma sistemática, o conhecimento da realidade local, da dinâmica familiar e social para ações centradas no enfoque de risco, e que o agendamento das consultas ainda ocorre por demanda espontânea, especialmente nos municípios de pequeno porte. Além de refletir uma busca tardia pela atenção à saúde bucal, centrada na presença da doença instalada e de dor, a ausência de um planejamento baseado na realidade local deixa de priorizar os grupos mais necessitados e a alocação de recursos em práticas mais efetivas. É possível que as diferenças verificadas na prevalência de cárie não tratada representem, em geral, os modelos de prática e o acesso oportunizado ao tratamento, além do contexto econômico e social de cada região em particular.
Este estudo apresenta algumas limitações. Primeiramente, trata-se de uma pesquisa com
escolares, não representativos dos adolescentes fora da escola. No entanto, dados do
Censo Demográfico e do Censo Escolar1212. Secretaria da Educação (Rio Grande do Sul). Estatísticas da Educação
[Internet]. [citado 2011 jan 31]. Disponível em:
http://www.educacao.rs.gov.br/pse/html/estatisticas.jsp?ACAO=acao1
http://www.educacao.rs.gov.br/pse/html/e...
apontaram
uma taxa de atendimento escolar de 97% aos 12 anos e de 86% para a faixa etária de 15-19
anos, no Rio Grande do Sul. Ademais, os indicadores de saúde bucal utilizados são médias
e percentuais obtidos por municípios e regiões e não revelam possíveis polarizações da
doença em grupos ou indivíduos. Outrossim, a descrição de um elevado percentual de
adolescentes livres de cárie e médias relativamente baixas da doença pode-se sugerir uma
falsa hipótese de controle da cárie dentária, como já foi constatado por Traebert e
cols.,2626. Traebert J, Suárez CS, Onofri DA, Marcenes W. Prevalência e
severidade de cárie dentária e necessidade de tratamento odontológico em pequenos
municípios brasileiros. Cad Saude Publica. 2002
mai-jun;18(3):817-21. ao avaliarem a prevalência e
severidade de cárie em pequenos municípios brasileiros. Nesse sentido, a estratégia
populacional com uma abordagem concomitante de fatores de risco comuns para segmentos
populacionais específicos parece ser a mais adequada na atenção à saúde dos
adolescentes. Outra limitação deste trabalho está relacionada aos diferentes processos
de seleção da amostra nos dois estudos utilizados.
O panorama epidemiológico das pequenas cidades do sul do Brasil analisadas salienta a importância das políticas públicas para o enfrentamento da cárie, seja mediante a fluoretação das águas, do maior acesso ao creme dental fluoretado, ou mesmo dos programas coletivos preventivos direcionados a escolares, ainda que distribuídos de forma desigual no cenário geográfico. Neste estudo especialmente, aproximados dois terços dos municípios (23/36) possuíam fluoretação das águas de abastecimento público. A ausência desse programa nos outros 13 municípios não impede o benefício da proteção do fluoreto na prevenção e tratamento de lesão cariosa, desde que seja disponibilizado por outros meios - a exemplo do creme dental fluoretado e programas educativos preventivos coletivos.2727. Marinho VCC, Higgins JPT, Logan S, Sheiham A. Fluoride toothpastes for preventing dental caries in children and adolescents. Cochrane Database Syst Rev. 2003 Jan;(1):CD002278. A Organização Mundial da Saúde sugere, como política global para melhorar a saúde bucal, a implementação de um plano de promoção da saúde integrado a outras doenças.2828. Bönecker M, Pucca Junior GA, Costa PB, Pitts N. A social movement to reduce caries prevalence in the world. Braz Oral Res. 2012 Nov-Dec;26(6):491-2. Esta proposta pode ser incluída em estratégias de ação pré-existentes nos municípios, como a Estratégia Saúde da Família ou o Programa Saúde na Escola, possibilitando a expansão do conhecimento sobre a prevenção da cárie dentária e promovendo a articulação entre profissionais da Saúde e da Educação, para alcançar metas de um futuro sem cáries.
Diante dos avanços recentes no desenvolvimento de sistemas de informações geográficas e de ferramentas de análises de dados, os estudos de distribuição espacial e temporal geoprocessadas são instrumentos importantes da Vigilância em Saúde para imprimir qualidade e efetividade nas decisões e ações a serem tomadas.2929. Barreto F, Teixeira MG, Barreto ML, Barcellos C. Difusão espacial de doenças transmissíveis: uma importante perspectiva de análise epidemiológica a ser resgatada. In: Barcellos C, organizador. A geografia e o contexto dos problemas de saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO; 2008. p. 279-97. Esses estudos permitem a compreensão do contexto dos problemas de saúde e o planejamento adequado das ações de controle, promoção de saúde e alocação de recursos.
Ainda que se tenha observado uma redução nos indicadores da experiência de cárie em adolescentes de pequenos municípios em um período de oito anos, recomenda-se aprofundar investigações regionais e locais que possibilitem identificar a polarização das necessidades, com o objetivo de qualificar os processos de trabalho e minimizar as desigualdades.
Agradecimentos
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), mediante o Programa de Pesquisa para o SUS (PPSUS) desenvolvido em parceria com o Ministério da Saúde, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico/CNPQ e a Secretaria Estadual da Saúde do Rio Grande do Sul, por proporcionar o necessário apoio financeiro à execução do projeto.
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2Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Projeto SB Brasil 2003. Condições de saúde bucal da população brasileira 2002-2003: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2004. 68 p. (Série C. Projetos, Programas e Relatórios).
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3Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Projeto SB Brasil 2010. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: resultados principais. Brasília: Ministério da Saúde; 2012.
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4Secretaria de Estado da Saúde (Rio Grande do Sul). Divisão de Atenção à Saúde. Seção de Saúde Bucal. Condições de saúde bucal da população do Rio Grande do Sul: relatório final. Porto Alegre: Secretaria de Estado da Saúde; 2003.
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12Secretaria da Educação (Rio Grande do Sul). Estatísticas da Educação [Internet]. [citado 2011 jan 31]. Disponível em: http://www.educacao.rs.gov.br/pse/html/estatisticas.jsp?ACAO=acao1
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13Eklund SA, Moller IJ, Leclercq MH. Calibration of examiners for oral health epidemiological surveys. Geneva: World Health Organization; 1993.
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14Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Coordenação Nacional de Saúde Bucal. Projeto SB Brasil 2010. Pesquisa Nacional de Saúde Bucal: manual da equipe de campo [Internet]. [citado 2012 out 17]. Disponível em: http://dab.saude.gov.br/cnsb/sbbrasil/arquivos/SBBrasil2010_Manual_Equipe_ Campo.pdf
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15World Health Organization. Oral health surveys: basic methods. 4th ed. Geneva: World Health Organization; 1997.
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16Landis JR, Koch GG. The measurement of observer agreement for categorical data. Biometrics. 1977 Mar;33(1):159-74.
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17Fitz PR. Geoprocessamento sem complicações. São Paulo: Oficina de Textos; 2008. 160 p.
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18Han DH, Kim JB, Park DY. The decline in dental caries among children of different ages in Korea, 2000-2006. Int Dent J. 2010 Oct;60(5):329-35.
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19Narvai PC, Frazão P, Roncalli AG, Antunes JLF. Cárie dentária no Brasil: declínio, iniquidade e exclusão social. Rev Panam Salud Publica. 2006 jun;19(6):385-93.
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20Davies GM, Jones CM, Monaghan N, Morgan MZ, Neville JS, Pitts NB. The caries experience of 11 to 12 years old children in Scotland and Whales and 12 years-olds in England in 2008-2009: reports of co-ordinated surveys using BASCD methodology. Community Dent Health. 2012 Mar;29(1):8-13.
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21Gushi LL, Soares MC, Forni TIB, Vieira V, Wada RS, Souza MLR. Cárie dentária em adolescentes de 15-19 anos de idade no Estado de São Paulo, Brasil, 2002. Cad Saude Publica. 2005 set-out;21(5):1383-91.
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22Organización Panamericana de la Salud. La renovación de atención primaria de salud en las Américas: documento de posición de la Organización Panamericana de la Salud/Organización Mundial de la Salud. Washington: Organización Panamericana de la Salud; 2007.
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23Nicolau B, Mercenes W, Bartley M, Sheiham A. A life course approach to assessing causes of dental caries experience: the relationship between biological, behavioural, socio-economic and psychological conditions and caries in adolescents. Caries Res. 2003 Sep-Oct;37(5):319-26.
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24Peres KG, Peres M, Araujo CLP, Menezes AMB, Hallal PC. Social and dental status along the life course and oral health impacts in adolescents: a population-based birth cohort. Health Qual Life Outcomes. 2009 Nov;7:95.
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25Pimentel FC, Albuquerque PC, Martelli PJL, Souza WV, Aciolo RML. Caracterização do processo de trabalho das equipes de saúde bucal em municípios de Pernambuco, Brasil, segundo porte populacional: da articulação comunitária à organização do atendimento clínico. Cad Saude Publica. 2012 jan;28 supl:s146-57.
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27Marinho VCC, Higgins JPT, Logan S, Sheiham A. Fluoride toothpastes for preventing dental caries in children and adolescents. Cochrane Database Syst Rev. 2003 Jan;(1):CD002278.
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28Bönecker M, Pucca Junior GA, Costa PB, Pitts N. A social movement to reduce caries prevalence in the world. Braz Oral Res. 2012 Nov-Dec;26(6):491-2.
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29Barreto F, Teixeira MG, Barreto ML, Barcellos C. Difusão espacial de doenças transmissíveis: uma importante perspectiva de análise epidemiológica a ser resgatada. In: Barcellos C, organizador. A geografia e o contexto dos problemas de saúde. Rio de Janeiro: ABRASCO; 2008. p. 279-97.
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Estudo financiado com recursos da Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul, qualificado no Processo no 09/0066-6, Edital FAPERGS/MS/CNPq/SESRS 002/2009 - PPSUS.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
Jul-Sep 2014
Histórico
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Recebido
13 Jan 2014 -
Aceito
07 Jul 2014