Open-access Hospitalizações por condições sensíveis à atenção primária em Florianópolis, Santa Catarina - estudo ecológico de 2001 a 2011

Hospitalizaciones por condiciones sensibles a la atención primaria en Florianópolis, Santa Catarina - estudio ecológico de 2001 a 2011

Resumo

OBJETIVO:  avaliar a tendência das taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP) no município de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, no período de 2001 a 2011, e verificar sua correlação com o investimento financeiro em saúde e a cobertura populacional pela Estratégia Saúde da Família (ESF).

MÉTODOS:  estudo ecológico com dados secundários do Ministério da Saúde; os dados foram analisados mediante Regressão de Poisson.

RESULTADOS:  o coeficiente da regressão foi de 0,97, apontando para diminuição de 3% ao ano na taxa de ICSAP, aumento de três vezes na cobertura da ESF e de sete vezes nos investimentos financeiros per capita em saúde, passando de R$67,65 (2001) para R$471,03 (2011); os investimentos per capita em saúde e a cobertura populacional pela ESF foram negativamente correlacionados com a taxa de internações por ICSAP.

CONCLUSÃO:  o investimento financeiro e a expansão da ESF foram acompanhados por reduções importantes nas taxas de internações por ICSAP.

Palavras-chave: Avaliação de Serviços de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Saúde da Família; Hospitalização; Estudos Ecológicos

Resumen

OBJETIVO:  evaluar la tendencia en las tasas de hospitalización por condiciones sensibles a la atención primaria en el municipio de Florianópolis, Santa Catarina, Brasil, de 2001 a 2011, y correlacionar con el impacto en la inversión financiera y cobertura de la Estrategia Salud de la Familia (ESF).

MÉTODOS:  estudio ecológico con datos secundarios del Ministerio de Salud; los datos fueran analizados mediante regresión de Poisson.

RESULTADOS:  el coeficiente de regresión fue 0,97, se observó disminución del 3% anual en la tasa de ICSAP, aumento de tres veces en la cobertura de la ESF y siete veces en inversiones per cápita en salud, de R$67,65 en 2001 a R$471,03 en 2011; las inversiones per cápita y cobertura por la ESF se correlacionaron negativamente con la tasa de ICSAP.

CONCLUSIÓN:  la inversión financiera y expansión de la ESF llevaron a reducciones en la tasa de ICSAP.

Palabras-clave: Evaluación de Servicios de Salud; Atención Primaria de Salud; Salud de la Familia; Hospitalización; Estudios Ecológicos

Abstract

OBJECTIVE:  to evaluate trends in rates of hospitalizations owing to ambulatory care sensitive conditions in the municipality of Florianópolis, Santa Catarina, Brazil, from 2001 to 2011, and to assess correlation with the public health expendutures Family Health Strategy (FHS) population coverage.

METHODS:  this was an ecological study using Ministry of Health secondary data; data were analyzed using Poisson Regression.

RESULTS:  the regression coefficient was 0.97, showing a decrease of 3% per year in hospitalizations owing to ambulatory care sensitive conditions, a three-fold increase in FHS coverage and seven times more financial investment per capita in health services, from R$67.65 in 2001 to R$471.03 in 2011; FHS investments per capita in health and population coverage were negatively correlated to the rate of hospitalizations owing to ambulatory care sensitive conditions.

CONCLUSION:  financial investment and FHS expansion had led to major reductions in the rate of hospitalizations owing to ambulatory care sensitive conditions.

Key words: Health Services Evaluation; Primary Health Care; Family Health; Hospitalization; Ecological Studies

Introdução

As internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP) podem ser consideradas um indicador da qualidade de assistência à saúde.1 Esse grupo de agravos é caracterizado por situações de saúde para as quais cuidados adequados no momento oportuno podem reduzir ou extinguir o risco de hospitalizações, prevenir o surgimento de doenças ou permitir seu manejo adequado.2,3

O acompanhamento das ICSAP tem-se mostrado importante medida de avaliação da efetividade da Estratégia Saúde da Família (ESF), quando comparada com a atenção à saúde tradicional.4,5 Estudos avaliaram a ESF como um modelo mais equitativo na atenção às necessidades da população, ao demonstrar relação inversa entre hospitalizações por condições sensíveis à atenção primária e serviços ambulatoriais estruturados,4,5 e apontaram a atenção básica como estratégia prioritária na redução de custos5 e aprimoramento dos sistemas de saúde.6

No Brasil, a consolidação da atenção primária à saúde tem sido incentivada pelo fortalecimento ESF como política pública de saúde, com responsabilidades definidas para cada nível governamental.7 Por sua vez, o município de Florianópolis preferencia a atenção primária desde 2006, quando assumiu a Gestão Plena do Sistema Único de Saúde (SUS), elevando a ESF à condição de ordenadora de todo o sistema municipal, opção de governo que se expandiu e consolidou nos últimos anos.8

A atenção primária desempenha papel privilegiado enquanto porta de entrada do sistema de saúde, e entre seus princípios e diretrizes de ação, encontram-se a integração, a efetividade e a coordenação dos cuidados.9 Nesse sentido, o monitoramento das ICSAP constitui importante instrumento para o aprimoramento da atenção primária e do SUS.10,11

A questão do financiamento em saúde no Brasil tem-se revelado essencial para o pleno desenvolvimento do SUS.12 Diversos autores já demonstraram que a falta de recursos impede ou dificulta a equidade no acesso e a integralidade das ações, limitando a efetividade do sistema.13-15 Além disso, os custos crescentes - muitas vezes sem controle, advindos em parte da introdução e do uso indiscriminado da tecnologia médico-hospitalar - podem contribuir para a escassez de insumos, exigindo mais eficiência na gestão e alocação adequada dos recursos financeiros disponíveis.16

O objetivo principal deste trabalho foi avaliar a tendência das taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária - ICSAP - em Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, no período de 2001 a 2011, e verificar sua correlação com o impacto do investimento financeiro e a cobertura da Estratégia Saúde da Família. Pretendeu-se, também, determinar os grupos de agravos mais prevalentes.

Métodos

Trata-se de um estudo ecológico, baseado em (i) dados secundários do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS) (disponíveis no sítio eletrônico do Datasus: www.datasus.gov.br), além dos (ii) extratos de repasses financeiros ao município (disponíveis no sítio eletrônico do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS): www.saude.gov.br/siops). As informações utilizadas referiam-se ao período de 2001 a 2011. O número de equipes e a cobertura populacional pela ESF foram definidos a partir das informações do Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Atenção à Saúde/Ministério da Saúde (dab.saude.gov.br).

As taxas das internações foram calculadas pela razão entre o número de ICSAP (segundo o SIH/SUS) entre residentes de Florianópolis e a população total do município, em cada ano do período avaliado, multiplicada por 100 mil habitantes. A base populacional para a elaboração das taxas foi fornecida pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a partir de dados disponíveis no sítio eletrônico do Datasus. As condições sensíveis à atenção primária foram aquelas relacionadas na lista nacional elaborada pelo Ministério da Saúde.17,18

Na coleta de dados financeiros junto ao SIOPS, foram utilizados os indicadores municipais da despesa liquidada em cada ano da subfunção 'Administração direta em saúde'. Determinou-se o total de recursos aplicados, bem como os valores próprios investidos pelo município no período do estudo. Considerando-se o total de recursos como numerador e os dados populacionais como denominador, foi estabelecido o investimento per capita em saúde por ano.

Verificaram-se as tendências das taxas das ICSAP e das taxas de internações por todas as causas, no decorrer do período. Logo, realizou-se o "alisamento" de ambas as taxas pelas médias móveis a cada dois anos e repetiram-se as comparações. As tendências das taxas das causas mais frequentes também foram descritas.

Foram verificados os investimentos financeiros totais aplicados no setor Saúde de Florianópolis, os recursos próprios do município, os investimentos per capita em saúde e o percentual de aplicação de recursos próprios em relação aos totais, relativamente ao mesmo período.

Foram descritos o número de equipes de Saúde da Família e os percentuais de cobertura populacional da ESF entre 2001 e 2011.

A análise de tendência das taxas de ICSAP, dos investimentos financeiros per capita em saúde e da cobertura populacional pela ESF foi feita aplicando-se a Regressão de Poisson. O Coeficiente de Poisson aponta o crescimento ou diminuição da variável no período estudado. A descrição dos resultados pautou-se nos coeficientes de cada um dos fatores avaliados, com seus respectivos intervalos de confiança de 95%, e nos resultados do teste de Wald, estes considerados significativos quando o valor de p<0,05.19

Verificou-se a correlação entre as ICSAP, a cobertura populacional pela ESF e os investimentos financeiros per capita em saúde, por meio da Correlação de Spearman. Foi considerada significativa a correlação que apresentou o coeficiente de valor em módulo superior a 0,50 e valor de p<0,05.20

Para a obtenção e análise dos dados, foram utilizados os seguintes programas computacionais: Tabwin 32 e TabNet (versão 3.0); Microsoft Excel 2010(r); IBM SPSS Statistics (versão 22), licença nº 10.194.05; e Stata (versão 11), licença nº 50120523700.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas - Parecer nº 3.970, de 5 de setembro de 2013 -, em conformidade com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466, de 12 de dezembro de 2012.

Resultados

Entre 2001 e 2011, foram identificadas 29.761 ICSAP. As taxas de ICSAP no período variaram de 830,2 em 2005 para 513,7 por 100 mil habitantes em 2011, correspondendo a uma diminuição de 38,1% (Figura 1).

Figura 1
- Taxas de internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP) (por 100 mil habitantes) e médias móveis das taxas a cada dois anos no município de Florianópolis, Santa Catarina, 2001 a 2011

Foi observado aumento de 20,0% nas taxas de ICSAP, entre os anos de 2001 e 2005, e redução total de 35,0% a partir de 2006. Observou-se redução de 27,0% entre a primeira e a última média móvel (Figura 1).

Em relação às internações por todas as causas, também foi verificada a mesma tendência: entre 2001 e 2005, constatou-se aumento de 10,0%; e no período de 2006 a 2011, diminuição de 14,0%. A técnica de alisamento permitiu visualizar a redução de 10,0% nas taxas de internações por todas as causas, entre a primeira e a última média móvel (Figura 2).

Figura 2
- Taxas de internações por todas as causas (por 100 mil habitantes) e médias móveis das taxas a cada dois anos no município de Florianópolis, Santa Catarina, 2001 a 2011

Os cinco grupos de agravos em saúde com taxas mais expressivas de ICSAP foram: pneumonias, doenças cerebrovasculares, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) e diabetes Mellitus (DM) (Figura 3).

Figura 3
- Taxas de internação (por 100 mil habitantes) por causas mais prevalentes de internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP) no município de Florianópolis, Santa Catarina, 2001 a 2011

Pneumonias foram a principal causa de hospitalização no período analisado, apresentando taxas que oscilaram de 132,2 a 133,2 por 100 mil habitantes, entre os anos de 2001 e 2011. No grupo das pneumonias, observou-se um aumento próximo de 40,0% entre os anos de 2001 e 2005, e a partir deste ano, uma diminuição até 2011. O mesmo comportamento foi identificado no grupo de doenças cerebrovasculares, que apresentou aumento e posterior diminuição nas taxas de internação: de 89,7/100 mil hab. (2001), chegou a 113,7/100 mil hab. (2005), e deste nível para uma diminuição substancial até atingir 49,6 por 100 mil habitantes (2011) (Figura 3).

As demais causas mantiveram comportamentos de redução entre os anos de 2001 e 2011: insuficiência cardíaca, de 77,7 para 39,6 por 100 mil habitantes, correspondendo a uma redução de aproximadamente 50,0%; e DPOC, de 110,9 para 66,7 por 100 mil habitantes, representando uma redução de pouco menos de 40,0%. Entre as principais causas de ICSAP, o diabetes Mellitus apresentou a maior redução percentual, na comparação entre as tendências apresentadas pelos cinco grupos de doenças selecionados: diminuição de 55,7% no período de 11 anos, variando de 58,5 (2001) para 26,4 por 100 mil habitantes (2011) (Figura 3).

Em 2001, Florianópolis investia em torno de R$67,65 per capita/ano em saúde, sendo 68,1% desse valor provenientes de recursos próprios do município. Enquanto o investimento total per capita aumentou quase oito vezes no decorrer de 11 anos, chegando a R$471,32 por habitante/ano em 2011, os valores municipais investidos apresentaram um aumento proporcionalmente menor - embora igualmente expressivo - de cerca de sete vezes, no período avaliado. Ao serem analisados os percentuais de investimento próprios do município em relação ao total de recursos, observaram-se valores superiores a 60,0% durante toda a série histórica, correspondendo aos anos de 2003 e 2007 os maiores percentuais: 73,7% e 76,2%, respectivamente (Tabela 1).

Tabela 1
- Investimento financeiro total, com recursos próprios do município e per capita em saúde (em R$), número de equipes e cobertura populacional da Estratégia Saúde da Família (ESF) no município de Florianópolis, Santa Catarina, 2001 a 2011

Os investimentos financeiros apresentaram relação inversa à taxa por internações: na medida em que aumentavam os recursos, diminuíam as hospitalizações. O aumento dos investimentos nos 11 anos avaliados coincidiu com a expansão e consolidação da ESF em Florianópolis, de uma cobertura de 33,3% em 2001 até 89,3% no fim de 2011; ou seja, um crescimento observado próximo a três vezes, no período (Tabela 1).

A aplicação de Regressão de Poisson comprovou uma diminuição nas ICSAP de cerca de 3,0% ao ano (coeficiente de regressão=0,97), acompanhada por um aumento da cobertura populacional da ESF de 10,0% e pelo aumento dos investimentos per capita em saúde de 22,0%, confirmados pelos respectivos coeficientes de 1,10 e 1,22 ao ano para estas duas variáveis (Tabela 2).

Tabela 2
- Tendência do Coeficiente de Regressão de Poisson de acordo com internações por condições sensíveis à atenção primária (ICSAP), cobertura populacional da Estratégia Saúde da Família (ESF) e investimentos per capita em saúde no município de Florianópolis, Santa Catarina, 2001 a 2011

As variáveis 'investimentos per capita em saúde' e 'cobertura populacional da ESF' correlacionaram-se negativamente com a taxa de ICSAP, com coeficiente atingindo valor de -0,59 e p<0,05 pela correlação de Spearman, para ambas variáveis.

Discussão

No município de Florianópolis, houve diminuição das ICSAP entre 2001 e 2011. Apesar do visível crescimento nas taxas dessas internações até a primeira metade da década de 2000, sua redução foi mais intensa nos anos seguintes.

Foi necessário comparar as taxas de ICSAP com as taxas de internações por todas as causas, eliminando-se a possibilidade de a diminuição observada ser consequência de uma tendência de redução das hospitalizações como um todo. A redução percentual das ICSAP mostrou-se superior à diminuição verificada entre as internações por todas as causas. Esta constatação ficou mais evidente com a utilização de médias móveis das taxas de ICSAP, o que foi confirmada pela redução observada com a aplicação da Regressão de Poisson. Esse comportamento pode ser explicado, em parte, pelo fato de a gestão municipal ter priorizado a Estratégia Saúde da Família como eixo norteador da assistência à saúde em Florianópolis,8 destacando-se que o percentual de cobertura populacional da ESF esteve sempre acima de 50,0% a partir do ano de 2005.

É possível que a redução de ICSAP se deva à expansão e consolidação da ESF no período. A prioridade concedida às ações da Estratégia Saúde da Família já foi comprovada por outros estudos como fator determinante na redução de internações por essas causas.4,5 Deve-se ressaltar que outras variáveis importantes, como características socioeconômicas, demográficas e de acesso aos serviços, embora não tenham sido avaliadas por este estudo, também merecem ser lembradas como fatores contributivos para a diminuição dessas internações.10

A pesquisa constatou um significativo aporte financeiro à Saúde Pública local, principalmente de recursos próprios do município - partícipe com mais de 60,0% do total de recursos investidos -, durante os anos avaliados. Esse nível de participação municipal mostrou-se superior ao de outras capitais da região Sul, que apresentaram percentuais de investimento próprio máximo de 48,0% (Curitiba) e 49,7% (Porto Alegre). Ao mesmo tempo que se observa um empenho de Florianópolis como principal investidor de seu sistema de saúde, este evidente aumento de suas responsabilidades financeiras21 deve ser acompanhado de melhorias contínuas em seus aspectos gerenciais, governamentais e de gestão dos serviços de saúde oferecidos à população.

A cobertura da ESF e os investimentos financeiros per capita em saúde mostraram aumento no período estudado e apresentaram relação direta com a diminuição das ICSAP, podendo-se concluir que investimentos destinados a ESF traduziram-se em reduções importantes na taxa dessas hospitalizações. O estudo em tela sugeriu que percentuais de cobertura de ESF superiores a 60,0% e investimentos per capita em saúde ao redor de R$170,00 favoreceram a diminuição das taxas de ICSAP. Outras investigações também encontraram diminuição das ICSAP a partir do aumento da cobertura da ESF. Estudo ecológico realizado no município de Belo Horizonte, onde a cobertura de ESF atingiu 75,5%, mostrou redução de ICSAP no período de quatro anos;22 no mesmo estado de Minas Gerais, estudo transversal realizado no município de Montes Claros, com cobertura da ESF ao redor de 50,0%, apontou, entre outros fatores associados, que o controle de saúde realizado fora da ESF aumentava em mais de duas vezes a prevalência de ICSAP.4 Outro estudo ecológico, ao estimar a tendência de ICSAP entre 1999 e 2007, levando em consideração todas as regiões brasileiras, revelou que quanto maior a cobertura de ESF, menores são as taxas de internações.5

Houve correlação moderada entre as taxas de ICSAP, investimentos per capita em saúde e expansão na cobertura da ESF, com coeficientes negativos - e significativos - entre as hospitalizações e as variáveis de interesse.

Quanto às causas mais prevalentes de ICSAP, cinco se destacaram e reafirmaram o peso da transição epidemiológica e da carga de doença sobre o atual sistema nacional de saúde, indicando a necessidade simultânea de controle de agravos infecciosos e de doenças crônicas não transmissíveis pelo SUS.23 As pneumonias foram o principal grupo de doenças infecciosas no período, apresentando um comportamento de aumento na primeira metade da avaliação, seguido de diminuição nos anos posteriores. Este achado revelou a importância da ESF, cuja expansão contribuiu para o decréscimo na taxa de internação por esse agravo, corroborando o resultado de outro estudo realizado em 2004, no sul de Santa Catarina, onde ficou demonstrada forte correlação entre aumento de cobertura pela ESF e redução de internações por pneumonia, uma típica condição sensível à atenção primária.24

No grupo de agravos crônicos e degenerativos, observaram-se quatro agravos, entre os cinco mais prevalentes, que apresentaram comportamento de queda contínua nas internações ao longo dos anos estudados: as doenças cerebrovasculares mostraram crescimento e posteriormente queda, por isso foram exceção à queda contínua. Dada a importância desses agravos para as condições gerais de saúde da população brasileira,11,23,25 tais resultados, evidentes nos números a eles relacionados, poderão direcionar o planejamento de ações e a alocação de recursos financeiros destinados à melhoria dessas condições sensíveis às internações, sua prevenção, promoção e recuperação da saúde.

Não obstante, uma questão deve ser lembrada acerca das limitações próprias dos estudos ecológicos: os aspectos verificados na coletividade das ICSAP podem não refletir a real condição individual dos cidadãos de Florianópolis (falácia ecológica),26 tendo em vista que as taxas encontradas para esse tipo de hospitalização estiveram relacionadas à população total de Florianópolis e não a grupos populacionais específicos. A unidade de análise constituiu-se das internações por condições sensíveis à atenção primária, de maneira a ser impossível inferir, entre os indivíduos menos hospitalizados, quais foram o que se beneficiaram dos investimentos em saúde e quais se utilizaram dos serviços da Estratégia Saúde da Família. Outras limitações deste estudo referem-se às características do sistema de informações hospitalares do SUS - SIH/SUS -, que contempla somente as internações na rede pública de saúde, além de não ser possível determinar as duplas e triplas entradas de usuários no sistema (readmissões).2 Ademais, fatores como o registro ou sub-registro indevido das hospitalizações, incorporação de novos procedimentos ao longo dos anos, e erros de classificação, muitas vezes devidos a falta de treinamento dos profissionais ou dificuldade de compreensão da importância da informação em saúde, podem ser determinantes para a avaliação do impacto dessas internações na situação de saúde do município.27-29 Entretanto, um estudo recente mostrou a validade e a utilidade dos dados provenientes do SIH/SUS e do Datasus, garantindo a consistência dos dados apresentados.30

Em Florianópolis, na primeira década de 2000, a expansão e consolidação da ESF foi acompanhada da redução das internações por condições sensíveis à atenção primária e do aumento substancial dos investimentos per capita em saúde, demonstrando ser essa estratégia uma importante política de estruturação de todo o sistema de saúde municipal. A mais recente confirmação dos resultados promissores deste estudo veio a público recentemente: de acordo com os dados do Departamento de Atenção Básica da Secretaria de Atenção à Saúde/Ministério da Saúde, no ano de 2015, a Estratégia Saúde da Família acabou de conquistar 100% de cobertura da população da capital catarinense.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2016

Histórico

  • Recebido
    15 Dez 2014
  • Aceito
    04 Dez 2015
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