Resumo
Objetivo Analisar a tendência temporal e a distribuição espacial dos casos de transmissão vertical do HIV, Santa Catarina, 2007-2017.
Métodos Estudo ecológico misto, com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação. Realizou-se regressão linear para análise de série temporal; calcularam-se as taxas médias no período e variações percentuais médias anuais das taxas de gestantes infectadas pelo HIV, de crianças expostas ao HIV na gestação e de soroconversão das crianças expostas ao HIV/aids na gestação, além do geoprocessamento dos dados.
Resultados Foram registradas 5.554 gestantes infectadas pelo HIV, com taxa de 5,6 gestantes/1 mil nascidos vivos. A taxa média de soroconversão foi de 13,5/100 mil nascidos vivos (IC95% 6,8;20,1) e apresentou tendência decrescente (APC = -99,4%; IC95% -99,9;-93,1). A taxa de soroconversão foi mais elevada em municípios de pequeno porte.
Conclusão A taxa de gestantes infectadas pelo HIV foi estável; houve diminuição de crianças infectadas com HIV por via vertical.
Estudos de Séries Temporais; HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Soroconversão; Transmissão Vertical de Doenças Infecciosas; Características de Residência
Resumen
Objetivo Estimar la tendencia temporal y la distribución de casos de VIH por transmisión vertical en Santa Catarina, 2007-2017.
Métodos Estudio ecológico mixto con datos del Sistema de Información de Enfermedades de Declaración Obligatoria. Se utilizó la regresión lineal para análisis de series temporales y se calcularon las tasas medias en el período y los cambios porcentuales medios anuales en las tasas de mujeres embarazadas infectadas por el VIH; de niños expuestos al VIH; y seroconversión de niños expuestos al VIH/SIDA durante el embarazo, además del geoprocesamiento de datos
Resultados Había 5.554 gestantes infectadas por el VIH, con tasa de 5,6 gestantes/1.000 nacidos vivos. La tasa media de seroconversión fue 13,5/100.000 de nacidos vivos (IC95% 6,8;20,1) y mostró tendencia decreciente (APC = -99,4%; IC95%-99,9;-93,1). La tasa de seroconversión fue más expresiva en los municipios pequeños.
Conclusão Hubo una tasa estable de mujeres embarazadas infectadas por el VIH, mientras que el número de niños infectados por el VIH disminuyó.
Estudios de Series Temporales; VIH; Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Seroconversión; Transmisión Vertical de Enfermedad Infecciosa; Características de Residencia
Abstract
Objective To analyze the temporal trend and spatial distribution of mother-to-child HIV transmission in Santa Catarina between 2007 and 2017.
Methods This was a mixed ecological study with data from the Notifiable Health Conditions Information System. Linear regression was performed for time series analysis and the mean rates in the period and mean annual percentage changes in the rates of HIV-infected pregnant women were calculated, children exposed to HIV during pregnancy, and seroconversion of children exposed to HIV/AIDS during pregnancy, in addition to data geoprocessing.
Results There were 5,554 records of HIV-infected pregnant women, with a rate of 5.6 pregnant women per 1,000 live births. The mean seroconversion rate was 13.5/100,000 live births (95%CI 6.8;20.1) and it showed a falling trend (APC = -99.4%; 95%CI -99.9;-93.1). The seroconversion rate was more expressive in small towns.
Conclusion The rate of HIV-infected pregnant women was stable in the period, whereas the number of children infected with HIV through mother-to-child transmission decreased.
Time Series Studies; HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Seroconversion; Infectious Disease Transmission; Vertical; Residence Characteristics
INTRODUÇÃO
A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), agente causador da síndrome da imunodeficiência adquirida (acquired Immunodeficiency vírus, aids), é um problema de saúde pública global, especialmente em países de baixa e média renda.1 De acordo com o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS), em 2020, mais de 37,7 milhões de pessoas de todas as idades viviam com HIV/aids no mundo.1
Dados brasileiros demonstraram que 15.846 (88,8%) casos de aids em menores de 13 anos de idade, notificados durante o período 2009-2020, ocorreram por transmissão vertical.3 A transmissão vertical do HIV ocorre com a passagem do vírus da mãe para a criança, durante a gestação, o trabalho de parto, o parto propriamente dito (contato com as secreções cervicovaginais e o sangue materno) ou a amamentação. Para o monitoramento da transmissão vertical, o Ministério da Saúde do Brasil recomenda que toda gestante seja submetida a triagem da infecção pelo HIV, com emprego de testes rápidos; em caso de resultado positivo, notifica-se como ‘gestante HIV+’ e inicia-se o protocolo de tratamento e monitoramento, para evitar a transmissão vertical. Nessa condição da mãe, ao nascer, a criança é notificada como ‘criança exposta ao HIV’ e passa a ser acompanhada até o desfecho do caso. A ocorrência de soroconversão resulta em infecção pelo HIV (o que define a transmissão vertical do HIV), sendo feita nova notificação para fins de vigilância epidemiológica.4 Intervenções específicas, como o teste de triagem anti-HIV e a terapia antirretroviral (TARV), realizadas durante a gestação, parto e pós-parto, reduzem as taxas de transmissão.4
No Brasil, a taxa de detecção de HIV em gestantes passou de 2,3 casos/1 mil nascidos vivos, em 2009, para 2,8 casos/1 mil nascidos vivos, em 2019, representando aumento de 21,7%. É possível que esse aumento decorra da ampliação da testagem para o HIV no acompanhamento pré-natal, no parto e durante o aleitamento, resultando na triagem de maior número de casos com status sorológico até então desconhecido, e em maior número de notificações.3 Em 2017, o Sul do Brasil apresentou a maior taxa de detecção do país em nível regional, com 5,8 casos/1 mil nascidos vivos, sendo essa taxa duas vezes maior do que a observada no nível nacional. Naquele mesmo ano, o estado de Santa Catarina apresentou taxa de detecção do HIV em gestantes de 5,2 casos/1 mil nascidos vivos.3
Considerando-se a importância do diagnóstico precoce dessa infecção e o tratamento oportuno da gestante, para minimizar a ocorrência de soroconversão das crianças expostas, o aumento de notificações representa um alerta sobre a necessidade de atenção a esse grupo, com vistas à adoção do protocolo de prevenção de transmissão vertical a partir do conhecimento da ocorrência de casos de gestantes infectadas.
No Boletim Epidemiológico de HIV/Aids, publicação periódica do Ministério da Saúde, são reportadas as taxas de detecção de HIV em gestantes e de aids em menores de 5 anos de idade; porém, não são disponibilizados dados da soroconversão da criança exposta ao HIV durante a gestação. Considerando-se, ademais, que a transmissão vertical do HIV é confirmada pela soroconversão, esses dados são necessários para a análise da transmissão vertical do HIV, uma vez que a ocorrência de aids em menores de 5 anos pode ser atribuída a outras vias de infecção.3
Há poucos estudos dedicados a observar a soroconversão das crianças, onde esses casos se concentram, e se as taxas de infecção vertical pelo HIV na criança estão em declínio como consequência da adoção das medidas de intervenção recomendadas pelos protocolos clínicos e diretrizes terapêuticas, para prevenção da transmissão vertical do vírus.6
O objetivo deste estudo foi analisar a tendência temporal e a distribuição espacial dos casos de transmissão vertical do HIV em Santa Catarina, Brasil, no período de 2007 a 2017.
MÉTODOS
Delineamento
Estudo ecológico misto, tendo como unidade de análise os municípios do estado de Santa Catarina organizados por macrorregiões de saúde. Foram utilizados dados de notificação de gestantes infectadas pelo HIV e crianças expostas ao vírus na gestação, provenientes do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), no período 2007-2017.
Contexto
Segundo dados do censo demográfico de 2010, a população de Santa Catarina era de 6.353.055 habitantes, dos quais 1.801.433 mulheres em idade fértil (faixa etária de 15 a 49 anos). O número médio de nascidos vivos no período 2007-2017 foi de 90.256.7 A maioria da população catarinense reside em áreas urbanas (84,0%) e a população rural corresponde aos demais 16,0% do total. A densidade demográfica é de 65,3 habitantes/km2 e o crescimento demográfico de 1,6% ao ano. O estado possui índice de desenvolvimento humano (IDH) de 0,840 e uma cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) estimada em 78,4%. Geograficamente, Santa Catarina divide-se em 295 municípios agrupados em sete macrorregiões de saúde: Sul; Planalto Norte e Nordeste; Meio Oeste; Grande Oeste; Grande Florianópolis; Foz do Rio Itajaí; e Alto Vale do Itajaí.8
Participantes
Foram incluídos neste estudo casos de infecção por HIV em gestantes e de crianças expostas e infectadas via transmissão vertical, a partir da evidência de soroconversão, registrados no Sinan em Santa Catarina, no período de 2007 a 2017.
Variáveis
As variáveis analisadas foram: ano de notificação (entre 2007 e 2017); desfecho da gravidez (nascido vivo; natimorto; aborto); ano de nascimento da criança; evolução da criança (caso em andamento; infectada; não infectada; óbito por HIV/aids; óbito por outra causa; perda de seguimento; provável não infectada; transferência); município de residência em Santa Catarina; e macrorregiões do estado.
Utilizaram-se o número de gestantes infectadas pelo HIV e o número total de crianças expostas ao vírus por via vertical, para análise dos desfechos do estudo. Foram consideradas variáveis dependentes a taxa de gestantes infectadas pelo HIV, a taxa de crianças expostas ao HIV na gestação, a taxa de soroconversão das crianças expostas ao HIV/aids na gestação (transmissão vertical) e a proporção de soroconversão.
Fonte de dados e mensuração
O estudo baseou-se nos dados do Sinan, do Ministério da Saúde, da Ficha de Investigação de Gestante HIV+ e da criança exposta ao HIV na gestação, referentes ao estado de Santa Catarina.9 Foram incluídas todas as fichas de notificação datadas de 1o de janeiro de 2007 a 31 de dezembro de 2017.
Os bancos de dados da criança exposta ao HIV na gestação e da gestante HIV+, individualizados e anônimos, após a eliminação das duplicidades, foram disponibilizados pela Diretoria de Vigilância Epidemiológica do Estado de Santa Catarina (DIVE) entre julho e agosto de 2019.
Os casos de soroconversão foram determinados pelo acompanhamento da criança nascida de mãe HIV+, desde o nascimento até os 18 meses de vida. Considera-se a criança infectada (soroconversão) quando são obtidos dois resultados consecutivos de carga viral acima de 5 mil cópias/ml.
O cálculo das taxas foi realizado utilizando- -se, como população de referência, o número de nascidos vivos no estado de Santa Catarina entre 2007 e 2017, disponibilizado pelo TabNet via Datasus. Os indicadores analisados e seu método de cálculo estão descritos a seguir:
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Taxa de gestantes infectadas pelo HIV – número de gestantes infectadas pelo HIV notificadas no ano, dividido pelo total de nascidos vivos no mesmo ano, multiplicado por 1 mil.
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Taxa de crianças expostas ao HIV na gestação – número de nascidos vivos de gestantes infectadas pelo HIV no ano, dividido pelo total de nascidos vivos no mesmo ano, multiplicado por 1 mil.
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Taxa de soroconversão das crianças expostas ao HIV/aids na gestação – número de crianças infectadas ou que morreram por HIV/aids no ano, dividido pelo total de nascidos vivos no mesmo ano, multiplicado por 100 mil.
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Proporção de soroconversão – número de casos confirmados de HIV/aids por via vertical em relação ao total de crianças expostas ao HIV na gestação, multiplicado por 100.
O mapeamento dos eventos foi feito utilizando-se os softwares Quantum GIS – QGIS Versão 3.22 – e Microsoft Excel (2016), além dos dados tabelados do Sinan com as ocorrências notificadas. O Microsoft Excel foi utilizado na construção das tabelas que totalizaram os casos, por ano e por município.
Foram utilizados dados cartográficos dos municípios e regionais de saúde, levantados do sistema cartográfico oficial brasileiro, em formato shape, disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Também foram utilizados os dados populacionais do IBGE publicados no Diário Oficial da União.
Utilizando-se o QGIS, realizou-se a vinculação de cada caso, a partir dos códigos municipais, para o geoprocessamento. Com o uso do Sistema de Informação Geográfica (SIG), foram calculadas as incidências totais de casos por cada 1 mil ou 100 mil hab., segundo o indicador apresentado, referentes ao período de 2007 a 2017.
Métodos estatísticos
A análise foi realizada com o uso dos aplicativos Microsoft Office Excel e SPSS v.21 (IBM, Armonk, New York, USA). Realizou-se análise descritiva, para a apresentação dos dados, e regressão linear generalizada (modelo de Prais-Winsten) com variância robusta, para a análise de série temporal das taxas de gestantes infectadas pelo HIV, taxas de crianças expostas ao HIV na gestação e taxas de soroconversão, relativas ao período em estudo. A estatística de Durbin e Watson foi utilizada para verificar a presença de autocorrelação, sendo esperados valores próximos de 2 como indicativos de ausência de autocorrelação serial.
As variáveis-resposta (Yi) foram as respectivas taxas, e a variável explicativa (Xi), o ano de notificação. Foram consideradas significativas as associações estatísticas com p-valor < 0,05. Assim, a tendência foi considerada decrescente quando p-valor < 0,05 e o coeficiente da regressão negativo; e crescente quando p-valor < 0,05 e o coeficiente da regressão positivo. Foram calculadas as taxas médias para o período 2007-2017 e as variações percentuais médias anuais (annual percentual change: APC) das taxas, empregando-se os valores obtidos na regressão segundo o método proposto por Antunes e Cardoso,11 com intervalo de confiança de 95% (IC95%).
Para o geoprocessamento, as variáveis foram mapeadas tematicamente, adotando- -se a representação de classes por quebras naturais de Jenks no mapa de maior distribuição, mantida nos demais mapas para permitir comparações e análises de tendências do fenômeno. Este método é apropriado para o mapeamento de valores não uniformemente distribuídos, como é o caso do fenômeno estudado neste trabalho.
Aspectos éticos
O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul): Parecer n⁰ 3.137.377, emitido em 8 de fevereiro de 2019.
RESULTADOS
Em Santa Catarina, no período de 2007 a 2017, foram notificadas 5.554 gestantes infectadas pelo HIV e 4.559 crianças expostas ao vírus na gestação. Considerando-se o total de nascidos vivos no período em estudo, verificou-se uma taxa média de 5,6 gestantes infectadas pelo HIV/1 mil nascidos vivos, taxa de crianças expostas ao HIV na gestação de 4,6/1 mil nascidos vivos e taxa média de soroconversão de 13,5 crianças infectadas pelo HIV/100 mil nascidos vivos.
A Tabela 1 apresenta a distribuição dos casos notificados entre gestantes e crianças expostas ao HIV na gestação, bem como a taxa de soroconversão. No período de 2007 a 2017, a menor taxa de infecções por HIV em gestantes foi de 5,2 casos/1 mil nascidos vivos, em 2007, e a maior, de 6,0 casos/1 mil nascidos vivos, em 2015. O número de nascidos vivos de gestantes infectadas pelo HIV na gestação sofreu grandes oscilações ao longo de todo o período estudado (Tabela 1).
A soroconversão apresentou ampla variação no período, com proporção média de 2,9%. A taxa de soroconversão em crianças expostas ao HIV/aids na gestação foi de 20,6/100 mil nascidos vivos, em 2007, e de 2,0/100 mil, em 2017. No período analisado, as maiores taxas de soroconversão do HIV foram verificadas em 2008 (30,3/100 mil nascidos vivos) e em 2011 (28,4/100 mil nascidos vivos), sendo a menor taxa verificada em 2016 (1,0/100 mil nascidos vivos) (Tabela 1).
Em média, a taxa de crianças expostas ao HIV na gestação foi de 4,6 crianças/1 mil nascidos vivos (IC95% 3,9;5,4), e sua tendência mostrou-se estável no período analisado (APC = -38,3 ; IC95% -69,1;21,1) (Tabela 2 e Figura 1B). A taxa de soroconversão média foi de 13,5/100 mil nascidos vivos (IC95% 6,8;20,1), com redução anual média de 99,4% (IC95% -99,9; -93,1), conforme demonstrado na Tabela 2 e na Figura 1C. A taxa de gestantes infectadas e crianças expostas ao HIV por via vertical em Santa Catarina mostrou-se elevada, embora permanecesse estável (Figura 1A e 1B).
Tendência temporal da taxa de gestantes infectadas pelo HIV (A), taxa de crianças expostas ao HIV na gestação (B) e taxa de soroconversão das crianças expostas ao HIV/aids na gestação (C), Santa Catarina, 2007-2017
A Figura 2 mostra o número de casos de infecções relacionados à transmissão vertical por HIV em crianças, nas diferentes regiões de saúde do estado, no período de 2007 a 2017. A região da Foz do Rio Itajaí apresentou as maiores taxas de gestantes infectadas pelo HIV, representada pelos municípios de Itajaí (13,4/1 mil nascidos vivos) e Camboriú (12,7/1 mil nascidos vivos) (Figura 2B). A região da Grande Florianópolis apresentou a maior taxa de crianças expostas e infectadas pelo HIV na gestação (Figura 2C), com destaque para a capital Florianópolis (11,6/1 mil nascidos vivos) e o município de Leoberto Leal (452,5/100 mil nascidos vivos) (Figura 2D).
Distribuição espacial dos casos de HIV por município de residência entre gestantes e crianças expostas e infectadas pelo HIV, Santa Catarina, 2007-2017 A) Macrorregiões de Santa Catarina; B) Distribuição da taxa gestantes infectadas pelo HIV; C) Distribuição da taxa de crianças expostas ao HIV na gestação; e D) Distribuição da taxa de soroconversão das crianças expostas ao HIV/aids na gestação
DISCUSSÃO
O estudo analisou a distribuição de casos de soroconversão das crianças expostas ao HIV/aids na gestação, no estado de Santa Catarina, no período de 2007 a 2017. Na análise de tendência temporal da transmissão vertical, observou-se estabilidade na taxa de gestantes infectadas pelo HIV e de crianças expostas ao vírus, no decorrer do período, com redução da taxa de soroconversão das crianças. O maior número casos de gestantes e crianças expostas concentrou-se na região litorânea; entretanto, as maiores taxas de soroconversão não seguiram a mesma distribuição, sendo mais expressivas em cidades de pequeno porte. Embora a taxa de gestantes infectadas tenha se mantido estável, ela foi duas vezes mais elevada que a média nacional, sendo considerada de risco para a ocorrência de transmissão vertical do HIV.
Neste estudo, observou-se taxa de 5,6 gestantes infectadas com o HIV por 1 mil nascidos vivos, duas vezes maior do que a taxa nacional, então de 2,8 por 1 mil nascidos vivos.3 A tendência observada no período analisado revelou que o aumento do número de notificações de casos de infecção por HIV em gestantes de Santa Catarina não foi acompanhado pelo aumento do número de casos de soroconversão, sugerindo-se que a detecção oportuna e o tratamento adequado desses casos pode evitar a transmissão vertical do vírus à criança.
A redução das taxas de soroconversão observada em Santa Catarina pode ser comparada com a redução brasileira na taxa de HIV/aids em menores de 5 anos de idade, observada em 2019, quando a média nacional era de 1,9 caso por 100 mil habitantes.3 Desta forma, as intervenções preconizadas, como a realização e acompanhamento do pré-natal, o uso de TARV com monitorização virológica e imunológica, a indicação de parto cesáreo quando a carga viral materna foi superior a 1 mil cópias/ml, o uso de antirretroviral oral no neonato e o aleitamento artificial, geraram grande impacto na redução da transmissão vertical do HIV no Brasil,4 especialmente na região Sul, onde se encontram as maiores taxas de detecção de gestantes infectadas com o HIV.
O diagnóstico precoce da infecção e o uso da terapia antirretroviral têm permitido a supressão viral, com manutenção dos níveis de linfócitos T CD4+, tornando o HIV/aids uma condição crônica, e, por conseguinte, maior sobrevida e qualidade de vida para os infectados.14 Essas medidas permitem que mulheres infectadas pelo HIV possam engravidar sem que necessariamente haja exposição intraútero do vírus, desde que os protocolos clínicos sejam cumpridos adequadamente.15 Ressalta-se, contudo, que a maior ocorrência de gestantes infectadas pelo HIV aumenta a exposição de crianças ao risco de transmissão vertical, especialmente quando o diagnóstico é feito após a descoberta da gravidez, durante o pré-natal e o parto.16 A taxa de detecção de gestantes com HIV no Brasil vem apresentando aumento nos últimos anos, devido ao incremento e ampliação do diagnóstico no pré-natal, dada a facilidade de acesso ao teste rápido.17
A análise da distribuição espacial dos casos indicou que tanto as infecções por HIV nas gestantes como nas crianças infectadas pelo HIV concentraram-se nas regiões litorâneas, de maior densidade populacional, e geralmente melhor desenvolvidas nos aspectos sociais e culturais. Estudos prévios evidenciaram que os maiores números de casos de pessoas vivendo com HIV se encontram em municípios com alto IDH, próximos de países em desenvolvimento, alto grau de urbanização e população acima de 100 mil habitantes.19 Outro estudo realizado em Santa Catarina demonstrou maiores taxas de infecção entre gestantes nas regiões de Foz do Rio Itajaí e Grande Florianópolis, localizadas na área costeira do estado, dotada de grandes atrações turísticas e do terceiro maior porto do Brasil.21 Chama a atenção municípios menores apresentarem maior taxa de soroconversão, sugerindo diagnóstico tardio e falhas na assistência ao pré-natal relativas à adoção de medidas profiláticas da transmissão vertical do HIV.22 Miranda et al. encontraram diversas falhas na “cascata” do cuidado na atenção à gestante com HIV, mostrando que, por vezes, a rede de assistência à saúde da mulher e da criança pode estar desarticulada.12
Entre 2007 e junho de 2018, foram notificados 247.795 casos de infecção pelo HIV no Brasil e destes, 116.292 de gestantes infectadas, das quais cerca de 30% foram notificadas no Sul do país.3 Quando o diagnóstico da infecção pelo HIV ocorre na gestação, dispõe-se de menos tempo entre o início do tratamento e o parto, para atingir supressão virológica e prevenir a transmissão vertical.25
No presente estudo, foi observada discrepância entre o número de gestantes infectadas e o número de crianças expostas ao HIV durante a gestação a partir dos bancos do Sinan; em princípio, esses números deveriam ser similares, porque, mesmo se considerando os casos de aborto e natimorto, ainda restaria uma diferença de 2% de nascidos vivos sem registro-ficha de criança exposta ao HIV na gestação do banco da criança exposta ao HIV em comparação a gestante infectada pelo HIV. Tais divergências podem indicar uma falha no sistema informatizado, duplicidade de registros de gestante infectada pelo HIV ou atraso da notificação, ou ainda, casos de subnotificação, o que pode influenciar a análise dos dados.28
Entre as limitações do estudo, destaca-se o uso de banco de dados secundários, cujas lacunas de informação para algumas variáveis decorrem de dados ignorados. Ressalta-se, também, a não vinculação dos registros nos dois sistemas de gestantes infectadas pelo HIV e crianças expostas ao vírus na gestação, provenientes do Sinan, dada a anonimização, nos bancos de dados da criança exposta ao HIV na gestação e da gestante infectada pelo HIV, o que impediu o pareamento do caso mãe-filho, no sentido de auxiliar na evolução temporal e detecção dos casos faltantes. Ademais, poderia ser feita a adequação anual entre o número de gestantes e o número de nascidos vivos e infectados no mesmo período, uma vez que a gestação a termo dura aproximadamente 40 semanas, e o neonato pode ser acompanhado até os 18 meses de vida, para avaliação da soroconversão ao HIV. A consulta ao Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), Sistema de Controle de Exames Laboratoriais da Rede Nacional de Contagem de Linfócitos (Siscel) e Sistema de Controle Logístico de Medicamentos Antirretrovirais (Siclom) poderia elucidar fatores associados à transmissão vertical, no sentido de uma análise mais completa dos fatores de risco, a exemplo da adesão ao tratamento antirretroviral, início do tratamento, controle virológico e imunológico, e análise dos óbitos decorrentes da infecção pelo HIV/aids.
Conclui-se que há um número crescente de gestantes infectadas, o que implica mais crianças expostas ao risco de transmissão vertical do HIV, com concentração em áreas urbanas de maior densidade demográfica. Embora a taxa de soroconversão apresente--se em declínio, foram observadas oscilações no decorrer do período analisado. Revela- -se de extrema importância a realização de estudos destinados a investigar os fatores de risco evitáveis. Os resultados do estudo em tela podem ser úteis como subsídio ao debate sobre o padrão da epidemia de HIV/aids em Santa Catarina, indicando falhas no acompanhamento pré-natal e na assistência ao binômio mãe-filho em todos os municípios do estado. Ficou evidenciada a necessidade de reflexão sobre as estratégias adotadas para o enfrentamento do agravo e adoção de medidas preventivas mais bem estruturadas, para se atingir a meta internacional de erradicação da transmissão vertical do vírus da imunodeficiência humana.29
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TRABALHO ACADÊMICO ASSOCIADOArtigo derivado da dissertação de mestrado intitulada ‘Fatores de risco para a soroconversão de crianças expostas ao HIV por via vertical no estado de Santa Catarina, 2007-2017’, defendida por Ilda Vaica Armando Cunga no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade do Sul de Santa Catarina, em 28 de novembro de 2019.
Editado por
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Editora associada: Isis Polianna Silva Ferreira de Carvalho – https://orcid.org/0000-0002-0734-0783
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
06 Jul 2022 -
Data do Fascículo
2022
Histórico
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Recebido
25 Out 2021 -
Aceito
11 Abr 2022