Anteriormente, a Epidemiologia e Serviços de Saúde: revista do Sistema Único de Saúde do Brasil (RESS) publicou uma série metodológica sobre o tema. Os seis artigos que a compunham abordavam, de maneira simplificada, como elaborar e publicar revisões sistemáticas da literatura. Cada um desses artigos tratava de etapas distintas na condução desse tipo de investigação: pergunta de pesquisa;1 busca e seleção de artigos;2 extração de dados, avaliação da qualidade metodológica e síntese dos resultados;3 heterogeneidade e viés de publicação;4 avaliação da qualidade da evidência gerada;5 e redação, publicação dos resultados e apreciação crítica da revisão.6 Também foi publicada, ao final da série, a tradução para o português do guia de redação de revisões sistemáticas, Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-Análises (PRISMA), que agora conta com tradução da atualização PRISMA 2020.7 Esse material - a série e o guia - fornece aos leitores a lógica e indicação de ferramentas para a condução de revisões sistemáticas.
Na oportunidade da comemoração do aniversário de 30 anos da RESS, a série foi revista visando a sua complementação. Neste momento especial, celebra-se a pujança da revista, suas três décadas de crescimento e consolidação e, juntamente com nossos leitores, propõe-se contribuir com esta reflexão sobre a área. Cabe enfatizar que o foco deste comentário não é tão somente a abordagem metodológica, objeto da série e guia de redação mencionados que recomendamos ao leitor desejoso de saber mais sobre a condução desse tipo de pesquisa,1-7 mas também tecer comentários ao que já foi posto.
Para quem acompanha a publicação de revisões da literatura em periódicos científicos, uma primeira constatação encontra-se em seu rápido desenvolvimento metodológico. Enfoques inovadores para sua realização foram propostos, muitas vezes acompanhados de novos termos, o que pode confundir os leitores. Inicialmente, uma introdução ao artigo compara a revisão sistemática com a tradicional. Em seguida, são abordados outros tipos de síntese de evidência e apresentadas sugestões de como saber mais sobre o assunto.
REVISÃO SISTEMÁTICA E REVISÃO NARRATIVA
As revisões da literatura são muito úteis porque permitem, rapidamente, a atualização sobre um tema mediante acesso e consulta a esse tipo de publicação; e mais além, propõem ações, recomendações e novas pesquisas. Todo projeto ou artigo de pesquisa traz informação acerca de estudos realizados, capazes de ajudar a compreender e justificar a investigação-tema do projeto ou artigo, geralmente apresentados na introdução desses documentos. Sendo assim, é condizente com essa realidade afirmar que todo profissional de pesquisa realiza revisão da literatura, de alguma maneira.
Dois tipos de revisão predominam: a sistemática e a narrativa (Quadro 1). Ao desenvolver uma revisão sistemática, seu autor parte da perspectiva do investigador. Seu objetivo é pesquisar objetivamente a literatura, fugindo da subjetividade da opinião pessoal. Para tanto, formula-se uma pergunta-guia da investigação, a ser respondida utilizando-se de método padronizado e transparente, de modo a identificar e sumarizar os estudos pertinentes. Entre os cuidados inerentes a esse processo, destaca-se o de não incorrer em viés de seleção dos artigos para consulta e análise. Ademais, existe a possibilidade de a revisão sistemática expressar um olhar fragmentado da situação, em função da pergunta formulada e do que existe de pesquisa sobre o tema. Finalmente, quando bem conduzida, a revisão sistemática deve responder, com objetividade e clareza, àquela dúvida específica que motivou sua realização.
A revisão que traz informações abrangentes sobre um tema, aborda as características de uma doença, suas causas, grupos mais afetados, tratamento, prevenção etc. é denominada revisão narrativa. Capítulos de livros e artigos nos quais um especialista em algum tema discorre sobre um assunto e resume a literatura relacionada a ele, segundo sua própria concepção, figuram como revisões narrativas, por sinal bastante utilizadas. Perguntas específicas, como as formuladas em revisões sistemáticas, também são encontradas nas revisões narrativas. A escolha não sistemática de artigos para inclusão na revisão narrativa, entretanto, não permite assegurar que a resposta fornecida seja condizente com a totalidade da evidência disponível. Um texto com tais características é influenciado pela experiência do autor e por suas convicções e opiniões, sejam elas atualizadas ou não. Entretanto, a revisão narrativa tem sido muito útil para o primeiro contato com um tema ou a atualização em questões sobre um assunto do qual já se tem conhecimento.
O fato de a revisão sistemática empregar método padronizado e transparente não a exime de falhas. Cada uma das etapas pode ser bem ou mal conduzida, a depender de como foram executados os procedimentos. A qualidade da evidência gerada depende dos estudos primários. Independentemente do esforço dos autores, uma boa revisão sistemática pode trazer evidências de qualidade baixa. Por contarem com alto prestígio científico, as revisões sistemáticas podem servir a interesses comerciais e assim, influenciar decisões, muitas vezes ludibriando o leitor que acredita deter a melhor evidência.8
A revisão sistemática, claramente, responde à pergunta que a norteou. Ao seu final, o leitor deve ser informado - explicitamente - sobre a resposta, como, por exemplo, se a terapia funciona ou não, se o fator é ou não de risco ou qual a prevalência da doença. Uma revisão que realizasse as etapas preconizadas e mostrasse como resultados o tipo de revista, idioma ou fator de impacto das publicações, ao invés da resposta sobre o resultado em saúde, seria uma revisão ou levantamento bibliométrico.
OUTROS TIPOS DE REVISÃO DA LITERATURA
Outros tipos de revisão partem de pergunta e especificação dos métodos empregados para sintetizar a evidência. Além do conhecimento dos autores, elas se baseiam no guia interativo dos tipos de revisões da Temple University Libraries (https://guides.temple.edu/systematicreviews), o qual é recomendado consultar. Suas principais características estão resumidas no Quadro 2.
A revisão rápida segue as mesmas etapas de uma revisão sistemática; porém, ela restringe os procedimentos para ser concluída em pouco tempo, geralmente até três meses.9 Sua busca pode estar restrita a uma ou duas bases bibliográficas, tão somente. As demais etapas, feitas em duplicata na revisão sistemática, podem ser realizadas por um único pesquisador na revisão rápida.9
As revisões de escopo e de mapeamento (mapping) têm por objetivo elucidar o que há de pesquisa na área, de forma a identificar gargalos de conhecimento que requeiram investigações futuras. Tais revisões partem de perguntas mais amplas que as das revisões sistemáticas, não são focadas em resultados de investigações, e sim na existência de pesquisas e de lacunas de conhecimento no tópico considerado. Uma característica que distingue a revisão do mapeamento é a de estar focada na composição de uma síntese visual, razão por que costuma ter pergunta menos ampla que a da revisão de escopo.
A revisão integrativa reúne pesquisas de natureza metodológica distinta, para compreensão mais abrangente de um fenômeno de saúde. Muito usada na área da enfermagem, essa revisão pode incluir pesquisas pré-clínicas e clínicas, qualitativas e quantitativas, em seus estudos elegíveis. Por meio da compatibilização de informações de natureza diversa, seu propósito é apresentar a síntese de diferentes tipos de conhecimento sobre o assunto. Outrossim, é conveniente esclarecer como a revisão integrativa foi feita. Dada a mescla de métodos utilizados em sua realização, ela corresponderia a um tipo de revisão narrativa. A depender do sistema de classificação, tais revisões não compõem o grupo de tipos de síntese de evidências.10
Revisões que sumarizam outras revisões da literatura sobre um tema comum são denominadas overview - ou revisão de revisões. A vantagem desse tipo de síntese é a possibilidade de agrupar diferentes perguntas na estrutura “população, intervenção, comparador e desfecho” (PICO), de forma a trazer uma visão mais ampla do assunto. Outro aspecto positivo está no rigor de sua realização, baseada em revisões sistemáticas e seguindo procedimento semelhante à elaboração desse tipo de revisão.
RECURSOS ADICIONAIS
Finalizando esta contribuição ao debate, são apresentados, no Material Suplementar a este artigo, instituições e material para apoio metodológico na elaboração de revisões sistemáticas. Vale ressaltar que, além dos pontos realçados nesse material, tais organizações oferecem cursos, seminários e eventos científicos para aprimoramento metodológico na área. Cumpre observar que outras instituições relevantes não estão incluídas nessa relação.
Também são disponibilizados cursos gratuitos sobre os métodos de elaboração ou para, simplesmente, melhor dominar o manejo desse tipo de pesquisa, habilidade cada vez mais necessária ao pesquisador e profissional da saúde. Entre esses cursos, destacam-se “Saúde Baseada em Evidências” (https://www.coursera.org/learn/sbe) e “Revisão Sistemática e Meta-Análise” (https://www.coursera.org/learn/revisao-sistematica), ofertados na plataforma Coursera, sob coordenação da autora juntamente com equipe de pesquisadores experimentada na área. Além de oferecer os procedimentos básicos para apreciação crítica da literatura científica e elaboração de revisões sistemáticas, os cursos indicam fontes e recursos adicionais para aprofundamento do tema.
REFERÊNCIAS
-
1 Galvão TF, Pereira MG. Revisões sistemáticas da literatura: passos para sua elaboração. Epidemiol Serv Saude. 2014;23(1):183-4. doi: 10.5123/S1679-49742014000100018
» https://doi.org/10.5123/S1679-49742014000100018 -
2 Pereira MG, Galvão TF. Etapas de busca e seleção de artigos em revisões sistemáticas da literatura. Epidemiol Serv Saude . 2014;23(2):369-71. doi: 10.5123/S1679-49742014000200019
» https://doi.org/10.5123/S1679-49742014000200019 -
3 Pereira MG, Galvão TF. Extração, avaliação da qualidade e síntese dos dados para revisão sistemática. Epidemiol Serv Saude. 2014;23(3):577-8. doi: 10.5123/S1679-49742014000300021
» https://doi.org/10.5123/S1679-49742014000300021 -
4 Pereira MG, Galvão TF. Heterogeneidade e viés de publicação em revisões sistemáticas. Epidemiol Serv Saude. 2014;23(4):775-8. doi: 10.5123/S1679-49742016000300024
» https://doi.org/10.5123/S1679-49742016000300024 -
5 Galvão TF, Pereira MG. Avaliação da qualidade da evidência de revisões sistemáticas. Epidemiol Serv Saude. 2015;24(1):173-5. doi: 10.5123/S1679-49742015000100019
» https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000100019 -
6 Galvão TF, Pereira MG. Redação, publicação e avaliação da qualidade da revisão sistemática. Epidemiol Serv Saude. 2015;24(2):333-4. doi:10.5123/S1679-49742015000200016
» https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000200016 -
7 Page MJ, McKenzie JE, Bossuyt PM, Boutron I, Hoffmann TC, Mulrow CD, et al. A declaração PRISMA 2020: diretriz atualizada para relatar revisões sistemáticas. Epidemiol Serv Saude. 2022;31(2):e2022107.doi: 10.1590/s1679-49742022000200033
» https://doi.org/10.1590/s1679-49742022000200033 -
8 Ioannidis JPA. The Mass Production of Redundant, Misleading, and Conflicted Systematic Reviews and Meta-analyses. Milbank Q. 2016;94(3):485-514.doi: 10.1111/1468-0009.12210
» https://doi.org/10.1111/1468-0009.12210 -
9 Silva MT, Silva EN, Barreto JOM. Rapid response in health technology assessment: a Delphi study for a Brazilian guideline. BMC Med Res Methodol. 2018;18(51):1-7. doi:10.1186/s12874-018-0512-z
» https://doi.org/10.1186/s12874-018-0512-z -
10 Haddaway NR, Lotfi T, Mbuagbaw L. Systematic reviews: A glossary for public health. Scand J Public Health. 2022:14034948221074998. doi: 10.1177/14034948221074998
» https://doi.org/10.1177/14034948221074998
Material Suplementar
- Principais instituições que fornecem apoio metodológico para elaboração de revisões sistemáticasDatas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2022