Open-access Figura-fundo em tarefa dicótica e sua relação com habilidades não treinadas

RESUMO

Objetivos:  Verificar a eficácia do treinamento auditivo em tarefa dicótica e comparar as respostas da habilidade treinada com as repostas das habilidades não treinadas, após quatro e oito semanas.

Métodos:   19 indivíduos, de 12 a 15 anos foram submetidos a um treinamento auditivo baseado no DIID e organizados em 8 sessões, com duração de 50 minutos por sessão. Realizaram a avaliação do processamento auditivo em três momentos: pré-intervenção, pós-intervenção na metade e no final do treinamento. Os dados desta avaliação foram analisados por grupo de distúrbio de acordo com as alterações nos processos auditivos avaliados: atenção seletiva e processamento temporal. Em cada um deles, denominado Grupo atenção seletiva (GAS) e Grupo processamento temporal (GPT), e em ambos os processos: Grupo atenção seletiva e processamento temporal (GASPT).

Resultados:  O treinamento melhorou a habilidade treinada e a não treinada de fechamento, normalizando todos os indivíduos. As habilidades não treinadas de resolução e ordenação temporal não atingiram a normalidade no GASPT e GPT.

Conclusão:  Os indivíduos alcançaram a normalidade para a habilidade treinada de figura-fundo e paraa não treinada de fechamento. Já as habilidades não treinadas de resolução e ordenação temporal melhoraram em alguns indivíduos, porém não atingiram a normalidade.

Descritores: Fonoaudiologia; Audição; Transtornos da Audição; Percepção Auditiva; Transtornos da Percepção Auditiva

ABSTRACT

Purposes:   To evaluate the effectiveness of auditory training in dichotic task and to compare the responses of trained skills with the responses of untrained skills, after 4-8 weeks.

Methods:  Nineteen subjects, aged 12-15 years, underwent an auditory training based on dichotic interaural intensity difference (DIID), organized in eight sessions, each lasting 50 min. The assessment of auditory processing was conducted in three stages: before the intervention, after the intervention, and in the middle and at the end of the training. Data from this evaluation were analyzed as per group of disorder, according to the changes in the auditory processes evaluated: selective attention and temporal processing. Each of them was named selective attention group (SAG) and temporal processing group (TPG), and, for both the processes, selective attention and temporal processing group (SATPG).

Results:  The training improved both the trained and untrained closing skill, normalizing all individuals. Untrained solving and temporal ordering skills did not reach normality for SATPG and TPG.

Conclusions:  Individuals reached normality for the trained figure-ground skill and for the untrained closing skill. The untrained solving and temporal ordering skills improved in some individuals but failed to reach normality.

Keywords: Speech; Hearing; Hearing Disorders; Auditory Perception; Auditory Perceptual Disorders

INTRODUÇÃO

Indivíduos com distúrbio de processamento auditivo podem apresentar manifestações como problemas psicolinguísticos; problemas de leitura e escrita; mau desempenho escolar; desordens do comportamento social; problemas clínicos específicos da audição, no que se refere à localização da fonte sonora, discriminação de sons; identificação e memória1.

Ao buscar diminuir o impacto, na comunicação e na escola, de um distúrbio do processamento auditivo faz-se necessário, além do treinamento auditivo para aprimorar como o cérebro lida com o sinal acústico, o uso de estratégias que envolvam linguagem, cognição e metacognição, os quais promoverão a plasticidade e a reorganização cortical2 3 4.

A neuroplasticidade é a capacidade que o sistema nervoso tem em se adaptar a diferentes estímulos. A capacidade de mudanças anatômicas e funcionais no sistema responsável pelas informações auditivas é denominada plasticidade auditiva5. A plasticidade é observada por meio de mudanças comportamentais e eletrofisiológicas6 7. Muitos estudos demonstraram essas mudanças, após terem realizado o treinamento auditivo7 8.

Estudos mostram que o treinamento auditivo formalamplia a possibilidade de intervenção fonoaudiológica em crianças com distúrbio do processamento auditivo9. Consta na literatura que indivíduos também têm se beneficiado pelo treino de tarefas que trabalham o processamento auditivo temporal10e tarefas que envolvem escuta dicótica8.

O DIID (Dichotic Interaural Intensity Difference ) é um treino auditivo proposto por Musiek11, em que os estímulos são apresentados, inicialmente, em um nível sonoro menos intenso na melhor orelha e em um nível sonoro maior e fixo na orelha pior. O objetivo desse treino é oferecer desafios de reconhecimento de fala, via orelha pior, em tarefas dicóticas. O treinamento é feito com atividades de separação e integração binaural11 12. É referido na literatura que após o treinamento da pior orelha, ambas as orelhas alcançam um bom desempenho nos testes dicóticos11. Alguns estudos com esse treino observaram melhora nas habilidades de fala e linguagem em crianças com queixa de aprendizagem12.

Desta forma, esse estudo procurou avaliar se tal melhoria gerada por esse tipo de treinamento específico pode ser generalizada a outras habilidades para que o programa de treinamento auditivo seja eficaz, a fim de contribuir para uma melhor qualidade de vida da população com distúrbio do processamento auditivo, com alteração nos mecanismos fisiológicos de atenção seletiva e/ou processamento temporal.

Esta pesquisa teve o intuito de verificar a eficácia da abordagem DIID ao comparar as respostas para a tarefa de figura-fundo treinada e as respostas para tarefas de fechamento, ordenação, resolução temporais e não treinadas. Para tanto, foi preciso estabelecê-las em três momentos da reabilitação auditivo-verbal: pré, durante e pós-intervenção, nos grupos com os mecanismos fisiológicos de atenção seletiva e/ou processamento temporal alterados.

MÉTODOS

O local de realização do estudo foi no ambulatório da Disciplina dos Distúrbios da Audição , serviço de avaliação do processamento auditivo, setor de Neurologia. Foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo (CAAE: 15220013.0.0000.5505) com o número do parecer 304.548, e recebeu financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, 133260/2013-5). Os pais dos voluntários assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e os voluntários também assinaram o termo de assentimento livre e esclarecido.

Foram selecionados 19 indivíduos, voluntários e na faixa etária de 12 a 15 anos dentre os atendidos no ambulatório de neuroaudiologia do Departamento de Fonoaudiologia. O nível de escolaridade variou desde a sexta série do Ensino Fundamental até o primeiro ano do Ensino Médio.

Os dados foram analisados distribuindo os indivíduos em grupos segundo os mecanismos fisiológicos alterados, ou atenção seletiva, ou processamento temporal ou ambos. Esta divisão de grupo foi realizada, no intuito de verificar a eficácia do treinamento auditivo com escuta dicótica em diferentes populações com alteração de processamento auditivo. Sendo assim, os indivíduos ficaram reunidos nos grupos:

  • • GASPT (Grupo atenção seletiva e processamento temporal): seis indivíduos que tiveram em sua avaliação de processamento auditivo os mecanismos fisiológicos de atenção seletiva e processamento temporal alterado, verificado nos testes Fala com Ruído Branco, Dicótico de Dissílabos alternados, Detecção de Gaps Aleatórios (RGDT) e Padrão de Duração (TPD). Vale ressaltar que os indivíduos desta amostra tiveram alteração em pelo menos três testes dos quatro supracitados.

  • • GAS (Grupo atenção seletiva): seis indivíduos que tiveram em sua avaliação de processamento auditivo o mecanismo fisiológico de atenção seletiva alterado, verificado nos testes Fala com Ruído Branco e Dicótico de Dissílabos alternados. É importante evidenciar que todos os indivíduos desta amostra tiveram alteração nos dois testes descritos acima. O mecanismo fisiológico de processamento temporal encontrou-se normal nesta amostra, verificado através dos testes Detecção de Gaps Aleatórios (RGDT) e Padrão de Duração.

  • • GPT (Grupo processamento temporal): sete indivíduos que tiveram em sua avaliação de processamento auditivo o mecanismo fisiológico de processamento temporal alterado, verificado nos testes Detecção de Gaps Aleatórios (RGDT) e Padrão de Duração. Assim, é preciso ressaltar que os indivíduos desta amostra tiveram alteração em pelo menos um dos testes apresentados. O mecanismo fisiológico de atenção seletiva encontrou-se normal nessa amostra, verificado através dos testes Fala com Ruído Branco e Dicótico de Dissílabos alternados.

Critérios de inclusão

Adolescentes na faixa etária de 12 a 15 anos, que tiveram alteração do processamento auditivo e assimetria nas porcentagens de acertos entre as orelhas no teste dicótico de dissílabos alternados (SSW); esta assimetria variou com um valor mínimo de 2,5% e máximo de 17,5% entre as orelhas (diferença mínima de um e diferença máxima de sete itens) e foi observada em todos os indivíduos, pois foi através desta assimetria, que foi escolhida a orelha com menor porcentagem de acertos para ser treinada.

Critérios de exclusão

Indivíduos que possuam distúrbio do processamento auditivo, que já tenham realizado treinamento auditivo, trocas na fala, perda auditiva e evidência de comprometimento cognitivo.

Avaliação dos processos auditivos de Atenção Seletiva e Processamento temporal por meio de Testes Comportamentais

O material utilizado para realização da avaliação do processamento auditivo foram os CDs integrantes do livro: Processamento Auditivo Central: Manual de Avaliação13, RGDTdetecção de intervalos aleatórios da Auditec14 e Padrão de duração, proposto por Musiek15. Foram realizados testes comportamentais de rotina disponíveis para a avaliação do processamento auditivo em três momentos: pré-treinamento auditivo, denominado momento T0, na metade do treinamento auditivo, isto é, após quatro sessões denominado T1, e após terminar o treino de oito sessões, instante pós-treinamento auditivo, denominado momento T2. Optou-se por reavaliar no meio e no fim do treinamento auditivo, a fim de observar se o treinamento auditivo estava sendo eficaz. Os testes foram apresentados de forma resumida quanto às habilidades auditivas avaliadas:

  • • Habilidade de Fechamento: Teste de Fala com Ruído Branco (FRB): O teste foi aplicado na forma monótica.O critério de normalidade foi maior ou igual a 70% de acertos e a diferença entre o IPRF com gravação e FRB menor que 20%13.

  • • Habilidade auditiva de Figura-fundo para sons verbais: O teste foi aplicado na forma dicótica. Teste SSW (dicótico de dissílabos alternados): O critério de normalidade para amostra foi maior ou igual a 90% na orelha direita e na orelha esquerda, efeito auditivo [-4 a +4] e efeito de ordem [-3 a +3] e o indivíduo pode ter no máximo um inversão13.

  • • Habilidade de resolução temporal: O teste foi aplicado na forma binaural.Teste Detecção de Gaps Aleatórios (RGDT - Random Gap Detection Test): O critério de normalidade para esta amostra foi menor ou igual a 10 ms14.

  • • Habilidade de ordenação temporal de sons breves e sucessivos: O teste foi aplicado na forma binaural. Teste Padrão de Duração (TPD- Musiek): O critério de normalidade para esta amostra foi maior ou igual a 83% de acertos15.

Intervenção terapêutica - Treinamento auditivo

O Treinamento auditivo acusticamente controlado proposto neste estudo foi uma adaptação do treinamento DIID (Dichotic Interaural Intensity Difference ), organizado em oito sessões, realizadas em uma vezou duas vezes por semana. Cada sessão teve duração de 50 minutos16. O material empregado para realização do treinamento auditivo foram os CDs integrantes do livro: Processamento Auditivo Central: Manual de Avaliação13 e a lista de sentenças em português17. Foram selecionados testes dicóticos devido à abordagem escolhida. A dificuldade de cada tarefa do treinamento em cabina foi regulada para cada teste e para cada sessão com o objetivo de manter o índice de sucesso versus erro aproximado de 70/30%8. Os procedimentos de treinamento foram agendados de forma que o mesmo tipo de tarefa raramente fosse utilizado em sessões seguidas. O cronograma das sessões de treinamento auditivo e as atividades propostas em cada uma delas foram descritas para facilitar a compreensão leitora do que foi realizado por ordem de realização desde a primeira sessão (Quadro 1).

Quadro 1:
Descrição das sessões do Treinamento auditivo

Reavaliação comportamental

Nas sessões de reavaliação (momento T1 e T2), os indivíduos foram submetidos aos mesmos procedimentos descritos nos itens Avaliação do Processamento Auditivo.

Método estatístico

A análise dos resultados foi realizada por um profissional capacitado, por meio de testes não paramétricos e estatística descritiva. Os testes utilizados foram o teste de Mann-Whitney , teste de Friedman e teste de Wilcoxon . Foi adotado um nível de significância de 0,12 (12%). Utilizou-se um erro estatístico acima do que é utilizado geralmente (5%), pois se trata de uma baixa amostragem (<30 sujeitos). Vale ressaltar que os intervalos de confiança foram construídos com 95% de confiança estatística.

RESULTADOS

Em um primeiro momento, a população foi dividida em três grupos segundo o mecanismo fisiológico alterado: GASPT - seis indivíduos com alteração na atenção seletiva e no processamento temporal; GAS - seis indivíduos com alteração exclusiva na atenção seletiva; GPT - sete indivíduos com alteração exclusiva no processamento temporal. Metade dos indivíduos de cada grupo recebeu uma sessão por semana e a outra metade recebeu duas sessões por semana.

As médias das idades (em anos) ficaram próximas entre os grupos, sem diferença estatística. A média no GASPT foi de 13,00, no GAS de 13,83 e no GPT de 13,57.

Houve diferença estatística no FRB em todos os grupos (Tabela 1), quando comparamos todos os momentos entre si, T0, T1 e T2, tanto na orelha direita quanto na orelha esquerda, com exceção da comparação entre o momento T1 e T2 do grupo GPT, na orelha esquerda, que teve tendência à significância.

Tabela 1:
Estatística descritiva para os acertos no teste de fala no ruído branco orelha direita e esquerda e valor de p calculado para a comparação por meio do teste de Friedman e comparação entre os momentos da intervenção por meio do teste de Wilcoxon

O desempenho no teste FRB melhorou após o treinamento em ambas as orelhas nos três grupos.

Houve melhora do desempenho no reconhecimento de fala de palavras de baixa previsibilidade, teste SSW após a intervenção, com significância estatística em todos os grupos (Tabela 2), tanto na orelha direita quanto na orelha esquerda.

Tabela 2:
Estatística descritiva para os acertos no teste dicótico de dissílabos alternados orelha direita e esquerda e valor de p calculado para a comparação por meio do teste de Friedman e comparação entre os momentos de intervenção por meio do teste de Wilcoxon

Houve diferença estatística (Tabela 3) nas respostas do RGDT em todos os grupos, quando comparamos todos os momentos entre si, T0, T1 e T2, portanto, todos os pacientes tiveram uma melhora significativa neste teste. A maior mudança no limiar e acuidade temporal ocorreu após oito sessões de treinamento.

Tabela 3:
Estatística descritiva para a média do teste de detecção de gaps aleatórios e valor de p calculado para a comparação por meio do teste de Friedman e comparação entre os momentos da intervenção por meio do teste de Wilcoxon

Houve diferença estatística (Tabela 4) no TDP humming e nomeação em todos os grupos, quando comparamos todos os momentos entre si, T0, T1 e T2. Todos os pacientes tiveram uma melhora significativa nestes testes. A maior mudança do desempenho ocorreu após oito sessões de TAAC.

Tabela 4:
Estatística descritiva para a porcentagem de respostas no teste padrão de duração humminge teste padrão de duração nomeação e valor de p calculado para a comparação por meio do teste de Friedman e comparação entre os momentos da intervenção por meio do teste de Wilcoxon

Foi mostrado o estudo das habilidades auditivas treinadas (figura-fundo), bem como aquelas que não participaram do TAAC proposto nesse estudo: fechamento, resolução temporal e ordenação temporal.

As habilidades auditivas foram classificadas em normais ou alteradas e foi realizada a análise estatística com o teste de Igualdade de Duas Proporções complementado pelo teste de Wilcoxon , quando necessário (Quadro 2).

Quadro 2:
Ocorrência das habilidades auditivas classificadas em normais e alteradas

Na habilidade de fechamento (FRB), todos os indivíduos no GASPT e GAS tinham esta habilidade alterada no momento T0, e ao fim da intervenção, no momento T2, todos alcançaram a normalidade. Nota-se que no momento T1, a maioria dos indivíduos desses dois grupos encontrava-se com esta habilidade normal.

Na habilidade de figura-fundo (SSW), todos os indivíduos no GASPT e GAS tinham esta habilidade alterada no momento T0, e ao fim da intervenção, no momento T2, todos alcançaram a normalidade.

Na habilidade de resolução temporal (RGDT), todos os indivíduos no GASPT e a maioria no GPT tinham esta habilidade alterada no momento T0, e ao fim da intervenção, no momento T2, mais da metade desses dois grupos, alcançaram a normalidade.

Na habilidade de ordenação temporal (TPD humming ), todos os indivíduos no GASPT e no GPT tinham esta habilidade alterada no momento T0, e ao fim da intervenção, no momento T2, metade do GASPT e cerca de metade do GPT alcançaram a normalidade.

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos, quanto à evolução das habilidades auditivas de figura-fundo, fechamento, ordenação e resolução temporal após uma intervenção que priorizou a habilidade de figura-fundo em tarefa de escuta dicótica com sons verbais e não verbais, foram analisados criticamente comparando-os, sempre que possível, com outros estudos realizados.

Quanto à função de atenção seletiva medida pelo desempenho na percepção de fala no ruído, foi realizada a análise comparativa em diferentes momentos do treinamento auditivo, antes (T0), no meio (T1) e no final (T2) e verificamos melhora à medida que o número de sessões aumentou com significância estatística em todos os grupos: GASPT, GAS e GPT.

Estes resultados obtidos se aproximaram daqueles encontrados na literatura, nos trabalhos de Zalcman e Schochat18 e Alonso e Schochat19, que realizaram treinamento auditivo em escolares, de 8 a 16 anos, com distúrbio de processamento e também utilizaram o FRB para avaliar a habilidade de fechamento pré e pós-treinamento. O treinamento auditivo melhorou a habilidade de fechamento no presente estudo e nos outros estudos. Faz-se necessário observar que nesse estudo não foi trabalhada a habilidade de fechamento nas sessões de treinamento, diferente dos outros estudos que constam na literatura, pois esses focaram nas habilidades que se encontravam alteradas. Portanto, o treinamento auditivo envolvendo tarefas dicóticas se mostrou eficaz na habilidade não treinada de fechamento para essa pesquisa.

Quanto à função de atenção seletiva, medida pelo desempenho no SSW, foi realizada a análise comparativa em diferentes momentos do treinamento auditivo, antes (T0), no meio (T1) e no final (T2) e verificamos melhora à medida que o número de sessões aumentou com significância estatística em todos os grupos: GASPT, GAS e GPT.

Os resultados obtidos nessa análise mostraram uma evolução na habilidade de figura-fundo, após o treinamento, assim como aqueles encontrados na literatura nos trabalhos de Zalcman e Schochat18, Alonso e Schochat19, Cruz, Andrade e Gil20 e Filippini, Brito, Lobo e Schochat21, que aplicaram o treinamento auditivo em escolares e adultos com distúrbio de processamento e, também, utilizaram o SSW para avaliar a habilidade de figura-fundo pré e pós-treinamento. O treinamento auditivo melhorou a habilidade de figura-fundo no presente estudo e nos outros estudos.

No presente estudo, todos os pacientes melhoraram seu desempenho do teste SSW, em ambas as orelhas, o que foi constatado no estudo que envolvia treinamento auditivo com dicóticos, priorizando a pior orelha, realizado por Musiek11; no estudo verificou-se que apesar de treinar a orelha que tinha o pior desempenho (na etapa de separação binaural), ocorreu também, uma melhora da orelha não treinada, que pode ser verificado através dos testes de escuta dicótica.

Quanto à função de processamento temporal medida pelo desempenho no RGDT, foi realizada a análise comparativa em diferentes momentos do treinamento auditivo, antes (T0), no meio (T1) e no final (T2) e verificamos melhora à medida que o número de sessões aumentou com significância estatística em todos os grupos: GASPT, GAS e GPT.

Não foram encontrados dados na literatura que avaliassem a habilidade de resolução temporal sob a intervenção de um treinamento auditivo em escolares com distúrbios de processamento, porém no estudo de Marangoni e Gil22 comadultos que foram submetidos ao treinamento auditivo formal, após traumatismo cranioencefálico, esses foram avaliados e reavaliados no teste RGDT e mostraram uma melhora. Em um estudo de caso de Hurley e Hurley23 sobre um paciente com a síndrome de Landau-Kleffner, que foi submetido à terapia de linguagem e sessões de treinamento auditivo, este também teve melhora no RGDT. Apesar da população desses estudos supracitados, diferirem, eles corroboram com o atual estudo, pois houve uma evolução da habilidade resolução temporal pós-treinamento auditivo.

Quanto à função de processamento temporal medida pelo desempenho no TPD, foi realizada a análise comparativa em diferentes momentos do treinamento auditivo, antes (T0), no meio (T1) e no final (T2) e verificamos melhora à medida que o número de sessões aumentou com significância estatística em todos os grupos: GASPT, GAS e GPT.

Esses resultados obtidos mostraram uma evolução no TPD após o treinamento, assim como consta na literatura, no trabalho de Cruz, Andrade e Gil20. O treinamento auditivo melhorou a habilidade de ordenação temporal no presente estudo e no outro estudo. Vale ressaltar que nesse estudo não foi trabalhada a habilidade de ordenação temporal nas sessões de treinamento, diferente do estudo que consta na literatura, pois o estudo da literatura focou nas habilidades que se encontravam alteradas.

Os dados do presente estudo corroboram com os resultados encontrados na literatura especializada, nos estudos de Zalcman e Schochat18, Alonso e Schochat19, Cruz, Andrade e Gil20 e Filippini, Brito, Lobo e Schochat21que verificaram o efeito do treinamento auditivo em crianças/adultos com distúrbio de processamento auditivo. Nesta pesquisa, encontramos diferença estatisticamente significante quando comparamos a avaliação do processamento auditivo realizada antes, no meio e após o treinamento auditivo, havendo melhora em todos os testes. Essa melhora está relacionada à capacidade do sistema nervoso central em ocasionar mudanças devido à estimulação ambiental, e essa capacidade é definida como plasticidade neural5.

Este tipo específico de treinamento mostrou melhora na habilidade treinada de figura-fundo e nas não treinadas de fechamento, resolução e ordenação temporal no presente estudo, assim como consta na literatura, no trabalho de Musiek e Schochat24, porém, no estudo comparativo, o treinamento auditivo proposto, treinou a pior orelha em tarefas dicóticas, baseado no DIID e, também, trabalhou outras habilidades como localização, resolução temporal e ordenação temporal em escolares.

Nesse trabalho também se levou em conta a classificação das habilidades auditivas quanto à normalidade.

Na habilidade de fechamento, avaliado pelo FRB, 12 voluntários que apresentaram alteração nessa habilidade (voluntários de GASPT e GAS) melhoraram e normalizaram, correspondendo a 100% de melhora. Os demais participantes que estavam alocados no grupo GPT (sete indivíduos) já apresentavam essa habilidade normal no início da pesquisa. Após as quatro primeiras sessões, 75% dos indivíduos desses dois grupos se encontravam com essa habilidade normal.

Houve uma melhora e normalização em todos os indivíduos que tinham a habilidade de fechamento alterada. O reconhecimento da fala no ruído é uma tarefa que demanda o uso da atenção seletiva, pois o ouvinte precisa focar a atenção na mensagem principal, enquanto tenta ignorar a informação não relevante. A hipótese levantada é que houve uma generalização desta habilidade, pois treinando a escuta dicótica, o ouvinte conseguiu focar mais a atenção na mensagem principal, conseguindo relevar o ruído competitivo, realizando o fechamento auditivo.

Na habilidade de figura-fundo, avaliado pelo SSW, os 12 voluntários (100%) alocados no GASPT e GAS melhoraram e normalizaram após as oito sessões.

Na literatura3 18 consta que podem ocorrer três tipos de plasticidade no sistema auditivo: a plasticidade desenvolvimental, a plasticidade compensatória, que resulta de uma lesão ocorrida no sistema auditivo e a plasticidade relacionada à aprendizagem. A plasticidade ocorrida nesse estudo em relação à melhora da habilidade de figura-fundo foi à relacionada com a aprendizagem, pois os voluntários foram submetidos a um programa de treinamento com estímulos dicóticos.

Esta melhora da habilidade auditiva não treinada fechamento e treinada de figura-fundo pode ser relacionada com a ideia defendida por Musiek e Berge25, em que a evolução das habilidades auditivas provavelmente surgiu como resposta à influência ambiental previamente determinada e modificada de maneira desejada, que levou a uma mudança neural. Portanto, o treinamento auditivo foi capaz de estimular as estruturas neurais relacionadas ao desempenho das habilidades auditivas de fechamento e figura-fundo, beneficiando os indivíduos que tinham alteração nessas habilidades.

Na habilidade de resolução temporal, avaliado pelo RGDT, mais da metade dos indivíduos alocados no GASPT (100% com alteração na resolução temporal) e GPT (85,71% com alteração da resolução) melhoraram e normalizaram após as oito sessões.

Na habilidade de ordenação temporal, avaliado pelo TPD humming , cerca da metade dos indivíduos dentre 13 alocados no GASPT e GPT melhoraram e normalizaram após oito sessões; no TPD nomeação, 38,46% dos 13 integrantes do GASPT e GPT melhoraram e normalizaram após as oito sessões. Vale lembrar que no GASPT os seis integrantes apresentaram alteração de ordenação temporal/nomeação e humming e no GPT os sete participantes mostraram alteração de ordenação/nomeação e humming .

As habilidades não treinadas de resolução e ordenação temporal melhoraram em alguns indivíduos, porém não atingiram a normalidade esperada para quem possuía alteração no mecanismo fisiológico de processamento temporal. Não houve generalização das habilidades de resolução e ordenação temporal com o treinamento auditivo de escuta dicótica. O processamento temporal está relacionado à percepção de fala, dificuldades em perceber mudanças rápidas no sinal acústico, podem influenciar na percepção do fonema e, posteriormente, no reconhecimento da fala26. Uma das funções mais básicas e importantes do sistema nervoso está relacionada com o processamento temporal, que é a tarefa de sequencializar estímulos27. Deste modo, essas habilidades temporais não podem ser generalizadas apenas treinando estímulos dicóticos, é necessário que o treinamento de um indivíduo com alteração no processamento temporal, envolva todas as habilidades auditivas que se encontram alteradas.

De acordo com os resultados obtidos, pode-se notar que esse programa de treinamento auditivo pode não ser totalmente eficaz em todos os pacientes, uma vez que nem todos os indivíduos dos grupos que tinham alteração no processamento temporal (GASP e GPT) alcançaram os critérios de normalidade esperados para sua faixa etária. Esse fato demonstra que somente sessões com escuta dicótica não foram suficientes para adequar todas as necessidades de alguns indivíduos, que apresentam alteração no mecanismo fisiológico de processamento temporal.

Na literatura especializada compulsada até o encerramento da busca de artigos científicos não foram encontradas pesquisas similares para comparação dos resultados.

Este estudo teve suas limitações, já que não foram treinadas as habilidades de fechamento, resolução e ordenação temporal e parte dos voluntários que tinham alteração no processamento temporal não atingiram o padrão de normalidade esperado. Consta na literatura que o treinamento auditivo promove a plasticidade7 8, porém, não é só o treinamento auditivo isolado ou focado apenas em uma habilidade auditiva que trará maiores benefícios ao indivíduo. Há necessidade de uma abordagem geral no treinamento auditivo, visando reabilitar todas as habilidades auditivas alteradas.

Outra limitação foi a realização de tarefas para casa. No início do estudo foram desenvolvidas tarefas para os voluntários realizarem em casa, porém, a maioria dos pais e responsáveis alegaram que trabalhavam o dia todo e não conseguiriam ter um controle de que os menores estariam realizando tais tarefas, sendo assim descartado o estudo dessas tarefas.

Sobre desempenho da amostra total com destaque em cada uma das oito sessões, enfatizamos a amostra total predominantemente e não nos detivemos nos tipos de grupos. Em relação ao desempenho nas sessões de treinamento auditivo, os grupos tiveram média de acertos acima do esperado. Nas quatro primeiras sessões, que foram trabalhados estímulos com números, onomatopeias e frases (separação binaural), todos os grupos tiveram médias acima de 90% de acertos. A quinta e sexta sessão, realizadas com estímulos de sílabas, foram mais desafiadoras, os grupos tiveram médias acima de 69%.Na sétima sessão, com estímulos de números, etapa de integração binaural, os grupos tiveram médias acima de 80%; na primeira etapa da oitava sessão, com estímulos de onomatopeias, etapa de integração binaural, os grupos tiveram médias acima de 97%; na segunda etapa da oitava sessão, com estímulos silábicos, etapa de integração binaural, os grupos tiveram médias acima de 48% no primeiro treino e 65% no segundo treino.

Algumas tarefas do treinamento auditivo desse trabalho foram pouco desafiadoras, visto que o índice de sucesso foram maiores do que 70%10, principalmente quando utilizamos estímulos linguísticos com significado. O treinamento constatou que as sílabas foram mais desafiadoras do que os estímulos com dígitos, sons onomatopeicos e frases.

Murphy e Schochat10recomendam manter o índice de sucesso versus erro aproximado de 70/30% que foi verificado no treinamento em escuta dicótica com sílabas. Os demais treinamentos tiveram valores de sucesso superiores a 70%.

Houve uma grande aderência por parte dos indivíduos e de suas famílias, que sempre compareciam pontualmente para realizarem o treinamento, acompanhados de seus responsáveis, e ao final de cada sessão compartilhavam suas opiniões com a terapeuta. Seus responsáveis sempre relatavam melhora quanto aos aspectos atencionais ao longo do treinamento.

Schochat et al.24afirmam que o treinamento auditivo precisa ser intensivo, possuir aderência do paciente e da família que o cerca, ter atividades desafiantes ao sistema nervoso central e ser proveitoso, a fim de manter a motivação do indivíduo, evitando sua frustração.

Assim, verificamos que o treinamento auditivo proposto nesse estudo foi intensivo, teve aderência dos voluntários, e teve atividades desafiadoras do sistema nervoso central. Provavelmente as atividades menos desafiadoras garantiram a motivação do indivíduo, uma vez que diminuíram a frustração do fracasso.

CONCLUSÃO

O treinamento auditivo com destaque na habilidade de figura-fundo em escuta dicótica melhorou e normalizou a habilidade treinada em todos os indivíduos com essa inabilidade, no GASPT e GAS e melhorou e normalizou a habilidade não treinada de fechamento no GASPT e GAS.

As habilidades não treinadas de resolução e ordenação temporal melhoraram em alguns indivíduos com essa inadequação, no GASPT e GPT, porém não atingiram a normalidade esperada.

REFERÊNCIAS

  • 1. Ribas A. Alterações do processamento auditivo e as dificuldades de aprendizagem. J BrasFonoaudiol. 2000;4:16-9.
  • 2. American Speech-Language Hearing Association (ASHA) (2005)[Internet]. (Central) Auditory Processing Disorders [Technical Report]. [cited 2009Jan 20]. Available from: http://www.asha.org/policy
    » http://www.asha.org/policy
  • 3. Musiek FE, Shinn J, Hare C. Plasticity, auditory training, and auditory processing disorders. Semin Hear. 2002;23(4):263-75.
  • 4. Chermak GD. Neurobiological connections are key to APD. Hear J. 2004;57(4):58-9.
  • 5. Pascual-Leone A, Amedi A, Fregni F, Merabet LB. The plastic human brain cortex. Annu Rev Neurosci. 2005;28:377-401.
  • 6. Ohl FW, Scheich H. Learning-induced plasticity in animal and human auditory cortex. CurrOpinNeurobiol. 2005;15(4):470-7.
  • 7. Mahncke HW, Connor BB, Appelman J, Ahsanuddin ON, Hardy JL, Wood RA, et al. Memory enhancement in healthy older adults using a brain plasticity-based training program: a randomized, controlled study. Proc Natl Acad Sci USA. 2006;103(33):12523-8.
  • 8. Musiek FE, Schochat E. Auditory training and central auditory processing disorders: a case study. Semin Hear 1998;19(4):357-66.
  • 9. Vilela N, Wertzner HF, Sanches SGG, Lobo IFN, Carvallo RMM. Processamento temporal de crianças com transtorno fonológico submetidas ao treino auditivo: estudo piloto. J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(1):42-8.
  • 10. Murphy CF, Schochat E. Generalization of temporal order detection skill learning: two experimental studies of children with dyslexia. Braz J Med Biol Res. 2010;13(4):359-66.
  • 11. Musiek FE. The DIID: a new treatment for APD. The Hearing Journal. 2004;57(7):50.
  • 12. Baran J, Shinn J, Musiek FE. New developments in the assessment and management of auditory processing disorders. Audiological Medicine. 2006;4(1):35-45.
  • 13. Pereira LD, Schochat E. Processamento auditivo central: manual de avaliação. São Paulo: Lovise, 1997. p.83-231.
  • 14. Keith R. Random gap detection test. St. Louis, MO: Auditec; 2000.
  • 15. Musiek, FE. Frequency (pitch) and duration patterns tests J Am Acad Audiol. 1994;5(4):265- 8.
  • 16. Ziliotto ZN, Pereira LD. Estimulação auditiva em cabina acústica: relato de caso. In: Pereira LD, Azevedo MF, Machado LP, Ziliotto KN, editors. Processamento auditivo: terapia fonoaudiológica. Uma abordagem de reabilitação.; São Paulo: Lovise 2007.
  • 17. Costa MJ. Lista de sentenças em português: apresentação & estratégias de aplicação na audiologia. Santa Maria: Pallotti; 1998. p. 44.
  • 18. Zalcaman TE, Schochat E. A eficácia do treinamento auditivo formal em indivíduos com transtorno de processamento auditivo. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):310-4.
  • 19. Alonso R, Schochat E. The efficacy of formal auditory training in children with (central) auditory processing disorder: behavioral and electrophysiological evaluation. Braz J Otorhinolaryngol. 2009;75(5):726-32.
  • 20. Cruz ACA, Andrade AN, Gil D. Effectiveness of formal auditory training in adults with auditory processing disorder. Rev. CEFAC. 2013;15(6):1427-34.
  • 21. Filippini R, Brito NFS, Lobo IFN, Schochat E. Manutenção das habilidades auditivas pós treinamento auditivo. Audiol Commun Res. 2014;19(2):112-6.
  • 22. Marangoni AT, Gil D. Avaliação comportamental do processamento auditivo pré e pós treinamento auditivo formal em indivíduos após traumatismo cranioencefálico. Audiol Commun Res 2014;19(1):33-9.
  • 23. Hurley A, Hurley RM. Auditory Remediation for a Patient with Landau-Kleffner Syndrome: A Case Study. Journal of Educational Audiology. 2009;15:74-83.
  • 24. Schochat E, Musiek FE, Alonso R, Ogata J. Effect of auditory training on the middle latency response in children with (central) auditory processing disorder. Braz J Med Biol Res 2010;43(8):777-85.
  • 25. Musiek FE, Berge B. A neuroscience view of auditory training/ stimulation and central auditory processing disorders. In: Masters M, Stecker N, Katz J. Central auditory processing disorders: mostly management. Boston: Allyn& Bacon; 1998. p. 15-32.
  • 26. Tallal P, Newcombe F. Impairment of auditory perception and language comprehension in dysphasia. Brain Lang. 1978;5(1):13-34.
  • 27. Pinheiro ML, Musiek FE. Sequencing and temporal ordering in the auditory system. In: Keith RW. Assessment of central auditory dysfunction foundations and clinical correlates. Baltimore: Willians & Wilkins; 1985. p. 219-38.
  • 1
    Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP - São Paulo (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2015

Histórico

  • Recebido
    30 Nov 2014
  • Aceito
    16 Abr 2015
location_on
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Al. Jaú, 684, 7º andar, 01420-002 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax 55 11 - 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@codas.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro