Open-access Características da voz falada de idosas com prática de canto coral

RESUMO

Introdução  Apesar dos vários estudos relacionados à voz na terceira idade e o canto, ainda são necessárias pesquisas que busquem entender os efeitos dessa prática na voz falada de idosos.

Objetivo  comparar as características da voz falada de idosas com prática de canto coral às de idosas sem essa vivência.

Método  fizeram parte deste estudo 75 idosas, sendo 50 com prática de canto coral que compuseram o grupo corista (GC) e 25 sem essa prática (GNC), que foram comparadas. Para caracterização das idosas e levantamento de dados referentes aos hábitos de vida e voz, foi aplicado um questionário. Foram coletadas amostras de fala (vogal sustentada, repetição de frases e um trecho de fala espontânea) em uma sala silenciosa com as idosas sentadas. As vozes foram analisadas por três juízes fonoaudiólogos segundo o protocolo Consensus Auditory–Perceptual Evaluation of Voice (CAPE-V). Os dados foram submetidos à análise descritiva e estatística.

Resultados  as vozes das idosas do GNC apresentaram aumento significativo nos escores relacionados à alteração do grau geral e presença de rugosidade e tensão.

Conclusão  A análise das características da voz falada de idosas coristas, quando comparada a daquelas que não realizam essa prática, apontou para melhor qualidade vocal no aspecto geral, em decorrência de menor rugosidade e tensão.

Descritores:  Envelhecimento; Voz; Idoso; Canto; Qualidade de Vida

ABSTRACT

Introduction  Despite several studies related to singing and aging voice found in the literature, there is still the need for investigation seeking to understand the effects of this practice in the speaking voice of the elderly.

Objective  To compare the characteristics of the speaking voice of elderlies with experience in choral singing with those of elderlies without this experience.

Method  Participants were 75 elderly women: 50 with experience in choral singing - group of singers (SG) and 25 without experience - group of nonsingers (NSG). A questionnaire was applied to characterize the elderly and collect data with respect to lifestyle and voice. Speech samples (sustained vowels, repetition of sentences, and running speech excerpts) were collected in a quiet room in sitting position. The voices were analyzed by three expert speech-language pathologists according to the protocol Consensus Auditory-Perceptual Evaluation of Voice (CAPE-V). Data were submitted to descriptive and statistical analysis.

Results  The voices of elderly nonsingers (NSG) showed significant increase in scores related to the overall degree of deviance and presence of roughness and strain.

Conclusion  Analysis of the aspects of the speaking voice of subjects in the SG, compared with that of subjects in the NSG, showed better overall degree of deviance due to lower roughness and strain.

Keywords:  Aging; Voice; Elderly; Singing; Quality of Life

INTRODUÇÃO

As modificações que acontecem no organismo como um todo ocorrem também nas estruturas da laringe que estão envolvidas na fonação, que podem levar a características específicas do envelhecimento da voz, a denominada presbifonia. A presbifonia pode interferir no papel desempenhado pelo indivíduo idoso na sociedade(1,2).

As principais alterações vocais da presbifonia comumente citadas na literatura são: rouquidão, tensão, instabilidade e soprosidade(1,3-6). A frequência fundamental também sofre alterações com o aumento da idade. Na mulher tende a diminuir, principalmente no período pós-menopausa(5,7,8). A intensidade vocal igualmente apresenta tendência à diminuição devido ao arqueamento das pregas vocais, à dificuldade no controle muscular da laringe e à limitação respiratória decorrentes do processo de envelhecimento normal(1,7,9-11).

Existem inúmeras iniciativas adotadas por grupos de terceira idade para a interação social e desenvolvimento cultural dos idosos, como ginástica, pintura, costura e entre elas o canto coral. De modo específico, o canto coral possibilita a humanização e socialização, devido à vivência em grupo que estimula a relação com o outro e com a comunidade em que está inserido(12-14). Além disso, o idoso que participa é estimulado a se manter ativo ao realizar uma atividade prazerosa que desenvolve sua autoestima e valoriza sua individualidade.

Pesquisas indicam que o canto coral pode ser um aliado também na promoção do bem-estar vocal da terceira idade(15-21). Isto porque essa prática proporciona orientações a respeito dos hábitos prejudiciais à saúde vocal e desencoraja os indivíduos a cometê-los além de estimular a realização de hábitos saudáveis. Por exemplo, a demanda vocal intensa do canto incentiva o aumento do consumo de água, o que é considerado uma medida de promoção de saúde por evitar o desgaste das estruturas da laringe. Na maioria das vezes, o canto contribui para levar o indivíduo a apresentar mais cuidados quanto ao bem-estar vocal, sendo considerado, portanto, como uma ação de prevenção, uma vez que permite o acesso às informações(2,22-24).

Vale ressaltar que o canto desenvolve no indivíduo que o pratica um maior suporte respiratório, equilíbrio da ressonância e modulação de intensidade, além de aumentar a tessitura vocal, algo que pode ser considerado excelente para o idoso, uma vez que uma das características da presbifonia é uma voz monótona que utiliza menos notas musicais(24-26).

No entanto, existem diferenças quanto à voz falada e cantada que devem ser levadas em consideração: no canto a respiração é programada de acordo com as frases musicais; a extensão vocal utilizada é maior; a intensidade mais forte e menos constante que para a fala; a ressonância é alta, com maior participação do trato vocal e a qualidade vocal é mais estável e rica em harmônicos(25). Apesar dos vários estudos sobre a voz do idoso e por considerar a dissociação entre os dois tipos de uso vocal, na fala e no canto, são necessárias pesquisas que busquem entender as implicações da prática do canto especificamente na voz falada de idosos e na forma como a escutamos(21).

O objetivo do presente estudo foi comparar os parâmetros vocais da fala de idosas com prática de canto coral às de idosas sem essa vivência.

MÉTODO

Esta pesquisa, de natureza prospectiva e transversal, foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o número CAEE: 07252712.7.0000.5482. Todos os sujeitos aceitaram participar de forma voluntária, foram informados sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido.

Casuística

Os critérios utilizados para inclusão dos sujeitos neste estudo foram:

  • Ser do sexo feminino;

  • Ter idade igual ou superior a 60 anos, idade essa que define a faixa etária de idoso para países em desenvolvimento, segundo proposto pela Organização Mundial de Saúde;

  • Estar em bom estado de saúde no dia da coleta de dados, segundo informação da participante;

  • Não ser fumante e, no caso das idosas ex-fumantes, ter parado de fumar há mais de 10 anos;

  • Não apresentar alteração vocal, segundo informação da participante.

Ao serem questionadas sobre tratamentos e cirurgias na laringe, uma participante referiu ter realizado tireoidectomia no passado e foi excluída da amostra.

Participaram do estudo 75 mulheres, sendo 50 idosas com prática de canto coral há no mínimo um ano, que compuseram o grupo corista (GC) e 25 idosas sem essa prática, grupo de não coristas (GNC), para composição do grupo controle, pareadas quanto à idade em relação ao grupo GC. A média de idade das participantes foi de 71 anos (dp=5,2), mediana 70 e a idade variou entre 63 e 82 anos.

Fizeram parte do GC mulheres idosas pertencentes aos corais Vozes de Ouro, da Fundação Mokiti Okada; Canto En-Canto; Encantus, do Centro de Convivência do Idoso da Prefeitura Municipal de Pirapozinho-SP; coral do Centro de Referência de Assistência Social da Prefeitura Municipal de Tarabai-SP e coral da Associação de Professores Aposentados do Magistério do Estado de São Paulo da cidade de Presidente Prudente-SP.

A seleção do GNC foi realizada com idosas que participavam de atividades voltadas para a terceira idade que não envolvesse o uso da voz cantada. Foram excluídas as idosas que referiram apresentar nódulos em pregas vocais e as que referiram fazer parte de grupo de teatro, em que realizavam treinamento vocal.

A caracterização das idosas participantes deste estudo quanto ao trabalho realizado no passado revelou que no GC 90% e no GNC 88% das idosas referiram ter exercido atividades profissionais no passado. Considerando a classificação nacional de profissões divulgada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, pode-se dizer que 26% das idosas participantes do GC eram especialistas de profissões intelectuais e científicas (em sua maioria professoras): 26% de pessoal de serviços e vendedoras; 22% de pessoal administrativo e similares; 8%, agricultoras; 6%, operárias; e 4% de trabalhadoras não qualificadas.

No GNC, pode-se dizer que 36% das idosas participantes eram especialistas de profissões intelectuais e científicas (em sua maioria professoras): 24%, operárias, 12% de pessoal administrativo e similares; 12%, trabalhadoras não qualificadas; 4% de pessoal de serviços e vendedoras; e três idosas que referiram nunca ter realizado atividades fora do lar (12%).

Quanto às atividades profissionais que ainda são exercidas, o GC apresentou 8% de especialistas de profissões intelectuais e científicas, 10% de pessoal administrativo e similares e 6% de pessoal de serviços e vendedores, o que correspondeu a 24% da amostra. O GNC apresentou 8% de trabalhadoras não qualificadas, 8% de pessoal de serviços e vendedoras e 4% de pessoal administrativo e similares, o que também correspondeu a 24% da amostra.

O tempo médio de participação em corais, das participantes do GC, foi de cinco anos e oito meses (dp=8,7 anos) e variou entre um e 58 anos. A média de prática semanal de canto coral foi de três horas e meia (dp=1,9 horas) e variou entre duas e dez horas.

Procedimentos

Para caracterização dos sujeitos deste estudo, foi aplicado um questionário, baseado na pesquisa de Paes(27). Dele fizeram parte questões relacionadas à caracterização da amostra como: idade, atividade profissional pregressa e hábitos referentes ao bem-estar vocal, exemplo: hidratação, hábito de pigarrear, tossir, falar alto e gritar; e aspectos vocais como: dificuldades, cansaço, modificação vocal com o tempo e, por fim, mencionar uma palavra que descrevesse a própria voz. Exclusivamente para o GC, foram apresentadas questões referentes ao tempo de participação em corais, quantas horas por semana e se existia alguma dificuldade percebida no canto. As perguntas foram lidas e registradas pela pesquisadora.

A coleta de amostra de fala foi realizada em uma sala silenciosa, porém sem controle do ruído externo, na qual as idosas se mantiveram sentadas. Foi solicitada emissão da vogal /a/ de maneira sustentada, um trecho de fala espontânea realizada a partir da solicitação “Diga como está sua voz” e repetições das sentenças: Érica tomou suco de pera e amora; Agora é hora de acabar; Sônia sabe sambar sozinha; Minha mãe namorou um anjo; Olha lá o avião azul; Papai trouxe pipoca quente. As participantes foram orientadas a realizá-las em frequência, intensidade e velocidade habituais.

É válido destacar que todas as coletas da amostra de fala foram realizadas no período da tarde e, no caso das idosas cantoras, durante os ensaios do coral que integravam.

Esse material foi gravado por meio de gravador da marca Sony®, modelo ICD-PX312/PX312F e de microfone que acompanha o programa Vocalgrama®, posicionado a 45° e cinco centímetros de distância da boca dos indivíduos.

Três juízes fonoaudiólogos com no mínimo 3 anos de experiência, que realizaram cursos de especialização na área de voz, analisaram, segundo o protocolo CAPE-V (Consensus Auditory–Perceptual Evaluation of Voice – ASHA, 2003)(28), os parâmetros: grau geral, rugosidade, soprosidade, tensão, pitch, loudness e ressonância, acrescido do aspecto referente à instabilidade, uma vez que esse pode estar alterado na voz do idoso.

Nesse instrumento, cada parâmetro é avaliado por meio de marcação analógica em centímetros (0 a 10 cm). Para avaliação da ressonância, é solicitado que a juíza use um termo para defini-la.

Os juízes receberam um caderno de respostas e as gravações editadas, sabendo que eram vozes de idosas. Foram instruídos para que a avaliação considerasse todas as amostras de fala obtidas (vogal sustentada, trecho de fala espontânea e frases).

Foram ainda selecionadas, de forma aleatória, dez amostras de fala para serem entregues repetidas às juízas (5 do grupo GC e 5 do grupo GNC). Dessa forma, poderia ser realizada a análise da reprodutibilidade das respostas, para que fosse possível calcular a confiabilidade de cada juíza.

Análise dos dados

Os dados de caracterização da amostra e das perguntas dirigidas especificamente para as idosas cantoras foram analisados de forma descritiva. As questões referentes aos hábitos e aspectos vocais foram analisadas de maneira comparativa entre os grupos.

As amostras de fala que foram repetidas na avaliação perceptivo-auditiva dos juízes foram submetidas à análise de reprodutibilidade, sendo que, nas variáveis quantitativas, foi utilizado o coeficiente de correlação intraclasse (rcci) e, nas variáveis qualitativas, o coeficiente de Kappa (k). A partir dessa análise, selecionou-se a juíza que apresentou maior concordância nas respostas, apresentando altos valores para o rcci e para o coeficiente de Kappa na maioria das variáveis analisadas (Quadros 1 e 2).

Quadro 1
Coeficiente de correlação intraclasse, segundo juízas
Quadro 2
Coeficiente Kappa, segundo juízas

Para comparação estatística do GC e do GNC, primeiramente realizou-se a análise descritiva dos dados por meio de frequências absolutas e relativas, medidas de tendência central (média e mediana) e dispersão (desvio padrão, mínimo e máximo).

Foi aplicado o teste de Kolmogorov-Smirnov para verificar a aderência das variáveis quantitativas à curva normal e, como a maioria dessas não apresentou distribuição normal, utilizou-se o teste não paramétrico de Mann-Whitney para comparação dos grupos. Na análise das variáveis qualitativas, foi aplicado o teste de associação pelo Quiquadrado e, para aquelas que apresentaram valor esperado menor ou igual a 5, foi utilizado o teste Exato de Fisher. Assumiu-se um nível descritivo de 5% (p≤0,05) para significância estatística.

Para as variáveis que apresentaram significância estatística ou valores de p≤20% nos testes descritos acima, foi realizada a análise de regressão logística binária múltipla. Nessa etapa, as variáveis quantitativas foram transformadas em tercis.

Os dados foram digitados em Excel e analisados pelo programa SPSS para Windows versão 17.0.

RESULTADOS

Oito idosas (16%) referiram dificuldades para cantar como falhas na voz, voz “presa”, rouquidão esporádica e desafinação.

Em relação ao consumo de álcool, ambos os grupos não faziam uso.

A Tabela 1 mostra a ocorrência dos hábitos investigados nas idosas participantes deste estudo e observa-se que houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos no que se refere à prática e à frequência de atividade física (AF) e ao consumo de água.

Tabela 1
Distribuição numérica e percentual da prática e frequência de atividade física, hábitos laríngeos prejudiciais à voz e consumo de água, realizado pelas idosas dos grupos GC e GNC

Na Tabela 2, verifica-se que os aspectos referentes a como as idosas percebem a modificação de sua voz com o avanço da idade não apresentaram diferença estatisticamente significativa.

Tabela 2
Distribuição numérica e percentual dos grupos de idosas coristas (GC) e não coristas (GNC), segundo a autopercepção da modificação da voz e as características dessa e resultados das análises estatísticas

Com relação à definição em uma palavra de como percebiam a condição atual da voz, as idosas do GC citaram 10 termos, sendo 7 considerados positivos: metamorfose, clara, calma, boa, bonita, alta e amor. Outros 3 termos, como normal, rouca, aguda. As idosas do GNC citaram 14 termos, sendo 10 deles considerados positivos: calma, forte, macia, sonora, alegre, sentimento, doce, suave, boa e bonita. E outros 4 termos, como normal, rouca, grave, aguda. Não houve diferença significante entre a ocorrência da percepção da voz entre as idosas dos GC e GNC, com exceção do termo grave (18,0% versus 0,0% - p=0,025). Contudo, essa não foi utilizada na análise de regressão logística, pois apresentou valor zero (0) em uma de suas caselas. As ocorrências das percepções da voz no GC e GNC foram respectivamente: normal, 28,0% versus 20,0% (p=0,453); rouca, 10,0% versus 12,0% (p=1,000); aguda 12,0% versus 20,0% (p=0,490); além das características positivas, 32,0% versus 48,0% (p=0,177).

Quanto à análise perceptivo-auditiva das vozes, os valores medianos do grau geral, da rugosidade e da tensão foram superiores para o GNC quando comparados ao GC (Tabela 3).

Tabela 3
Análise descritiva dos parâmetros da avaliação perceptivo-auditiva

Os dados perceptivo-auditivos presentes na Tabela 3 foram transformados em tercis e são apresentados na Tabela 4 para identificar quais categorias apresentaram maior chance de ocorrência do aspecto analisado e se algum extremo poderia apresentar relevância estatística. Mais uma vez os três parâmetros mereceram destaque: grau geral, rugosidade e tensão. Na regressão logística univariada, esse dado se apresenta como fator protetor. Há uma chance menor para o GC de estarem no último tercil de grau geral, ou seja, com maior grau de alteração de voz. Da mesma forma, a rugosidade apresenta maior proporção para as idosas do GNC no último tercil.

Tabela 4
Distribuição numérica e percentual da avaliação perceptivo-auditiva das vozes das idosas do GC e do GNC, apresentados em tercis e resultados das análises estatísticas

A variável tensão apresentou duas direções: o segundo tercil (de 1,9 a 3,0 cm) registrou maior proporção entre as coristas, enquanto o terceiro tercil (de 3,1 a 5,2 cm) foi mais frequente entre as idosas não coristas.

Em relação à ressonância, não foram encontradas associações estatisticamente significativas.

Na Tabela 5, observa-se que, na análise de regressão logística múltipla, os fatores independentes são a rugosidade e o consumo de água. Há menor chance de uma idosa corista apresentar rugosidade entre os valores de 3,9 a 7,6 quando comparada às idosas do GNC. Em relação ao consumo de água, as idosas do GC apresentam uma chance maior de consumirem entre 4 e 7 copos d’água/dia e 8 ou mais copos d’água/dia, quando comparadas às idosas do GNC.

Tabela 5
Análise de regressão logística binária múltipla

DISCUSSÃO

No presente trabalho a maioria das idosas participantes exerceram atividades profissionais ao longo de sua vida (90% do GC e 88% do GNC) e aproximadamente um quarto delas ainda se mantém ativa, participando de atividades destinadas à terceira idade e/ou ainda exercendo suas profissões (24% para ambos os grupos). Esse dado vai ao encontro do último senso divulgado pelo IBGE, que revela que 24% da população de idosos brasileiros ainda trabalha para complementar a renda familiar e manter sua independência financeira.

Pode-se observar que a maioria das idosas do GC iniciou a prática do canto coral na terceira idade, uma vez que a média do tempo de participação foi de cinco anos e oito meses, provavelmente como atividade prazerosa de recreação, fato esse que contribui para ampliar seu círculo social. Cabe lembrar que a taxa de queixas referentes ao canto (16%) pode ser atribuída ao refinamento auditivo realizado na prática do canto coral, fato que melhora a autopercepção dos coristas sobre sua própria voz(12-14).

As idosas coristas podem ainda cometer menos abusos vocais e apresentar maior cuidado com sua voz, quando comparadas ao GNC, devido à prática do canto(2,16,22-24). Tal fato pode ser observado na maior ingestão de água encontrada entre as idosas do GC, que foi significativamente maior que para o GNC, nas categorias mais altas de consumo (Tabela 1).

O GC fez ainda maior referência à prática de atividades físicas, aspecto esse que diferenciou significativamente os dois grupos. Dessa forma, pode-se inferir que o canto é motivador e que encoraja os idosos a serem mais ativos física e socialmente, o que pode influenciar a sua qualidade vocal. Pode também ser apropriado pensar distintamente, ou seja, são os idosos mais ativos que se engajam em diversas atividades pela oportunidade de se relacionarem(12-14,22).

Quanto aos demais aspectos relacionados aos hábitos (pigarrear, tossir, falar alto e gritar) e sintomas vocais (dificuldade e cansaço), esses não ultrapassaram um terço das ocorrências e não foram encontradas diferenças significativas na comparação entre os grupos (Tabelas 1 e 2).

Ao ser solicitado que definissem sua própria voz numa palavra, o termo “grave” foi significativamente mais citado pelo grupo de coristas (18% versus 0% do GNC), dado que corrobora os descritos na literatura quanto à diminuição da frequência fundamental da voz em mulheres com o decorrer do envelhecimento(1,2,4-7). Ressalta-se que a percepção da voz agravada pelas mulheres do GC deve-se à melhor autopercepção desenvolvida pelo canto e por apresentarem uma demanda vocal mais intensa e refinada(17,18,24).

Com relação à análise perceptivo-auditiva da voz falada, foram encontradas diferenças significativas entre os grupos nos aspectos referentes a grau de alteração geral, presença de rugosidade e tensão com registros de valores maiores no GNC (Tabela 3). A característica da voz dos idosos do GNC está de acordo com o proposto em literatura, que aponta para a piora na qualidade vocal com o aumento da idade(1,3). Esses achados vão ao encontro de estudos que indicam que o canto pode ser um aliado na promoção do bem-estar e na prevenção do envelhecimento vocal(15,16,18,19,21-24).

Especificamente para a tensão vocal, pode-se observar que, na análise estatística dos tercis, o resultado apresentou duas direções (Tabela 4). A primeira corresponde ao segundo tercil (1,9 a 3,0 cm), que representa vozes normais, como proposto por Yamasaki et al.(29). Esse apresentou maior proporção no GC (50%) que no GNC (8%), fato que pode estar relacionado ao maior controle laríngeo realizado pelas cantoras, que necessitam de ajustes no trato vocal para a produção da voz cantada, como sugerido por alguns autores(19).

A segunda direção corresponde ao terceiro tercil (3,1 a 5,2 cm), escore similar ao proposto por Yamasaki et al.(29) (3,5 a 5,0 cm), que representa presença de alteração leve a moderada. Nesse tercil as proporções se invertem, sendo mais frequentes para o GNC (60% versus 18% para o GC). Esse dado pode manter relação com um padrão glótico mais tenso, característico do envelhecimento devido a alterações biomecânicas dos tecidos e músculos que contribuem para a diminuição do controle laríngeo, como apontado por Ahamad et al.(9). Dessa forma, o fato parece indicar que o canto estaria retardando o agravo desse aspecto vocal comum em idosos.

Embora a análise estatística não tenha registrado diferença entre os grupos analisados, o parâmetro soprosidade chama a atenção por se tratar de um dos principais estereótipos da voz do idoso(30). Nos grupos analisados, esse parâmetro não caracterizou a voz das idosas.

Com base nos dados apontados, infere-se que o canto pode ter auxiliado no desempenho vocal das idosas do grupo analisado. Dessa forma, fonoaudiólogos e profissionais que cuidam do bem-estar da terceira idade podem encontrar no canto coral um agente de prevenção de distúrbios vocais e um aliado na promoção da saúde.

Entretanto, pode-se indicar como um limite deste estudo a comparação dos grupos ter sido realizada por meio do pareamento entre três idosas, duas com prática de canto coral e outra idosa sem essa vivência. Em condições ideais, seria mais apropriado realizar pareamento um a um, entretanto a dificuldade encontrada foi conseguir a participação de idosas sem a experiência do canto coral. Muitas não demonstraram interesse no estudo, provavelmente por ignorar a importância da voz e por não apresentar uma demanda vocal intensa como as idosas que cantam.

É válido ainda ressaltar que o GC apresentou maior índice de hábitos considerados saudáveis, como a realização de atividades físicas e ingestão de água, que também podem ser um fator de ajuda a retardar os efeitos do envelhecimento e consequentes alterações vocais.

CONCLUSÃO

A análise das características da voz falada de idosas coristas, quando comparada à daquelas não coristas, apontou para melhor qualidade vocal no aspecto geral, em decorrência de menor rugosidade e tensão.

  • Trabalho realizado no programa de Pós-graduação em Fonoaudiologia, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP - São Paulo (SP), Brasil.
  • Fontes de financiamento: Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior – CAPES.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2016

Histórico

  • Recebido
    20 Maio 2015
  • Aceito
    16 Set 2015
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