Open-access Análise acústica do padrão entoacional da fala de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista

RESUMO

Objetivo  Analisar elementos prosódicos de segmentos da fala de escolares com transtorno do espectro autista (TEA) e comparar com grupo controle, por meio de uma análise acústica.

Método  Foram realizadas gravações da fala de uma amostra de indivíduos com TEA (n=19) e com desenvolvimento típico (n=19) do gênero masculino, intervalo: 8-33 anos. Para coleta de dados, utilizou-se como roteiro o questionário de prosódia do ALiB (Atlas Linguístico Brasileiro), que contém frases interrogativas, afirmativas e imperativas. Os dados obtidos foram analisados por meio do software PRAAT e encaminhados para tratamento estatístico com o intuito de verificar possíveis diferenças estatisticamente significantes entre os dois grupos estudados em cada parâmetro prosódico avaliado (frequência fundamental, intensidade e duração) e suas respectivas variáveis.

Resultados  Verificou-se que houve diferenças significantes para as variáveis tessitura, amplitude melódica de vogal tônica, amplitude melódica de vogal pretônica, intensidade máxima, intensidade mínima, duração de vogal tônica, duração de vogal pretônica e duração de enunciado.

Conclusão  Indivíduos com TEA apresentam diferenças marcantes na prosódia em comparação aos com desenvolvimento típico. Ressalta-se, no entanto, a necessidade de mais estudos sobre a caracterização de aspectos prosódicos da fala de indivíduos com TEA com uma amostragem maior e faixa etária mais restrita.

Descritores  Transtorno Autístico; Linguagem Infantil; Acústica da Fala; Linguística; Fonoaudiologia

ABSTRACT

Purpose  This study aimed to analyze prosodic elements of speech segments of students with Autism Spectrum Disorders (ASD) and compare with the control group, using an acoustic analysis.

Methods  Speech recordings were performed with a sample of individuals with ASD (n = 19) and with typical development (n = 19) of the male gender, age range: 8-33 years. The prosody questionnaire ALIB (Brazilian Linguistic Atlas) was used as script, which contains interrogative, affirmative and imperative sentences. Data were analyzed using the PRAAT software and forwarded to statistical analysis in order to verify possible significant differences between the two groups studied in each prosodic parameter evaluated (fundamental frequency, intensity and duration) and its respective variables.

Results  There were significant differences for the variables tessitura, melodic amplitude of tonic vowel, melodic amplitude of pretonic vowel, maximum intensity, minimum intensity, tonic vowel duration, pretonic vowel duration and phrase duration.

Conclusion  Individuals with ASD present significant differences in prosody compared to those with typical development. It is noteworthy, however, the necessity of additional studies on the characterization of prosodic aspects of speech of individuals with ASD with a larger sample and a more restricted age group.

Keywords  Autistic Disorder; Child Language; Speech Acoustics; Linguistics; Speech, Language and Hearing Sciences

INTRODUÇÃO

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) foi descrito pelo DSM-5, de modo que abrange quatro transtornos anteriormente separados (transtorno autista, transtorno de Asperger, transtorno desintegrativo da infância e transtornos invasivos do desenvolvimento sem outra especificação) numa única condição com diferentes graus de severidade e sintomatologia(1).

Dessa forma, com a publicação do DSM-5(1), os Transtornos do Espectro Autista receberam um marcador de “severidade” baseado no grau do comprometimento. Portanto, nos critérios diagnósticos do DSM-5, são observadas três classificações de severidade: Nível 1 (necessitam de apoio), Nível 2 (exigem apoio substancial) e Nível 3 (necessitam de apoio muito substancial). Essas classificações são divididas em duas áreas: Comunicação Social (CS) e Comportamentos Restritos e Repetitivos (CRR), caracterizando os principais sintomas dos TEA(2).

Alterações de prosódia na fala de pessoas com Transtorno do Espectro Autista são assinaladas pela literatura desde o início da descrição desses quadros(3). No entanto, até o momento, pouco se sabe sobre a percepção de prosódia desses indivíduos ou sobre os aspectos específicos de suas produções prosódicas que resultam na percepção de estranheza pelo interlocutor(4).

Os aspectos prosódicos observados e descritos desde o início da classificação dos TEA incluem: fala monotônica ou robotizada, déficits no uso do pitch (frequência) ou controle de volume (intensidade), deficiências na qualidade vocal e uso de padrões peculiares de stress(4). Especialmente falantes com síndrome de Asperger ou Autismo de Alto Funcionamento são referidos por apresentarem tais dificuldades(5,6). Cabe mencionar ainda que essas diferenças prosódicas são persistentes e demonstram pouca mudança ao longo do tempo, mesmo quando outros aspectos da linguagem melhoram(4).

É relatado pela literatura uma inconsistência quanto aos mecanismos específicos da prosódia de pessoas com TEA bem como uma incerteza do seu poder em auxiliar nos critérios diagnósticos, que atualmente são incertos(7). Apenas são mencionados como características, nos critérios diagnósticos do DSM-IV, o timbre, a entoação, a velocidade e o ritmo ou ênfase anormais (e.g., tom de voz pode ser monótono ou elevar-se de modo interrogativo ao final de frases afirmativas)(8).

Alguns estudos referem ainda a prosódia pobre e monotonia na entonação como aspectos qualitativos de produção e características marcantes na fala de indivíduos com TEA, com base nos critérios diagnósticos mencionados anteriormente(9,10).

Klin (2006), por sua vez, acrescenta que indivíduos com TEA geralmente exibem um espectro restrito de padrões de entonação que é utilizado com pouca relação no funcionamento comunicativo da declaração (e.g., asserções de fato, comentários bem-humorados)(11).

Nesse sentido, a prosódia pode ser vista como um suprassegmento que engloba dois aspectos: a produção, caracterizada por três parâmetros clássicos: duração (diferença entre dois eventos), frequência fundamental e intensidade; e a percepção, caracterizada pelas noções de duração percebida, altura e volume(12).

Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi analisar elementos prosódicos de segmentos da fala de indivíduos com transtorno do espectro autista (TEA) e comparar com o grupo controle, por meio de uma análise acústica.

MÉTODO

Aspectos éticos

Todos os aspectos deste estudo foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Paulista (Parecer nº 0763/2013). A coleta dos dados prosseguiu mediante aceitação em participar da pesquisa e assinatura dos termos de consentimento, conforme a resolução do Conselho Nacional de Saúde CNS 466/12.

Casuística

Dois grupos participaram deste estudo: GE = Grupo Experimental composto por crianças, adolescentes e adultos com TEA (n= 19, gênero masculino, idade entre oito e 33 anos) e GC = Grupo controle composto por indivíduos com desenvolvimento típico (n=19, pareados por gênero e idade).

Todos os participantes foram selecionados em escolas do ensino regular e especial em um município no interior de São Paulo, de acordo com uma listagem de alunos com TEA fornecida pela Secretaria Municipal de Educação. Os participantes do grupo controle foram selecionados nas mesmas escolas, seguindo o critério de inclusão. O Quadro 1 resume as informações dos indivíduos do grupo experimental.

Quadro 1
Descrição das características dos participantes do grupo TEA

Critérios de inclusão

Os critérios de inclusão do grupo experimental foram: laudo médico de Transtorno do Espectro Autista (anterior diagnóstico de Síndrome de Asperger) e desempenho linguístico adequado para realização da gravação das amostras de fala. Para o grupo controle, o critério de inclusão foi não apresentar queixa fonoaudiológica.

Materiais

Ficha de identificação

Os responsáveis por todos os participantes foram questionados em relação aos dados de identificação pessoal, de acordo com um questionário elaborado especificamente para essa pesquisa. Esse questionário englobou questões como: nome, data de nascimento, idade, gênero, escolaridade / série escolar e tempo de terapia (exclusivamente para os participantes do grupo experimental).

Escala de Avaliação de Traços Autísticos (ATA)

Tendo em vista que a ATA não é considerada uma entrevista diagnóstica, mas sim uma prova estandardizada que dá o perfil conductual, embasada nos diferentes aspectos diagnósticos(13), utilizou-se tal instrumento no presente estudo, com a finalidade de caracterizar a sintomatologia apresentada pelos participantes com TEA. Importante mencionar que a ATA é administrada após informação detalhada dos dados clínicos e pode ser aplicada a partir dos dois anos de idade.

A escala é composta por 23 subescalas, cada uma das quais dividida em diferentes itens. É pontuada com base nos seguintes critérios: cada subescala da prova tem um valor de 0 a 2; pontua-se zero se não houver a presença de nenhum item, 1 se houver apenas um item e 2 se houver mais de um item. Realiza-se a seguir a soma aritmética dos pontos obtidos, sendo ponto de corte o valor 23, o que é indicativo de que a pessoa pode apresentar algum grau do Transtorno do Espectro Autista.

Questionário de prosódia – Atlas Linguístico Brasileiro (ALiB)

Para a coleta de dados das amostras de fala, foi utilizado como roteiro eliciador das frases o questionário de prosódia do ALiB (Anexo A), que é um material composto por 11 questões relativas à natureza das frases interrogativas, afirmativas e imperativas. Esse questionário permite coletar uma amostra de discurso semidirigido, uma vez que, por meio da instrução dada ao inquiridor, torna-se possível obter determinadas respostas.

O questionário é sucinto e objetivo, focalizando as duas modalidades de frase com valor distintivo no português (padrão assertivo e padrão interrogativo) e três padrões básicos de entonação expressiva: desagrado, contentamento e ordem.

Procedimento de coleta de dados

Inicialmente, os responsáveis e os participantes foram entrevistados em sala previamente reservada especificamente para esse fim, na instituição em que foi realizado o estudo. Posteriormente, foi realizada a aplicação da ATA com os responsáveis e a triagem fonoaudiológica com os participantes.

A partir da aplicação da ATA com os responsáveis pelos participantes, foi possível averiguar que todos os participantes obtiveram nota de corte acima de 23, conforme esperado, indicativa de Transtorno do Espectro Autista, com pontuação média de 33, sendo a menor pontuação igual a 27 e a maior igual a 40. Os procedimentos foram realizados com supervisão de um psiquiatra, uma fonoaudióloga e uma psicóloga, e os diagnósticos já haviam sido estabelecidos por equipe multidisciplinar especializada.

Em relação à triagem fonoaudiológica, é pertinente destacar que foram avaliadas habilidades como: fala encadeada, compreensão de ordens simples e complexas e qualidade vocal. Para identificar a presença da habilidade de fala encadeada, os participantes foram questionados inicialmente sobre seus hobbies e atividades durante a semana; para avaliação da habilidade de compreensão de ordens simples e complexas, foi solicitado aos participantes que realizassem duas ou mais ações. E, por fim, para verificação da presença ou ausência de alterações vocais, foi solicitado que os participantes produzissem as vogais a, i e u de forma prolongada. Todos os participantes apresentaram tais habilidades adequadas para participação no estudo.

Dessa forma, a partir dos resultados iniciais compatíveis com os mencionados nos critérios de inclusão, os participantes foram encaminhados à cabine acústica para realização do procedimento de gravação das amostras de fala. Importante destacar que, anteriormente à realização de todos os procedimentos, a pesquisa foi minuciosamente explicada aos responsáveis e eles expressaram seu consentimento em participar por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido, conforme resolução CNS 466/12.

No que se refere à cabina acústica, local em que foram realizadas as gravações, é importante mencionar que tal cabina é instalada na própria instituição e isolada acusticamente e possui em seu interior equipamentos de alta fidelidade: gravador digital MARANTZ, modelo PMD 660 acoplado a um microfone cardioide dinâmico Sennheiser modelo e815s.

Para a realização das gravações, os participantes ficaram sentados confortavelmente a uma distância de aproximadamente seis centímetros do microfone. Assim, foram realizadas instruções para que permanecessem atentos às eliciações de fala fornecidas pela pesquisadora, que seguiu como roteiro o questionário de prosódia do ALiB, com o intuito de produzirem as frases-alvo adequadamente de acordo com o padrão interrogativo, afirmativo ou imperativo.

Para a eliciação das frases-alvo contidas no questionário ALiB em seu item “Resposta esperada”, a pesquisadora leu as perguntas contidas no próprio questionário (Anexo A). Em relação a esse aspecto, é pertinente detalhar que, tendo em vista o objetivo final se tratar de uma amostra de fala próxima à espontânea por parte dos participantes, optou-se pela leitura neutra dos enunciados (sem expressão facial ou variações prosódicas) realizada pela pesquisadora. Desse modo, embora não seja caracterizada como uma forma objetiva de eliciação, a situação foi a mais próxima possível de um diálogo com os participantes, constituindo-se, dessa forma, uma modalidade de discurso semidirigido.

Cabe mencionar que em alguns casos houve a necessidade de um pré-treino para compreensão da tarefa. Para esse treino, foi selecionada uma pergunta aleatória do questionário como exemplo do que deveria ser feito durante a gravação, para que as dúvidas fossem sanadas. Dessa forma, a coleta não foi enviesada e as instruções ficaram evidentes a todos os indivíduos participantes.

Os dados obtidos com as gravações foram salvos num computador para análise acústica por meio do software PRAAT.

Procedimento de análise de dados

As 11 frases (respostas esperadas) obtidas com as gravações realizadas foram analisadas por meio do software. Para tanto, os arquivos de áudio foram extraídos do gravador, organizados em um banco de dados e analisados por meio do software PRAAT versão 5.3.60. Todas as frases foram analisadas por meio de 3 parâmetros oferecidos pelo software: frequência fundamental, intensidade e duração.

Em relação ao parâmetro frequência fundamental (F0), foram analisadas as seguintes medidas:

  • -

    F0 inicial e F0 final das frases: extraídos no centro da primeira vogal (F0 inicial) e última vogal (F0 final) das frases.

  • -

    F0 máxima e F0 mínima das frases: extraídos os valores máximo e mínimo de F0 das frases.

  • -

    Tessitura das frases: diferença entre a F0 máxima e F0 mínima das frases.

  • -

    Amplitude melódica (AM) da vogal tônica saliente e pretônica separadamente: diferença entre o valor máximo e mínimo de F0 nas sílabas tônica e pretônica.

  • -

    Taxa de velocidade de variação melódica (TVVM) da vogal tônica saliente e pretônica: diferença entre o valor máximo e mínimo da tônica dividido pela duração da vogal tônica. O mesmo procedimento foi adotado para a medida na pretônica.

No que se refere ao parâmetro intensidade, foram analisadas as medidas conforme especificado a seguir:

  • -

    Intensidades máxima e mínima das frases.

  • -

    Diferença entre os valores de intensidade máxima e mínima das frases.

Por fim, em relação ao parâmetro duração, foram analisadas as medidas:

  • -

    Duração das vogais tônicas salientes.

  • -

    Duração das vogais pretônicas.

  • -

    Duração das frases.

Para análise das gravações, inicialmente foram extraídos os valores de cada uma das 15 variáveis analisadas nas 11 frases produzidas pelos participantes. A partir desses valores, foi calculado o valor médio das variáveis para cada participante. Tais valores foram submetidos à análise estatística para verificação de possíveis diferenças estatisticamente significantes.

Análise estatística

Para a análise estatística, foi empregado o Teste de Mann-Whitney, com o intuito de verificar possíveis diferenças estatisticamente significantes entre os dois grupos estudados em cada parâmetro prosódico avaliado (frequência fundamental, intensidade e duração) e suas respectivas variáveis. Foi utilizado o pacote estatístico IBM SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 21.0, para a obtenção dos resultados.

Foi adotado o nível de significância de 5% (0,050) para a aplicação do teste estatístico, ou seja, quando o valor da significância calculada (p) foi menor do que 5% (0,050), encontrou-se uma ‘diferença estatisticamente significante’, isto é, houve uma ‘efetiva diferença’. Quando o valor da significância calculada (p) foi igual ou maior do que 5% (0,050), encontrou-se uma ‘diferença estatisticamente não significante’, isto é, houve uma ‘semelhança’.

RESULTADOS

A partir da análise das amostras de fala realizada por meio do software PRAAT, foi possível obter os valores absolutos de cada um dos três parâmetros estudados (frequência fundamental (F0), intensidade e duração) e suas variáveis específicas, a saber: F0 inicial e F0 final do enunciado; F0 máxima e F0 mínima do enunciado; Tessitura do enunciado (T); Amplitude melódica (AM) da vogal tônica saliente e pretônica separadamente; Taxa de velocidade de variação melódica (TVVM) da vogal tônica saliente e pretônica; Intensidades máxima e mínima do enunciado; Diferença entre os valores de intensidade máxima e mínima do enunciado; Duração das vogais tônicas salientes, das vogais pretônicas e do enunciado.

Para melhor visualização dos resultados, foram extraídos os valores médios obtidos com a produção dos 11 enunciados do questionário ALiB, conforme demonstrado nas Tabelas 1, 2 e 3.

Tabela 1
Valores médios dos enunciados para o parâmetro acústico “frequência fundamental”
Tabela 2
Valores médios dos enunciados para o parâmetro acústico “intensidade”
Tabela 3
Valores médios dos enunciados para o parâmetro acústico “duração”

As Figuras 1, 2 e 3 permitem visualizar os valores médios dos três parâmetros acústicos estudados e suas respectivas variáveis para os grupos experimental e controle.

Figura 1
Valores médios dos grupos para o parâmetro acústico “frequência fundamental”
Figura 2
Valores médios dos grupos para o parâmetro acústico “intensidade”
Figura 3
Valores médios dos grupos para o parâmetro acústico “duração”

Por meio da aplicação do Teste de Mann-Whitney, foi possível verificar diferenças estatisticamente significantes na comparação de valores entre os grupos estudados para as variáveis Tessitura, Amplitude melódica de vogal tônica, Amplitude melódica de vogal pretônica, Intensidade máxima, Intensidade mínima, Duração de vogal tônica, Duração de vogal pretônica e Duração de enunciado.

DISCUSSÃO

A realização desta pesquisa permitiu alcançar o objetivo pretendido de analisar elementos prosódicos de segmentos da fala de indivíduos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e comparar com indivíduos do grupo controle, por meio de uma análise acústica. É importante mencionar, entretanto, que a amostra do estudo contempla participantes com ampla faixa etária (de oito até 33 anos de idade), o que caracteriza uma limitação no estudo que não permite apresentar, dessa forma, uma generalização dos dados encontrados. É pertinente destacar que tal situação é decorrente da dificuldade de localização de pessoas diagnosticadas com TEA na região de realização do estudo. Em relação à variável analisada “tempo de terapia”, cabe destacar que três indivíduos (9, 15 e 17) que mencionaram frequentar terapia por um período igual ou superior a 10 anos, não apresentaram grandes diferenças nos valores analisados quando comparados aos demais participantes com TEA. Esse dado pode ser um indicativo de que tais aspectos podem não ser abordados adequadamente no contexto terapêutico. No que se refere às características sintomatológicas obtidas por meio das pontuações da ATA, não foram observadas diferenças que pudessem ser indicativas de que o grau das características apresentadas pelos indivíduos possa se relacionar com as alterações de prosódia apresentadas na fala.

Em relação ao parâmetro prosódico frequência fundamental, foram observadas diferenças estatisticamente significantes para as variáveis tessitura do enunciado, amplitude melódica da vogal tônica saliente e pretônica, taxa de velocidade de variação melódica da vogal tônica saliente e pretônica. Esses dados não confirmam afirmações da literatura a respeito de uma fala monótona e sem variação melódica, tendo em vista os valores maiores dessas variáveis em relação aos do grupo controle(4,10,11).

Não foram encontrados estudos que avaliassem a variável tessitura de indivíduos com TEA. Sabe-se que variações de tessitura podem deslocar os padrões de frequência fundamental para níveis mais graves ou mais agudos, sem alterar a forma típica da curva melódica. Tendo em vista que modificações da tessitura desempenham uma função expressiva, ligada às intenções discursivas do falante; esclarecem sobre a organização informacional do discurso (focalização, introdução, prolongamento e fechamento) e também permitem informações extralinguísticas como identidade, gênero, idade, aspecto psíquico, personalidade, origens geográficas e culturais do indivíduo, os maiores valores de tessitura do grupo experimental em relação ao grupo controle podem ser uma característica peculiar da fala de indivíduos com TEA(14).

Ainda no que se refere ao parâmetro frequência fundamental, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes para as variáveis frequência fundamental inicial, frequência fundamental final, frequência fundamental máxima e frequência fundamental mínima do enunciado, embora seja possível verificar que esses valores sejam predominantemente maiores no grupo experimental em relação aos obtidos com o grupo controle. Essas informações corroboram parcialmente com um estudo que menciona não haver diferença estatisticamente significante no parâmetro frequência fundamental para o grupo de pré-escolares, porém menciona uma diferença significante no grupo com idade escolar(15).

Uma possível explicação para a maior variabilidade observada no parâmetro frequência fundamental do grupo experimental em relação ao controle, pode ser o déficit apresentado por indivíduos com TEA nos mecanismos que controlam o pitch. Esse déficit pode ser derivado de um problema ao nível de recepção, ao nível de produção, ou na relação entre os dois, o que ocasiona a produção inadequada em relação ao que é esperado do discurso(16).

No que se refere ao parâmetro prosódico intensidade, foram observadas diferenças estatisticamente significantes do grupo com TEA em relação aos valores do grupo controle para as variáveis intensidade máxima e intensidade mínima do enunciado. Esses dados corroboram com afirmações da literatura, que destacam que pessoas com TEA parecem apresentar pobre controle de volume da voz (e.g., a voz é muito alta, apesar da proximidade física do parceiro da conversação)(4,11).

A intensidade de fala do indivíduo deve variar de acordo com fatores de relevância linguística: forma de comunicação (fala, grito, choro, gemido, etc.); fatores paralinguísticos: tom de voz; e fatores extralinguísticos: distância dos participantes e o lugar físico e social onde a conversação está acontecendo. Dessa forma, os déficits apresentados por indivíduos com TEA na percepção desses fatores podem explicar a maior variabilidade de intensidade em relação aos indivíduos do grupo controle(14).

Em relação ao parâmetro duração, foram verificadas diferenças estatisticamente significantes para as três medidas estudas: duração de vogal tônica, duração de vogal pretônica e duração de enunciado. Foi verificado, portanto, um padrão de fala lentificado do grupo com TEA, caracterizado por maior duração em segundos dos mesmos enunciados produzidos pelos indivíduos do grupo controle. Esses achados corroboram o estudo realizado por Diehl e Paul (2013) de que indivíduos com TEA apresentam uma fala com maior duração em relação aos indivíduos com desenvolvimento típico(17).

A maior duração em segundos observada na produção dos enunciados e também das vogais tônicas e pretônicas, também já observada por outros estudos, pode ser explicada pelo déficit motor frequentemente apresentado por indivíduos com TEA. Outra hipótese também considerada é a de uma percepção errônea desse parâmetro da prosódia, que poderia ocasionar a produção desviante(17,18).

Cabe mencionar que dois tipos principais de prosódia são mencionados pela literatura: a afetiva e a linguística. A primeira engloba aspectos não verbais da linguagem, os quais são necessários para transmitir e reconhecer as emoções na comunicação, possibilitando diferenças de expressão e compreensão de alegria, tristeza, raiva, etc. Dessa forma, o padrão de entoação que acompanha o enunciado sugere qual o estado emocional do falante(19).

Já a prosódia linguística atua nos níveis fonológico e sintático e possibilita que os indivíduos expressem o sentido específico de um enunciado, produzindo ênfase a partes das palavras e frases, transmitindo dessa forma uma mensagem afirmativa, interrogativa ou afirmativa. Assim, indivíduos com alterações no processamento podem apresentar dificuldades importantes na produção de entoações vocais indicativas de emoções, bem como de compreendê-las, o que ocasiona um importante prejuízo de interação social por meio da comunicação(20).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Foi possível observar que os participantes do presente estudo diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista apresentaram uma fala caracterizada por maior variação no parâmetro de frequência fundamental (tessitura) ao longo do enunciado, maior amplitude melódica de vogal tônica e pretônica, maior variação de intensidade, sendo a fala mais forte e mais fraca do que indivíduos com desenvolvimento típico e, uma fala mais lenta no que se refere à duração do enunciado e das vogais tônicas e pretônicas.

Ratifica-se, a partir dos dados e discussões aqui expostos, a relevância da atuação fonoaudiológica no processo de avaliação e intervenção relativos às habilidades linguísticas e comunicativas de indivíduos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista, especialmente nos aspectos suprassegmentais da fala (prosódia) e suas variações em relação à normalidade. Assim, tendo em vista que a prosódia é um importante aspecto no uso pragmático da linguagem, destaca-se que, tanto no que se refere ao processo de avaliação quanto de intervenção, devem ser observadas cautelosamente as variáveis que interferem nesse aspecto.

Portanto, esta pesquisa reitera a importância de estudos sobre a caracterização de aspectos prosódicos da fala de indivíduos com Transtorno do Espectro Autista, tendo em vista a necessidade de analisar uma amostra com faixa etária mais restrita e maior número de participantes a fim de garantir maior fidedignidade dos resultados encontrados.

Anexo A. Questionário de prosódia – Atlas Linguístico Brasileiro (ALiB)

1. Entoação Modal (modalidades frasais com função opositiva)
1.1. Frases Interrogativas
1.1.1. Questão disjuntiva ou alternativa
(1) “Se você quer oferecer uma bebida a um amigo, e quer saber se ele prefere vinho ou cerveja, como é que você pergunta?”
Resposta esperada: “Você prefere vinho ou cerveja?”
(2) “Se você quer oferecer uma bebida a um amigo, e quer saber se ele toma leite ou café, como é que você pergunta?”
Resposta esperada: “Você prefere leite ou café?”
1.1.2. Questão total
(3) “Se você quer saber se alguém vai sair hoje, como é que você pergunta?”
Resposta esperada: “Você vai sair hoje?”
(4) “Uma pessoa está internada num hospital e quer saber do médico se vai sair naquele dia. Como é que pergunta?”
Resposta esperada: “Eu vou sair hoje, doutor?”
1.2. Frases Afirmativas
1.2.1. Padrão neutro
(5) “E o médico, como é que responde?”
Resposta esperada: “Você vai sair hoje.”
1.2.2. Expressão de desagrado, rispidez
(6) “Você quer dizer a algumas pessoas que estão presentes que você está muito aborrecido com o que aconteceu. Como é que você diz?”
Resposta esperada: “Estou muito aborrecido com o que aconteceu.”
1.2.3. Expressão de contentamento, polidez
(7) “Você quer dizer a algumas pessoas que estão presentes que você está muito feliz com o resultado do trabalho. Como é que você diz?”
Resposta esperada: “Estou muito feliz com o resultado do trabalho.”
2. Atos ilocutórios
2.1. Frases Imperativas
2.1.1. Expressão de ordem, pedido, sugestão ou conselho (não explícito na instrução)
(8) “Como é que uma mãe diz ao filho para que ele saia da chuva?”
Resposta esperada: “Oh, meu filho, saia da chuva!”
(9) “Se um menino está mexendo em alguma coisa e alguém quer falar para ele que não mexa naquilo, como é que diz?”
Resposta esperada: “Não mexa nisso, menino!”
(10) “Se você quer chamar muitos meninos que estão reunidos para que venham almoçar, como é que você diz?”
Resposta esperada: “Meninos, venham almoçar!”
2.1.2. Padrão de ordem (explicitado na instrução)
(11) “O seu filho / uma pessoa quer ficar em casa, mas você quer que ele saia hoje. Como é que você dá essa ordem?”
Resposta esperada: “Você vai sair hoje!”

AGRADECIMENTOS

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo apoio financeiro concedido (Processo 2013/00381-4). Aos participantes diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista e seus familiares, que se predispuseram a participar e contribuir com o estudo.

  • Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP - Marília (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. FAPESP - Processo 2013/00381-4.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2016
  • Aceito
    12 Set 2016
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