Open-access Capacitação de professores do ensino infantil para o uso de estratégias bem-sucedidas de leitura compartilhada

RESUMO

Objetivo  Verificar os efeitos de uma capacitação realizada com professores do ensino infantil para a realização de estratégias específicas na leitura compartilhada e a generalização dessas estratégias em outras atividades cotidianas de estimulação da linguagem oral.

Método  Participaram do estudo 14 professores do ensino infantil de escolas de nível socioeconômico baixo. Os professores foram distribuídos aleatoriamente entre grupo experimental e grupo controle. O grupo experimental realizou uma capacitação, a qual tinha o objetivo de ensinar os professores a utilizarem cinco estratégias durante a leitura compartilhada com seus alunos e discutir sobre como estimular a linguagem oral. Para avaliar a eficácia da capacitação, foram aplicados dois instrumentos antes e após a intervenção. A escala de avaliação do ensino de linguagem oral em contexto escolar (EVALOE) foi aplicada para analisar a estimulação da linguagem oral e o Checklist para caracterizar as mudanças comportamentais dos professores durante a leitura compartilhada.

Resultados  No geral, observa-se que os dados da EVALOE foram mais elevados na análise pós-intervenção para 11 dos 13 participantes. Nota-se por meio do Checklist que, dos 13 professores, 10 apresentaram um total de pontos maior quando comparado com os pontos obtidos por cada um deles antes da capacitação.

Conclusão  A capacitação apresentou melhoras no comportamento dos professores durante as atividades de leitura compartilhada e demonstrou ter impacto positivo no aumento de interações, previamente apontadas pela literatura como importantes para a estimulação da linguagem oral.

Descritores Capacitação de Professores; Estratégias; Leitura; Linguagem; Educação Infantil

ABSTRACT

Purpose  Verify the effects of a training program held with pre-school teachers to carry out specific strategies in shared reading and generalize these strategies in other daily activities of oral language motivation.

Methods  A total of 14 teachers from low socioeconomic level schools participated in the study. The teachers were randomly distributed in an experimental group and a control group. The experimental group attended training on how to use five strategies during shared reading in the classroom and discuss how to motivate their students towards oral language. To evaluate the effectiveness of training, two instruments were applied pre- and post-intervention. The Assessment Scale of Oral Language Teaching in School (EVALOE) was applied to analyze the teaching of oral language and the Checklist was used to characterize the behavioral changes of the teachers during shared reading.

Results  Overall, EVALOE data were higher at post-intervention analysis for 11 of the 13 participants. Checklist showed that 10 of the 13 teachers presented higher post-intervention total scores compared with their respective pre-intervention scores.

Conclusion  The training program provided improvement in teacher behavior during shared reading activities and demonstrated to have a positive impact on the increase of interactions, previously identified in the literature as important for oral language motivation.

Keywords Teacher Training; Strategies; Reading; Language; Child Rearing

INTRODUÇÃO

Os autores Farrant e Zubrick(1) apontam que a leitura é ocasião para que ocorra a conversação entre adultos e crianças, tanto no âmbito escolar quanto doméstico, e tem sido positivamente relacionada à promoção do repertório das crianças. Essa interação proporciona ampliação do vocabulário, da linguagem expressiva e da compreensão de estórias, inclusive com crianças inseridas em áreas menos favorecidas do ponto de vista socioeconômico(1). Nesse contexto, uma questão importante que vem sendo discutida pela área é a existência de estratégias que podem ser consideradas eficazes no momento de leitura, com vista à promoção da linguagem oral das crianças.

A leitura em voz alta envolve a interação de, pelo menos, três componentes: o livro, o leitor e o ouvinte. No que diz respeito ao comportamento do leitor, o Institute of Education Sciences(2) afirma que a leitura compartilhada, na qual um adulto lê um livro para uma criança ou grupo de crianças utilizando uma ou mais estratégias estruturadas de interação com o objetivo de ativar o engajamento da criança no texto, apresenta inúmeros ganhos para o desenvolvimento da linguagem oral infantil. As características que a tornam peculiar são: 1) o uso de estratégias evocativas de respostas, como apresentação de questões iniciadas por porque, quando, quem e onde; 2) a realização de perguntas que levam a criança a fazer conexões entre aspectos da estória e sua experiência; 3) o oferecimento de devolutivas contingentes às verbalizações das crianças (ex. repetição da resposta com modelos, expansão das respostas das crianças); 4) aumento gradual da complexidade das questões, conforme a expansão do repertório da criança(3,4).

Existem convergências sobre a importância de se realizar o ler compartilhado para a promoção da linguagem oral das crianças e sobre a importância da linguagem oral, especialmente do vocabulário, para o desenvolvimento da linguagem escrita(5,6). Por outro lado, algumas lacunas são mapeadas, especialmente, no que concerne às condições mínimas e suficientes para que os programas de leitura compartilhada sejam implementados com sucesso(7).

Para que se possa avaliar o impacto da leitura compartilhada no desenvolvimento das crianças em ambientes naturais, é preciso, antes, assegurar-se de que ela esteja ocorrendo da forma preconizada pelas evidências científicas(8). Portanto, se faz necessário propor e avaliar programas de formação de professores para a realização das estratégias que caracterizam o ler compartilhado. Além disso, investigações acerca do papel da introdução das estratégias de leitura compartilhada sobre outras atividades realizadas pelos professores com as crianças, estimulando a linguagem oral, seriam de grande valia para a compreensão da potencialidade de programas de capacitação implementados em ambiente escolar.

Neste sentido, Gràcia et al.(9) apresentam o instrumento EVALOE. O objetivo deste é de avaliar como os professores facilitam o desenvolvimento da linguagem oral, em dois contextos: 1) escala de observação (a ser realizada em sala de aula); e 2) entrevista semiestruturada (a ser realizada com o professor após a observação). Além disso, o instrumento também pode ser utilizado para investigar possíveis modificações de comportamento, antes e após uma capacitação, que envolva estratégias de intervenção de linguagem oral.

Os aspectos relevantes que influenciaram a programação deste estudo foram: 1) existência de um instrumento como EVALOE; 2) comprovação do grande potencial de aprendizagem das crianças frequentadoras do ensino infantil; 3) necessidade de se estruturar procedimentos simples e de baixo custo baseados em evidências científicas que possam ter impactos relevantes na linguagem e aplicáveis na rotina das escolas, como as estratégias de leitura compartilhada; 4) necessidade de buscar avanços na proposição e avaliação dos impactos e aplicabilidade de propostas de intervenção de linguagem oral em sala de aula. Neste sentido, o presente estudo verificou os efeitos de uma capacitação realizada com professores do ensino infantil para a realização de estratégias específicas na leitura compartilhada e a generalização dessas estratégias em outras atividades cotidianas de estimulação da linguagem oral.

MÉTODO

O estudo proposto foi encaminhado e aceito pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Carlos-SP (CAAE 55340016.0.0000.5504). O delineamento adotado foi o de pré e pós-teste combinado com a comparação dos dados obtidos entre grupos (experimental e controle) nestes dois momentos (antes e depois da intervenção). A variável independente foi a capacitação realizada com os professores. A variável dependente foi mensurada a partir da aplicação do Checklist e EVALOE. Com isso, consistiu uma proposta de análise das estratégias para estimulação da linguagem oral utilizadas pelo professor durante as aulas e, especificamente, a utilização de estratégias que fizeram parte da capacitação realizada.

Participaram do estudo 14 professores que lecionavam na Educação infantil de escolas públicas, localizadas em regiões com baixo nível socioeconômico na cidade de São Carlos-SP. Primeiramente, foi realizado o contato diretamente com duas escolas, que demonstraram interesse em participar do estudo. Com isso, a pesquisadora ministrou uma palestra, em cada escola, para todos os professores regentes do período matutino e vespertino com o objetivo de explicar como o estudo aconteceria e convidá-los a participar. A seleção dos professores aconteceu a partir do interesse deles em participarem do estudo. De cada escola, sete professores se interessaram. No final da palestra, os professores interessados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Posteriormente, foi realizado o contato com os responsáveis de todas as crianças que frequentavam a sala de aula de cada professor participante. Foi aplicado um questionário sobre o nível socioeconômico das famílias e, com isso, foi possível verificar que a maioria das famílias recebiam menos de seis salários mínimos, caracterizando assim o baixo nível socioeconômico. Em seguida, foi explicado aos responsáveis sobre o funcionamento da pesquisa, a proposta de intervenção e recolhida as assinaturas nos termos: TCLE e de utilização de imagem e som de voz. Por último, foi realizado o primeiro contato com todas as turmas dos professores participantes. Foi explicado para os alunos (totalizando 280 crianças) como o estudo aconteceria e cada criança assinou o Termo de Assentimento do Menor (TALE).

Os professores e suas turmas foram divididos, aleatoriamente, em grupo experimental e grupo controle. Os professores participantes do grupo experimental foram nomeados como PE1 (participante experimental 1), PE2 (participante experimental 2), PE3 (participante experimental 3), PE4 (participante experimental 4), PE5 (participante experimental 5), PE6 (participante experimental 6), e PE7 (participante experimental 7). Os professores do grupo controle foram nomeados como PC1 (participante controle 1), PC2 (participante controle 2), PC3 (participante controle 3), PC4 (participante controle 4), PC5 (participante controle 5), PC6 (participante controle 6) e PC7 (participante controle 7). O estudo aconteceu em sete etapas, explicitadas na Tabela 1 e descritas a seguir.

Tabela 1
Etapas do procedimento

A Etapa 1 consistiu na realização do pré-teste 1, tanto para o grupo experimental quanto para o grupo controle. Foi solicitado aos professores participantes que filmassem enquanto liam livros para seus alunos em sala de aula. Durante a filmagem, a pesquisadora aplicou a primeira parte da escala EVALOE. Com o uso desse instrumento, pretendia avaliar e assessorar os educadores para que pudessem identificar facilmente as mudanças necessárias no desenvolvimento das habilidades importantes da fala e escuta de seus alunos.

A EVALOE foi construída para avaliar o contexto da escola regular espanhola, porém esta foi traduzida e adaptada para o uso na escola especial e brasileira, demonstrando ser válida e útil, em ambas as realidades(10,11). Neste estudo, foi utilizada a versão traduzida(11) e a primeira parte da escala. A primeira parte é uma medida observacional de 30 itens, a qual avalia a interação comunicativa entre alunos e professores em três dimensões: 1) contexto e gestão da comunicação oral; 2) desenho instrucional; 3) estratégias comunicativas.

Posteriormente à Etapa 1, foi realizada a Etapa 2 que contemplava a aplicação da capacitação apenas com os professores do grupo experimental. A capacitação foi adaptada do estudo original de Colmar(12) e realizada em duas sessões. Cada sessão teve a duração de, no máximo, 90 minutos. A pesquisadora realizava a capacitação individualmente com cada professor. Na Tabela 2, encontra-se o esquema de cada uma das atividades propostas e os objetivos para as duas sessões da capacitação com os professores.

Tabela 2
Esquema de cada uma das atividades propostas e os objetivos para os dois dias de capacitação com os professores

Na Etapa 2, foi utilizado o Checklist, construído pela pesquisadora sem base referencial. O instrumento era fechado, de múltipla escolha e respondido por escrito pelo professor. O objetivo do checklist era de o professor avaliar o seu comportamento, a respeito do uso das cinco estratégias ensinadas na capacitação, durante as atividades de leitura compartilhada com seus alunos. As cinco estratégias eram: 1) dar pausas a cada página do livro, permitindo que a criança procure escolher o tópico de interesse antes de iniciada a leitura; 2) estimular a troca de turno nas conversações; 3) fazer questões abertas sobre os tópicos trazidos pelas crianças; 4) falar sobre o significado de algumas palavras importantes para a compreensão da estória; 5) retomar a conversa sobre o livro em outros momentos do dia. Para cada estratégia, o professor pontuava o episódio utilizando a seguinte escala: 0) nunca; 1) muito pouco (aproximadamente menos de 10% do tempo da estória); 2) pouco (aproximadamente ¼ do tempo da estória); 3) mais ou menos (em aproximadamente metade do tempo da estória); 4) bastante (quase todo o tempo); 5) sempre.

Na primeira sessão da capacitação, cada professor assistiu ao vídeo “Nova escola na sua escola – Roda de leitura”(13). O vídeo foi produzido pela Associação Nova Escola e aborda como trabalhar textos, linguagens e figuras durante uma roda de leitura para Educação Infantil. Posteriormente, por meio do Checklist, foram apresentadas e discutidas as cinco estratégias utilizadas durante a leitura compartilhada para promover as habilidades comunicativas das crianças. Na sequência, foi utilizado o vídeo do professor participante, que foi filmado no pré-teste. Cada professor foi convidado a contar sua própria experiência sobre como realizava as suas atividades de leitura e como trabalhou esse episódio nessa ocasião para estimular a linguagem oral das crianças. Após a discussão, o professor completou o Checklist, a respeito do seu vídeo assistido pela primeira vez. No final da primeira sessão da capacitação, foi solicitado ao professor que realizasse a leitura compartilhada de um livro, à sua escolha, em sala de aula e colocasse em prática as cinco estratégias discutidas. A pesquisadora disponibilizou câmeras para que o professor filmasse esse momento da leitura compartilhada juntamente com seus alunos.

No início da segunda sessão, foi assistido ao vídeo que o professor filmou após a primeira sessão da capacitação. Cada professor preencheu pela segunda vez o Checklist para analisar e discutir, juntamente com a pesquisadora, a respeito de sua experiência na utilização das cinco estratégias durante a leitura compartilhada. Além disso, também foi discutido sobre o engajamento das crianças nas atividades de conversação, ou seja, o quanto elas compreenderam a estória lida, o quanto as cinco estratégias discutidas no primeiro dia poderiam ou não ser colocadas em prática no dia a dia, quais as dificuldades que eles viam em fazer isso. No final da segunda sessão, foi solicitado aos professores que lessem diariamente um livro, à sua escolha, para a sala toda. Os professores foram orientados a colocar em prática as cinco estratégias discutidas na capacitação. O período de intervenção foi iniciado apenas com os professores do grupo experimental e durou, aproximadamente, dois meses. Os professores do grupo controle continuaram suas atividades da mesma forma que já as realizavam antes de participarem do estudo.

Durante a intervenção (Etapa 3), a pesquisadora visitou três vezes cada professor participante do grupo experimental, fornecia feedback sobre o desempenho do professor e discutia sobre as dúvidas e dificuldades que tiveram na execução das cinco estratégias. Em caso de dúvidas, a pesquisadora realizava um roleplaying com as crianças, em que lia um livro, escolhido pelo professor, e colocava as cinco estratégias em prática para que o professor pudesse observar como deveria utilizá-las durante a leitura compartilhada com seus alunos.

Ao término da intervenção, a Etapa 4 foi iniciada. Nessa, foram aplicados o pós-teste para o grupo experimental e o pré-teste 2 para o grupo controle. Novas filmagens foram realizadas, com o mesmo padrão feito na Etapa 1, no final da intervenção com o grupo que participou da intervenção (grupo experimental) e com o que não participou (grupo controle). Os dados foram novamente analisados com o uso da EVALOE.

Após um mês da aplicação do pós-teste com o grupo experimental, foi realizada a Etapa 5, ou seja, o follow-up 1 para o grupo experimental e o pré-teste 3 para o grupo controle. A pesquisadora repetiu a filmagem e a aplicação da primeira parte da EVALOE com os professores do grupo experimental (este dado foi analisado como uma medida de follow-up para o grupo experimental) e do grupo controle.

Posteriormente à Etapa 5, foi realizada a Etapa 6, nela, os professores do grupo controle participaram da capacitação, seguindo a mesma estrutura que os professores do grupo experimental. Quando os professores do grupo controle finalizaram a capacitação, a EVALOE foi reaplicada após uma semana (pós-teste deste grupo - Etapa 7). Após quatro meses do follow-up 1, foi realizado o follow-up 2 (Etapa 8) com os professores participantes do grupo experimental, que estavam disponíveis. Foi realizado o contato com os professores e agendado um dia para realizar a aplicação da terceira parte do Checklist e a primeira parte da EVALOE. Na seção de resultados, esses professores estão nomeados como PE1, PE2 e PE3.

RESULTADOS

Os dados foram contabilizados e analisados um a um, comparando os resultados do grupo experimental e grupo controle, antes e depois da capacitação. Não foram realizadas análises estatísticas. A diferença no número de medidas realizadas antes e depois, por cada um dos grupos, se deu por dois motivos: 1) realização de medidas simultâneas que permitissem analisar eventuais mudanças que ocorressem nos grupos em função da passagem do tempo; 2) possibilidade de conclusão da coleta de dados no tempo do ano letivo, mantendo os professores com o mesmo grupo de alunos evitando interferências relativas ao perfil do grupo. Os dados das três aplicações do Checklist, utilizados nos dois momentos da capacitação, o qual o professor respondia individualmente como uma autoavaliação, tiveram como objetivo evidenciar se os professores passaram a utilizar as cinco estratégias durante a leitura compartilhada, ao longo do tempo. A análise dos dados obtidos através da EVALOE, a qual era aplicada pela pesquisadora para analisar as filmagens realizadas pelos professores, permitiu verificar se a capacitação produziu efeitos mensuráveis na maneira como o professor estimulava a linguagem oral em sala de aula. Com relação a estas medidas, foram analisados dados de 13 professores. O professor PC7 mudou de cidade e não foi possível finalizar o estudo com ele.

O objetivo da aplicação do Checklist era avaliar o comportamento dos professores quanto ao uso das cinco estratégias específicas (alvo da capacitação), durante os episódios de leitura compartilhada, antes e depois da capacitação. Os dados apresentados na Figura 1 são dos professores do grupo experimental (PE) e os na Figura 2 são dos professores do grupo controle (PC). Esses dados foram obtidos a partir da observação das filmagens da leitura compartilhada que os professores realizaram com seus alunos em diferentes momentos.

Figura 1
Total de pontos a partir das análises dos Checklists aplicados com os professores do grupo experimental (PE) antes e depois da capacitação. No eixo x, encontra-se a nomeação dos professores e o eixo y demonstra o total de pontos que os professores obtiveram nas respostas de cada episódio avaliado. As siglas utilizadas correspondem à: PE1 (participante experimental 1), PE2 (participante experimental 2), PE3 (participante experimental 3), PE4 (participante experimental 4), PE5 (participante experimental 5), PE6 (participante experimental 6) e PE7 (participante experimental 7)
Figura 2
Total de pontos a partir das análises dos Checklists aplicados com os professores do grupo controle (PC) antes e depois da capacitação. No eixo x, encontra-se a nomeação dos professores e o eixo y demonstra o total de pontos que os professores obtiveram nas respostas de cada episódio avaliado. As siglas utilizadas correspondem à: PC1 (participante controle 1), PC2 (participante controle 2), PC3 (participante controle 3), PC5 (participante controle 5), PC6 (participante controle 6) e PC7 (participante controle 7)

Observa-se que 10 dos 13 professores apresentaram, no Checklist, um total de pontos maior após a capacitação, quando comparado com os pontos obtidos por cada um deles antes da capacitação. A média de diferença de pontos, comparando pré e pós-teste, foi de 6,6, sendo que a menor diferença foi observada no Checklist do professor PC3 (2 pontos) e a maior diferença no do professor PE1 (13 pontos).

Também, por meio dos dados obtidos com o Checklist, foi possível analisar quantitativamente quais estratégias e quantos professores as usavam antes e após a capacitação. Na Figura 3, encontram-se esses dados.

Figura 3
Quantidade de professores, dos dois grupos, que utilizavam as cinco estratégias antes e depois da capacitação. As estratégias foram: 1. Dar pausas; 2. Estimular a troca de turno nas conversações; 3. Fazer questões abertas; 4. Falar sobre o significado de algumas palavras; 5. Retomar a conversa sobre o livro em outros momentos do dia. No eixo x, encontram-se as estratégias e, no eixo y, o total de professores que utilizaram cada estratégia. Os números 1, 2, 3, 4 e 5 estão referenciando as cinco estratégias

Observa-se que houve um aumento na quantidade de estratégias que os professores utilizaram após a capacitação. Nota-se que algumas estratégias eram mais utilizadas por professores antes da capacitação. A estratégia “dar pausas a cada página do livro, permitindo que a criança procure escolher o tópico de interesse antes de iniciada a leitura” já era utilizada por mais professores na leitura compartilhada em sala de aula do que as outras quatro estratégias. Por outro lado, a estratégia que passou a ser usada por mais professores após a capacitação foi a número quatro (“falar sobre o significado de algumas palavras importantes para a compreensão do texto”).

O objetivo da aplicação da EVALOE era de avaliar como os professores facilitavam o desenvolvimento da linguagem oral. Este instrumento não foi foco direto da capacitação realizada no presente estudo no que concerne a uma série de outras estratégias e itens validados por ele como itens importantes na promoção de linguagem oral em sala de aula. A EVALOE foi aplicada em quatro momentos diferentes com cada grupo. Na Figura 4, encontram-se os dados dos professores do grupo experimental (PE) e, na Figura 5, os dados do grupo controle (PC).

Figura 4
Pontos obtidos na EVALOE a partir das análises das filmagens dos professores do grupo experimental (PE) antes e depois da capacitação. No eixo x encontra-se a nomeação do professore e o eixo y demonstra a somatória das respostas para as três subescalas da EVALOE. As barras brancas representam os dados de pré-teste e as pretas os dados de pós-teste. As barras em tons de cinza indicam medidas de follow-up. As siglas utilizadas correspondem à: PE1 (participante experimental 1), PE2 (participante experimental 2), PE3 (participante experimental 3), PE4 (participante experimental 4), PE5 (participante experimental 5), PE6 (participante experimental 6) e PE7 (participante experimental 7)
Figura 5
Pontos obtidos na EVALOE a partir das análises das filmagens dos professores do grupo controle (PC) antes e depois da capacitação. No eixo x encontra-se a nomeação do professor e o eixo y demonstra a somatória das respostas para as três subescalas da EVALOE. As barras brancas representam os dados de pré-teste e as pretas, os dados de pós-teste. As barras em tons de cinza indicam medidas adicionais de pré-testes (grupo controle). As siglas utilizadas correspondem à: PC1 (participante controle 1), PC2 (participante controle 2), PC3 (participante controle 3), PC4 (participante controle 4), PC5 (participante controle 5), PC6 (participante controle 6)

No geral, observa-se que os dados da EVALOE foram mais elevados na análise pós-intervenção para 11 dos 13 participantes, sendo seis do grupo experimental e cinco do grupo controle. Os aumentos nas médias das respostas dos professores PE4, PC2 e PC5 são pequenos, podendo ser atribuídos a mudanças em um ou dois itens do instrumento.

Além de analisar as médias das respostas da EVALOE, foi possível observar em quais itens os professores melhoraram após a capacitação e ao longo do estudo. Nota-se que mais de 50% dos professores obtiveram pontuações mais elevadas nos itens das subescalas “Contexto e gestão da comunicação” e “Funções comunicativas e estratégias”.

Na subescala “Contexto e gestão da comunicação”, foram observadas pontuações mais elevadas nos itens: “ensinar os alunos iniciarem as interações comunicativas” e “possibilitar que os alunos tomassem turnos”.

Na subescala “Desenho instrucional”, foram observadas mais tentativas de ensinar sistematicamente os itens: “especificar os conhecimentos prévios necessários vinculados à atividade que se propõe em sua fala”, “propor atividades que permitem trabalhar os objetivos em linguagem oral” e “avaliar a competência em linguagem oral dos alunos”.

Na subescala “Funções comunicativas e estratégias”, os professores trabalharam melhor os itens que contemplavam: “ensinar a dar informação”, “dar informações aos seus alunos”, “ensinar a sintetizar ou tirar conclusões depois das discussões feitas em sala de aula”, “ensinar os alunos a sintetizarem ou tirarem conclusões”, “professor explicitar os enunciados não compreensíveis dos alunos” e “professor avaliar positivamente os enunciados dos alunos”.

As medidas repetidas que foram realizadas com o grupo controle sugerem que as alterações observadas, provavelmente, não têm relação com a passagem do tempo e com o momento do ano letivo, no qual as observações foram realizadas, com exceção, talvez, do professor PC4, cujas pontuações foram gradativamente aumentando ao longo das aplicações, mesmo antes de qualquer capacitação ou intervenção. Observa-se que os dados dos outros professores se mantiveram estáveis ao longo do tempo e aumentaram, apenas, após a capacitação. Com relação aos dados do grupo experimental, as medidas de follow-up permitiram analisar que as alterações encontradas após a intervenção foram mantidas por cinco dos sete professores participantes.

DISCUSSÃO

Este estudo verificou os efeitos de uma capacitação realizada com professores do Ensino Infantil visando ao uso de estratégias específicas durante a leitura compartilhada e a seu impacto nas atividades que objetivam estimular a linguagem oral pelo professor em sala de aula.

Os dados obtidos pelo Checklist, que buscava informações sobre a utilização das cinco estratégias propostas, resumidos nas Figuras 1 e 2, revelam que a capacitação apresentou impacto no comportamento dos professores durante as atividades de leitura compartilhada em sala de aula. A afirmativa apoia-se no fato de que as estratégias, as quais são apontadas pela literatura como importantes para o real aproveitamento das atividades de leitura compartilhada(7), aumentaram sua frequência de ocorrência e outras passaram a ocorrer após a capacitação. Esses dados corroboram estudos que apontam a importância de se realizar formação continuada para professores, e apresentar, continuamente, os achados científicos de forma sistematizada e naturalística para os profissionais que têm contato direto e continuado com as crianças em fase inicial de aquisição e desenvolvimento da linguagem, os quais podem aplicar e transformar em ganhos sociais conhecimentos científicos resultantes de inúmeros esforços intelectuais e financeiros(8).

O fazer baseado em evidências científicas em contexto educacional pressupõe uma tradução e operacionalização de achados de pesquisas, ora básicas, ora experimentais, para as situações em que novas variáveis podem ser encontradas e levadas em consideração. Por isso, o trabalho conjunto de pesquisadores e profissionais da educação torna-se profícuo(14). Alguns estudos têm apontado que a organização de procedimentos que realmente possibilitam que o profissional da área da educação fique sob controle das variáveis importantes para o êxito da atividade é crucial. Caso contrário, aplicarão as atividades e não obterão os mesmos resultados obtidos em pesquisas quando os pesquisadores realizaram as atividades atentos às variáveis específicas(7,15).

O conhecimento proporcionado por estudos prévios, que tenham se debruçado sobre os problemas e objetivos com os quais o professor se depara cotidianamente e o consequente oferecimento de possibilidades operacionalizadas de ação, medida e análise, permite que o professor vislumbre alternativas para as situações práticas para as quais muitas vezes não observa sucesso. A preocupação com o oferecimento de alternativas para o professor, que tenham altas probabilidades de êxito, vem de achados da literatura sobre o adoecimento de professores. Estes estudos apontam a existência de quadros de alterações de saúde como problemas vocais, musculoesqueléticos e, em especial, relacionados a stress, exaustão emocional e síndrome de Burnout. Este achado vem sendo explicado de várias formas e uma delas é o fato de os profissionais nem sempre observarem ou perceberem de forma lenta as mudanças comportamentais e de aprendizagem em seus alunos, o que leva muitas vezes a uma sensação de incompetência e frustração(16,17).

A possibilidade de realizar atividades que estimulem todas as crianças, independentemente de suas características pessoais, com a segurança de estar realizando procedimentos previamente preparados e avaliados, pode facilitar o trabalho e permitir que se observem ganhos individuais nos alunos, diminuindo a ansiedade e sensações de insegurança do professor. Neste sentido, observou-se, neste estudo, que algumas estratégias já eram realizadas por alguns professores e houve um aumento no número de professores que passaram a utilizá-las (“dar pausas”, “significar”, “contextualizar”). Também houve aumento na frequência de utilização das estratégias, o que permite que se infira que o procedimento traz ganhos no sentido de nortear o fazer e levar o professor a agir sob controle das variáveis apresentadas como importantes em estudos prévios, favorecendo, assim, seus ganhos e sua segurança na aplicação do procedimento.

Além disso, é importante notar que os dados obtidos por meio do instrumento EVALOE fortalecem as reflexões acima apresentadas. Os professores, de ambos os grupos, aumentaram o número de ações norteadas por propostas preconizadas pela literatura a partir da capacitação, evidenciadas nos pós-testes de ambos os grupos (experimental e controle). Ao se analisar os registros das quatro aplicações, é notório que as cinco estratégias discutidas na capacitação como importantes de serem realizadas na leitura compartilhada foram generalizadas para outros contextos de estimulação de linguagem oral pelo professor.

A avaliação realizada pelo instrumento EVALOE permitiu que se investigasse se o professor realmente havia compreendido qual o aspecto relevante de cada estratégia (ao generalizar e utilizar em outros contextos) ou se estava realizando a estratégia de forma mecânica, especificamente ao longo da leitura, conforme discutido com a pesquisadora na capacitação. Assim, os dados revelados pelo EVALOE no follow-up do grupo experimental (aumento do número de interações concebidas como estimuladoras para cinco de sete participantes) são de extrema importância para que se possa inferir que a capacitação realmente foi útil, no sentido de proporcionar reflexão sobre os aspectos relevantes para os quais os professores devem atentar e fomentar nas interações com as crianças. Segundo Gràcia et al.(9), apesar de existirem vários instrumentos que possuem o objetivo de avaliar a interação entre professores e alunos em sala de aula, eles não são sensíveis a alguns aspectos fundamentais para o desenvolvimento da linguagem oral. Assim sendo, os dados obtidos no estudo por meio da escala EVALOE demonstrou o quanto esta é sensível a respeito para avaliar a interação professor e aluno e o quanto isso proporcionou melhoras nesta interação.

Apesar das contribuições deste estudo, uma limitação para a generalidade dos dados no que se refere à aplicabilidade da capacitação é o fato de ter ocorrido especificamente com professores do Ensino Infantil. A sugestão seria da ampliação da coleta de dados e aplicação da capacitação para professores do Ensino Fundamental, no qual as situações de leitura compartilhada podem ser realizadas também pelos alunos que já começam a acompanhar o texto como leitores alfabetizados. Isto porque, a literatura apresenta a leitura compartilhada importante também para o desenvolvimento da compreensão leitora, sendo um dos objetivos do Ensino Fundamental(18,19).

CONCLUSÃO

A capacitação para professores de educação infantil, proposta por este estudo, demonstrou ser adequada e com impacto positivo no aumento de interações previamente apontadas pela literatura como importantes para a estimulação da linguagem oral, tanto em situação específica relacionada às atividades da capacitação quanto em outras atividades realizadas pelos professores no decorrer das aulas.

  • Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação de Psicologia, Universidade Federal de São Carlos – UFSCar - São Carlos (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Nov 2019
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2018
  • Aceito
    05 Maio 2019
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