RESUMO
Objetivo Verificar o efeito imediato da corrente elétrica excitomotora, denominada FES, na qualidade vocal e no tempo máximo de fonação (TMF), e possíveis desconfortos, em mulheres sem alteração vocal, com aplicação em intensidade máxima suportada (IMS) e associada à fonação.
Método Estudo experimental com 20 mulheres adultas normofônicas. Elas emitiram a vogal /a/ sustentada e depois foi aplicada a FES durante emissão da mesma vogal. Foram cinco séries com três minutos de emissão cada, intercaladas com descanso passivo; o estímulo elétrico foi na IMS pela participante, ajustado por série. Antes e após as emissões as vozes foram gravadas e coletados os TMF e a intensidade dos estímulos. A qualidade vocal foi classificada por juízes. Foram comparados os dados pré e pós emissão/eletroestimulação em cada fase. A análise qualitativa foi realizada a partir de sintomas autorreferidos.
Resultados Não houve diferença na qualidade vocal e nos TMF entre os momentos pré e pós nas duas fases. A diferença entre a IMS e a intensidade de percepção do estímulo foi maior na série 1 em relação à série 2. Houve aumento da IMS na série 5 em relação à série 1. Não foram relatados sintomas negativos imediatos ou em até 48 horas após os procedimentos.
Conclusão A corrente FES em IMS, associada à fonação, não gerou mudança imediata na qualidade vocal, nos TMF ou desconfortos autorreferidos pelas mulheres sem alteração vocal, mesmo com aumento gradual do estímulo.
Descritores Voz; Estimulação Elétrica; Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea; Fonoaudiologia; Laringe
ABSTRACT
Purpose To verify the immediate effect of the Excitomotor Electrical Current, called Functional Electrical Stimulation (FES), on vocal quality, Maximum Phonation Time (MPT) and possible discomfort, in women without vocal alteration, with application at Maximum Supported Intensity (MSI) and associated with phonation.
Methods Experimental study with 20 normophonic adult women. They emitted the sustained vowel / a / and then it was applied to FES during emission of the same vowel. There were five series with three minutes of emission each, interspersed with passive rest. The electrical stimulus was at the MSI by the participant, adjusted by series. Before and after the emissions the voices were recorded and the MPT and the intensity of the stimuli were collected. The vocal quality was rated by judges. Statistical analysis made it possible to compare pre and post emission / electrostimulation data in each phase. Qualitative analysis was performed based on self-reported symptoms.
Results There was no difference in vocal quality and MPT between pre and post moments in both phases. The difference between MSI and stimulus perception intensity was greater in series 1 than in series 2. There was an increase in MSI in series 5 compared to series 1. No significant negative symptoms or within 48h after procedures were reported.
Conclusion The FES at MSI, associated with phonation, did not generate an immediate change in vocal quality, in the MPT or self-reported discomforts by women without vocal alteration, even with a gradual increase in the stimulus, series by series.
Keywords Voice; Electric Stimulation; Transcutaneous Electric Nerve Stimulation; Speech, Language and Hearing Sciences; Larynx
INTRODUÇÃO
Há constante interesse científico pela compreensão dos mecanismos que atuam sobre a musculatura e inervação do corpo visando aplicação clínica. Dentre eles, destacam-se diversas correntes elétricas que têm por finalidade a reabilitação e procedimentos estéticos.
As correntes elétricas geralmente são conhecidas por meio dos nomes de seus inventores ou por nomes comerciais. Estas denominações podem gerar diferentes interpretações em relação aos efeitos fisiológicos e aos possíveis benefícios clínicos das correntes. O que vai definir o tipo de estímulo serão os parâmetros de estimulação definidos pelo profissional disponíveis no aparelho(1).
As correntes de nomes comerciais mais comuns são: TENS (Estimulação Elétrica Nervosa Transcutânea), que atua no sistema aferente e FES (Eletroestimulação Elétrica Funcional), que atua no sistema eferente(1).
A corrente elétrica transmitida via eletrodos transcutâneos é capaz de despolarizar uma membrana excitável, gerando um potencial de ação e, consequentemente, uma contração muscular. Porém, essa contração dependerá da amplitude e da duração do pulso do estímulo elétrico(2).
Neste estudo foi utilizada a corrente elétrica excitomotora, denominada como corrente FES.
A corrente excitomotora gera contração muscular e é considerada como um recurso auxiliar no fortalecimento muscular, no aumento do fluxo circulatório e da resistência muscular da região estimulada, reduzindo a fadiga, evitando atrofia do músculo acometido e acelerando o processo de regeneração, além de prevenir a fibrilação. No entanto, ainda não é de total conhecimento como esses efeitos ocorrem(1).
Na área de voz a utilização da corrente excitomotora ainda é restrita, com poucas pesquisas sobre o tema(3-9).
Compreender os efeitos da corrente excitomotora em mulheres vocalmente saudáveis poderá auxiliar os especialistas em relação ao conhecimento mais aprofundado dos efeitos da eletroestimulação na voz e consequentemente tornar sua indicação mais segura.
Diante da limitação das publicações com esse enfoque surgiu o interesse em detalhar a aplicação da EE excitomotora e seus possíveis efeitos em mulheres vocalmente saudáveis em intensidade máxima suportada.
O objetivo desta pesquisa foi verificar o efeito imediato da corrente elétrica excitomotora, denominada FES, na qualidade vocal, no tempo máximo de fonação e por possíveis desconfortos, em mulheres sem alteração vocal, com aplicação em intensidade máxima suportada e associada à fonação.
MÉTODO
Trata-se de pesquisa prospectiva, descritiva, experimental, com mulheres adultas sem queixas ou alterações vocais, devidamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas da instituição (Parecer 3.270.420).
Foram convidadas mulheres adultas graduandas de um curso de fonoaudiologia e do convívio social e profissional da pesquisadora.
Os critérios de inclusão foram mulheres com idade entre 18 e 55 anos, sem queixas vocais e/ou histórico de alteração vocal ou de deglutição nos últimos seis meses autorreferidos no questionamento feito pela pesquisadora. Os critérios de exclusão foram não participar de alguma etapa da pesquisa, histórico de epilepsia, uso de marca-passo, distúrbio do sistema osteomioarticular cervical, distúrbios neurológicos que comprometessem a compreensão e/ou a realização dos procedimentos de eletroestimulação e gravação de voz, bem como déficit auditivo de qualquer intensidade que comprometesse o controle de fonação quanto à altura e intensidade de voz, uso de órteses ou próteses metálicas. Foram excluídas ainda as participantes que responderam positivamente o questionamento sobre presença de gripes, resfriados e quadros respiratórios afecções/infecções recentes.
A amostra final foi constituída por 20 participantes com idades entre 20 e 42 anos.
Os equipamentos utilizados para as gravações foram previamente testados em pesquisa piloto para garantir o mesmo ganho e fidedignidade no registro das amostras: software Audacity®, microfone unidirecional (AKG, modelo C 520L), interface (Roland, modelos tri-capture e Cakewalk), notebook (Acer Aspire E4) e desktop (HP Pavilon Slimline, Intel Core I3). As coletas foram realizadas em sala silenciosa e em locais de preferência de cada participante.
Para confirmação da ausência de alteração vocal foram registradas as amostras da vogal /a/ e da contagem de números de um a 20. Essas amostras foram submetidas à análise perceptivo-auditiva de três juízes experientes por consenso. Para ser considerada sem alteração vocal a participante deveria apresentar grau geral de desvio vocal menor ou igual a 35,5 na escala analógica visual de 100 milímetros(10). A fim de garantir a ausência de disfonia foi realizada por uma das juízas a análise do Diagrama do Desvio Fonatório por meio do software Voxmetria (CTS Informática)(11,12). Essa segunda análise serviu igualmente para definir os casos em que houve divergência na análise perceptivo-auditiva e foram incluídas as 20 participantes que tiveram suas vozes classificadas no Quadrante 1(13).
Após a seleção da amostra, foram realizados os procedimentos que ocorreram em duas fases diferentes, individualmente, com espaçamento mínimo de uma semana e máximo de duas semanas entre elas.
Na primeira fase foi solicitada emissão sustentada do fonema /a/ em cinco séries de três minutos cada, totalizando 15 minutos. Cada série era composta por emissão de dez segundos seguidos de dez segundos de silêncio até completar três minutos. Ao final de cada série ocorria intervalo de descanso passivo de 90 segundos.
Na segunda fase as participantes receberam a EE excitomotora associada à vogal sustentada /a/, respeitando os mesmos intervalos de fonação e de pausa estabelecidos na fase anterior. Foi utilizada a corrente de nome comercial FES, do aparelho Neurodyn II (Ibramed, Brasil).
As atividades fonatórias em cada uma das fases de coleta seguiram critérios pré-definidos. Para fonação da vogal /a/ foi solicitado às participantes a emissão sustentada em pitch e loudness habituais e a pesquisadora executante fez o controle do tempo, dando sinal para o início e para a finalização. Na fase 1 a proposta foi de dez segundos de emissão seguidos de dez segundos de silêncio até totalizar três minutos. Assim, foi possível simular os períodos dos tempos on e off da FES da fase 2. Na fase 2 a aplicação da FES se deu na região do corno superior da cartilagem tireoide, em região acima da entrada do nervo laríngeo superior, bilateralmente(7). Os eletrodos utilizados eram autoadesivos da marca Carci, tinham 3 cm de diâmetro e foram fixados no pescoço com fita adesiva microporosa na altura da laringe (Figura 1).
O protocolo de eletroestimulação utilizado foi adaptado da literatura para fibras tipo II, de maior predominância em região laríngea(14). O aparelho foi programado em 70 Hz de frequência e 300us de largura de pulso, TON e TOFF de 10 segundos por ser uma atividade isométrica, com sobrecarga, rampa de subida de 3s e de descida de 2s. A intensidade foi a máxima suportada pela participante em cada série.
Na série 1 a pesquisadora executante realizou a mensuração da intensidade a cada 5 miliampère (mA) até a participante relatar início da percepção do estímulo, denominado intensidade de percepção do estímulo (IPE). Após esta percepção aumentava-se a intensidade de 1 mA em 1 mA até o desconforto máximo. Então a intensidade era reduzida em 1 mA para que se chegasse à intensidade máxima suportada (IMS). As séries subsequentes tinham como intensidade inicial (II) a IMS do ciclo anterior. Durante a estimulação cada participante permaneceu confortavelmente sentada, realizando a fonação da vogal /a/ de forma contínua durante o tempo on. Todas foram instruídas inicialmente a comunicar qualquer sensação de desconforto ou fadiga mental, física ou emocional erguendo um dos braços para que o estímulo fosse imediatamente interrompido.
Antes das gravações e nos intervalos de descanso de 90 segundos cada participante foi orientada a ingerir 40 mL de água, totalizando 240 mL, a fim de manter a hidratação(15), com ao menos duas deglutições para clareamento laríngeo(16). A opção pela ingestão de água se deu a fim de evitar a interferência na voz da falta de hidratação(15).
A sequência de participação na Fase 1 e na Fase 2 foi definida de maneira aleatória, ou seja, algumas participantes iniciaram a coleta pela Fase 1 e outras pela Fase 2.
A avaliação perceptivo-auditiva da voz foi realizada a partir da emissão do tempo máximo fonatório da vogal /a/ em três repetições, nos momentos pré e pós coleta de cada uma das fases e foram analisadas por três juízes fonoaudiólogos experientes nesse tipo de análise.
A amostra coletada em cada fase foi randomizada pela pesquisadora em relação ao momento pré e pós de cada fase e entregue separadamente para cada juiz. A instrução dada aos juízes foi para que realizassem a comparação das gravações pré e pós fonação da Fase 1 (PRÉ.1 e PÓS.1), e após descanso, realizassem a comparação das gravações pré e pós estimulação/fonação da Fase 2 (PRÉ.2 e PÓS.2). Em ambas as análises cada juiz deveria classificar a segunda gravação apresentada como “melhor”, “pior” ou “manteve”, em relação à primeira. As análises foram feitas individualmente sem comunicação entre os juízes.
Houve repetição de 20% da amostra para cálculo da confiabilidade intra e interjuiz por meio do teste Kappa. Para que o juiz se mantivesse no estudo deveria apresentar confiabilidade intra e interjuizes entre 0,61 e 1,00 considerada boa, ótima ou perfeita. Dessa forma, foram incluídas as análises dos dois juízes com maior confiabilidade. Quando as respostas dos dois juízes foram totalmente divergentes (“melhor” e “pior”) ou quando para um juiz foi “melhor” ou “pior” e para outro foi “manteve”, optou-se em ambas situações por classificar como “manteve”.
Além das análises perceptivo-auditivas, os tempos máximos de fonação obtidos diretamente das gravações por meio do software Praat, foram comparados em relação aos momentos pré e pós de cada fase.
Ao término da Fase 2 as participantes deveriam comunicar à pesquisadora qualquer sensação de dor, ardor, desconforto laríngeo e/ou irritação cutânea na região de fixação dos eletrodos, no momento imediato ou em até 48 horas após. Esses dados foram considerados qualitativamente na análise final dos resultados.
Foi realizada análise estatística para comparação entre os momentos pré e pós de cada fase separadamente, em relação à qualidade vocal (teste McNemar) e tempo máximo de fonação (teste de Wilcoxon).
Em relação à intensidade da FES na Fase 2 foi calculado o coeficiente de variação para as médias e desvios-padrão das diferenças entre a intensidade máxima suportada (IMS) e a intensidade de percepção do estímulo (IPE) na série 1 e entre a IMS e as intensidades iniciais (II) nas séries 2, 3, 4 e 5(17).
Para comparar as médias das diferenças entre a IMS e a IPE nas cinco séries foi aplicado o teste de Friedman; a partir das diferenças encontradas foi utilizado o Teste de Comparações Múltiplas série a série. Para comparação entre as IMS nas séries 1 e 5 da fase 2 foi utilizado o teste de Wilcoxon.
Foi considerado nível de significância de 5%.
RESULTADOS
Os juízes 1 e 2 apresentaram confiabilidade dentro dos critérios estabelecidos sendo mantidos no estudo. Na confiabilidade intrajuiz, o juiz 1 e 2 apresentaram respectivamente k=0,906 e k=0,619. Na confiabilidade interjuizes da fase 1 apresentaram k= 0,906 e na fase 2 k= 0,814.
Não houve diferença na qualidade vocal em relação aos momentos pré e pós tanto na Fase 1 quanto na Fase 2 (Tabelas 1 e 2).
Análise comparativa entre os momentos Pré e Pós do juiz 1, juiz 2 e da média das respostas na FASE 1
Análise comparativa entre os momentos Pré e Pós do juiz 1, juiz 2 e da média das respostas na FASE 2
Na análise comparativa entre as médias dos TMF não houve diferença entre os momentos pré e pós, tanto na fase 1 (p=0,970) quanto na fase 2 (p=0,601).
Houve grande variabilidade entre as participantes quanto à intensidade dos estímulos, o que se observou a partir da heterogeneidade encontrada na análise das médias das diferenças entre IMS e IPE (série 1) e IMS e II (séries 2, 3, 4 e 5) (Tabela 3).
Distribuição das médias das diferenças entre a intensidade máxima suportada (IMS) e a intensidade de percepção do estímulo (IPE) na série 1, e intensidade máxima suportada (IMS) e as intensidades iniciais (II) nas séries 2, 3, 4 e 5, FASE 2; análise da variação
Na análise de comparações múltiplas entre as séries observou-se apenas diferença entre as séries 1 e 2. (Tabela 4).
Comparação entre as cinco séries em relação à média das diferenças entre a intensidade máxima suportada (IMS) e a intensidade de percepção do estímulo (IPE) na série 1 e a intensidade máxima suportada e a intensidade inicial (II) nas séries subsequentes, FASE 2
Houve diferença ainda em relação à média da intensidade máxima suportada entre as séries 1 e 5, apontando aumento significativo na série 5 (Tabela 5).
Comparação entre as séries 1 e 5 em relação às médias das intensidades máximas suportadas (IMS), FASE 2
Não houve relato de dor, ardor, desconforto laríngeo, fadiga e/ou irritação cutânea na região de fixação dos eletrodos, tanto no momento imediato, quanto em até 48 horas do término dos procedimentos.
DISCUSSÃO
Pesquisas sobre a voz da mulher são de grande interesse científico devido às predisposições anatomofisiológicas e funcionais para disfonia(15)
A eletroestimulação tem se mostrado clinicamente benéfica em diversos casos de alterações vocais, porém sem respaldo na literatura científica quanto aos protocolos mais indicados(18).
Estudos que utilizaram a FES transcutânea acima de 70 Hz na laringe de indivíduos saudáveis indicam que o fechamento glótico depende do posicionamento do eletrodo na laringe. Não foi observado fechamento glótico nos casos em que os eletrodos foram posicionados em região submandibular e em outras regiões laríngeas(19), exceto em um estudo em que foram posicionados em região tireoidea, próximos à entrada do nervo laríngeo superior interno(7). O ramo interno do nervo laríngeo superior apresenta função sensorial(20). Porém, Seifpanahi et al.(7) posicionaram os eletrodos logo acima da entrada desta ramificação do nervo laríngeo e obtiveram um fechamento glótico satisfatório, evidenciado por meio de imagens laringoscópicas. Este mesmo posicionamento foi adotado no presente estudo.
Os poucos dados da literatura em relação ao tempo de eletroestimulação nortearam a elaboração da proposta deste estudo. Estimulação por 30 ou 60 minutos com associação de fala espontânea e/ou encadeada gerou indícios de fadiga nos participantes e esses autores sugerem a associação da eletroestimulação com a produção vocal(3,4). A FES aplicada por 15 minutos enquanto o participante realizava a tarefa de leitura ou descrição de uma figura a cada cinco minutos não levou a mudanças vocais(5).
Assim, procurou-se associar a função motora à estimulação elétrica com corrente de baixa frequência, respeitando o tempo ótimo de atividade fonatória descrito em literatura(21,22) e o tempo de eletroestimulação que não gerasse fadiga vocal ou muscular(3-5).
Com esta proposta também não foram observadas diferenças na qualidade vocal das participantes tanto após emissão da vogal isolada quanto da emissão associada à FES provavelmente por se tratar de estudo com mulheres sem alterações vocais.
As médias dos TMF estavam dentro da normalidade para a faixa etária e sexo(20) no momento pré, com valores acima dos encontrados em outro estudo(23), o que provavelmente contribuiu para não haver diferenças na comparação pré e pós. Isso indica que a coaptação glótica estava adequada, havia controle mioelástico/aerodinâmico(20) e esses se mantiveram após a estimulação. Em estudo com a realização de exercício de canudo com alta resistência os autores observaram aumento do TMF em mulheres sem alteração vocal após um minuto de execução(22). Ainda que sejam atividades fisiologicamente diferentes é interessante observar que apenas um minuto da referida técnica tenha promovido o aumento do TMF enquanto 15 minutos da FES associada à fonação não foi suficiente para qualquer modificação desse parâmetro. Por outro lado, a metodologia aplicada não gerou fadiga, fato que poderia levar à piora dos TMF e surgimento de soprosidade, por exemplo, ou relato de fadiga ou incômodo pelas participantes. A ausência de relatos de incômodo em até 48 horas após os procedimentos, tendo sido utilizada a FES na máxima intensidade suportada, aponta que ainda que a eletroestimulação pudesse gerar maior coaptação glótica com repercussões vocais e/ou sensitivas/motoras indesejáveis, isso não foi observado.
Quanto à intensidade do estímulo, há várias hipóteses sobre a avaliação psicofísica da percepção da dor e considera-se que uma mesma intensidade de estímulo pode gerar amplitudes sensoriais diferentes; para se atingir um mesmo nível de sensibilidade entre diversas pessoas a intensidade do estímulo pode ser diferente, bem como a experiência pregressa relacionada a algum evento psicofísico que leve o indivíduo a fazer um julgamento da sensação(24,25). A eletroestimulação com intensidade máxima suportada merece especial atenção do clínico, uma vez que não há padrão de normalidade a ser seguido tanto em relação à intensidade mínima percebida quanto à intensidade máxima suportada, e nem em relação à intensidade máxima real a ser empregada na FES.
A diferença encontrada entre as médias de IMS das séries 1 e 2 pode ser explicada pelo fato de que na série 1 a variação foi maior em função do início ter sido o suficiente para que cada participante percebesse o estímulo, até chegar na intensidade máxima suportada. A partir da série 2 a intensidade do estímulo era reajustada a partir da máxima suportada pela participante na série anterior.
A diferença de 3 mA encontrada entre as séries 1 e 5 deve ser explorada em estudos futuros.
Esse conhecimento pode nortear o uso da eletroestimulação associada às técnicas vocais que visem melhor coaptação glótica . Em estudo anterior com indivíduos sem alterações vocais, a estimulação excitomotora foi aplicada baseando-se em 90% da intensidade máxima autorreferida(7). Apesar desses parâmetros serem diferentes dos propostos na presente pesquisa, foram os mais próximos, com resultados efetivos em relação à coaptação glótica. O eletrodo utilizado no referido estudo tem área menor (0,7 cm) em comparação ao diâmetro da área de estimulação excitomotora do eletrodo utilizado nessa pesquisa (3 cm). Decidiu-se utilizar a intensidade máxima suportada e o eletrodo de três centímetros por considerar que quanto menor é o tamanho do eletrodo maior será a sensação de desconforto do estímulo elétrico.
Neste estudo optou-se por programar a rampa de subida em três segundos e de descida em dois segundos, conforme descrito por Guimarães e Guimarães(14) para minimizar qualquer desconforto proveniente do início e término brusco do tempo on. Com isso ocorreram sete fonações durante o tempo on. Ao comparar a quantidade de fonações na Fase 1 (fonação) e na Fase 2 (fonação + EE) houve duas fonações de 10 segundos a mais na Fase 1. Porém estas fonações não influenciaram nos resultados.
Outro fator importante a ser citado é sobre os espasmos glóticos. O laringoespasmo é um reflexo de fechamento glótico intenso e prolongado, potencialmente fatal se não diagnosticado ou tratado a tempo(26). Dos estudos pesquisados que realizaram eletroestimulação com eletrodos em região de laringe nenhum fez referência à presença de espasmos glóticos independentemente do tipo de corrente e intensidade aplicada(1-9,18,19,27-30).
Uma das limitações deste estudo foi a não realização do exame laríngeo, o qual possibilitaria a análise das condições anatomofisiológicas de cada participante antes, durante e após a aplicação do estímulo elétrico. Mesmo que os resultados não tenham demonstrado diferença entre as duas fases, estudos futuros que contemplem a proposta metodológica apresentada nessa pesquisa poderão acrescentar dados relevantes em relação ao uso da estimulação elétrica excitomotora/FES. Por outro lado, os achados sugerem que a proposta apresentada pode ser utilizada para uma possível melhora da resistência vocal de forma segura. Novos estudos que considerem sua utilização em profissionais da voz que necessitam de maior resistência vocal frente às suas demandas vocais poderão confirmar esta hipótese.
A estimulação elétrica é um tema relevante para a área da voz com expressivo aumento de pesquisas nos últimos anos. Novos estudos que apontem para uma possível padronização em relação ao tamanho e posicionamentos dos eletrodos, bem como variações de frequência, tempo de estímulo e largura de pulso, poderão oferecer evidências seguras aos especialistas para uso da eletroestimulação FES na terapia vocal.
O estudo mostrou uma proposta segura para as mulheres participantes sem alteração vocal. Acredita-se que essa mesma metodologia possa ser testada também em imobilidades de prega vocal após tireoidectomias e também nas presbifonias.
CONCLUSÃO
A corrente elétrica excitomotora (FES) em intensidade máxima suportada, associada à fonação, não gerou mudança imediata na qualidade vocal, nos tempos máximos de fonação ou desconfortos autorreferidos pelas mulheres sem alteração vocal, mesmo com aumento gradual do estímulo, série a série.
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Trabalho realizado no Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo – USP - São Paulo (SP), Brasil.
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Fonte de financiamento: nada a declarar.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
21 Abr 2021 -
Data do Fascículo
2021
Histórico
-
Recebido
09 Ago 2019 -
Aceito
25 Mar 2020