RESUMO
Objetivo
Comparar os resultados da fluência e da autopercepção do impacto da gagueira na vida de adultos que gaguejam, antes e depois de terapia fonoaudiológica intensiva.
Método
Trata-se de estudo descritivo longitudinal com coleta de dados antes e após terapia fonoaudiológica intensiva de quatro pacientes com gagueira. O programa de terapia intensiva constituiu-se em trinta encontros, de uma hora cada, realizados em cinco sessões individuais na semana. As amostras de fala coletadas antes e após a terapia foram analisadas por dois juízes especialistas em Fluência. A análise descritiva dos dados foi realizada por meio da distribuição de frequência das variáveis categóricas e análise das medidas de tendência central e de dispersão das variáveis contínuas. A verificação da concordância entre as análises realizadas pelos dois juízes foi realizada por meio do coeficiente de correlação intraclasse (CCI). Foi realizada também a análise de correlação pelo coeficiente de correlação de Spearman, entre as variáveis da amostra de fala e os escores do OASES-A.
Resultados
Houve redução do percentual de descontinuidade da fala e do percentual de disfluências gagas, aumentando o fluxo de palavras por minuto dos participantes. Na análise descritiva do OASES-A observou-se que em todas as partes do questionário, houve diminuição do grau de impacto da gagueira na vida dos participantes.
Conclusão
Verificou-se melhora de todas variáveis analisadas após terapia intensiva. Observou-se melhora na fluência da fala e redução do impacto da gagueira na vida dos participantes, sugerindo a relevância da proposta de terapia fonoaudiológica intensiva na gagueira.
Descritores:
Fonoaudiologia; Linguagem; Transtornos da Linguagem; Transtorno da Fluência com Início na Infância; Gagueira
ABSTRACT
Purpose
To compare the results of fluency and self-perception of the impact of stuttering on the lives of adults who stutter, before and after undergoing intensive speech-language pathology therapy.
Methods
This is a descriptive and longitudinal study with data collection before and after intensive therapy in four patients who stutter. The intensive care program consisted of thirty one-hour sessions held in five individual sessions a week. Speech samples collected before and after therapy were analyzed by two fluency experts. Descriptive data analysis was performed through the frequency distribution of categorical variables and analysis of measures of central tendency and dispersion of continuous variables. The verification of agreement between the evaluations carried out by the two judges was performed using the intraclass correlation coefficient (ICC). Correlation analysis was also performed using Spearman's rank correlation coefficient between the variables in the speech sample and the OASES-A scores.
Results
There was a reduction of the percentage of stuttering disfluencies, increasing the flow of words per minute of the participants. The descriptive analysis of the OASES-A showed a decrease in the degree of impact of stuttering on the participants' lives in all parts of the questionnaire.
Conclusion
There was an improvement in all variables analyzed after intensive care, including an improvement in speech fluency and a reduction in the impact of stuttering on the participants' lives, which suggests the relevance of the intensive speech therapy proposal for stuttering.
Keywords:
Speech Therapy; Language; Language Disorders; Childhood-Onset Fluency Disorder; Stuttering
INTRODUÇÃO
A gagueira do desenvolvimento é um transtorno da fluência definido pela presença de rupturas involuntárias do fluxo da fala, caracterizadas por repetições de sons, sílabas e palavras monossilábicas, prolongamentos de sons, bloqueios, pausas extensas e intrusões que interrompem o fluxo contínuo e suave da fala(11 Oliveira CMC, Correia DV, Di Ninno CQMS. Avaliação da fluência. In: Lamônica DAC, Britto DBO, editores. Tratado de linguagem: perspectivas contemporâneas. São Paulo: Booktoy; 2017. p. 107-14.). Pode ser definida como resultado de uma disfunção do sistema nervoso central, com base genética, que aparece no período de desenvolvimento da linguagem, entre 18 meses e sete anos de idade. Em 20% dos casos o distúrbio torna-se crônico, resultando em uma prevalência de 1% na idade adulta, com maior ocorrência no sexo masculino(22 Nogueira PR, Oliveira CMC, Giacheti CM, Moretti-Ferreira D. Gagueira desenvolvimental persistente familial: disfluências e prevalência. Rev CEFAC. 2015;17(5):1441-8. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201517510214.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620151...
).
A gagueira é um transtorno do desenvolvimento de aspecto multidimensional, na qual fatores como histórico familial, ambiente, capacidades linguísticas e cognitivas do indivíduo podem interferir(33 Oliveira CMC, Souza HA, Santos AC, Cunha D, Giacheti CM. Fatores de risco na gagueira desenvolvimental familial e isolada. Rev CEFAC. 2010;13(2):205-13. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000116.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010...
). Embora a etiologia da gagueira ainda não tenha sido precisamente identificada, pesquisas(22 Nogueira PR, Oliveira CMC, Giacheti CM, Moretti-Ferreira D. Gagueira desenvolvimental persistente familial: disfluências e prevalência. Rev CEFAC. 2015;17(5):1441-8. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201517510214.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620151...
,33 Oliveira CMC, Souza HA, Santos AC, Cunha D, Giacheti CM. Fatores de risco na gagueira desenvolvimental familial e isolada. Rev CEFAC. 2010;13(2):205-13. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000116.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010...
) têm mostrado que fatores genéticos estão envolvidos na suscetibilidade do transtorno.
A intervenção fonoaudiológica é imprescindível em indivíduos com gagueira, uma vez que o objetivo do tratamento é a promoção da fluência e redução das disfluências, propiciando maior fluxo de informação e fala contínua e suave, o mais natural possível, tanto para o falante como para o ouvinte(44 Oliveira CMC, Pereira LJ. Gagueira persistente no desenvolvimento: avaliação da fluência pré e pós-tratamento. Rev CEFAC. 2013;16(1):120-30. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013005000046.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013...
).
Tradicionalmente, a terapia fonoaudiológica é realizada com um a dois atendimentos semanais. Existem propostas(55 Georgieva D. Terapia intensiva de enfrentamento em grupo com adultos gagos: resultados preliminares. CoDAS. 2014;26(2):122-30. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2014009. PMid:24918505.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2014...
6 Blomgren M, Roy N, Callister T, Merrill RM. Intensive stuttering modification therapy. J Speech Lang Hear Res. 2005;48(3):509-23. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2005/035). PMid:16197269.
http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2005...
-77 Fry J, Millard S, Botterill W. Effectiveness of intensive, group therapy for teenagers who stutter. Int J Lang Commun Disord. 2014;49(1):113-26. http://dx.doi.org/10.1111/1460-6984.12051. PMid:24102885.
http://dx.doi.org/10.1111/1460-6984.1205...
) afirmando que programas intensivos são uma alternativa para se conseguir um padrão de fala mais fluente em menor tempo. A proposta de terapia intensiva para fluência baseia-se nos modelos norte-americanos, canadenses e europeus de programas terapêuticos para estimulação da linguagem oral, fala e/ou fluência. Possui como característica encontros diários, individuais ou em grupo, em torno de 30 dias consecutivos. Pressupõe-se que a terapia diária, pela proximidade e frequência dos encontros, possibilita a observação gradativa das modificações nos comportamentos comunicativos dos pacientes, auxiliando-os na percepção de suas dificuldades e no uso funcional da linguagem. A terapia intensiva pode ser um módulo inicial da terapia convencional ou uma proposta integral de intervenção. Os programas fonoaudiológicos de intervenção em adultos, tanto intensiva quanto convencional, geralmente apresentam uma abordagem mista, envolvendo estratégias de promoção da fluência, modificação da gagueira e aprimoramento de habilidades comunicativas(88 Andrade CRF, editor. Adolescentes e adultos com gagueira: fundamentos e aplicações clínicas [Internet]. Barueri: Pró Fono; 2017 [citado em 2021 Jun 18]. Disponível em: https://observatorio.fm.usp.br/handle/OPI/35106
https://observatorio.fm.usp.br/handle/OP...
,99 Zackiewicz DV, Contesini LA. Manual de orientação para professores de crianças que gaguejam. São Paulo: Oficina de Fluência; 2018.).
O presente estudo teve por objetivo comparar os resultados da fluência e da autopercepção do impacto da gagueira na vida de adultos que gaguejam antes e depois de terapia fonoaudiológica intensiva.
MÉTODO
Trata-se de um estudo preliminar descritivo longitudinal, do tipo experimental e de caráter quantitativo que analisou os resultados da terapia fonoaudiológica intensiva em quatro pacientes do sexo masculino entre 20 e 31 anos de idade, que gaguejam. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, por meio do protocolo CAAE: 02470618.1.0000.5149.
Os participantes foram recrutados por meio de convite à população que gagueja de Belo Horizonte. Como critério de inclusão foi adotada a disponibilidade em participar da intervenção intensiva (cinco horas/semanais), assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e queixa de gagueira confirmada pelo percentual de no mínimo 3% de disfluências gagas, na análise da amostra de fala(88 Andrade CRF, editor. Adolescentes e adultos com gagueira: fundamentos e aplicações clínicas [Internet]. Barueri: Pró Fono; 2017 [citado em 2021 Jun 18]. Disponível em: https://observatorio.fm.usp.br/handle/OPI/35106
https://observatorio.fm.usp.br/handle/OP...
). Os critérios de exclusão foram: comprometimento cognitivo, psicológico, neurológico, outros transtornos de linguagem e do neurodesenvolvimento associados (autorreferidos pelos participantes) e ter realizado tratamento para gagueira no último ano. O estudo foi realizado no Ambulatório de Fonoaudiologia do Hospital São Geraldo, complexo do Hospital das Clínicas da UFMG. Os instrumentos e procedimentos de coleta de dados foram: História Clínica; Questionário sobre a gagueira; Protocolo de avaliação do perfil da fluência (PAPF)(88 Andrade CRF, editor. Adolescentes e adultos com gagueira: fundamentos e aplicações clínicas [Internet]. Barueri: Pró Fono; 2017 [citado em 2021 Jun 18]. Disponível em: https://observatorio.fm.usp.br/handle/OPI/35106
https://observatorio.fm.usp.br/handle/OP...
), Instrumento Overall Assessment of the Speaker’s Experience of Stuttering - Adults (OASES-A), traduzido para o Português Brasileiro(1010 Bragatto EL, Osborn E, Yaruss JS, Quesal R, Schiefer AM, Chiari BM. Versão brasileira do protocolo Overall Assessment of the Speaker’s Experience of Stuttering - Adults (OASES-A). J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(2):145-51. http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912012000200010. PMid:22832682.
http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912012...
) e programa de terapia intensiva para gagueira elaborado pelas autoras, baseado na literatura(88 Andrade CRF, editor. Adolescentes e adultos com gagueira: fundamentos e aplicações clínicas [Internet]. Barueri: Pró Fono; 2017 [citado em 2021 Jun 18]. Disponível em: https://observatorio.fm.usp.br/handle/OPI/35106
https://observatorio.fm.usp.br/handle/OP...
,99 Zackiewicz DV, Contesini LA. Manual de orientação para professores de crianças que gaguejam. São Paulo: Oficina de Fluência; 2018.).
Inicialmente, foi levantada a história clínica do paciente por meio da coleta de informações gerais, histórico de gagueira na família, histórico de saúde geral e de problemas fonoaudiológicos, conhecimento geral do participante sobre gagueira, principais fatores associados, início e gravidade da gagueira, sentimentos relacionados à gagueira, impacto da gagueira nas atividades de vida diária e expectativas em relação ao tratamento.
Para realizar o protocolo de avaliação do perfil da fluência da fala(88 Andrade CRF, editor. Adolescentes e adultos com gagueira: fundamentos e aplicações clínicas [Internet]. Barueri: Pró Fono; 2017 [citado em 2021 Jun 18]. Disponível em: https://observatorio.fm.usp.br/handle/OPI/35106
https://observatorio.fm.usp.br/handle/OP...
), obteve-se o registro em áudio e vídeo de amostra de fala encadeada espontânea dos participantes por meio da apresentação pessoal e descrição de figura temática, antes e após as 30 horas de terapia fonoaudiológica.
A aplicação do OASES-A(1010 Bragatto EL, Osborn E, Yaruss JS, Quesal R, Schiefer AM, Chiari BM. Versão brasileira do protocolo Overall Assessment of the Speaker’s Experience of Stuttering - Adults (OASES-A). J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(2):145-51. http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912012000200010. PMid:22832682.
http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912012...
) foi realizada antes do início da terapia e na última sessão de terapia. O instrumento é organizado em quatro seções, e cada seção abrange uma temática diferente: Informações Gerais sobre a Fala, Reação à Gagueira, Comunicação em Situações Cotidianas e Qualidade de Vida. Os dados foram analisados com base nos referenciais teóricos que respaldam o instrumento. O escore por seção e o escore global são obtidos pela soma dos escores das quatro seções do instrumento. Na interpretação do resultado da avaliação, o impacto da gagueira sobre o falante pode ser considerado como leve, leve a moderado, moderado, moderado a severo ou severo.
O programa de terapia intensiva constituiu-se em trinta sessões de terapia, realizadas em cinco encontros individuais na semana, totalizando um período de cerca de dois meses de atendimentos. A proposta (Quadro 1) foi elaborada baseada no programa fonoaudiológico de intervenção de promoção da fluência, com estratégias de conscientização, dessensibilização e modelagem da fluência, além de atividades de modificação da gagueira e de aprimoramento de habilidades comunicativas(88 Andrade CRF, editor. Adolescentes e adultos com gagueira: fundamentos e aplicações clínicas [Internet]. Barueri: Pró Fono; 2017 [citado em 2021 Jun 18]. Disponível em: https://observatorio.fm.usp.br/handle/OPI/35106
https://observatorio.fm.usp.br/handle/OP...
,99 Zackiewicz DV, Contesini LA. Manual de orientação para professores de crianças que gaguejam. São Paulo: Oficina de Fluência; 2018.).
A reavaliação ocorreu após 30 horas de terapia, utilizando os mesmos instrumentos da avaliação. Nesse estudo serão apresentados os dados referentes às amostras de fala e obtidos na aplicação do OASES-A antes e após terapia fonoaudiológica intensiva. As análises das amostras de fala foram realizadas por dois juízes, especialistas em Fluência. O número de sílabas em cada amostra variou de 210 a 232 sílabas, com exceção da amostra de um participante, mais grave, que não contemplou as 200 sílabas propostas pela autora do PAPF, apresentando 67 e 147 sílabas, nas amostras pré e pós terapia, respectivamente.
A análise descritiva dos dados foi realizada por meio da distribuição de frequência das variáveis categóricas e análise das medidas de tendência central e de dispersão das variáveis contínuas. A verificação da concordância entre as análises realizadas pelos dois juízes foi realizada por meio do coeficiente de correlação intraclasse (CCI). A concordância foi considerada insignificante se < 0, fraca = 0,00-0,20, razoável = 0,21-0,40, moderada = 0,41-0,60, forte = 0,61-0,80, quase perfeita = 0,81-1,00, e perfeita = 1,00. Realizou-se também a análise de correlação pelo coeficiente de correlação de Spearman, entre as variáveis da amostra de fala (percentual de descontinuidade de fala, percentual de disfluências gagas e número de palavras e de sílabas por minuto) e os escores do OASES-A (grau de impacto de cada uma das 4 partes e total). Para tal, a magnitude da correlação foi medida seguindo o seguinte parâmetro: fraca = 0,0-0,4; moderada = 0,4-0,7 e forte = 0,7-1,0; desde que com valor de p≤0,05. Para entrada, processamento e análise dos dados utilizou-se o software SPSS, versão 25.0.
RESULTADOS
A média de idade da amostra foi de 26 anos (Mediana=26,5 DP=4,55), sendo os quatro participantes do sexo masculino. Três participantes não relataram outros casos de gagueira na família (75%). Dois classificaram sua gagueira, na história clínica, como moderada (50%), um (25%) classificou como grave e outro (25%) como muito grave. Quanto à escolaridade, dois participantes (50%) concluíram o curso superior, um participante (25%) superior incompleto e um (25%) relatou ter concluído o ensino médio.
A análise descritiva das amostras de fala dos quatro participantes do programa de terapia intensiva permitiu descrever que o percentual de descontinuidade de fala (Média pré=43,15% e Média após=16,76%) e o percentual de disfluências gagas (Média pré=30,85% e Média após=10,61%) diminuíram após a terapia intensiva. Por outro lado, os fluxos de palavras por minuto (Média pré=60,10 e Média após=82,33) e de sílabas por minuto (Média pré=119,10 e Média após=156,55) aumentaram.
Comparando-se a análise descritiva do OASES-A pré e pós terapia intensiva observa-se que em todas as partes do questionário, bem como em seu escore total, houve diminuição da média e da mediana na avaliação pós terapia. Na análise dos graus de impacto do OASES-A, pré e pós terapia, verificou-se que: Parte 1 (Informações Gerais), melhora do impacto, em que dois participantes do pós foram classificados como impacto leve a moderado e a outros dois como moderado; Parte 2 (Suas reações à gagueira), melhora do impacto, em que dois do pós foram classificados como impacto leve a moderado, o que não havia ocorrido na primeira avaliação; Parte 3 (Comunicação nas situações diárias), piora no impacto em que a porcentagem do moderado a severo do pós aumentou para 50,0%, enquanto o moderado caiu para 25,0%; Parte 4 (Qualidade de vida), melhora no impacto no pós com participantes classificados no grau leve a moderado (50,0%) e ausência de participantes no moderado a severo. O grau de impacto total teve o mesmo resultado da parte 4. A Tabela 1 sintetiza os resultados das análises das amostras de fala e do grau de impacto obtido pelos OAES-A, por participante.
Dados descritivos da fluência e grau de impacto da gagueira antes e depois da terapia intensiva, por participante
Em seguida foram realizadas análises de correlação entre as variáveis da análise das amostras de fala e os escores do OASES-A nos momentos pré e pós terapia. Não houve correlação com significância estatística em quaisquer das variáveis analisadas - valor de p>0,05.
Na análise de concordância entre os juízes observou-se que houve concordância forte em todos os itens analisados (maiores que 0,900).
DISCUSSÃO
Os quatro participantes do estudo são do sexo masculino, corroborando outras investigações(11 Oliveira CMC, Correia DV, Di Ninno CQMS. Avaliação da fluência. In: Lamônica DAC, Britto DBO, editores. Tratado de linguagem: perspectivas contemporâneas. São Paulo: Booktoy; 2017. p. 107-14.
2 Nogueira PR, Oliveira CMC, Giacheti CM, Moretti-Ferreira D. Gagueira desenvolvimental persistente familial: disfluências e prevalência. Rev CEFAC. 2015;17(5):1441-8. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201517510214.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620151...
-33 Oliveira CMC, Souza HA, Santos AC, Cunha D, Giacheti CM. Fatores de risco na gagueira desenvolvimental familial e isolada. Rev CEFAC. 2010;13(2):205-13. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000116.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010...
) cujos autores relataram maior prevalência de gagueira no sexo masculino. Três participantes relataram não possuir outros membros na família que gaguejam. Tal fato vai de encontro à literatura que relata que a maioria dos casos tem origem genética(22 Nogueira PR, Oliveira CMC, Giacheti CM, Moretti-Ferreira D. Gagueira desenvolvimental persistente familial: disfluências e prevalência. Rev CEFAC. 2015;17(5):1441-8. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201517510214.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620151...
), embora haja relatos de casos com outras origens. Infere-se que os participantes podem desconhecer casos em suas famílias, provavelmente pela possibilidade de remissão da gagueira na infância. Além disso, a gagueira é um transtorno de aspecto multidimensional, no qual inúmeros fatores podem interferir, como histórico pré-peri-pós-natal, histórico familiar, fator ambiental, capacidades linguísticas e cognitivas do indivíduo(33 Oliveira CMC, Souza HA, Santos AC, Cunha D, Giacheti CM. Fatores de risco na gagueira desenvolvimental familial e isolada. Rev CEFAC. 2010;13(2):205-13. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000116.
http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010...
).
Em relação aos resultados apresentados acerca das análises das amostras de fala pré e pós terapia, observou-se melhora no perfil da fluência - com diminuição da porcentagem de descontinuidade de fala e de disfluências gagas de todos os participantes após terapia intensiva. Os achados indicam que a redução das disfluências, levou ao aumento no fluxo de palavras e sílabas por minuto, em três dos quatro participantes Ressalta-se que o único participante cujo fluxo de palavras e de sílabas por minuto diminuiu apresentava antes da terapia intensiva valores acima do esperado(88 Andrade CRF, editor. Adolescentes e adultos com gagueira: fundamentos e aplicações clínicas [Internet]. Barueri: Pró Fono; 2017 [citado em 2021 Jun 18]. Disponível em: https://observatorio.fm.usp.br/handle/OPI/35106
https://observatorio.fm.usp.br/handle/OP...
). Estes resultados confirmam os benefícios terapêuticos do programa de terapia intensiva. Na literatura, outros estudos(55 Georgieva D. Terapia intensiva de enfrentamento em grupo com adultos gagos: resultados preliminares. CoDAS. 2014;26(2):122-30. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2014009. PMid:24918505.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2014...
6 Blomgren M, Roy N, Callister T, Merrill RM. Intensive stuttering modification therapy. J Speech Lang Hear Res. 2005;48(3):509-23. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2005/035). PMid:16197269.
http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2005...
-77 Fry J, Millard S, Botterill W. Effectiveness of intensive, group therapy for teenagers who stutter. Int J Lang Commun Disord. 2014;49(1):113-26. http://dx.doi.org/10.1111/1460-6984.12051. PMid:24102885.
http://dx.doi.org/10.1111/1460-6984.1205...
) confirmam diminuição significativa das disfluências após tratamento intensivo. Além disso, apontam diminuição significativa da duração (em segundos) de disfluências e aumento do fluxo de fala após o tratamento(1111 Neilson M, Andrews G. Treinamento intensivo de fluência de gagueiras crônicas. In: Curlee E, editor. Gagueira e distúrbios relacionados de fluência. Nova Iorque: Thieme; 1992.,1212 Craig A, Blumgart E, Tran Y. The impact of stuttering on the quality of life in adults who stutter. J Fluency Disord. 2009;34(2):61-71. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2009.05.002. PMid:19686883.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2009...
). Vale ressaltar que os dados foram obtidos imediatamente antes e após a terapia intensiva, sem tempo para identificar os efeitos da generalização ou uso das estratégias terapêuticas adquiridas, no dia a dia do participante. O acompanhamento semestral dos participantes por um tempo estendido foi proposto com vistas a observar, em outro estudo, se os efeitos da terapia intensiva foram mantidos e consolidados.
A descrição dos resultados do OASES-A, pré e pós terapia, indicam que após a terapia intensiva houve melhora no grau do impacto na vida dos participantes. Tal achado corrobora a literatura(1212 Craig A, Blumgart E, Tran Y. The impact of stuttering on the quality of life in adults who stutter. J Fluency Disord. 2009;34(2):61-71. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2009.05.002. PMid:19686883.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2009...
,1313 Andrade CRF, Sassi FC, Juste FS, Ercolin B. Qualidade de vida em indivíduos com gagueira desenvolvimental persistente. Pro Fono. 2008;20(4):219-24. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008000400003.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008...
), que aponta que o impacto da gagueira está diretamente relacionado à qualidade de vida em pessoas adultas que gaguejam. Infere-se que a intervenção resultou em melhor conhecimento sobre a gagueira, conscientização do corpo e da fala e percepção dos sentimentos do sujeito frente a sua produção verbal, assumindo as propostas de conscientização e modificação da gagueira(88 Andrade CRF, editor. Adolescentes e adultos com gagueira: fundamentos e aplicações clínicas [Internet]. Barueri: Pró Fono; 2017 [citado em 2021 Jun 18]. Disponível em: https://observatorio.fm.usp.br/handle/OPI/35106
https://observatorio.fm.usp.br/handle/OP...
,99 Zackiewicz DV, Contesini LA. Manual de orientação para professores de crianças que gaguejam. São Paulo: Oficina de Fluência; 2018.).
Em relação às análises de correlação entre as variáveis das amostras de fala e os escores do OASES-A nos momentos pré e pós terapia, não houve correlação com significância estatística em quaisquer das variáveis analisadas. Tal fato pode estar relacionado ao momento de resposta do questionário - imediatamente após a última sessão de terapia. O tempo para percepção das habilidades adquiridas e de uso das estratégias aprendidas pode não ter sido suficiente para que os participantes percebessem as modificações ocasionadas com a terapia. O número reduzido de participantes pode, também, ter influenciado a análise. Na prática clínica observa-se que muitas vezes a autopercepção da gagueira e o impacto da mesma na vida do falante não é proporcional à análise da gagueira deste mesmo falante, realizada pelo interlocutor, ou seja, um falante que gagueja levemente pode ter uma interferência muito mais negativa nas experiências comunicativas que um falante com gagueira severa, e vice-versa(1414 Yaruss JS. Assessing quality of life in stuttering treatment outcomes research. J Fluency Disord. 2010;35(3):190-202. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2010.05.010. PMid:20831967.
http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2010...
).
Por fim, a análise de concordância entre os juízes aponta para concordância forte nos itens analisados pré e pós terapia, sendo assim, os resultados obtidos no estudo são considerados confiáveis.
Como limitação do estudo considera-se o pequeno número de participantes decorrente da dificuldade em realizar diariamente a terapia fonoaudiológica. A terapia intensiva envolve fatores socioeconômicos, além de demandar o acompanhamento longitudinal, diário, que dificulta a realização. Fatores como disponibilidade de horário e de locomoção diários são complicadores para os interessados na terapia intensiva. Em contrapartida infere-se que seja uma excelente estratégia a ser considerada levando-se em conta o pequeno número de especialistas na área da Fluência no país, comprometendo a viabilidade de tratamento adequado a todas as pessoas que gaguejam, distantes de locais onde atuam profissionais com expertise na área. A terapia intensiva viabiliza que a pessoa que gagueja possa receber atendimento adequado, intensivamente, em um espaço de tempo mais curto, longe da sua cidade de origem, em seu período de férias, por exemplo.
Como avanço, este estudo traz contribuições para a Fonoaudiologia e para que falantes que gaguejam possam melhorar a fluência da fala em um espaço de tempo menor. Os resultados foram importantes para identificar os benefícios da terapia intensiva na gagueira do desenvolvimento e apresentar o modelo terapêutico utilizado. Optou-se por utilizar um modelo misto abordando estratégias de promoção da fluência, modificação da gagueira e aprimoramento das habilidades comunicativas, propiciando a redução no número de disfluências e aumento do fluxo de fala. Sugere-se que esse estudo seja replicado numa amostra maior de adultos que gaguejam e que outras propostas de intervenção possam vir a ser feitas com base nesses achados, uma vez que apesar de mudanças positivas terem sido observadas, alguns resultados analisados não foram estatisticamente significantes.
CONCLUSÃO
Conclui-se que houve melhora de todas variáveis analisadas após terapia intensiva. Observou-se melhora na fluência da fala, redução dos percentuais de descontinuidade de fala de disfluências gagas, além da redução do impacto da gagueira na vida dos participantes, o que sugere a relevância da proposta de terapia fonoaudiológica intensiva. Os dados expostos possibilitam mostrar o conteúdo de um programa de terapia fonoaudiológica intensiva da gagueira permitindo que outros fonoaudiólogos possam utilizar a intervenção proposta, cuja melhora da fluência e do impacto da gagueira após terapia fonoaudiológica intensiva em adultos que gaguejam foram constatados pelas análises descritivas e de concordância.
-
Trabalho realizado no Departamento de Fonoaudiologia, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Belo Horizonte (MG), Brasil.
-
Fonte de financiamento: nada a declarar.
REFERÊNCIAS
-
1Oliveira CMC, Correia DV, Di Ninno CQMS. Avaliação da fluência. In: Lamônica DAC, Britto DBO, editores. Tratado de linguagem: perspectivas contemporâneas. São Paulo: Booktoy; 2017. p. 107-14.
-
2Nogueira PR, Oliveira CMC, Giacheti CM, Moretti-Ferreira D. Gagueira desenvolvimental persistente familial: disfluências e prevalência. Rev CEFAC. 2015;17(5):1441-8. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201517510214
» http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216201517510214 -
3Oliveira CMC, Souza HA, Santos AC, Cunha D, Giacheti CM. Fatores de risco na gagueira desenvolvimental familial e isolada. Rev CEFAC. 2010;13(2):205-13. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000116
» http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000116 -
4Oliveira CMC, Pereira LJ. Gagueira persistente no desenvolvimento: avaliação da fluência pré e pós-tratamento. Rev CEFAC. 2013;16(1):120-30. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013005000046
» http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462013005000046 -
5Georgieva D. Terapia intensiva de enfrentamento em grupo com adultos gagos: resultados preliminares. CoDAS. 2014;26(2):122-30. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2014009 PMid:24918505.
» http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2014009 -
6Blomgren M, Roy N, Callister T, Merrill RM. Intensive stuttering modification therapy. J Speech Lang Hear Res. 2005;48(3):509-23. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2005/035) PMid:16197269.
» http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2005/035) -
7Fry J, Millard S, Botterill W. Effectiveness of intensive, group therapy for teenagers who stutter. Int J Lang Commun Disord. 2014;49(1):113-26. http://dx.doi.org/10.1111/1460-6984.12051 PMid:24102885.
» http://dx.doi.org/10.1111/1460-6984.12051 -
8Andrade CRF, editor. Adolescentes e adultos com gagueira: fundamentos e aplicações clínicas [Internet]. Barueri: Pró Fono; 2017 [citado em 2021 Jun 18]. Disponível em: https://observatorio.fm.usp.br/handle/OPI/35106
» https://observatorio.fm.usp.br/handle/OPI/35106 -
9Zackiewicz DV, Contesini LA. Manual de orientação para professores de crianças que gaguejam. São Paulo: Oficina de Fluência; 2018.
-
10Bragatto EL, Osborn E, Yaruss JS, Quesal R, Schiefer AM, Chiari BM. Versão brasileira do protocolo Overall Assessment of the Speaker’s Experience of Stuttering - Adults (OASES-A). J Soc Bras Fonoaudiol. 2012;24(2):145-51. http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912012000200010 PMid:22832682.
» http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912012000200010 -
11Neilson M, Andrews G. Treinamento intensivo de fluência de gagueiras crônicas. In: Curlee E, editor. Gagueira e distúrbios relacionados de fluência. Nova Iorque: Thieme; 1992.
-
12Craig A, Blumgart E, Tran Y. The impact of stuttering on the quality of life in adults who stutter. J Fluency Disord. 2009;34(2):61-71. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2009.05.002 PMid:19686883.
» http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2009.05.002 -
13Andrade CRF, Sassi FC, Juste FS, Ercolin B. Qualidade de vida em indivíduos com gagueira desenvolvimental persistente. Pro Fono. 2008;20(4):219-24. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008000400003
» http://dx.doi.org/10.1590/S0104-56872008000400003 -
14Yaruss JS. Assessing quality of life in stuttering treatment outcomes research. J Fluency Disord. 2010;35(3):190-202. http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2010.05.010 PMid:20831967.
» http://dx.doi.org/10.1016/j.jfludis.2010.05.010
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
26 Maio 2023 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
18 Jun 2021 -
Aceito
24 Fev 2022