Open-access Alterações estomatognáticas e de fala são comuns entre crianças com incontinência pigmentar

Resumos

Objetivo  Identificar possíveis alterações fonoaudiológicas de crianças com Incontinência Pigmentar (IP), buscando caracterizar o papel da Fonoaudiologia na avaliação e manejo dessa condição genética.

Métodos  A amostra foi composta por sete crianças do gênero feminino com diagnóstico de IP. Todas foram submetidas aos procedimentos de avaliação nas áreas de motricidade orofacial, deglutição, fala e voz.

Resultados  Os pacientes que compuseram a amostra tinham média de idade de 6,4 anos. Dentre as principais características clínicas estruturais verificadas, destacaram-se a presença de diastemas não fisiológicos e anormalidades de palato duro, encontradas em 85,7% da amostra, além da agenesia dentária em 71,4% dos casos. Quanto aos achados funcionais, 71,4 % apresentaram alteração de mobilidade da língua e 57,1 %, mastigação inadequada. Em relação às alterações de fala, os principais achados foram alterações fonéticas e/ou fonológicas, verificadas em 85,7% da amostra, sendo mais comum a alteração fonética caracterizada pela distorção na fricativa alveolar [s], presente em 57,1% dos casos. Nenhuma das crianças apresentou alteração de voz e deglutição, de acordo com o protocolo utilizado. Além disso, não se evidenciou anormalidade de audição, de acordo com a queixa familiar ou por meio da observação durante a avaliação.

Conclusão  Nesta amostra, as alterações fonoaudiológicas mais frequentes entre os pacientes com IP relacionaram-se, principalmente, com as estruturas do sistema estomatognático e com a fala.

Fonoaudiologia; Incontinência pigmentar; Diastema; Dente; Palato duro


Purpose  To identify possible speech-language disorders in children with Incontinentia Pigmenti (IP), seeking to characterize the role of speech therapy in the evaluation and management of this genetic condition.

Methods  The sample was composed of seven female children diagnosed with IP.

Results  The patients in the sample had a mean age of 6.4 years. Among the main structural features verified in the patients, highlighted the presence of no physiological diastema and hard palate abnormalities, found both in 85.7 % of the sample, in addition to tooth agenesis in 71.4% of cases. As for functional findings, 71.4 % of the sample had abnormal tongue mobility and 57.1%, inappropriate chewing. As for changes in speech, the main findings consisted of phonetic/phonological alterations, verified in 85.7 % of the sample, being the most common phonetic alteration characterized by distortion of alveolar fricative [s], present in 57.1 % of cases. None of the children had abnormal voice and swallowing according to the used protocol. Furthermore, no detectable hearing abnormality was observed according to claim of the family or by observation during the evaluation.

Conclusion  In this sample the most frequent speech-language alterations verified among the patients with IP were mainly related to the stomatognathic system structures and speech.

Speech; language and hearing sciences; Incontinentia pigmenti; Diastema; Tooth; Palate, hard


INTRODUÇÃO

A incontinência pigmentar (IP), ou síndrome de Bloch-Sulzeber (OMIM #308300) é uma doença genética rara, ligada ao cromossomo X, de caráter autossômico dominante(1,2). Acomete, principalmente, neonatos do gênero feminino, apresentando variações significativas na expressividade clínica, inclusive em uma mesma família. Na maioria das vezes, é considerada letal para fetos masculinos, ainda no período intraútero(1,3). No entanto, há casos relatados de pacientes masculinos apresentando mosaicismo para a doença e de portadores da síndrome de Klinefelter(4).

A frequência estimada da IP é de um em 50.000 recém-nascidos. No entanto, provavelmente essa frequência seja mais elevada, uma vez que pode passar facilmente despercebida, devido à apresentação muito variável e lesões que, possivelmente podem ser confundidas com outras doenças(5). A causa da IP foi atribuída a uma mutação que inativa o gene IKK-gamma (IKBKG; OMIM 300248), também conhecido como NEMO, localizado na região 28 do braço longo do cromossomo X. História familiar positiva para a doença é encontrada em cerca de 50% dos casos(1,6).

As manifestações cutâneas estão presentes em quase todos os pacientes com IP e surgem em 90% dos casos na segunda semana de vida. Caracterizam-se por apresentar quatro fases: vesiculosa, verrucosa, pigmentar e atrófica, que podem seguir uma sequência irregular e ter duração variável(6). Estes são, geralmente, os primeiros sinais observados na IP.

Por ser uma síndrome de acometimento multissistêmico(7), outros achados, além dos dermatológicos, são frequentes. Dentre estes, destacam-se as alterações dentárias, observadas em 80% dos casos(6) e que se constituem, principalmente, de agenesia dentária, atraso na dentição e dentes cônicos(2). Alterações neurológicas não são incomuns e representam a maior ameaça à qualidade de vida dos pacientes com IP(7). Incluem convulsões, paralisia espástica, atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e microcefalia(6). Anomalias oculares também são frequentes, sendo observadas em 35% dos casos(2). Outras alterações relatadas e menos comuns incluem o envolvimento de fâneros ossos, músculos e coração(6-8). Destacam-se ainda, a presença de anormalidades bucais, palato ogival, hipoplasia de palato mole, fenda palatina e labial, perda auditiva congênita e desenvolvimento cognitivo(7).

Diante das anormalidades apresentadas pelos pacientes com IP, que podem surgir, inclusive, após a infância, esses pacientes podem apresentar alterações de motricidade orofacial, fala, linguagem, audição e deglutição, evidenciando a importância de acompanhamento da Fonoaudiologia no momento da avaliação, do diagnóstico e do tratamento. Contudo, chama a atenção a inexistência de estudos relacionados. A inserção da Fonoaudiologia visa a uma melhor qualidade de vida dos portadores de IP. É papel do fonoaudiólogo, como membro da equipe multidisciplinar, caracterizar as manifestações que envolvem a linguagem, a fala, a audição e a voz, bem como as funções do sistema estomatognático, como a deglutição e a mastigação(9).

Atualmente, os avanços na área da saúde, tanto na Fonoaudiologia como na Genética, e o trabalho multidisciplinar têm despertado cada vez mais o interesse de ambas as áreas, à medida que evoluem como ciências complementares, não só para melhor compreensão da comunicação humana e seus distúrbios, mas também para melhor caracterização e elaboração de programas específicos para portadores de síndromes genéticas(10).

Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi identificar possíveis alterações fonoaudiológicas de crianças com IP, atendidas pelo serviço de Dermatologia e Genética da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), buscando caracterizar o papel da Fonoaudiologia na avaliação e no manejo dessa condição genética.

MÉTODOS

O presente estudo consistiu de pesquisa de campo observacional, com coleta de dados realizada de forma prospectiva e transversal. Durante o período do estudo, identificaram-se 14 pacientes com diagnóstico de IP. Foram incluídas no estudo apenas crianças com idade acima de 2 anos, devido ao enfoque da avaliação fonoaudiológica e aos instrumentos para o procedimento. Excluiu-se aquelas que possuíam comorbidades, como doenças neurológicas ou doenças neuromusculares progressivas que pudessem interferir nos resultados.

Do total supracitado, sete pacientes foram excluídos por impossibilidade de contato (n=3), idade diferente dos limites estabelecidos para este estudo (n=3), ou presença de comorbidades (n= 1 paciente com miastenia gravis). Assim, a amostra final foi composta por sete crianças do gênero feminino, com IP, cujos pais consentiram em participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da UFCSPA, segundo parecer nº 1723/12.

Todas as crianças foram atendidas pelo Serviço de Dermatologia e Genética da UFCSPA e avaliadas pela equipe de Fonoaudiologia, no período de outubro de 2012 a maio de 2013.

As pacientes deste estudo apresentavam lesões dermatológicas (Figura 1), diagnosticadas segundo critérios que dividem os pacientes em dois grupos, de acordo com a presença ou ausência de histórico familiar(11). Quando não há histórico familiar de IP, a presença de pelo menos um critério maior (eritema, vesículas, eosinofilia, hiperpigmentação típica, principalmente em tronco, seguindo as linhas de Blaschko, desaparecendo na adolescência e lesões alopécicas atróficas lineares) é necessário para o diagnóstico. Os critérios menores (anomalias dentárias, alopecia, cabelos lanosos, anormalidades em unhas e doença da retina) quando presentes, apoiam o diagnóstico de IP. Quando há história familiar positiva, a presença de qualquer critério (hiperpigmentação, lesões cicatriciais, lesões atróficas lineares com ausência de pelos, alopecia em vértice, doença da retina, anomalias dentárias, cabelos lanosos e múltiplos abortos de fetos masculinos) favorece fortemente o diagnóstico de IP.

Figura 1
Achados dermatológicos entre os pacientes da amostra de Incontinência Pigmentar. Presença de lesões seguindo as linhas de Blaschko, com verticílios e estrias bilaterais, em fase vesiculosa (A) e pigmentar (B)

Inicialmente, foi realizado contato com as famílias dos pacientes portadores de IP, sendo feito o convite para realizar a avaliação fonoaudiológica. Todas as pacientes foram submetidas aos procedimentos de avaliação nas seguintes áreas: motricidade orofacial, deglutição, fala e voz. Alterações auditivas com diagnóstico prévio foram anotadas e observadas informalmente durante as avaliações. Queixas auditivas referidas pelos próprios pacientes ou familiares também foram registradas. Para avaliação subjetiva de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, foram considerados os critérios do Caderno de Atenção Básica, Saúde da Criança: crescimento e desenvolvimento, Brasília- DF, 2012(12).

Para caracterizar os aspectos de motricidade orofacial, de deglutição, de fala e de voz dos indivíduos, foi realizada avaliação fonoaudiológica com base no protocolo MBGR-Exame Miofuncional Orofacial(13). O protocolo compreende a análise morfológica extra e intraoral, avaliação da mobilidade, tonicidade e sensibilidade orofacial, assim como das funções de respiração, mastigação, deglutição e fala.

Para a análise do padrão facial, os indivíduos foram classificados como Padrão I, II, III, face longa ou face curta. O padrão I é caracterizado pela normalidade facial e, quando ocorre uma má oclusão, esta é apenas dentária. Os padrões II e III são caracterizados pelo degrau sagital respectivamente positivo e negativo entre a maxila e a mandíbula. Nos padrões face longa e face curta, a discrepância é vertical(14). A análise, assim como as características dentárias (tipo de má oclusão, tipo de dentadura, agenesia dentária e diastemas não fisiológicos), foram realizadas juntamente com as odontólogas participantes deste estudo(14).

Para a análise da deglutição, foram utilizados alimentos nas consistências sólida (pão francês), pastosa (iogurte cremoso) e líquida (água). Oferecia-se o alimento à paciente, sendo que, durante esse momento, era realizada a ausculta cervical e observados os seguintes aspectos: fechamento de lábios, postura de língua, contenção do alimento, contração dos músculos envolvidos, movimentos de cabeça, ruído, coordenação e resíduos após a deglutição. Na análise da da fala, foi solicitado à paciente a contagem de números (0 a 20), dias da semana, meses do ano, nomeação de figuras que envolvessem vários sons e fala espontânea. Foi observada a coordenação motora na fala da paciente por meio da velocidade e do ritmo. Quando a criança apresentava alteração de fala e esta não era clara no instrumento utilizado, aplicava-se uma avaliação mais específica por meio do instrumento Protocolo Avaliação Fonológica da Criança (AFC)(15), conforme a idade e a possibilidade dos indivíduos da amostra.

Por fim, foi realizada a avaliação da voz, solicitando a emissão sustentada de vogal, na qual se observou pitch, loudness e tipo de voz, além de tempos máximos de fonação através da vogal sustentada [a] e das consoantes sustentadas [s] e [z]. Ressalta-se que, devido à heterogeneidade da amostra em relação à idade e às características socioculturais, as avaliações foram adaptadas ao perfil do paciente.A análise dos dados coletados foi organizada em quadros e os resultados expressos em média e frequência absoluta.

RESULTADOS

As sete pacientes que compuseram a amostra eram do gênero feminino, com idades, na avaliação, entre 3 anos e 7 meses e 11 anos e 1 mês (média de 6,4 anos). Apenas duas crianças (28,6%) apresentavam história de nascimento prematuro, sendo que, em cinco casos (71,4%), foi por meio de parto cesáreo. Das sete pacientes, duas (28,6%) possuíam a mãe também afetada pela síndrome de IP.

No momento da análise clínica dermatológica, todas as pacientes apresentavam lesões hipercrômicas lineares, acometendo, principalmente, os membros inferiores; uma delas possuía lesões verrucosas e quatro, estrias atróficas e hipopigmentadas. Outros achados comuns foram cabelos esparsos com alopécia de vértice (85,7%) e presença de nevos melanocíticos (57%).

Dentre as principais características morfológicas extra e intraorais apresentadas pelas pacientes (Quadro 1), destacam-se a presença de diastemas não fisiológicos e anormalidades de palato duro, encontrados em 85,7% da amostra e agenesia dentária em 71,4% (Figura 2).

Quadro 1
Achados morfológicos extra e intraorais observados nos pacientes com Incontinência Pigmentar

Figura 2
Imagem intraoral, de frente, em oclusão, evidenciando diastema entre os incisivos centrais inferiores e microdontia

Com relação aos achados funcionais alterados, pôde-se perceber que cinco crianças (71,4%) da amostra apresentaram alteração de mobilidade de língua e quatro (57,1%), mastigação inadequada (Quadro 2).

Quadro 2
Achados funcionais observados nos pacientes com Incontinência Pigmentar

Os principais achados referentes às alterações de fala observadas na avaliação foram alterações fonéticas isoladas (verificadas em 57,1 % da amostra), sendo mais comum a alteração caracterizada pela distorção na fricativa alveolar [s]. Verificou-se, também, a presença de alterações fonológicas isoladas e alterações fonéticas e fonológicas concomitantes, em 14,3% dos casos (Quadro 3).

Quadro 3
Alterações de fala observadas entre os pacientes da amostra de Incontinência Pigmentar

Nenhuma das crianças apresentou alteração de voz e deglutição, de acordo com o protocolo utilizado. Além disso, não se evidenciou anormalidade de audição, de acordo com a queixa familiar ou por meio da observação informal, durante a avaliação. Todos os pacientes da amostra apresentaram desenvolvimento neuropsicomotor dentro dos parâmetros normais.

DISCUSSÃO

O prognóstico dos pacientes do gênero feminino que apresentam diagnóstico de IP geralmente é bom e depende não só das manifestações cutâneas, mas também das extracutâneas, que podem afetar a qualidade de vida(16). A presença de outras alterações, como anormalidades dentárias e/ou orais são incluídas como critérios menores de diagnóstico de IP(17). Dos pacientes que apresentam a doença, 79,9% têm uma ou mais anomalias com envolvimento de outros órgãos, além da pele. A presença dessas anomalias é de grande importância, pois, ao contrário das alterações dermatológicas, elas estarão presentes por toda a vida do paciente(18). Dentre os critérios diagnósticos menores de IP(11), pudemos encontrar, nesta amostra, alterações dentárias e/ou orais. As anormalidades dos dentes foram os achados mais frequentes, incluindo a presença de diastemas não fisiológicos (85,7%) e agenesias (71,4%), o que concorda com os achados descritos na literatura, onde alterações dentárias são observadas em 80% dos casos, sendo as manifestações não cutâneas as mais comuns da IP(6). A presença de diastemas é comum na dentição decídua e mista, na população em geral. Estas melhoram o prognóstico para o alinhamento espontâneo dos incisivos permanentes. Segundo a literatura, 77% das crianças apresentam arco dentário com espaçamentos na dentadura decídua, que permanecem durante a dentadura mista, principalmente entre os incisivos centrais superiores permanentes(19). Porém, os diastemas verificados em nossa amostra são causados por alterações como micrognatia e anormalidades de forma e agenesia dentária, que fazem parte do espectro de achados da IP(19).

Em relação ao padrão facial dos pacientes, os mais frequentes foram o padrão I (n=3) e o padrão II (n=3). O padrão I é identificado pela normalidade facial e, quando ocorre uma má oclusão, é apenas dentária. O padrão II é caracterizado pela discrepância sagital positiva entre a maxila e a mandíbula, ou seja, ou há um excesso maxilar, ou uma deficiência mandibular(20). Esses pacientes podem apresentar interposição de língua na deglutição, língua no assoalho na posição de repouso e mastigação alterada (casos 3 e 4)(21). Foram encontradas, ainda, alteração de mordida e assimetria facial em 57,1% dos casos e palato duro alto em 71,4%. Na literatura, há escassez de relatos específicos de alteração de mordida e assimetria de face em pacientes com IP. Contudo, essas características poderiam ser resultantes das frequentes alterações dentárias, que, potencialmente, trariam consequências para a forma e função do sistema estomatognático(22-24). Em relação à alta frequência de palato duro alto em nossa amostra (71,4%), em uma revisão sistemática realizada no período de 1993 a 2012, com 1286 pacientes com diagnóstico de IP, onde somente 513 forneciam informações suficientes para avaliar possíveis anomalias dentais e orais, com idades a partir de 1 ano, observou-se que 54,4% apresentavam alguma anomalia dentária e/ou oral, sendo o palato duro alto uma das anomalias bucais mais frequentes. Embora tenha sido relativamente pequeno o número absoluto de anomalias do palato, o número foi 25 vezes maior do que o encontrado na população em geral(16), indicando que o palato duro alto pode ser um achado também característico e útil para o diagnóstico, como critério menor de IP. Uma das vantagens é de que ele já que é visível ao nascimento, ao contrário das anomalias dentárias, que são detectáveis apenas depois de 1 ano de idade(16).

Na avaliação do sistema estomatognático, verificou-se predomínio de alteração de mobilidade de língua (n=6), além de respiração oral (n=2) ou oronasal (n=1). A mastigação também se mostrou alterada, sendo predominantemente o modo unilateral (n=5). Essas características podem ser explicadas pela relação estreita entre as condições ósseas/dentárias e musculares e as funções do sistema estomatognático. A face é um sistema interdependente e qualquer alteração em um de seus componentes acarretará em uma desarmonia geral(23). Nos respiradores orais, por exemplo, a língua tende a permanecer mais baixa na cavidade oral, podendo ocasionar mudanças na musculatura e nas funções do sistema estomatognático, incluindo a produção da fala(24).

Na análise dos resultados da avaliação da fala, percebeu-se que 85,7% dos pacientes apresentaram alguma alteração, podendo ser caracterizada como fonética ou fonológica isolada, ou, ainda, as duas alterações associadas. Foneticamente, 57,1% dos pacientes apresentaram alteração, sendo mais comum a distorção nas fricativas, caracterizada como um ajuste ou compensação utilizada para a produção de um fonema(24). As alterações de origem fonológica foram menos frequentes (14,3%), sendo encontradas também crianças que apresentaram alteração fonética e fonológica concomitantes (14,3%). Na literatura, não há descrição de alterações de fala entre pacientes com IP. Apesar da amostra reduzida, em nosso estudo, os valores encontrados foram superiores aos encontrados na população em geral. Em um estudo realizado com escolares na cidade de Belo Horizonte, dentre as 288 crianças avaliadas, 31,9% apresentavam algum tipo de alteração de fala(25). Em estudos desenvolvidos no Rio Grande do Sul, a prevalência variou de 20,8% a 24,6(26,27). A prevalência de desvio fonético foi descrita como sendo de 18% e de desvio fonológico, de 9,7%. Além disso, 4,2% das crianças apresentavam alterações tanto fonéticas quanto fonológicas(25).

Em geral, estudos relatam a associação entre a presença de desvio fonético e de alterações de motricidade orofacial(25,28). Outros, demonstram que a produção do /s/, fonema que mais apresentou alteração em nossa amostra, requer condições precisas de funcionamento e forma das estruturas orofaciais, pois possui um ponto articulatório mais estável e, por isso, não permite várias trajetórias articulatórias para atingir o mesmo alvéolo. Quando estas condições são modificadas, o som é produzido de forma incorreta, podendo ser distorcido(29,30). Outros achados observados na amostra, que também podem contribuir para as alterações fonéticas descritas, são a mordida aberta anterior e a sobremordida aumentada. A mordida aberta pode levar a adaptações no posicionamento da língua, interpondo-a, protruíndo-a ou elevando-a(28), assim como a sobremordida, que reduz o espaço intraoral devido à diminuição da dimensão vertical, podendo dificultar os movimentos necessários da língua para a produção da fala(24).

As anomalias do sistema nervoso central constituem-se as complicações mais graves da IP(2,3). Em nosso estudo, nenhum dos pacientes apresentou alteração no desenvolvimento neuropsicomotor. Talvez o número reduzido da amostra, os critérios adotados na seleção dos pacientes ou a heterogeneidade dos mesmos, possam explicar tal achado.

CONCLUSÃO

Pôde-se perceber que alterações fonoaudiológicas são frequentes entre pacientes com IP e relacionam-se, principalmente, com as estruturas do sistema estomatognático e com a fala. Fica evidente que estas alterações, principalmente as fonéticas, estão relacionadas aos problemas de posição e mobilidade de língua, lábios, bochechas, mandíbula, às alterações da arcada dentária e ao formato dos dentes. As alterações de fala podem ser consideradas secundárias à síndrome, podendo interferir no desenvolvimento da comunicação e interação dessas crianças. Neste contexto, salientamos a importância da atuação multidisciplinar, com a inclusão do Fonoaudiólogo à equipe, para a melhor identificação, diagnóstico, tratamento e acompanhamento dos casos de IP, possibilitando, assim, uma comunicação eficiente e uma melhor qualidade de vida a esses pacientes.

AGRADECIMENTOS

Gostaríamos de agradecer aos pacientes e às suas famílias pela participação no presente estudo.

REFERÊNCIAS

  • 1McKusick VA, Kniffin CL. Incontinentia Pigmenti; IP. 1986 Apr 6 [atualizado 13 mar 2014; citado em 19 jan 2015]. In: Online mendelian inheritance in man [internet]. Baltimore: Johns Hopkins University; 1966. Disponível em: http://omim.org/entry/308300.
    » http://omim.org/entry/308300
  • 2Kataguiri P, Martins FCR, Yamanda V, Salomão G, Ribeiro R, Rehder JRCL. Manifestações clínicas e desafios diagnósticos na síndrome de incontinentia pigmenti. Rev Bras Oftalmol. 2010;69(6):395-9. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-72802010000600009
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0034-72802010000600009
  • 3Chang JT, Chiu PC, Chen YY, Wang HP, Hsieh KS. Multiple clinical manifestations and diagnostic challenges of incontinentia pigmenti--12 years’ experience in 1 medical center. J Chin Med Assoc. 2008;71(9):455-60. http://dx.doi.org/10.1016/S1726-4901(08)70148-5
    » http://dx.doi.org/10.1016/S1726-4901(08)70148-5
  • 4Pereira MAC, Mesquita LAF, Budel AR, Cabral CSAP, Feltrim AS. Incontinencia pigmentar ligada ao X ou síndrome de Bloch-Sulzberger: relato de um caso. An Bras Dermatol. 2010;85(3):372-5. http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962010000300013
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962010000300013
  • 5Llano-Rivas I, Soler-Sánchez T, Málaga-Diéguez I, Fernández-Toral J. Incontinencia pigmenti: cuatro pacientes con diferentes manifestaciones clínicas. An Pediatr (Barc). 2012;76(3):156-60. http://dx.doi.org/10.1016/j.anpedi.2011.09.008
    » http://dx.doi.org/10.1016/j.anpedi.2011.09.008
  • 6Succi IB, Rosman FC, Oliveira EF. Você conhece esta síndrome? An Bras Dermatol. 2011;86(3):601-10. http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962011000300037
    » http://dx.doi.org/10.1590/S0365-05962011000300037
  • 7Berlin AL, Paller AS, Chan LS. Incontinentia pigmenti: a review and update on the molecular basis of pathophysiology. J Am Acad Dermatol. 2002;47(2):169-87. http://dx.doi.org/10.1067/mjd.2002.125949
    » http://dx.doi.org/10.1067/mjd.2002.125949
  • 8Lamounier FMC, Mansur CA, Corrêa GM, Mansur JS, Mansur LA. Incontinência pigmentar: relato de dois casos. An Bras Dermatol. 2001;76(1):73-8.
  • 9Souza SRB, De-Vitto LPM, Abramides DVM, Santiago G, Costa AR. Avaliação dos aspectos neuropsicolinguísticos de um caso de holoprosencefalia com mutação do gene SHH. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(2):146-50. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000200013
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342007000200013
  • 10Altmann EBC. Sequência de Pierre Roban: enfoque fonoaudiológico. In: Altmann EBC. Fissuras labiopalatinas. 4a ed. São Paulo: Pró-Fono; 2005. p. 495-512.
  • 11Landy SJ, Donnai D. Incontinentia pigmenti (Bloch-Sulzberger syndrome). J Med Genet. 1993;30(1):53-9. http://dx.doi.org/10.1136/jmg.30.1.53
    » http://dx.doi.org/10.1136/jmg.30.1.53
  • 12Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2012. (Cadernos de atenção básica, 33).
  • 13Genaro KF, Bettetin-Felix G, Rehder MIBC, Marchesan IQ. Avaliação miofuncional orofacial: protocolo MBGR. Rev CEFAC. 2009;11(2):237-55. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000200009
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462009000200009
  • 14Capelloza Filho L. Diagnóstico em ortodontia. Maringá: Dental Press; 2004.
  • 15Yavas M, Hermandorena, CLM, Lamprecht, RR. Avaliação fonológica da criança: reeducação e terapia. Porto Alegre: Artes Médicas; 1991.
  • 16Minić S, Trpinac D, Gabriel H, Gencik M, Obradović M. Dental and oral anomalies in incontinentia pigmenti: a systematic review. Clin Oral Invest. 2013;17(1):1-8. http://dx.doi.org/10.1007/s00784-012-0721-5
    » http://dx.doi.org/10.1007/s00784-012-0721-5
  • 17Minić S, Trpinac D, Obradović M. Incontinentia pigmenti diagnostic criteria update. Clin Genet. 2014;85(6):536-42. http://dx.doi.org/10.1111/cge.12223
    » http://dx.doi.org/10.1111/cge.12223
  • 18Minić S, Novotny GEK, Trpinac D, Obradović M. Clinical features of incontinentia pigmenti with emphasis on oral and dental abnormalities. Clin Oral Invest. 2006;10(4):343-7. http://dx.doi.org/10.1007/s00784-006-0066-z
    » http://dx.doi.org/10.1007/s00784-006-0066-z
  • 19Almeida RR, Garib DG, Almeida-Pedrin RR, Alemida MR, Junqueira MHZ. Diastemas interincisivos centrais superiores: quando e como intervir? Rev Dent Press Ortodon Ortop Facial. 2004;9(3):137-56. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-54192004000300014
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1415-54192004000300014
  • 20Reis SAB, Abrão J, Capelloza Filho L, Claro CAA. Análise facial subjetiva. Rev Dent Press Ortodon Ortop Facial. 2006;11(5):159-72. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-54192006000500017
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1415-54192006000500017
  • 21Pereira AC, Jorge TM, Ribeiro Júnior PD, Berretin-Felix G. Características das funções orais de indivíduos com má oclusão Classe III e diferentes faciais. Rev Dent Press Ortodon Ortop Facial. 2005;10(6):111-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-54192005000600013
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1415-54192005000600013
  • 22Pereira CC, Felício CM. Os distúrbios miofuncionais orofacias na literatura odontológica: revisão crítica. Rev Dent Press Ortodon Ortop Facial. 2005;10(4):134-42. http://dx.doi.org/10.1590/S1415-54192005000400014
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1415-54192005000400014
  • 23Varandas COM, Campos LG, Motta AR. Adesão ao tratamento fonoaudiológico segundo a visão de ortodontistas e odontopediatras. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(3):233-9. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342008000300006
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1516-80342008000300006
  • 24Martinelli RLC, Fornaro EF, Oliveira CJM, Ferreira LMDB, Rehder MIBC. Correlações entre alterações de fala, respiração oral, dentição e oclusão. Rev CEFAC. 2011;13(1):17-26. http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000127
    » http://dx.doi.org/10.1590/S1516-18462010005000127
  • 25Rabelo ATV, Alves CRL, Goulart LMHF, Friche AAL, Lemos SMA, Campos FR, et al. Alterações de fala em escolares na cidade de Belo Horizonte. J Soc Bras Fonoaudiol. 2011;23(4):344-50. http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011000400009
    » http://dx.doi.org/10.1590/S2179-64912011000400009
  • 26Rockenbach SP. Prevalência de distúrbios de fala em crianças da primeira série de escolas municipais de Esteio [dissertação]. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Medicina; 2005.
  • 27Goulart BN, Chiari BM. Prevalência de desordens de fala em escolares e fatores associados. Rev Saúde Pública. 2007;41(5):726-31.
  • 28Monteiro VR, Brescovici SM, Delgado SE. A ocorrência de ceceio em crianças de oito a 11 anos em escolas municipais. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009;14(2):213-8.
  • 29Chen H, Stevens KN. An acoustical study of the fricative /s/ in the speech of individuals with dysarthria. J Speech Lang Hear Res. 2001;44(6):1300-14. http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2001/101)
    » http://dx.doi.org/10.1044/1092-4388(2001/101)
  • 30Tomé MC, Farias SR, Araújo SM, Schimitt BE. Ceceio interdental e alterações oclusais em crianças de 03 a 06 anos. Pró Fono. 2004;16(1):19-30.
  • Trabalho realizado nos Departamentos de Fonoaudiologia, Dermatologia e Genética Clínica, Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA – Porto Alegre (RS), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2014
  • Aceito
    9 Mar 2015
location_on
Academia Brasileira de Audiologia Rua Itapeva, 202, conjunto 61, CEP 01332-000, Tel.: (11) 3253-8711 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@audiologiabrasil.org.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro