RESUMO
Objetivo conhecer como se deu o processo de criação de políticas públicas em saúde auditiva no Brasil, bem como a influência do Poder Judiciário na concretização do acesso, pela pessoa com deficiência auditiva, ao Sistema de Frequência Modulada (Sistema FM) e para utilização em ambiente escolar.
Métodos estudo qualitativo exploratório, por meio do qual foi realizado, inicialmente, um levantamento normativo nos sítios eletrônicos da Presidência da República, Câmara dos Deputados e Ministério da Saúde, visando identificar, no período compreendido entre outubro de 1988 e outubro de 2019, a existência de normas que versassem sobre a criação de políticas públicas em saúde auditiva. Foi realizado, em complemento, levantamento jurisprudencial nos sítios eletrônicos de Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais e Tribunais Superiores, visando identificar, no período compreendido entre janeiro de 2000 e outubro de 2019, a existência de decisões judiciais que versassem sobre acesso ao Sistema FM, via Sistema Único de Saúde (SUS).
Resultados foi possível identificar dez instrumentos normativos que tratavam, especificamente, da criação de políticas públicas em saúde auditiva, além de seis decisões judiciais, cujos méritos consistiam, propriamente, no acesso ao Sistema FM, via SUS.
Conclusão o Poder Judiciário tem papel fundamental na concretização do acesso ao Sistema FM pela pessoa com deficiência auditiva, uma vez que sua atuação suprime omissões dos outros Poderes e impede que políticas públicas já concebidas contemplem restrições contrárias à Constituição Federal.
Palavras-chave: Perda auditiva; Políticas públicas de saúde; Direitos humanos; Defesa das pessoas com deficiência; Decisões judiciais
ABSTRACT
Purpose to know how the process of creating public policies on Hearing Health in Brazil, and the influence of the Judiciary Power for the access by the hearing impaired person and the use in the school environment, concerning the Frequency Modulation (FM) System.
Methods an exploratory qualitative study through which a normative survey was initially carried out - on the websites of the Presidency, the Chamber of Deputies and the Ministry of Health - aiming to identify, from October 1988 to October 2019, the existence of norms dealing with the creation of public policies on Hearing Health. Also, a jurisprudential survey was carried out - on the websites of Courts of Justice, Federal Regional Courts, and Superior Court of Justice - to identify the existence of court decisions dealing with access to the FM System via the Unified Health System in the period from January 2000 to October 2019.
Results We identified ten normative instruments that dealt specifically with the creation of public policies on Hearing Health, as well as six court decisions whose merits consisted of access to the FM System via the Unified Health System.
Conclusion The Judiciary has a fundamental role in achieving access to the FM System for people with hearing impairment since its performance suppresses omissions provided by other Powers and prevents public policies already designed to contemplate restrictions contrary to the Federal Constitution.
Keywords: Hearing loss; Public health policies; Human rights; Handicapped advocacy; Court rulings
INTRODUÇÃO
O marco temporal do advento das políticas públicas em saúde auditiva foi propiciado com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Com a edição da Lei Federal nº 8.080/90, o atendimento à pessoa com deficiência auditiva foi incorporado no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), inicialmente por meio da Portaria SAS/MS nº 126, de 17 de setembro de 1993, que versou sobre o implante coclear (IC), sem garantir, contudo, a integralidade dos procedimentos necessários à atenção e aos cuidados plenos à saúde auditiva.
Com a edição da Portaria GM/MS nº 2.073, de 28 de setembro de 2004(1), foi instituída a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva (PNASA), primeira vez na história do Brasil que os problemas auditivos passaram a ser tratados de forma específica e por intermédio de uma política própria.
Em seguida, e depois do advento de inúmeros atos normativos, foi publicada, no ano de 2013, a Portaria GM/MS nº 1.274(2), por meio da qual foi incluído na tabela de procedimentos ofertados pelo SUS o kit de Sistema de Frequência Modulada Pessoal (Sistema FM). Tal tecnologia assistiva restou indicada pelo SUS às crianças e adolescentes com deficiência auditiva, usuárias de aparelho de amplificação sonora individual (AASI), implante coclear (IC), ou próteses auditivas ancoradas no osso, em idade escolar (de 5 a 17 anos) e que tenham a linguagem oral como forma primária de comunicação.
De acordo com informações do DataSUS, de julho de 2013 a outubro de 2019 foram concedidos 15.291 kits de Sistemas FM, em todo o Brasil.
O Sistema FM é considerado um microfone remoto e o seu kit é composto por um microfone, um transmissor e um receptor. O microfone é responsável por captar o sinal da fala e enviar ao transmissor, que converte o sinal de fala em uma forma de onda elétrica e a transmite, usando ondas de rádio FM, para um receptor utilizado pelo usuário do dispositivo auditivo. O receptor converte a forma de onda de volta em energia acústica e a entrega diretamente aos ouvidos do usuário(3).
O sistema tem, como objetivo, minimizar o problema acústico da distância, do ruído de fundo e da reverberação, sendo que seus benefícios no ambiente escolar já se encontram fortemente comprovados pela literatura nacional e internacional(3-9).
O artigo 25 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU - Decreto Federal nº 6.949, de 25 de agosto de 2009 - estabelece que as pessoas com deficiência têm o direito de gozar do estado de saúde mais elevado possível, sem discriminação baseada na deficiência. Contudo, sabe-se, de há muito, da existência de um descompasso entre a gama de problemas sociais postos e a capacidade dos Estados, inclusive o brasileiro, de enfrentá-los por meio da elaboração de políticas públicas efetivas.
Fatores como a crescente desigualdade social, as omissões ensejadas pelo legislador, bem como as práticas políticas ineficientes por parte da administração pública têm estimulado o fenômeno da judicialização das políticas públicas (pelo qual se busca a concretização dos direitos sociais - dentre eles o direito à saúde - conforme preconizado na Constituição Federal de 1988). E tal não exclui a temática da dispensação do Sistema FM àqueles que dele necessitam, seja antes, ou depois da edição da Portaria GM/MS nº 1.274/2013(2).
Diante desse cenário, indaga-se qual tem sido a influência do Poder Judiciário brasileiro na efetivação de políticas públicas em saúde auditiva, em especial quanto ao acesso ao Sistema FM, pela pessoa com deficiência auditiva, e para utilização em ambiente escolar.
Assim sendo, e de modo a mensurar o estágio de efetivação dessa política pública em saúde auditiva no país, este estudo buscou conhecer, inicialmente, e por intermédio de um levantamento normativo cronológico, como se processou a criação de políticas públicas em saúde auditiva no Brasil. Em complemento, se buscou, igualmente, inferir qual tem sido a influência do Poder Judiciário, por intermédio de seus pronunciamentos (jurisprudência), na efetiva concretização do acesso, pela pessoa com deficiência auditiva, ao Sistema FM.
MÉTODOS
Estratégia de busca
Trata-se de um estudo qualitativo exploratório. Com o intuito de orientar a busca, elaborou-se a seguinte pergunta, que embasou a presente pesquisa: “qual tem sido a influência do Poder Judiciário brasileiro na efetivação de políticas públicas em saúde auditiva, em especial quanto ao acesso ao Sistema FM, pela pessoa com deficiência auditiva, e para utilização em ambiente escolar?”
Para a obtenção de dados a respeito do processo de criação e aperfeiçoamento das políticas públicas em saúde no Estado brasileiro, com ênfase nas políticas públicas em saúde auditiva, realizou-se, no mês de outubro de 2019, levantamento normativo cronológico, mediante buscas nos sítios eletrônicos da Presidência da República, Câmara dos Deputados e Ministério da Saúde. Para tanto, foram utilizadas as seguintes palavras-chave: “saúde auditiva”, “pessoa com deficiência”, “pessoa com deficiência auditiva” e “sistema de frequência modulada”. Foram selecionadas as legislações publicadas no período de outubro de 1988 a outubro de 2019.
Além disso, foi realizado levantamento jurisprudencial junto aos acervos das Justiças Estadual e Federal, bem como dos Tribunais Superiores, para demonstrar o quanto o fenômeno da judicialização das políticas públicas no Brasil tem influenciado na efetivação de políticas públicas em saúde Auditiva, em especial quanto ao acesso ao Sistema FM, sempre buscando identificar decisões judiciais, cujo objeto pretendido pelo interessado ‘pessoa com deficiência auditiva’ fosse obter, do Sistema Único de Saúde e gratuitamente, o Sistema FM.
Esse levantamento ocorreu no mês de outubro 2019 e, para esta pesquisa, foram utilizadas as seguintes palavras-chave: “políticas públicas”, “direitos fundamentais”, “direitos sociais”, “saúde auditiva”, “pessoa com deficiência”, “pessoa com deficiência auditiva” e “sistema de frequência modulada”. O período definido para o levantamento foi de janeiro de 2000 a outubro de 2019.
Critérios de seleção
O critério de levantamento normativo ficou restrito a normas de âmbito nacional, aplicáveis, pois, em quaisquer estados e municípios da Federação e no Distrito Federal.
Para o levantamento jurisprudencial, e de modo a abranger os entendimentos das Justiças Estadual, Federal e dos Tribunais Superiores, decidiu-se por fixar as seguintes regras: para cada Região do país, foi consultada a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado mais populoso, além da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios; no âmbito da Justiça Federal, foram consultadas as jurisprudências dos Tribunais Regionais Federais das cinco Regiões Administrativas e, no âmbito dos Tribunais Superiores, foram consultadas as jurisprudências do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
Análise dos dados
A análise dos dados encontrados foi realizada de forma descritiva, gerando dois quadros-síntese. No Quadro 1, foram elencados dez instrumentos normativos que versavam, especificamente, sobre a criação de políticas públicas em saúde auditiva e, no Quadro 2, seis decisões judiciais, cujos méritos consistiam, propriamente, no acesso ao Sistema FM via Sistema Único de Saúde.
RESULTADOS
Políticas públicas em saúde auditiva
Foi possível constatar que, somente a partir da década de 1990, o Estado brasileiro passou a criar, especialmente, ações de políticas públicas de saúde auditiva. Tal ocorreu ante a emblemática influência da Constituição Federal de 1988, que definiu a saúde como “direito de todos e dever do Estado” – direito fundamental social que confere a seus titulares o direito de perceber, do Estado, prestações materiais concretizadas, por meio de um serviço nacional de saúde de acesso gratuito e universal (Sistema Único de Saúde – SUS).
Assim, e a contar do ano de 1993, foi possível localizar os seguintes e mais relevantes instrumentos normativos particularmente ensejadores de ações de políticas públicas de saúde auditiva, conforme demonstrado no Quadro 1.
Decisões judiciais
Foi possível, igualmente, aferir do conjunto de decisões judiciais pesquisadas (proferidas antes e depois da edição da Portaria GM/MS nº 1.274/2013)(2) que, uma vez suficientemente comprovada a indicação médica da tecnologia assistiva (face às evidências que seu uso implica efetivos benefícios à saúde), a pessoa com deficiência auditiva tem conseguido obter a ordem judicial para que lhe seja disponibilizado, pelo Sistema Público de Saúde e às custas de algum ente federado, o Sistema FM.
Assim, e para ilustrar o cenário jurisprudencial referido, o Quadro 2 apresenta a síntese das decisões judiciais, cujo objeto pretendido pelo interessado “pessoa com deficiência auditiva” consistiu em obter, do Sistema Único de Saúde e gratuitamente, o Sistema FM:
Ressalta-se, ainda, que muitas das decisões localizadas sequer vincularam a dispensação do Sistema FM ao critério educacional, ou mesmo à capacidade econômica do solicitante. Em tais julgados se entendeu que o direito ao acesso à referida tecnologia assistiva pelas pessoas com deficiência auditiva decorre do simples preceito, segundo o qual, tais pessoas fazem jus à melhor condição de assistência à saúde possível.
DISCUSSÃO
Diante dos resultados apresentados neste estudo, é possível reconhecer que a temática relacionada à efetivação das políticas públicas em Saúde Auditiva relacionadas à pessoa com deficiência auditiva, seja no momento presente, seja no futuro próximo, está e permanecerá a demandar trânsito pelo Poder Judiciário, incrementando o cenário de judicialização da saúde no Brasil.
Isso se deve em razão das omissões ensejadas por legisladores e administradores, bem como pela prática de políticas públicas marcadas pela inobservância, com fidedignidade, dos preceitos constitucionalmente fixados, como ocorre, inclusive, com a distribuição do Sistema FM.
Ademais, foi somente a partir da firme atuação do Poder Judiciário que o Poder Executivo passou a integrar em suas normativas a dispensação de medicamentos, procedimentos e produtos que antes não o eram, atitude que, inegavelmente, contribuiu para o aperfeiçoamento do sistema de concessão desses itens de saúde.
Assim, e sem prejuízo da necessária adoção de providências de responsabilização dos Poderes Executivo e Legislativo, cabe ao Poder Judiciário, como já consignado, reafirmar seu papel na busca de ultimar os fins previstos na Constituição Federal de 1988.
Em acréscimo, e para promover adequado tratamento para temáticas como a ora em exame, necessário se faz um efetivo esforço interdisciplinar, calcado na interlocução das ciências envolvidas, tudo em razão de que a judicialização da saúde encerra um conjunto de temas técnico-sanitários que exigem do Poder Judiciário conhecimento específico e estranho à ciência jurídica.
É nesse sentido que a jurisprudência dos tribunais superiores demonstra estar se orientando, ao passo que fixa premissas a serem obrigatoriamente consideradas nos julgados, cujo objeto pretendido consista em prestações de saúde a serem ofertadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), premissas estas que, inclusive e, ao menos em tese, não representam retrocesso de direitos.
Como exemplo, podemos mencionar a citada decisão proferida pela Justiça Federal de Minas Gerais, que determinou ao Executivo que procedesse à distribuição do Sistema FM aos estudantes com deficiência auditiva que dele necessitem, independentemente do nível educacional em que estejam matriculados (Infantil, Fundamental, Médio, Superior e Pós-graduação) e não apenas aos estudantes com deficiência auditiva dos 5 aos 17 anos de idade, como previsto na Portaria GM/MS nº 1.274/13(2).
Aliás, a premissa que fundamenta o entendimento contido nesta decisão está respaldada no fato da indevida restrição imposta pela referida Portaria, que estaria em descompasso com todo o sistema normativo de garantia de direitos relacionados às pessoas com deficiência. Isto porque tal sistema normativo lhes assegura, pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei Federal nº 13.146/15), além do “direito de gozar do estado de saúde mais elevado possível”, acesso a “sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem”.
Nesse sentido, aliás, diversos estudos já comprovaram que o Sistema FM permite que o estudante com deficiência auditiva tenha acesso consistente e de boa qualidade à voz do professor, independentemente do nível de ruído de fundo, ou da distância entre o locutor e o ouvinte(18-20).
Ainda, e conforme preconizado por alguns autores(21-25), os benefícios do Sistema FM já são igualmente comprovados em ambiente extraescolar. Tal inferência fomenta a ideia de reavaliação do alcance da política pública de saúde em questão, tomando por base a dimensão e densidade do direito fundamental à saúde, somadas às evidências dos benefícios à saúde que esse dispositivo proporciona às pessoas com deficiência auditiva.
Entretanto, e conforme apresentado no Relatório nº 58, da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), o impacto orçamentário decorrente da incorporação dessa tecnologia assistiva levou em consideração o público alvo originariamente tido como passível deste tipo de intervenção, sendo seu quantitativo mensurado com base nos dados do Censo de 2010.
Assim, foi estimada a distribuição/ano, a partir de 2013, de 9.738 unidades de Sistema FM, sendo que, a partir do ano de 2017, seria duplicado o quantitativo de distribuições, uma vez que tais tecnologias assistivas possuem vida útil de quatro anos, demandando, pois, substituições periódicas. No entanto, passados dois anos da referida previsão de duplicação do quantitativo das concessões, não houve a substituição dos equipamentos dos Sistemas FM, nem a revisão da tecnologia indicada.
Estudos que avaliaram os desfechos dessa política pública(26-28) indicaram o uso efetivo pela maioria do público de crianças e adolescentes contemplados com o Sistema FM, porém, a quebra do dispositivo e a falta de apoio pelos professores foram as causas mais relatadas para o não uso do Sistema FM. Já em outro estudo(29), os autores encontraram um número menor de adesão ao uso do Sistema FM, indicando serem necessárias ações na área da saúde e educação para que se tenha sucesso no uso desse dispositivo, sendo que, para tanto, é essencial a participação da escola, do serviço de saúde e dos pais, para a adesão ao tratamento.
Nesse sentido, outro estudo(30) buscou verificar se a legislação brasileira vigente garante a efetiva inclusão escolar do indivíduo com distúrbios da comunicação e, entre eles, aqueles com deficiência auditiva. Os achados do estudo apontaram que, apesar de existir um número significativo de normativas, a implementação das mesmas não é uma realidade consagrada, o que inviabiliza a real inclusão escolar.
Os recursos financeiros inicialmente previstos para a distribuição do Sistema FM seriam, pois, insuficientes para contemplar a extensão do âmbito de alcance da política pública de saúde auditiva, desconformidade esta que, por certo, poderia ter sido evitada em sua gênese, caso fosse a política pública concebida em sintonia com o preconizado pelas garantias constitucionais vigentes.
Ademais, as restrições de ordem orçamentária (calcadas na teoria da reserva do possível e usualmente sustentada pelo Poder Executivo) fatalmente impactam na instituição de políticas públicas em geral, ferindo a garantia constitucional de proteção à vida e à dignidade humana, razão pela qual não vem encontrando respaldo em nossa melhor jurisprudência.
Logo, o presente estudo trouxe importantes contribuições, principalmente por meio da demonstração da importância da intervenção do Poder Judiciário para a real efetivação de direitos fundamentais. Entretanto, apresentou como limitação a quase inexistência de estudos que promovessem análises multidisciplinares, envolvendo a Medicina e o Direito, hoje tão necessários para que se possibilite a melhor compreensão de temáticas como a ora em análise.
A exponencial judicialização da saúde, somada ao cenário nacional de contenção de recursos públicos, demonstram o quão indispensável se faz que os pronunciamentos judiciais, nesta seara, adotem soluções guiadas pelo melhor conhecimento científico, atualmente viabilizado pela ferramenta Medicina Baseada em Evidências. Este é o caso da opção terapêutica do Sistema FM, a que possibilita, inclusive, a máxima efetividade esperada no emprego dos recursos públicos.
Logo, o Poder Judiciário possui responsabilidades indelegáveis na equalização dessa temática e necessita permanecer atuando para a efetivação das políticas públicas em saúde.
Assim, temos que a concessão do Sistema FM, em matéria de política pública em saúde auditiva no Brasil e, assim como se verificou com o implante coclear, certamente não encontra capítulo final na atual redação da Portaria GM/MS nº 1.274/13(2). Tal se demonstra, inclusive, ante a recente consulta pública, realizada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), que visou discutir a ampliação do uso do Sistema FM para indivíduos com deficiência auditiva de qualquer idade, matriculados em qualquer nível acadêmico, bem como ante a existência de subsídios científicos que também comprovam os benefícios do Sistema FM em ambiente extraescolar.
Tais situações, em um futuro próximo, têm o potencial de fazer com que essa política pública de saúde venha a ser reavaliada (seja pela via administrativa, ou pela via judicial), considerando a dimensão e densidade do direito fundamental à saúde.
CONCLUSÃO
Os levantamentos normativos e jurisprudenciais realizados foram capazes de indicar, de forma induvidosa, que o Poder Judiciário tem papel fundamental na concretização do acesso ao Sistema FM pela pessoa com deficiência auditiva, uma vez que sua atuação suprime omissões de outros Poderes e impede que políticas públicas já concebidas contemplem restrições contrárias à Constituição Federal, empreendendo a máxima efetividade esperada no emprego dos recursos públicos.
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Trabalho realizado no Programa de Pós-graduação, Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo – USP – Bauru (SP), Brasil.
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Financiamento: Nada a declarar.
REFERÊNCIAS
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Jun 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
05 Out 2019 -
Aceito
27 Fev 2020