RESUMO
Objetivo Verificar a suspeição de alteração vocal em idosos ativos e a associação com aspectos sociodemográficos, hábitos de vida relacionados à voz e desvantagem vocal.
Métodos Estudo observacional transversal realizado com 254 idosos usuários de academias públicas do município de Belo Horizonte (MG). A coleta de dados incluiu uma entrevista, contendo informações sociodemográficas, hábitos de vida relacionados à voz e autorrelato de rouquidão, além da aplicação dos protocolos Índice de Desvantagem Vocal (IDV-10) e Rastreamento de Alteração Vocal em Idosos (RAVI). O resultado do RAVI foi considerado a variável resposta. Os dados foram submetidos à análise descritiva e de associação, por meio dos testes Qui-quadrado de Pearson e Regressão de Poisson, com variância robusta (nível de significância de 5%).
Resultados Verificou-se que a maioria dos idosos era do sexo feminino (83,5%), na faixa etária de 60 a 70 anos (65,4%), aposentada (84,9%) e sem companheiros (61,8%). Segundo o protocolo RAVI, 44,5% dos idosos apresentaram suspeição de alteração vocal. Na análise multivariada, as variáveis autorrelato de rouquidão e desvantagem vocal apresentaram associação com a suspeição de alteração vocal mensurada pelo RAVI.
Conclusão Foi elevada a suspeição de alteração vocal em idosos ativos, sendo maior entre os idosos com autorrelato de rouquidão e com desvantagem vocal.
Palavras-chave: Voz; Idoso; Fonoaudiologia; Distúrbios da voz; Rouquidão; Envelhecimento
ABSTRACT
Purpose To verify suspected vocal alterations in active elderly and its association with sociodemographic, voice-related lifestyle habits and vocal handicap aspects.
Methods Cross-sectional observational study conducted with 254 elderly users of public health gyms in Belo Horizonte municipality. Data collection included an interview containing sociodemographic information, voice-related life habits and hoarseness self-report, in addition to the application of protocols: vocal handicap index (IDV-10) and screening for voice disorders (RAVI in Portuguese). The result of RAVI was considered the outcome variable. The data were subject to descriptive and association analysis using Pearson's Chi-square and Poisson Regression tests with Robust variance (5% significance level).
Results It was found that the majority of the elderly are female (83.5%), aged 60 to 70 years (65.4%), retired (84.9%) and without a partner (61.8%). According to the RAVI protocol, 44.5% of them are suspected of voice alteration. Through multivariate analysis, the self-reported variables of hoarseness and vocal handicap showed association with suspected vocal changes measured by RAVI.
Conclusion The vocal alteration suspicion was high in the elderly actives. The suspicion of vocal alteration was higher among the elderly with self-reported hoarseness and with vocal handicap.
Keywords: Voice; Elderly; Speech therapy; Voice disorders; Hoarseness; Aging
INTRODUÇÃO
O desafio para a sociedade e para o Estado, diante do envelhecimento populacional, é a garantia de uma atenção integral ao idoso, reconhecendo suas características e especificidades e consagrando sua qualidade de vida(1,2). Estima-se que, em 2040, 23,8% da população brasileira sejam de idosos, o que representa um crescimento acelerado desse grupo etário acima de 60 anos(2).
Ações visando ao envelhecimento ativo devem ser fundamentadas no princípio de otimização das oportunidades de saúde, participação e segurança(1). A adoção do estilo de vida ativo deve ser incentivada, pois previne doenças crônicas não transmissíveis, frequentes no idoso, e contribuem para a manutenção da independência funcional(3,4) Os benefícios da prática de atividade física pelo idoso podem ser classificados nas esferas biológica, psicológica e social, como a melhora do estado de humor e da qualidade de vida(4).
Acredita-se que os idosos ativos necessitam de uma voz saudável para melhor comunicação nos espaços coletivos, como os de prática de atividade física. A prevalência de distúrbios vocais nessa população, indivíduos com 60 anos ou mais, varia de 4,8% a 29,1%(5). A etiologia dos distúrbios vocais é multifatorial e, em idosos, pode ser funcional, orgânica, ou decorrente do envelhecimento laríngeo(6,7).
A mudanças naturais na laringe e nas estruturas envolvidas na fonação(8) podem, ou não, gerar alteração na voz do idoso, como loudness reduzida, soprosidade, voz trêmula, fadiga vocal e diminuição do tempo máximo de fonação(6,9). Essas modificações na voz, decorrentes do envelhecimento, são denominadas presbifonia(6), sendo o diagnóstico feito por exclusão(6).
Idosos ativos que percebem a influência de modificações vocais no cotidiano relatam impacto na qualidade de vida. Há desvantagens na eficiência da comunicação, comprometendo mecanismos de socialização, manutenção da autonomia e sensação de bem-estar(10). Considerando que os distúrbios vocais em idosos podem estar associados ao estado de saúde física, comportamental e social(5), aspectos demográficos, hábitos relacionados à voz e a autopercepção de como a alteração da voz afeta o dia a dia, com o envelhecimento, devem ser investigados.
O rastreamento de alteração vocal em idosos ativos pode auxiliar no planejamento de ações de prevenção e promoção da saúde vocal e de intervenção precoce para favorecer a habilidade comunicativa. Assim, o objetivo deste estudo foi verificar a suspeição de alteração vocal em idosos ativos e a associação com aspectos sociodemográficos, hábitos de vida relacionados à voz e desvantagem vocal.
MÉTODO
A pesquisa foi aprovada sob parecer número 2.313.952 pelo Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte. Todos os participantes desta pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Estudo observacional transversal realizado com 254 idosos acima de 60 anos, sendo 212 mulheres e 42 homens. Os idosos eram usuários de academias públicas do município de Belo Horizonte (MG). O local de coleta foi selecionado por conveniência, pois há um elevado número de idosos frequentando as academias públicas municipais. A prefeitura da capital dispõe de uma rede de academias com atividades gratuitas para população acima de 18 anos, por meio de um programa de promoção da saúde desenvolvido pela Secretaria Municipal da Saúde, com incentivo do Ministério da Saúde (Programa Academia da Cidade).
Foi realizado o cálculo amostral, considerando o total de idosos (n=474) que estavam frequentando as academias públicas no período da coleta, na regional Centro-Sul do município. A amostragem foi estratificada proporcionalmente por sexo e por academia pública, considerando a listagem dos idosos frequentadores de seis academias na regional citada. As premissas utilizadas foram: 20% de perda amostral, 40% de prevalência de problemas fonoaudiológicos em idosos e intervalo de confiança de 95%. O tamanho da amostra estimado foi de 235 sujeitos, considerando-se erro amostral de 5%. A realização da pesquisa em um distrito do município justificou-se por questões de custo de deslocamento e tempo para realização da coleta de dados.
Foram realizados contatos com os gerentes das academias, por meio de ligações e e-mails, levantamento de horários das atividades, divulgação nas unidades mediante folders, agendamento e recrutamento antes e após os horários das atividades dos idosos.
Os critérios de inclusão foram: idosos com idade igual ou superior a 60 anos, ambos os sexos, sem relato de distúrbio vocal e de algum problema agudo de saúde no momento da entrevista; idosos cadastrados e frequentes nas atividades realizadas em uma das seis academias do Programa Academia da Cidade, selecionadas para o estudo. Antes da realização da coleta de dados, as pesquisadoras fizeram perguntas sobre os aspectos considerados como critério de inclusão para seleção das participantes. Foram excluídos do estudo cinco idosos que responderam o questionário mais de uma vez, em dias diferentes da pesquisa. Ressalta-se que essa situação ocorreu, pois a coleta de dados foi realizada por uma equipe de pesquisadores e o idoso concordou em participar mais de uma vez da mesma pesquisa.
A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista estruturada e aplicação de protocolos. Os dados foram coletados por duas fonoaudiólogas com experiência de atendimento ao idoso e três alunas de graduação em Fonoaudiologia, previamente treinadas. As alunas eram supervisionadas pelas fonoaudiólogas, por meio de reuniões semanais. O tempo aproximado para entrevista e resposta aos protocolos foi, em média, 25 minutos. Esse tempo já havia sido previsto no estudo-piloto para verificar a adequação da escolha dos protocolos e compreensão dos idosos quanto às perguntas selecionadas. Inicialmente, foi realizada a entrevista estruturada para coleta de informações sociodemográficas e hábitos de vida relacionados à voz e, posteriormente, aplicação dos protocolos: Rastreio de Alteração Vocal em idosos (RAVI), desenvolvido com a população brasileira(11) e o Índice de desvantagem vocal (IDV-10)(12).
Foram coletados os seguintes dados: sexo, estado civil, idade, aposentadoria, ser ou já ter sido tabagista, participação prévia ou atual em atividades, como canto e coral e autorrelato de rouquidão na voz. Para a presença de tabagismo, adotou-se como referência o fato de o idoso fumar ou ter fumado, pelo menos, 100 cigarros (cinco maços de cigarro) ao longo da vida.
O protocolo RAVI trata de questões para o rastreio de alterações vocais no idoso, elaborado especificamente para população geriátrica brasileira, que pode ser utilizado para fins de estudos epidemiológicos. É composto por dez questões associadas a sensações e percepções de sintomas vocais, bem como a frequência com que eles aparecem. O protocolo contempla as seguintes questões: “Sua voz lhe incomoda?”; “Sua voz some ao longo do dia?”; “Sua voz piora ao longo do dia?”; “Sente que faz esforço para a voz sair?”; “Sente cansaço na voz?”; “Sente sua garganta seca?”; “Sente coceira na garganta?”; “Sente queimação, ardência na garganta?”; “Sente pigarro na garganta?”; “Sente dor na garganta?”. Sua aplicação é fácil, rápida, de baixo custo e permite o rastreio de alterações vocais na impossibilidade de avaliação laríngea(11).
O RAVI é um protocolo de autoavaliação vocal com três opções de resposta (não=0, às vezes=1 e sim=2). O escore final é um somatório simples, com pontuação máxima de 20. Considerou-se presença de suspeição de alteração vocal a pontuação final igual ou superior a 3, conforme a validação(11). A variável resposta foi dicotômica, permitindo a comparação entre presença e ausência de alteração vocal.
O protocolo IDV-10 é constituído de dez perguntas, com cinco opções de resposta (nunca=0, quase nunca=1, às vezes=2, quase sempre=3 e sempre=4). O IDV-10 mensura a presença de desvantagem vocal na vida de um indivíduo. O escore máximo do protocolo é 40 pontos. A pontuação total é obtida por somatório simples, sendo que o resultado superior a 7,5 é considerado como presença de desvantagem vocal e, inferior a esse valor, como ausência(12).
Para investigação estatística, foi realizada a análise descritiva, por meio da frequência absoluta e relativa das variáveis qualitativas e medidas de tendência central e dispersão dos protocolos IDV-10 e RAVI. A resposta do protocolo RAVI foi utilizada como variável resposta (presença ou ausência de suspeição de alteração vocal). Foram comparados os grupos com e sem suspeição de alteração vocal, em relação às demais variáveis. Foi utilizado o teste estatístico Qui-quadrado de Pearson, com nível de significância de 5%. A análise multivariada foi realizada utilizando-se o teste de Regressão de Poisson, com variância robusta. Essa estratégia permite obter a magnitude da associação, por meio da Razão de Prevalência (RP). As variáveis que apresentaram significância até 0,20 (valor de p), na análise univariada, foram selecionadas para a análise multivariada. No modelo final, a significância estatística foi considerada no intervalo de 95% de confiança. A análise utilizou o programa STATA, versão 12.0. (Stata Corp., College Station, Estados Unidos).
RESULTADOS
Evidenciou-se que, dos 254 idosos entrevistados, a maioria era do sexo feminino (83,5%), na faixa etária de 60 a 70 anos (65,4%), aposentada (84,9%), sem companheiros (61,8%) e com ensino médio ou superior concluído (56,1%). Os resultados mostraram que 32,3%, dos participantes declararam ser tabagistas atualmente, ou ex-tabagistas, e 27,9% relataram estar participando ou ter participado de coral em algum momento da vida. A rouquidão foi declarada por 24,1% dos idosos (Tabela 1).
Distribuição de frequência dos dados sociodemográficos e aspectos relacionados à voz de idosos (n=254)
Os resultados dos protocolos RAVI e IDV-10, considerando o ponto de corte estabelecido, indicaram que 44,5% dos idosos possuíam suspeição de alteração vocal e 12,6%, desvantagem vocal (Tabela 1).
Na análise univariada, observou-se que as variáveis participação em coral, autorrelato de rouquidão e desvantagem vocal apresentaram associação estatisticamente significativa com a presença de alteração vocal, segundo o RAVI (Tabela 2).
Associação entre dados sociodemográficos, aspectos relacionados à voz e alteração vocal de idosos (n=254)
As variáveis com significância estatística, na análise univariada (p≤0,05), foram incluídas no modelo multivariado. No modelo final, permaneceram associadas estatisticamente as variáveis autorrelato de rouquidão e a desvantagem vocal. O autorrelato de rouquidão aumenta em 65% a probabilidade de suspeição de alteração vocal em idosos e a desvantagem vocal aumenta 2,16 vezes essa probabilidade. (Tabela 3).
Análise multivariada da associação entre autorrelato de rouquidão, desvantagem vocal e alteração vocal de idosos (n=254)
DISCUSSÃO
Atualmente, é possível observar que se tem investido na promoção da melhor qualidade de vida, seja em qual for a idade. Dados encontrados na literatura sugeriram que a participação de idosos em grupos de convivência contribuem para um estilo de vida mais ativo(13). Além disso, é possível inferir que mudanças senescentes na comunicação de idosos, bem como sua percepção sobre tais modificações são de extrema importância(10).
Os resultados mostraram que os idosos estudados eram, predominantemente, do sexo feminino (83,5%), idade entre 60 e 70 anos (65,4%). A predominância de mulheres engajadas em atividades físicas mostra que, de fato, são fisicamente mais ativas do que homens(13).
Verificou-se, ainda, que a maioria dos idosos pesquisados era aposentada (84,9%) e sem companheiros (61,8%), o que pode indicar a importância da inserção na academia pública municipal, para maior socialização. As possibilidades de comunicação são extremamente relevantes para a interação social, o ato de interagir se faz necessário à conservação da independência e autonomia(9). A socialização promovida pela prática de atividade física coletiva pode ser meio de auxílio na promoção do processo de comunicação ativa(14).
A amostra foi composta por idosos com grande diversidade de escolaridade. A suspeita de alteração vocal foi mais frequente entre os idosos com menor escolaridade, que agrupou os analfabetos e aqueles com ensino fundamental completo, quando comparado àqueles com ensino médio ou superior, porém, não houve significância estatística. Apesar da escassez na literatura, há evidência de associação entre a presença de distúrbio vocal e a escolaridade(15).
O tabagismo é um fator de risco para várias doenças e um grande problema de saúde pública(16). Os componentes do cigarro, em contato com a laringe, alteram a qualidade vocal, a histologia das pregas vocais e favorecem o aparecimento de afecções laríngeas, como edema de Reinke e câncer(17). Há evidência, na literatura, da relação entre tabagismo e sintomas vocais de rouquidão e voz grossa(18). Pesquisa realizada com idosos institucionalizados revelou que 73% dos entrevistados fumavam, enquanto 27% já fizeram uso do cigarro. Na presente pesquisa, observou-se uma frequência bem inferior (32,3%) de idosos tabagistas atuais, ou ex-tabagistas, o que pode ser explicado pelo perfil dos idosos. Tal achado pode estar relacionado ao perfil ativo da população investigada e aponta para a importância de práticas de educação em saúde para ampliar a adoção de outros hábitos saudáveis, como a cessação ou redução do uso do tabaco.
Quase um terço dos idosos pesquisados (27,9%) relatou que participa ou já participou de coral. Estudo mostrou que idosos que cantam tendem a realizar exercícios físicos, pois o canto é motivador e os estimula a serem mais ativos física e socialmente, o que pode influenciar a sua qualidade vocal(19). A maior frequência de alteração vocal encontrada entre os participantes praticantes de canto pode ser explicada pelo fato de os idosos que cantam apresentarem maior percepção e valorização de sintomas vocais(20). No caso de pessoas idosas, cantar se reflete em oportunidade para o estabelecimento da percepção mais íntima de si mesmas, tanto corporalmente, como emocionalmente(20). Na análise multivariada, a prática do canto perdeu a significância estatística com a suspeição de alteração vocal. Se, por um lado, a prática do canto aumenta a percepção de sintomas vocais, por outro, pode estar relacionada ao interesse em cuidar mais da voz.
Segundo o protocolo RAVI, 44,5% dos idosos ativos apresentaram suspeição de alteração vocal. A prevalência foi superior aos achados de um estudo de revisão(5), que indicaram a frequência de 4,8% a 29,1% de alteração vocal em quatro pesquisas com idosos. A diversidade metodológica dos estudos dificulta a comparação dos resultados, uma vez que os métodos adotados para avaliar a presença de alteração vocal foram diferentes e, em alguns estudos, os idosos foram divididos como profissionais da voz e não profissionais da voz. Destaca-se o fato de o presente estudo ter investigado idosos ativos, o que exige cautela na discussão dos dados que utilizam a comparação de idosos com características distintas. Duas pesquisas que também utilizaram o RAVI em idosos da população geral e idosos institucionalizados, no Nordeste do Brasil, identificaram suspeição de alteração vocal de 51,4% e 39,3%, respectivamente(21,22).
O distúrbio vocal em idosos pode estar associado a diversos fatores, como a condição respiratória, refluxo gastroesofágico, problemas da tireoide, peso corporal, artrite reumatoide, doenças das pregas vocais, distúrbios do sono, dentre outros(23) que não foram investigados no presente estudo. A multicausalidade do distúrbio vocal e a elevada frequência de doenças crônicas não transmissíveis, em idosos, aumenta a complexidade da investigação da alteração vocal desse grupo por meio de estudos epidemiológicos. Por outro lado, o uso do RAVI tem como objetivo rastrear possível alteração vocal para maior investigação dos casos suspeitos e posterior diagnóstico(11).
O presente estudo evidenciou associação estatisticamente significativa entre alteração vocal mensurada pelo RAVI e o autorrelato de rouquidão. Vale ressaltar que os sintomas investigados no RAVI se referem a sensações proprioceptivas, sem a inclusão de sintomas auditivos. A frequência de rouquidão dos idosos deste estudo foi inferior à de outros estudos, com resultados que variaram de 35% a 78,2%(24-26). Os idosos participantes, por serem ativos, tenderam a apresentar hábitos de vida mais saudáveis, o que pode ter influenciado esse achado. Os idosos percebem que a necessidade de adotar hábitos e comportamentos inerentes ao estilo de vida como, por exemplo, alimentação saudável, prática de atividade física, não ser tabagista ou etilista, é importante para envelhecer de modo saudável(27) e pode refletir em uma melhor qualidade vocal.
Verificou-se forte associação estatística entre a suspeição de alteração vocal e a presença de desvantagem vocal. A frequência de desvantagem vocal, neste estudo, foi bem superior entre os idosos com suspeita de alteração vocal. Poucos estudos investigam a associação de sintomas vocais com a desvantagem vocal em idosos. Sabe-se que o distúrbio de voz é uma manifestação dinâmica e funcional, que tem, como característica, causalidade múltipla e complexa. O distúrbio vocal não é apenas um problema de laringe, mas uma dificuldade de comunicação oral que impede a produção natural da voz(28), sendo importante investigar a percepção do idoso sobre o impacto dos sintomas vocais nas atividades de vida diária e na qualidade de vida(29).
No presente estudo a desvantagem vocal foi relatada por 12,6% dos idosos, resultado próximo (9,7%) ao encontrado entre idosos da Universidade Aberta à Terceira Idade paulistana(10). Desvantagem vocal foi bem superior (70,0%) entre os idosos europeus do sexo masculino com presbifonia, não fumantes e que não usavam a voz profissionalmente(29). A identificação de desvantagem vocal tem caráter subjetivo e confirma a suspeita de alteração vocal, indicando a necessidade de maior investigação para a confirmação diagnóstica do caso.
Este estudo apresentou como limitação a ausência de avaliação clínica fonoaudiológica e exame laríngeo, o que impossibilitou o diagnóstico de presbifonia e/ou presbilaringe dos idosos. Os resultados não podem ser generalizados para toda a população idosa, pois foram pesquisados apenas idosos da região Centro-Sul da cidade. Além disso os idosos pesquisados enquadram-se em um perfil de idosos ativos, praticantes de atividades físicas de academias públicas. Por se tratar de um estudo transversal, não é possível estabelecer relação de causalidade.
Os resultados deste estudo permitem dizer que o uso do protocolo RAVI pode auxiliar no rastreamento de alterações vocais. Além disso, possibilita o monitoramento das ações de prevenção e promoção da saúde vocal realizados em ambientes coletivos, como os espaços públicos para prática de atividade física. O uso do RAVI, combinado com o IDV-10, para situações de ações de educação em saúde em espaços coletivos, propicia melhor identificação da necessidade de encaminhamentos para confirmação diagnóstica e conduta de idosos. Campanhas e ações voltadas para manutenção de hábitos saudáveis, como a cessação do tabagismo, devem ser incentivadas.
É necessário que existam mais pesquisas sobre a alteração vocal em idosos, tendo em vista o aumento da longevidade na população. A atuação fonoaudiológica junto aos idosos é importante e visa atenuar o impacto do processo de envelhecimento vocal e as suas implicações na integração social, comunicação e qualidade de vida(30), além da reabilitação vocal.
CONCLUSÃO
Os resultados evidenciaram a elevada presença de suspeição de alteração vocal em idosos ativos. A suspeição de alteração vocal foi associada com o autorrelato de rouquidão e a desvantagem vocal. Estratégias para identificar os idosos ativos com suspeição de alteração vocal, sintomas de rouquidão e desvantagem vocal são necessárias para estimular ações de promoção e prevenção de saúde vocal e favorecer encaminhamentos e intervenções precoces.
AGRADECIMENTOS
Daniele Veloso de Castro Ferreira e Rosane da Silva Soares pela contribuição na coleta de dados.
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Trabalho realizado na Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil.
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Financiamento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior- Brasil (CAPES) - Código de financiamento 001.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
07 Dez 2020 -
Data do Fascículo
2020
Histórico
-
Recebido
11 Jun 2020 -
Aceito
13 Out 2020