Open-access O que cantores amadores que se apresentam em cultos religiosos conhecem sobre saúde e higiene vocal?

RESUMO

Objetivo  Descrever o conhecimento de cantores amadores que se apresentam em cultos religiosos sobre saúde e higiene vocal e comparar esses achados em dois momentos distintos.

Métodos  Pesquisa descritiva, longitudinal, com 100 participantes que praticavam canto amador em cultos religiosos; idades entre 18 e 82 anos (média 33,72 anos), 54 mulheres e 46 homens. Os participantes responderam ao Questionário Inicial, que inclui dados pessoais e autoavaliação vocal, e ao Questionário de Saúde e Higiene Vocal, este em dois momentos, com intervalo de 20 dias e com as questões aleatorizadas. Foi dada devolutiva desse questionário após cada aplicação, por meio da apresentação das respostas corretas de cada um de seus itens. Os dados foram analisados de forma descritiva e inferencial.

Resultados  A maior parte dos cantores referiu algum grau de alteração vocal e relatou ao menos um sintoma vocal (principalmente pigarro e falha na voz). A pontuação foi maior na segunda aplicação do questionário e não houve correlação entre a autoavaliação vocal e a pontuação obtida.

Conclusão  Cantores amadores de ambos os gêneros que se apresentam em cultos religiosos demonstraram conhecimento sobre saúde e higiene vocal correspondente ao de indivíduos vocalmente saudáveis, acima do ponto de corte em ambas as aplicações do Questionário de Saúde e Higiene Vocal. Contudo, a maioria referiu alterações e sintomas vocais. Verificou-se aumento do conhecimento sobre saúde e higiene vocal na segunda aplicação, ainda que discreto. O nível de conhecimento sobre saúde e higiene vocal não se correlacionou com o grau de alteração vocal.

Palavras-chave:  Voz; Distúrbios da voz; Fonoterapia; Canto; Promoção da saúde

ABSTRACT

Purpose  To describe the knowledge of amateur singers who perform in religious services, about vocal health and hygiene, and compare these findings at two different moments.

Methods  Descriptive, longitudinal research with 100 participants who practice amateur singing in religious services; ages between 18 and 82 years (average 33.72 years), 54 women and 46 men. Participants answered the Initial Questionnaire (Q1), which includes personal data and vocal self-assessment, and the Vocal Health and Hygiene Questionnaire (QSHV), on two occasions with an interval of 20 days and with the questions randomized. The participants were given a feed-back of the QSHV after each application i.e. the correct answers to each item. The data were analyzed descriptively and inferentially.

Results  Most singers reported some degree of self-assessed vocal alteration and reported at least one vocal symptom (mainly throat clearing and voice failure). The score was higher in the second application of the QSHV and there was no correlation between the vocal self-assessment and the score obtained in the QSHV.

Conclusion  Amateur singers of both sexes who perform in religious services demonstrated knowledge about vocal health and hygiene corresponding to that of vocally healthy individuals, above the cutoff point in both applications; however, the majority reported vocal changes and symptoms. There was an increase in knowledge about vocal health and hygiene in the second application, however discreet. The level of knowledge about vocal health and hygiene did not correlate with the degree of vocal alteration.

Keywords:  Voice; Voice disorders: Speech therapy; Singing; Health promotion

INTRODUÇÃO

Por mais notória que seja a importância da voz para a comunicação humana, corriqueiramente não é lembrado que ela resulta de um processo complexo no corpo humano, sendo vista como uma ação automática. Assim, muitas vezes não é dada a devida atenção a ela e, consequentemente, a saúde vocal pode ser colocada em risco. Na literatura, podem-se encontrar os termos “saúde vocal”, “cuidados vocais” e “higiene vocal” como sinônimos. Porém, alguns autores distinguem esses conceitos.

Saúde vocal, segundo autores(1), é um termo amplo que abrange aspectos como voz limpa e clara, emitida sem esforço e agradável ao ouvinte. Assim, uma voz é considerada saudável quando o indivíduo consegue fazer variações quanto à qualidade, frequência, intensidade e modulação, de acordo com a necessidade.

Já os cuidados vocais têm por objetivo a recuperação da voz, seja por meio da prevenção ou do tratamento, tornando-a funcional para o uso profissional e para a comunicação em geral(2).

Por fim, higiene vocal é um termo utilizado para os aspectos relacionados a orientações e cuidados com a voz, que incluem modificação de hábitos vocais e implementação de princípios para facilitar a melhoria da saúde e do cuidado com a voz, ou seja, em síntese, são as orientações básicas que auxiliam a preservar a saúde vocal e a prevenir o aparecimento de alterações e doenças(3,4).

Muitos hábitos de higiene vocal são desconhecidos para a população em geral, enquanto outros, mesmo divulgados pela mídia por especialistas, não são adotados e não recebem a devida importância(5). Há, ainda, as orientações sem qualquer respaldo científico, disseminadas por pessoas leigas(6) e que podem colocar em risco a saúde vocal.

Quando a saúde vocal é afetada, podem ocorrer os distúrbios vocais(7). Assim, profissionais que utilizam a voz por tempo prolongado em suas atividades, como políticos, vendedores, cantores e professores, dentre outros, apresentam elevado risco para desenvolver alterações vocais(8). Em contrapartida, há também o grupo de indivíduos que não usam a voz de forma profissional, mas que possuem determinada demanda vocal intensa e periódica, seja na fala ou no canto. Podem ser citados como integrantes desse grupo os cantores amadores que, não possuindo nenhum treinamento formal para o canto, são vulneráveis ao desenvolvimento de distúrbios vocais quando submetidos a atividades de canto intensivas(9).

Neste contexto, o canto muitas vezes ocorre de maneira associada à participação em cultos religiosos. A valorização da música nas igrejas, pela mídia e pelo público, ampliou a possibilidade da participação de novos cantores. O uso da voz no contexto do canto religioso exige flexibilidade e saúde vocal para se adequar às necessidades e condições de produção da voz, de expressividade e de ajustes vocais e corporais, de acordo com a demanda. Cantores amadores de igreja, como coralistas e participantes de grupos de louvor, normalmente possuem pouco conhecimento sobre o uso da voz, não sabem quais as atitudes que caracterizam o fonotrauma e seus prejuízos, por exemplo. Além disso, muitos não fazem acompanhamento profissional e possuem diversas queixas vocais(10-12).

O conhecimento sobre cuidados, saúde e higiene vocal, ou seja, o quanto o indivíduo sabe sobre fatores que fazem bem ou mal para a sua voz, auxilia no direcionamento de ações de promoção de saúde vocal, prevenção de distúrbios vocais, ou mesmo intervenções terapêuticas específicas(13) e relacionadas ao autocuidado vocal(14).

Uma das formas de medir esse conhecimento é a aplicação do Questionário de Saúde e Higiene Vocal (QSHV). Trata-se de um instrumento com 31 itens sobre o tema, que possibilita o cálculo de um escore final, e que se mostrou confiável para avaliar o conhecimento sobre o assunto, tanto em indivíduos sem alterações vocais, como naqueles que apresentavam disfonia. Por ter um valor de corte que separa indivíduos disfônicos dos vocalmente saudáveis, é considerado um classificador diagnóstico preciso. Utilizando esse ponto de corte é possível realizar triagens para identificar grupos com risco para alterações vocais e/ou grupos em que se queira saber o nível de conhecimento sobre esse assunto(15).

Alguns estudos foram realizados a partir da aplicação desse questionário, com adultos em geral(16), cantores eruditos e populares(15), pastores(17) e estudantes de teatro(18). No estudo com cantores eruditos e populares(15), os resultados mostraram que a percepção de alteração vocal nesses dois grupos parece não ter relação com o grau de conhecimento e higiene vocal. Na pesquisa com pastores(17), foi possível observar bom conhecimento sobre saúde e higiene vocal e, devido à grande quantidade e intensidade de fala, o grupo foi considerado como de elevado risco vocal. Por fim, no estudo com estudantes de teatro com e sem queixa vocal(18), foi possível verificar que, quanto maior o conhecimento vocal, menor a desvantagem vocal.

Nesse contexto, a investigação do conhecimento sobre saúde e higiene vocal junto a pessoas que cantam em cultos religiosos poderá direcionar ações fonoaudiológicas mais assertivas em relação à voz dessas pessoas. Além disso, é interessante investigar se um primeiro contato com essas informações resultará na aquisição de novos conhecimentos após algum tempo.

Assim, o objetivo desta pesquisa foi descrever o conhecimento de cantores amadores que se apresentam em cultos religiosos sobre saúde e higiene vocal e comparar esses achados em dois momentos distintos. Além disso, a pesquisa visou analisar a autopercepção vocal desses indivíduos em relação aos sintomas vocais e conhecimento sobre saúde e higiene vocal.

MÉTODO

Trata-se de pesquisa descritiva, longitudinal, para a qual foram convidadas pessoas que têm a prática do canto amador em cultos religiosos. A pesquisa foi previamente aprovada pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa da instituição (CAAE 58372222.2.0000.0068).

Os indivíduos contatados foram estimulados a compartilhar o convite da pesquisa com outros cantores de seus contatos, formando um efeito bola de neve.

Foram incluídos cantores amadores, independentemente do gênero, a partir de 18 anos, com ou sem queixas vocais e que cantavam em cultos religiosos ao menos uma vez por semana. Foram excluídos os indivíduos que não participaram de todas as etapas da pesquisa. Todos os indivíduos envolvidos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

De acordo com os critérios de inclusão e de exclusão, constituiu-se uma amostra de 100 indivíduos, de 18 a 82 anos, composta por 54 mulheres e 46 homens, sendo a média de idade de 33,72 anos.

Os participantes receberam convite para preencher o questionário da pesquisa por meio de um link da ferramenta Google Forms, enviado por email e/ou aplicativos de mensagens instantâneas e divulgado em redes sociais. O questionário foi constituído em três partes: 1. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; 2. Questionário Inicial (Q1), que contém perguntas sobre os dados sociodemográficos (nome completo, data de nascimento, número do telefone celular, email, gênero e profissão) e aspectos relacionados à voz (queixa vocal, autoavaliação da voz por meio da Escala Analógica Visual (EAV)- e sintomas vocais), canto (aula ou formação no canto, atividade ligada ao canto além da prática religiosa) e saúde (infecção por COVID-19, acompanhamento fonoaudiológico e o interesse em realizá-lo); 3. Questionário de Saúde e Higiene Vocal (QSHV)(15).

O Questionário de Saúde e Higiene Vocal (QSHV) é um instrumento autoaplicável que objetiva mensurar o conhecimento sobre saúde e higiene vocal. Nele, o indivíduo indica, para cada um dos 31 itens, se o considera “positivo”, “neutro” ou “negativo” para a sua voz. Ao final, tem acesso ao gabarito com as respostas corretas e cada acerto vale 1 (um) ponto. O escore final é calculado a partir da soma simples dos acertos e o valor de corte que separa indivíduos disfônicos dos vocalmente saudáveis é de 23 pontos(18).

A Escala Analógica Visual foi utilizada com o objetivo de analisar a percepção dos participantes sobre o grau de desvio/alteração da sua própria voz. Os participantes foram orientados a classificar sua voz atual numa escala de 0 (sem alteração) a 10 (muita alteração)(19).

Os participantes que preencheram o Q1 e o QSHV inicialmente (aplicação 1) foram convidados a preencher novamente o QSHV após 20 dias, com as questões aleatorizadas (aplicação 2).

A devolutiva das respostas foi feita instantaneamente após o preenchimento do questionário, com o Google Forms criado de modo a mostrar a resposta correta para cada questão em cada uma das aplicações. Os participantes foram estimulados a ler as respostas corretas e compará-las com as respostas que haviam dado e não apresentaram dúvidas. O objetivo de mostrar as respostas corretas foi de incentivar os participantes a analisar de maneira mais autônoma suas respostas, para melhor compreensão em relação ao conteúdo e utilizar esse conhecimento adquirido em sua prática vocal no dia a dia.

Os dados obtidos foram tabulados e consideradas as informações do Q1; também foram considerados os escores totais do QSHV das duas aplicações.

A análise descritiva levou em conta a frequência absoluta e relativa e as medidas de tendência central; na estatística inferencial, foram feitas as seguintes análises:

  1. Comparação dos participantes com e sem sintomas vocais quanto à autopercepção vocal, medida pela EAV (teste t de Student para amostras independentes); os cálculos referentes ao teste t de Student foram realizados utilizando o método de amostragem bootstrap com viés corrigido e acelerado com base em 1000 amostras. Nos casos em que foi observada violação do pressuposto de homocedasticidade (p ≤ 0,05, Teste de Levene), utilizou-se a correção de Welch para heterocedasticidade no cálculo do valor de p. O tamanho do efeito da diferença entre os grupos foi medido por meio do coeficiente d.

  2. Comparação entre os escores do QSHV obtidos na aplicação 1 e aplicação 2 (teste t de Student para amostras pareadas); os cálculos referentes ao teste t de Student foram realizados utilizando o método de amostragem bootstrap com viés corrigido e acelerado com base em 1000 amostras. O tamanho do efeito da diferença entre os grupos foi medido por meio do coeficiente d.

  3. Comparação entre os escores do QSHV obtidos na aplicação 1 e aplicação 2, considerando o ponto de corte (Teste de McNemar);

  4. Correlação entre a pontuação na EAV e os escores do QSHV da aplicação 1 e da aplicação 2 (Teste de Correlação de Pearson); foram realizados os cálculos do coeficiente de correlação, dos intervalos de confiança de 95% e do valor de p, utilizando o método de amostragem bootstrap com viés corrigido e acelerado com base em 1000 amostras.

RESULTADOS

A amostra contou com participação semelhante de mulheres (54%) e homens (46%). A maioria dos cantores referiu não ter hábito de fumar, não usar medicamentos e nunca ter feito acompanhamento fonoaudiológico, mas com interesse em realizar. Somente metade fez/faz aula de canto e a maioria tinha o canto restrito às atividades religiosas (Tabela 1).

Tabela 1
Dados descritivos em relação ao gênero, hábito de fumar, uso de medicamentos, realização de aula de canto, atividade de canto além da prática religiosa, COVID-19, acompanhamento fonoaudiológico e interesse em acompanhamento fonoaudiológico

A maior parte dos indivíduos (79%) referiu algum grau de alteração vocal (Figura 1), com média de 4,16 (desvio padrão de 2,85) e mediana de 5,00 na EAV (mínimo referido foi de 0,00 e o máximo de 10,00).

Figura 1
Distribuição dos valores obtidos na autoavaliação com uso da Escala Analógica Visual

A maioria dos participantes relatou ter, pelo menos, um sintoma vocal, dentre os quais os mais prevalentes foram pigarro e falhas na voz (Tabela 2).

Tabela 2
Valores descritivos e análise comparativa quanto à presença/ausência de sintomas e pontuação na Escala Analógica Visual

Houve associação entre a autopercepção vocal e os sintomas “fadiga vocal”, “garganta raspa”, “garganta arde”, “rouquidão” e “voz fraca”, sendo que, em todos os casos, o grupo com sintomas apresentou maior pontuação na escala em comparação ao grupo sem sintomas (Tabela 2).

Houve diferença entre os escores do QSHV, com maior média na aplicação 2, em comparação à aplicação 1 (Tabela 3).

Tabela 3
Valores descritivos e análise comparativa entre os escores do Questionário de Saúde e Higiene Vocal nas aplicações 1 e 2

Ao se classificar os escores das duas aplicações em relação ao ponto de corte e compará-los, foi observada diferença entre ambos, uma vez que indivíduos que estavam abaixo da nota de corte (baixo conhecimento sobre saúde e higiene vocal) passaram para a categoria igual/acima da nota de corte (alto conhecimento sobre saúde e higiene vocal) na aplicação 2 (Tabela 4).

Tabela 4
Comparação entre os escores do Questionário de Saúde e Higiene Vocal classificados pelo ponto de corte

Não houve correlação entre as pontuações da EAV e os escores do QSHV nas duas aplicações (Tabela 5).

Tabela 5
Análise de correlação entre a pontuação na Escala Analógica Visual e os escores do Questionário de Saúde e Higiene Vocal

DISCUSSÃO

A composição da amostra possibilitou minimizar os efeitos vocais decorrentes do gênero(19-21), do fumo(22) e do uso de medicamentos(23).

A autoavaliação vocal mostrou que mais da metade da amostra percebia a voz alterada. Esse achado pode estar associado ao fato de que cantores populares apresentam maior ocorrência de queixa vocal em relação a cantores eruditos, além de, em sua maioria, terem condições de vida que podem proporcionar desgastes vocais, como cantar em intensidade elevada, em ambientes com acústica desfavorável e sem considerar suas limitações vocais(15,20). É possível também que essa questão esteja relacionada às demandas vocais diárias desses indivíduos, que podem utilizar a voz direta ou indiretamente no contexto profissional de forma inadequada. Soma-se a isso o fato de somente metade dos participantes ter referido aulas de canto e a maioria nunca ter passado por aprimoramento vocal com fonoaudiólogo.

Os sintomas mais relatados na pesquisa (pigarro, falhas na voz, fadiga vocal e rouquidão) se assemelharam aos de outro estudo com cantores amadores evangélicos. As queixas de pigarro e rouquidão podem estar relacionadas ao uso intensivo da voz, enquanto os sintomas de falhas na voz e fadiga vocal podem estar associados à combinação da abertura frequente da cavidade oral e do uso prolongado da voz durante sua utilização no canto(24). Também é válido salientar que muitos podem chegar ao canto com sintomas vocais decorrentes de fatores de risco a que foram expostos, como, por exemplo, alta demanda vocal, poeira, ar-condicionado, alergias e possíveis alterações laringológicas não diagnosticadas.

Outro fator que pode estar associado a esses sintomas é a falta de preparo vocal, visto que a característica desse tipo de canto é a transmissão das mensagens religiosas que se sobrepõem à questão artística. Inclusive, segundo a literatura, boa parte dos cantores religiosos pratica o canto sem nunca ter estudado canto ou ter feito uso de técnica vocal(10,21,23). Em relação a esse aspecto, observou-se na amostra estudada que somente metade dos participantes referiu aulas de canto. A partir disso, outra questão a ser levantada para justificar esses dados de autoavaliação vocal e a grande quantidade de sintomas relatados diz respeito à prática do conhecimento vocal adquirido. Em estudo realizado com professores, foi observado que, mesmo que quando possuíam conhecimentos sobre fatores prejudiciais à voz, continuavam praticando-os(25). Isso pode explicar o fato de a presente amostra ter, em sua maioria, obtido pontuação no QSHV correspondente ao alto conhecimento sobre saúde e higiene vocal e, ainda assim, ter referido vários sintomas e autoavaliação vocal negativa.

Mesmo com queixas vocais, a maioria da amostra nunca teve acompanhamento fonoaudiológico, o que é concordante com o encontrado em outro estudo(15) que mostra que a busca por tratamento fonoaudiológico é reduzida nessa população. De forma semelhante, cantores populares, por nem sempre buscarem conhecimento técnico musical e por, muitas vezes, terem comportamento vocal com uso intensivo, são mais propícios a desenvolver alterações vocais(11,14,24).

É válido salientar que metade dos participantes da amostra referiu ter tido COVID-19, o que pode ter afetado suas vozes. Estudo recente com 30 cantores mostrou que sintomas vocais autorreferidos que surgiram após a infecção por COVID-19 se mantiveram, mesmo após a cura(26). Segundo os autores, os sintomas relatados incluem fraqueza muscular e fadiga vocal, seguidos de dor na garganta, tosse, pigarro, dificuldades para cantar, perda da extensão vocal, dificuldade para respirar, dificuldade em manter a afinação, ressonância alterada, voz soprosa e rouquidão. Nesse sentido, o acompanhamento dos cantores amadores investigados no presente estudo poderá esclarecer sobre os sintomas referidos e uma possível relação com a síndrome pós-COVID-19.

Em relação ao conhecimento inicial dos participantes sobre saúde e higiene vocal que pôde ser registrado na aplicação 1 do QSHV, observou-se que a média de acertos foi de 23,36, um pouco acima do valor de corte do questionário. Portanto, o grupo mostrou conhecimento satisfatório sobre o assunto, o que difere do encontrado em outros estudos(9-11). Tal resultado pode estar associado ao fato de metade do grupo, aproximadamente, ter realizado aulas de canto, e também pela facilidade de acesso à informação por meio da internet(5), além de informações que são amplamente divulgadas à população, como a importância da hidratação para a voz e os prejuízos que gritar e fumar acarretam à voz(17). Também se pode considerar o fato de que, nos últimos anos, houve aumento do número de campanhas de esclarecimento à população sobre hábitos vocais(25). Entretanto, o conhecimento prévio sobre saúde e higiene vocal não significou menos alteração vocal, o que foi comprovado pela ausência de correlação entre os escores do QSHV e a pontuação da EAV de autoavaliação vocal, concordando com outros estudos(15).

Ainda que tenha havido melhora no escore do QSHV na segunda aplicação, a mudança observada foi bem discreta, com aumento de somente 2,3 pontos das respostas corretas. Assim, entende-se que tão somente o contato dos participantes com as informações sobre o tema tem alcance limitado e as ações devem ser ampliadas para que sejam obtidos resultados mais expressivos. Além disso, o acompanhamento longitudinal permitirá compreender se esse aumento no conhecimento se mantém e/ou se é revertido em práticas mais saudáveis.

Apesar de o foco deste estudo ter sido a autopercepção e o conhecimento sobre saúde vocal, a ausência de alguns dados pode ter limitado a análise, como exame de laringoscopia, avaliação vocal completa e dados sobre a demanda vocal fora do canto amador religioso.

Este estudo permitiu entender que os cantores amadores que se apresentam em cultos religiosos, embora tivessem certo conhecimento inicial sobre saúde e higiene vocal, apresentaram autoavaliação vocal sugestiva de alterações e tiveram discreto aumento no conhecimento sobre o tema após serem expostos ao conteúdo. O acompanhamento fonoaudiológico desse grupo pode contribuir para aperfeiçoar o conhecimento sobre higiene vocal e cuidados com a saúde, conscientizar sobre a identificação das queixas vocais(20), incluir a avaliação fonoaudiológica completa e a avaliação otorrinolaringológica. Ademais, esses cantores poderão ser agentes multiplicadores de conhecimento das questões relacionadas ao autocuidado com a voz e comunicação e transmitir orientações para ajudar a prevenir ou tratar disfunções vocais. Esta pesquisa terá continuidade como seguimento longitudinal.

CONCLUSÃO

Cantores amadores de ambos os gêneros que se apresentam em cultos religiosos demonstraram ter conhecimento sobre saúde e higiene vocal correspondente a indivíduos vocalmente saudáveis, acima do ponto de corte, em ambas as aplicações do QSHV. Contudo, a maioria referiu ter sintomas vocais negativos e alterações vocais.

Verificou-se que, por meio da disponibilização das respostas corretas do QSHV após a primeira aplicação, a maior parte dos participantes apresentou melhora no escore na segunda aplicação, o que significa que houve aumento de conhecimento sobre saúde e higiene vocal, ainda que discreto.

O nível de conhecimento sobre saúde e higiene vocal não se correlacionou com o grau de alteração vocal.

  • Trabalho realizado na Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo - USP - São Paulo (SP), Brasil.
  • Financiamento: Nada a declarar.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Ago 2023
  • Aceito
    06 Fev 2024
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