Resumo
Neste artigo trazemos os primeiros resultados de uma investigação que busca pensar as práticas musicais ambientadas em territorialidades decoloniais, a partir de uma perspectiva interseccional. Tendo como assunto de pesquisa o álbum visual Meu Esquema, de Rachel Reis, propomos a articulação da noção de cena musical a partir da conexão com conceitos como Performance, Amefricanidade, Feminismo Decolonial e Ancestralidade, para compreender fenômenos culturais urbanos ancorados em performances de gênero, pós-gênero, raça/etnia, sexualidades, cidadania, classe, que se materializam em cidades da América Latina. Com este objetivo, propomos o conceito de cena musical afrolatina/diaspórica, que nos parece mais adequado para dar conta de processos culturais ambientados em localidades marcadas pela opressão colonial e a violência étnica-racial.
Palavras-chave: Música pop; Cena musical afrolatina; Performance; Interseccionalidade; Decolonialidade
Abstract
In this article we present the first results of an investigation that seeks to think about musical practices set in decolonial territorialities, from an intersectional perspective. Taking the visual album Meu Esquema by Rachel Reis as our research subject, we propose the articulation of the notion of musical scene based on a connection with concepts such as Performance, Afrocentricity, Decolonial Feminism and Ancestry, in order to understand urban cultural phenomena anchored in performances of gender, post-gender, race/ethnicity, sexualities, citizenship and class, which materialize in Latin American cities. To this end, we propose the concept of an Afro-Latin/diasporic music scene, which we feel is more appropriate for understanding cultural processes in places marked by colonial oppression and ethnic-racial violence.
Keywords: Pop music; Afro-Latin music scene; Performance; Intersectionality; Decoloniality
Na maresia a gente vai coladinho/E com esse dengo, eu tô tranquila demais”, esse verso da canção Maresia, da baiana de Feira de Santana Rachel Reis, foi um dos mais ouvidos em plataformas de streaming (Argôlo, 2022)1, embalou posts alegres da rede social Instagram no verão de 2022, percorreu as ruas e avenidas de Salvador, no primeiro Carnaval após dois anos de pandemia da COVID-19, bateu mais de 1 milhão de plays, e foi tema de novela da TV Globo. A faixa bônus do Ep Encosta foi lançada em abril de 2021, em um feat com o produtor musical Zamba2 (um dos autores) e o guitarrista Cuper3. A canção passeia pelo arrocha (sonoridade popular no Recôncavo da Bahia), flerta com outras sonoridades como brega funk, ritmos caribenhos e afrobeats, e é envolvida pelo vocal doce de Rachel Reis. O trabalho pautado no pop e no suingue tem continuação em setembro de 2022, quando a artista lança seu primeiro álbum, Meu Esquema, com 12 faixas autorais que dialogam com ritmos baianos como samba-reggae, arrocha, pagodão, ijexá, e flerta com a MPB.
Todas as faixas ganharam vídeos, dirigidos por Lu Villaça (um deles tem direção de Bruna Sozzi), o que transformou o disco em uma espécie de álbum visual, produto que borra as fronteiras entre música e cinema, criando um formato artístico híbrido (Harrison, 2014), que pode ser consumido em diversos dispositivos e plataformas audiovisuais. A opção pelo produto híbrido é um elemento importante na apresentação do álbum de Reis, por se tratar de um formato relativamente novo na indústria da música que projeta uma nova proposta estética no consumo da cultura musical contemporânea: uma obra artística na qual música e imagem são complementares. Cria-se uma narrativa visual na qual letras, melodias e ritmos ampliam a experiência do público sobre o consumo musical, propiciando um tipo de escuta conexa (Janotti Jr, 2020), na qual diversos valores são agenciados a partir das performances em ambientes comunicacionais como plataformas de streaming e redes sociais.
Nossa intenção neste artigo é pensar a performance musical neste ambiente comunicacional contemporâneo e discutir como Rachel Reis articula os aspectos musicais e visuais da sua obra com a sua vivência de mulher negra, baiana, numa tentativa de empregar noções de interseccionalidade, decolonialidade, feminismo negro, ancestralidade, amefricanidade como ferramentas para se pensar em marcas sonoras, sociais e políticas as quais atravessam o conceito de cena musical em territorialidades afrodiaspóricas que aqui, neste trabalho, denominamos cena afrolatina/diaspórica. Partimos da premissa de que o conceito de cena musical merece ser rediscutido sob a ferramenta analítica da interseccionalidade, em diálogo com outros conceitos caros a esta análise como performance (Taylor, 2013; Martins, 2021), ativismos musicais (Fernandes; Herschmann, 2014), estudos de gênero e de raça (Gonzalez, 2020; hooks, 2018; Kilomba, 2019; Lugones, 2014; Vergès, 2019), para compreender a circulação e consumo da música pop4 na contemporaneidade em territorialidades diaspóricas e a criação de redes que articulam as práticas musicais no espaço urbano para a ocupação pelos corpos disruptivos.
Acreditamos que a interseccionalidade pode enriquecer o debate dos estudos de som e música para uma reflexão sobre o “carrego colonial” (Rufino, 2019) que rodeia o pensamento e as análises sobre música, e que podemos construir estratégias analíticas que nos permitam avaliar e considerar raça, gênero, etnia, sexualidades, territorialidades, especialmente quando destacamos a experiência artística de mulheres negras e latinas, como é o caso, neste artigo, de Rachel Reis. Em sua obra, a artista evidencia um corpo feminino e racializado, o que nos possibilita utilizar a interseccionalidade como uma ferramenta para repensar o conceito de cena musical e questionar o sistema de poder que atravessa as práticas musicais e suas ambiências comunicacionais. Do ponto de vista interseccional, cabe também considerar nosso lugar de fala: somos duas pesquisadoras da área de Comunicação, mulheres cisgênero, brancas, de classe média, com mais de 50 anos, residentes em Salvador - e por isso com uma vivência pessoal na música baiana que antecede e atravessa nossas investigações acadêmicas -, interessadas em produzir análises decoloniais sobre as expressões afrolatinas.
1. Rede afrodiaspórica e cena musical
Ao trazer a obra de Rachel Reis para essa investigação, o que tentamos observar é a narrativa construída por artistas baianas/os que compõem a cena musical afrolatina e compreender que a circulação desses produtos nos interpela a aprofundar e revisar os estudos do conceito de cena musical a partir da perspectiva de uma rede musical afrodiaspórica que perpassa o Atlântico Negro (Gilroy, 1991) para dar conta de fenômenos culturais ambientados em territorialidades latinas, forjadas por subalternizações, resistências e violência colonial. Will Straw (1991) trouxe para os estudos acadêmicos a noção de cena musical no início da década de 1990 e atualizou o conceito em 2006, quando coloca a cidade como um ambiente de processos comunicacionais para práticas culturais, possibilitando reflexões sobre identidades e sociabilidades que estão intimamente relacionadas com espaços urbanos específicos. Em 2014, no texto Some Things a Scene Might Be, Straw apresenta mais um importante apontamento: a espacialidade implícita na ideia de cena que agrega coletividades marcadas por proximidades, espaços que engajam fenômenos culturais dotados de determinadas coerências, visibilidades e invisibilidades da vida cultural urbana. Para Straw, a cena funciona como uma rede de coletividades, identidades e sociabilidades que expressam sensibilidades e promovem atividades que geram adesão, uma efervescência cênica. Straw volta ao tema em 2017, ao lado de Nathalie Casemajor, trazendo para o debate as visualidades. No dossiê The Visuality Of Scenes: Urban Cultures And Visual Scenescapes, os autores explicam que “explorar as dimensões visuais das cenas também nos permite situar a análise da música e de outras formas culturais em relação ao que foi diagnosticado como uma ‘virada visual’ (...) dentro da análise cultural” (Casemajor, Straw, 2017, p. 5). É na circulação de sons, imagens e textos por territorialidades geográficas, afetivas e sonoras que o sentido da cena musical se constrói.
Em nossas investigações recentes sobre processos e produtos comunicacionais, práticas musicais e urbe, temos usado o conceito, aliado ao pensamento de Straw (1991; 2006), e também a partir de perspectivas trazidas por pesquisadoras e pesquisadores brasileiras/os (Janotti, 2014; Pereira de Sá, 2011; Herschmann, 2013), ou seja, como uma forma de cartografar fenômenos musicais urbanos para compreender como certas práticas musicais significativas são organizadas territorialmente e reconhecidas como significantes de um determinado discurso. Entretanto, temos nos deparado com algumas questões específicas de localidades engendradas no chamado Sul Global - no nosso caso, a cidade de Salvador, na Bahia, que é parte significativa dessa rede de música afro-latina / diaspórica. Ao mesmo tempo em que entendemos que o conceito de cena musical nos ajuda a pensar essa efervescência cultural da vida urbana, sabemos que temos o desafio de compreender a efetividade do conceito na perspectiva de uma cidade negra da América Latina5. Dessa forma, dialogamos com pesquisadores como Tobias Queiroz (2019) e Luciana Xavier de Oliveira (2018), que aprofundam o debate sobre o conceito de cena em uma perspectiva decolonial.
Na tentativa de adequar o conceito de cenas musicais de Straw (1991; 2006) a uma realidade mais local da América Latina, Queiroz (2019) avança e sugere a noção de “cena musical decolonial” para dar conta de localidades não “anglófonas” e situadas em regiões do Sul Global ditas “periféricas”. Queiroz questiona a teatralidade dessa cena a partir de afetos, objetos e sensibilidades vivenciados por corpos negros e LGBTQUIAPN+ para pensar na aplicação do conceito em territorialidades do Sul Global. Cena Musical Decolonial, sem dúvida, é um conceito que nos parece possibilitar entender de forma mais consistente as práticas musicais forjadas em cidades da “Améfrica Ladina”6, como bem conceituou Lélia Gonzalez (2020), que apresentam uma geografia de experiências engendradas em questões étnico-raciais e de opressão. Nessa discussão, cabe pensar a relevância da territorialidade (HAESBAERT, 2005) - entendida como a forma de apropriação social do espaço - e o uso que é feito do território por diversas identidades, como a negritude, o gênero e as sexualidades que reverberam nas práticas musicais e que, particularmente, nos interessam neste artigo.
Acreditamos que pensar em uma cena afrolatina/diaspórica pode funcionar como um conceito que articula territorialidade, raça/etnia, gênero e pós-gênero, sexualidades, classe e suas múltiplas conexões comunicacionais para que possamos construir uma análise relacionada às experiências proporcionadas por práticas musicais produzidas em cidades formadas majoritariamente por uma população negra, como Salvador, resultantes de um processo histórico de colonização e escravização, para dar conta dessa ideia de “Améfrica”, que nos é cara neste artigo. Isso significa pensar em uma musicalidade que atravessa o Atlântico Sul e se caracteriza principalmente pela formação de uma rede musical afrodiaspórica de cruzamentos musicais que avançam pelo Caribe, Nova York, Colômbia, Argentina e atravessam portos de Lisboa e da Costa Leste africana. Salsa, rumba, reggae, samba, kuduro, afrobeats, reggaeton, jazz, blues, rap, conjugam um idioma estético presente na música pop da diáspora.
Durante cerca de quatro anos, na pesquisa anterior, fomos avançando nessas discussões, que nos parecem essenciais para abordar os fenômenos sociais urbanos que se desenvolvem em cidades da América Latina. Deste modo, propomos aqui a articulação das conexões comunicacionais das práticas musicais a partir das seguintes indagações: a) É possível articular um conceito de cena musical que dê conta de entender questões que envolvem fenômenos culturais que acontecem em territorialidades da América Latina constituídas por uma diáspora forçada? b) Existem elementos em comum entre as práticas musicais forjadas em territorialidades que abrigam aspectos de subalternização, mas também de resistências e potências? c) Como se dá o atravessamento das práticas musicais do Sul Global por questões de raça, gênero, pós-gênero e sexualidades? d) A música tem papel significativo nos processos de reterritorialização dos espaços urbanos por corpos disruptivos? e) A interseccionalidade é um instrumental teórico-metodológico relevante nos estudos da cultura musical para dar conta de um sistema de opressão que funciona de forma interligada e estrutural? Longe de esgotar as discussões dessas questões, pretendemos iniciar um debate a partir do estudo do álbum de Rachel Reis, considerando também lançamentos de Larissa Luz7, Luedji Luna8 e da geração anterior da música baiana, ligada aos blocos afro, com uma perspectiva de ampliação do debate em trabalhos futuros abrangendo mais expressões musicais.
Sabemos que a música é uma prática política que promove engajamento pelas sonoridades, performances e corporeidades. Artistas negras/os, indígenas, LGBTQUIAPN+ e mulheres trazem suas experiências individuais moldadas por experiências sociais de opressão e resistência. Ao pensar em cena afrolatina/diaspórica nos aliamos à perspectiva do feminismo decolonial (e negro), o qual traz debates produtivos para que possamos “superar estereótipos de gênero, privilégios de classe e cisheteronormatividades articuladas em nível global” (Akotirene, 2019, p. 17) que, muitas vezes, acompanham nossas análises musicais. As experiências musicais no mundo ocidental são atravessadas pelas formações etárias, étnicas, sociais e de gênero e, como pesquisadores/as, temos de considerar que a música reproduz sistemas de poder de opressão e discutir como a produção, circulação, reprodução, consumo e apropriação da música pode envolver cosmopercepções amefricanas (Gonzalez, 2020) mais próximas às nossas territorialidades afetivas, sociais e políticas.
A música da cena afrolatina (ou afroladina) é usada como trincheira de um discurso político que, apesar de ter semelhanças com o discurso de blocos afros como Ilê Aiyê9, Olodum10 e Muzenza11, por exemplo, traz diferenças fundamentais. Enquanto Vovô do Ilê acreditava que a maior mensagem era a “festa, o espetáculo” (e não deixa de ser), artistas como Larissa Luz, entre outras, sem abrir mão da alacridade12 (Sodré, 2017), colocam seus próprios termos sem negociação com a branquitude, tomando o controle da narrativa. Qual é a intencionalidade de Larissa ao subir no palco do Festival Sangue Novo, em 2019, com uma banda de mulheres negras cis e trans, ao lado das cantoras Luedji Luna e Xênia França, no Projeto AyaBass, e fazer um canto para os orixás dizendo que elas, as mulheres negras, são a cor dessa cidade? Essa performance nos diz que essa cena tem compromisso com a dimensão política de ritos que foram esvaziados pela branquitude e, explicitamente, se contrapõe ao privilégio branco na cadeia musical da chamada axé music.
Há também o evidente fortalecimento da sonoridade negra nas canções desses artistas. Em fevereiro de 2021, por exemplo, Larissa Luz lançou o videoclipe da canção Yemanjá é Preta. Gravado em uma praia da Baía de Todos-os-Santos, o clipe começa com uma imagem de mar e logo depois a câmera fecha em Larissa, que está dentro de um pequeno barco, toda vestida de branco, acompanhada de mulheres trazendo as vestimentas do orixá. Ao fundo, ouve-se um toque de agogô, que remete aqui a sonoridades dos rituais do candomblé e também ao ijexá, ritmo dos afoxés, manifestação popular afrobaiana. A letra da canção diz “Nossos ancestrais têm história/ Têm memória/ Têm Lugar/ E de onde eles vêm não tem como questionar/ A cor que brilha na pele da rainha do mar/ De seios fartos quadris largos/ Fios crespos/ Coroa que enfeita/ A trajetória do nosso povo constrói sua imagem e afirma: Yemanjá é preta!”. A letra e a sonoridade falam de ancestralidade, de representações, de orixás, da religião de matriz africana, embaladas por uma melodia que mistura ijexá, percussão e bases eletrônicas. Há uma disputa simbólica, como dito na letra, sobre a cor da pele de Yemanjá, e isso é parte de um a(r)tivismo musical que, para Herschmann e Fernandes (2022), mostra o potencial das expressões musicais em mobilização social, alterando “o ritmo urbano, ressignificando o cotidiano, o imaginário e, em certa medida, as relações entre os atores no espaço urbano” (p. 195). Ao trazer a interseccionalidade para entender as práticas musicais, nosso artigo se alia às experiências coletivas que reformulam a narrativa musical da rede afrodiaspórica, apagada pela violência do colonialismo, e fazem da música um posicionamento político (Rocha, 2021) em um agenciamento cultural de artivismo.
2. A interseccionalidade e os estudos de som e música
Trazemos o conceito de interseccionalidade na perspectiva apresentada por pensadoras negras como Akotirene (2019), Collins e Bilge (2021), ou seja, como uma lente que possibilita pensar em diversas camadas de desigualdades que devem ser utilizadas como uma ferramenta que nos permita entender “(...) quais condições estruturais atravessam corpos, quais posicionalidades reorientam significados subjetivos desses corpos, por serem experiências modeladas por e durante a interação das estruturas, repetidas vezes colonialistas, estabilizadas pela matriz de opressão (...)” (Akotirene, 2019, p.19). A interseccionalidade nos parece ser um instrumental que, ao analisar determinados fenômenos culturais, possibilita observar uma maior complexidade ao tratar questões como raça, gênero (pós-gênero), sexualidade, capacidades, nacionalidade e etnia sem cair no risco dos essencialismos.
Collins e Bilge (2021) reconhecem a complexidade que a noção traz como ferramenta analítica e a heterogeneidade de significados que carrega, mas acreditam em uma definição prática para o termo:
A interseccionalidade investiga como as relações interseccionais de poder influenciam as relações sociais em sociedades marcadas pela diversidade, bem como as experiências individuais na vida cotidiana. Como ferramenta analítica, a interseccionalidade considera que as categorias de raça, classe, gênero, orientação sexual, nacionalidade, capacidade, etnia e faixa etária - entre outras - são inter-relacionadas e moldam-se mutuamente. A interseccionalidade é uma forma de entender e explicar a complexidade do mundo, das pessoas e das experiências humanas. (p. 16 e 17)
Para as autoras, a interseccionalidade é uma abordagem analítica para pensar as relações de poder levando em consideração que essas categorias não devem ser vistas de forma distinta, mas pensadas e analisadas como esferas que “se sobrepõem e funcionam de maneira unificada. Além disso, apesar de geralmente invisíveis, essas relações interseccionais de poder afetam todos os aspectos do convívio social.” (Collins; Bilge, 2021, p. 15-16). Nesta perspectiva, epistemologicamente, a interseccionalidade é um “sistema de opressão interligado” (Collins; Bilge 2021, p. 19), que, como definiu inicialmente a estudiosa de direito Kimberlé Crenshaw, é “a conceituação do problema que busca capturar as consequências estruturais e dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação” (2002, p. 245).
Ao trazer a interseccionalidade como ferramenta analítica para esta investigação, buscamos reflexões mais amplas sobre as práticas metodológicas e conceituais que vêm balizando as pesquisas nos estudos de som e música no ambiente comunicacional contemporâneo. No exercício de construção dessa análise, propomos pensar que os fenômenos culturais estão sujeitos a diversos eixos de submissão e a outras discriminações que criam desigualdades e estruturam as posições subalternizadas no sistema de poder. As práticas musicais afro-latinas/diaspóricas estão sujeitas a essa estrutura de poder racista porque os sujeitos e sujeitas racializadas/os vivenciam cotidianamente a experiência do racismo, do sexismo, entre outros. “Por exemplo, homens e mulheres frequentemente sofrem o racismo de maneiras diferentes, assim como mulheres de diferentes raças podem vivenciar o sexismo de maneiras bastante distintas, e assim por diante” (Collins; Bilge, 2021, p. 29).
Não há uma hierarquia de importâncias previamente estabelecidas entre categorias, porque são as contingências que vão determinar a maior ou menor relevância de elementos como raça, classe, gênero, orientação sexual, nacionalidade, capacidade, etnia, idade para uma análise. Pensar questões entrecruzando gênero e raça pode ser mais produtivo no contexto de algumas performances musicais, ao passo que em outras manifestações da música, a questão etária, de nacionalidade (ou outras) podem ganhar destaque na discussão. Lélia Gonzalez já apontava para diferentes projeções no contexto do movimento negro brasileiro dos anos 1970: (...) “externamente nossa prioridade é a luta contra a discriminação racial. Nesse nível, as mulheres estão lado a lado com seus irmãos. Internamente, porém, as atividades das mulheres serão direcionadas à denúncia do machismo de nossos companheiros e ao aprofundamento das discussões sobre nós mesmas” (Gonzalez, 2020, p. 123). A pensadora, que atuou também na política partidária de esquerda, criticava essa frente por reduzir tudo a questões de classe, desconsiderando especificidades relacionadas ao racismo. Nas análises culturais/musicais, assim como na análise política, parece produtivo observar as diversas camadas de interseccionalidade em seus contextos e pensar as relevâncias das categorias de maneira contingencial.
Interseccionalidade, na nossa perspectiva, torna-se um conceito relevante para entender como artistas negras/negros de Salvador se conectam e articulam diversas camadas históricas da música afrolatina baiana (samba-reggae, axé-music, guitarra baiana, ijexá, pagodão, arrocha) e, ao mesmo tempo, apresentam um discurso racial genderizado (Kilomba, 2019). A interseccionalidade nos permite pensar as práticas musicais, e diversos outros fenômenos culturais, na sua inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado sem estabelecer uma hierarquia prévia entre as opressões e sim considerando os contextos.
Ao estudar fenômenos culturais é necessário compreender como as relações interseccionais moldam a forma como produzimos, circulamos e consumimos música. Como ferramenta analítica, a interseccionalidade pode nos ajudar a entender “os jogos de poder que acontecem em domínios estruturais, culturais, disciplinares e interpessoais do poder (...)”. (Collins; Bilge, 2021, p. 30). O domínio estrutural do poder diz respeito ao acesso ao mercado de trabalho, à escola de qualidade, à saúde, à moradia, a financiamentos bancários (Collins, 2019). Já o domínio disciplinar refere-se às normas que determinam quem terá acesso a qual estrutura. Para Collins (2019, p. 444), acessar o domínio disciplinar requer uma “resistência desde dentro”, ou seja, “a ocupação de posições de autoridade nas instituições sociais para assegurar que as normas vigentes sejam administradas de forma justa e, se necessário, que políticas sejam mudadas” (Collins, 2019, p. 444). Articulando os domínios estrutural e disciplinar, está o que Collins chama de domínio hegemônico e/ou cultural13 do poder. “Ao manipular a ideologia e a cultura, o domínio hegemônico do poder atua como um elo entre as instituições sociais (o domínio estrutural), suas práticas organizacionais (o domínio disciplinar) e a interação social cotidiana (o domínio interpessoal)” (Collins, 2019, p. 448). O domínio hegemônico/cultural é relacionado tanto ao senso comum quanto ao contexto epistemológico. Para se contrapor ao domínio cultural hegemônico, Collins afirma que o caminho é o “poder da autodefinição”, o qual se inicia com o domínio interpessoal do poder, na micropolítica que se dá em atitudes de resistência no dia a dia da mulher negra, por exemplo. São insurgências cotidianas no âmbito micro, as “maneiras discretas, mas criativas, como as pessoas comuns se esforçam para mudar o mundo ao redor delas” (Collins, 2019, p. 454).
Quando pensamos na música produzida por grupos como os blocos afro Ilê Aiyê14 e Olodum15, e atualizada por artistas negros como Margareth Menezes16, Carlinhos Brown (e Timbalada)17, até chegarmos em artistas surgidas/os no século XXI como Larissa Luz, Luedji Luna, Xênia França, BaianaSystem, Rachel Reis, Baco Exú do Blues, para citar alguns com significativa visibilidade, percebemos sonoridades transnacionais que atravessam localizações sociais marcadas por questões étnico raciais que constroem uma identidade coletiva como um lugar político - não como uma essência. As experiências de desigualdade social, primordialmente, de raça, mas também de gênero, classe e sexualidades, tornam a música desses artistas como uma espécie de ativismo, uma cultura que é um engajamento político.
Especificamente, o que nos chama atenção na cena musical baiana atual em comparação, por exemplo, à cena de música negra em Salvador nos anos 1970, 1980 e 1990, é a forma como a branquitude (Sovik, 2009) colocou os termos da negociação cultural baseada no mito da democracia racial. Na cena que surge a partir dos anos 2000, observamos jovens negros, negras tomando o controle da sua narrativa. É preciso ratificar que canções do Ilê Aiyê, do Olodum, entre outros blocos afro, remetem a questões das religiões de matriz africana, aos rituais ancestrais, mas a mudança que percebemos é que as músicas e os artistas da contemporaneidade estão comprometidos com uma dimensão política dos ritos, uma posição explícita de potencializar cosmopercepções que, ao longo de séculos de escravização e colonialismo, foram alvos de investidas epistemicidas e esvaziados da sua força política.
Dénètem Touam Bona (2020), em seu livro Cosmopoéticas do Refúgio, ao refletir sobre as territorialidades diaspóricas, nos convoca a pensar como as memórias são fundamentais para os fenômenos culturais amefricanos, trazendo novas versões das histórias de povos que foram subalternizados pelo colonialismo, mas que sempre acionaram um tipo de resistência, inclusive criando comunidades como quilombos e terreiros de candomblé, nos quais estabelecem princípios de coletividade. No seu argumento, Bona traz o vodu do Haiti como “uma ecologia política”, ao instaurar alianças entre a terra, a vida e as plantas, que se aproximam das cosmologias ameríndias. Ao contrapor essa resistência e potência ao apagamento das memórias, ele articula a ideia de um “corpo-memória: superfície onde se desdobra a escrita de um povo” (2020, p. 29). Há nas canções de Larissa Luz, entre outras, uma atualização do ritual que traz à tona esse corpo-memória e reativa a ancestralidade como um lugar de resistência e potência, uma reapropriação de um corpo que foi escravizado, apagado e anulado, mas que retorna num movimento temporal curvo, espiralar. Ao tratar do corpo em performances amefricanas, Leda Maria Martins descreve agências que encontram paralelos nas obras afro-futuristas de artistas aqui analisadas/os:(...) “o gesto e a voz da ancestralidade encorpam o acontecimento presentificado, prefigurando o devir, numa concepção genealógica curvilínea, articulada pela performance” (Martins, 2021, p. 133)
Uma análise interseccional para estudar práticas musicais envolve considerar as interseções entre diferentes representações e como elas afetam a forma como as pessoas são tratadas e representadas nos diversos ambientes comunicacionais. Buscamos trazer para o debate inquietações como: a) as diferentes identidades das pessoas que se intersectam e como isso afeta suas experiências na performance musical; b) as vozes de pessoas de diferentes grupos sub-representados e marginais, incluindo aquelas com diferentes orientações sexuais, identidades de gênero, capacidades físicas, raças etc.; c) a representação de diferentes grupos na música, incluindo a forma como são retratados em letras, videoclipes e performances ao vivo; d) as práticas e estruturas da indústria musical e como elas contribuem para a opressão sistêmica e a desigualdade de representação.
A música produzida por mulheres negras, indígenas e pessoas LGBTQUIAPN+, ao ser analisada pela lente da interseccionalidade, nos fornece instrumentos para a compreensão de diversos eixos de opressão que afetam a produção, circulação e recepção das suas produções e que refletem no “idioma” estético dessas musicalidades. Essas chamadas minorias enfrentam desafios adicionais no sistema de poder, e trazer essa perspectiva para os estudos de som e música pode nos ajudar a compreender, de forma analítica e científica pluriversal, as razões pelas quais essas pessoas têm sido historicamente sub-representadas na indústria da música, mas também a pensar como essas questões se materializam em sonoridades afrodiaspóricas.
3. Os percursos da Amefricanidade e a performance na música
Tentar enquadrar o álbum Meu Esquema, de Rachel Reis, em um gênero musical, como “Nova MPB”18, por exemplo, seria isentar-se do desafio de tratar da profusão de gêneros ali agenciados. Em definições musicológicas usuais, ao classificar uma música como gênero “x”, indiretamente diz-se que ela não é do gênero “y” ou “z”. Há uma restrição quando se propõe uma delimitação a um rótulo determinado autoritariamente por quem pesquisa e essa cena afrolatina tensiona as classificações. Daí uma das primeiras conceituações de cena como “várias práticas musicais [que] coexistem interagindo entre si com uma variedade de processos de diferenciação” (Straw, 1991, p. 494) se mostra ainda atual.
A resistência de muitos artistas em “enquadrar” suas obras parece apontar para uma postura intuitiva e/ou consciente anti-binarismo, sinalizando inclusive em direção a um caminho metodológico decolonial. Como contraponto aos binarismos, a ambivalência se apresenta como uma alternativa para incluir o conflito, o complementar, o paradoxal. Pode ser associada a uma imagem emblemática: a encruzilhada e suas possibilidades de caminhos. Formulada por Leda Maria Martins, desde 1991, a noção de encruzilhada “nos oferece a possibilidade de interpretação do trânsito sistêmico e epistêmico que emerge dos processos inter e transculturais” (Martins, 2021, p. 51). Acreditamos que a ambivalência da encruzilhada permite abordar os agenciamentos das territorialidades culturais incluindo a “conjunção de territórios geográficos e experiências afetivas” (Janotti, 2014, p. 74). Tais experiências incluem refletir sobre as performances presenciais (repertório) e também sobre as implicações de arquivos digitais (Taylor, 2013), combatendo o “processo de imposição tensiva dos sistemas discursivos sobre os sistemas performativos e a gradual negligência concedida às expressões ritualísticas, mnemônicas e gestuais como constitutivas dos processos de conhecimento e saber” (Cardoso Filho, Gutmann 2022, p. 31). Como define Martins (2021, p. 51),
da esfera do rito e, portanto, da performance, a encruzilhada é lugar radical de centramento e descentramento, interseções e desvios, texto e traduções, confluências e alterações, influências e divergências, fusões e rupturas, multiplicidade e convergência, unidade e pluralidade, origem e disseminação. Operadora de linguagens performáticas e também discursivas, a encruzilhada, como um lugar terceiro, é geratriz de produção sígnica diversificada e, portanto, de sentidos plurais.
Pensar experiências e sensibilidades na encruzilhada permite leituras semióticas transitando das imanências “estruturais” aos contextos comunicacionais e culturais e ainda pensar sobre os sujeitos implicados nas criações e fruições, considerando seus lugares sociais, raciais, de gênero, dentre outros. É possível discutir também os gêneros estéticos implicados nas obras, porém de uma maneira holística, não compartimentada, ao modo da proposta de pensar a africanidade fora das diversas culturas nacionais da África, a partir das agências africanas na latino-américa de povos indígenas e de imigrantes europeus. Assim, a expressão da ancestralidade na música contemporânea das/os artistas afro-baianos é estudada pela chave da performance em tempo espiralar. Como observa Leda Maria Martins (2021, p. 204)
A ancestralidade é clivada por um tempo curvo, recorrente, anelado: um tempo espiralar, que retorna, restabelece e também transforma, e que em tudo incide. Um tempo ontologicamente experimentado como movimentos contíguos e simultâneos de retroação, prospecção e reversibilidades, dilatação, expansão e contenção, contração e descontração, sincronia de instâncias compostas de presente, passado e futuro.
A categoria político-cultural “amefricanidade”, erigida por Lélia Gonzalez, parece-nos uma senha para acessar as performances aqui elencadas por expandir os caminhos metodológicos, ao levar em conta os devires ancestrais empreendidos pelas comunidades, incorporando “todo um processo histórico de intensa dinâmica cultural (adaptação, resistência, reinterpretação e criação de novas formas) referenciada em modelos africanos e que remete à construção de toda uma identidade étnica” (Gonzales, 2020, p. 151-152. Grifos nossos). Pensando a música afro-latina a partir dessas dinâmicas, a adaptação sinaliza para uma aproximação entre fazeres das culturas locais com culturas ancestrais e com o pop global; a resistência se dá não apenas na temática das letras e sim também na postura de fazer frente a uma cadeia musical excludente contratando profissionais mulheres, negres etc.; a reinterpretação remete a retornar em diferença, de forma crítica, a temas presentes nos discursos hegemônicos, como é o caso do discurso amoroso no álbum Meu Esquema; a produção/criação convoca um pensamento aberto ao advento de novas formas, à promoção do diálogo entre gêneros musicais periféricos e pops. Para Gonzalez: “a experiência amefricana se diferenciou daquela dos africanos que permaneceram em seu próprio continente” (2020, p. 136), pois é certo que as invasões europeias em África geraram problemas locais que são distintos da problemática decorrente do tráfico humano e da escravização nas “Américas”. Em um movimento espiralar, a música afro-latina/diaspórica é uma vertente da música amefricana que se distingue da música produzida por sujeitos diaspóricos que migraram para a Europa, ou da produção atual da música africana, por exemplo. Isso não significa que a música afro-latina não dialogue com as músicas do mundo, mas implica que traz no seu bojo o repertório de experiências amefricanas de indígenas, negros e brancos no contexto atual da colonialidade19.
Ao defender a adoção da categoria amefricana, Gonzalez a apresenta como um conceito que se contrapõe às autodesignações de afro-americano/africano-americano, empregadas pelos movimentos negros dos Estados Unidos no século XX, argumentando que ambos os termos reforçam o caráter “imperialista” do uso genérico da palavra “americano” como identificação dos estadunidenses. A adoção de uma autodesignação equivalente como afro/africano-brasileiro, embora derive de uma posicionalidade menos dominante do ponto de vista geopolítico e econômico por tratar de Brasil, também aparta experiências em comum com os demais sujeitos afro-diaspóricos: os povos originários das américas.
Para Gonzalez (2020, p. 135), “Améfrica, enquanto sistema etnogeográfico de referência (...) designa toda uma descendência: não só os africanos trazidos pelo tráfico negreiro como a daqueles que chegaram à América muito antes de Colombo”. Amefricana é uma designação que contempla, portanto, os intercâmbios entre os povos originários pré-colombianos e aqueles vindos de diferentes nações africanas a partir do século XVI, que partilham experiências de resistência aos epistemicídios e comungam na luta contra a colonialidade por vias diversas. “Seu valor metodológico [...] está no fato de permitir a possibilidade de resgatar uma unidade específica, historicamente forjada no interior de diferentes sociedades que se formaram numa determinada parte do mundo” (Gonzalez, 2020, p. 152. Grifos da autora). Unidade esta que não significa homogeneidade e sim o que há de comunhão nessas sociedades: a história de resistência à opressão da colonização; as insurgências aos epistemicídios na colonialidade; as produções culturais multifacetadas e pluriversais, não restritas às classificações genéricas rígidas, fora das caixinhas do racionalismo moderno, realizadas por pessoas atravessadas pelas contingências da colonialidade.
Como propõe Grada Kilomba em suas Memórias da Plantação, é preciso cultivar métodos que contemplem um movimento duplo, “o de se opor àquele lugar de ‘Outridade’ e o de inventar a nós mesmos de (modo) novo. Oposição e reinvenção tornam-se então dois processos complementares” (2019, p. 28). Kilomba ressalta que “o que encontramos na academia não é uma verdade objetiva científica, mas sim o resultado de relações desiguais de poder e raça” (2020, p. 53), o que sinaliza para a necessidade de problematização das ideias de ciência e de distanciamento científico, mediante, ao nosso ver, procedimentos decoloniais tais como: combate aos binarismos; consciência e explicitação, por parte de quem pesquisa, do seu lugar de fala; atenção para as contribuições dos saberes e fazeres filosóficos, comunicacionais e artísticos dos sujeitos em situação de colonialidade que vêm sendo obliterados por séculos a fio, não obstante seu grande potencial enquanto fonte e método de produção de conhecimentos; e ainda refutar discursos hegemônicos. Trata-se de uma “luta por justiça epistêmica, isto é, uma justiça que reivindica a igualdade entre os saberes e contesta a ordem do saber imposto pelo ocidente” (Vergès, 2019, p. 39).
A ideia de distanciamento científico é um entrave colonial que oculta a posicionalidade narcísica e generalizante da branquitude, que se julga e se apresenta como “neutra”. Conforme Vívian Santos (2018, p. 5), “a colonialidade do saber tem como base a noção de que [a] dicotomia Sujeito x Objeto estabelece como Sujeito (Humano) do conhecimento a Europa e, como Objeto (Não humano), os povos colonizados e suas expressões de existência, capturadas como ‘exóticas’, bestiais”. A decolonização analítica não se resume à escolha de sujeitos de pesquisa cuja produção musical e/ou cultural seja uma expressão decolonial, exige também explicitação e consciência do lugar de fala das analistas, um lugar igualmente de insurgência contra as “múltiplas relações desiguais e discriminatórias derivadas da dicotomia central do paradigma moderno europeu - humano x não humano: quem é o sujeito do conhecimento x quem é dele objeto; quem merece ser escutado x quem deve ser silenciado; quem merece viver x corpos, vidas que não importam” (Santos, 2018, p. 7).
Isso não implica que apenas pesquisadores/as que estão na mesma condição dos sujeitos/as pesquisados/as possam abordá-los/las; implica na honestidade de compreender que não existe neutralidade no discurso. Implica, por exemplo, em reafirmar que esse texto é a compreensão de duas mulheres brancas, latino-americanas, cisgênero, classe média, acerca da produção musical de Rachel Reis, uma jovem negra cisgênero que nasceu e cresceu na segunda maior cidade baiana, Feira de Santana, em uma família de classe média baixa e cuja identidade racial e orientação sexual perpassam sua obra. Uma das principais implicações da nossa investigação é analisar como as práticas musicais constroem articulações com o sistema de poder e de que forma é possível perceber essas articulações mobilizando os estudos de comunicação e da música. Artistas negras e baianas como Luedji Luna, Larissa Luz, Josyara, Sued Nunes, Xênia França, Rachel Reis, dentre outras, produzem em sua arte uma tentativa de criar uma rede de engajamentos para superar a “colonialidade do gênero” (Lugones, 2019). Para a filósofa argentina María Lugones, uma resposta está na possibilidade de buscar uma nova geopolítica feminista, um feminismo do sul, que resultaria na tentativa de uma “decolonialidade de gênero”, de mulheres engajadas umas com as outras, criando “espaços seguros” (Collins, 2019) nos quais não se repetem as subalternizações, nem as hierarquias do sistema colonial, propondo outras formas de organizar o social, a partir de outras cosmologias.
Quando usamos o termo cena musical afrolatina/diaspórica (e baiana) estamos pensando nessas cosmologias não ocidentais e em como a territorialidade afeta a performance. Estabelecemos um diálogo com a ideia de Lugones de “locus fraturado”, para compreender aquele que resiste à construção colonizadora para “revelar o que se torna eclipsado” (Lugones, 2019, p. 942). A ideia de “locus fraturado” nos permite pensar em um processo de resistência desse ser colonizado nas suas territorialidades, um ser que é “construído duplamente, que se percebe duplamente, relaciona-se duplamente, onde os ‘lados’ do lócus estão em tensão, e o próprio conflito informa ativamente a subjetividade do ente colonizado em relação múltipla” (p. 942).
Ao propormos uma articulação entre interseccionalidade (Akotirene, 2019; Collins; Bilge, 2021), amefricanidade (Gonzalez, 2020) e os estudos de música e som, consideramos também importante trazer a ancestralidade como parte da nossa tentativa em entender a complexidade que envolve produções artísticas decoloniais. Ao empreendermos uma investigação na qual nosso esforço é buscar posições acadêmicas decoloniais, antirracistas e feministas para os estudos de som e música, a ancestralidade é parte importante já que percebemos como este princípio norteia a resistência ao poder colonial, a presença negra nas Américas e promove a ideia de comunidade, de coletivo afrodiaspórico.
O trabalho de artistas dessa cena, pautado na ideia da ancestralidade, nos leva a refletir sobre a perspectiva trazida por Martins (2022) que aponta a ancestralidade como um espaço-tempo espiralar de práticas do saber que possibilitam ações com potencial de transgressão contra o processo colonial civilizatório europeu. “Nas encruzilhadas dos saberes que transitam com os povos das diásporas, a memória desse conhecimento foi transportada das Áfricas às Américas pelas práticas corporificadas” (Martins, 2021, p. 208). Há na obra desses artistas o desejo de contar uma nova história, colocando em cena o devir negro (Mbembe, 2018) que cria possibilidades múltiplas de se contrapor a uma agenda de dominação. O conceito de encruzilhada (Martins, 2021; Rufino, 2019) é um caminho teórico e político que nos ajuda a compreender essa potência ancestral, resiliente, que permeia o trabalho das/os artistas que compõem a cena. Leda Maria Martins, ao pensar no “tempo espiralar”, aponta para a ancestralidade como “um conceito fundador”, que permeia cosmopercepções africanas e indígenas, em uma experiência amefricana do tempo. “O corpo em performance restaura, expressa e, simultaneamente, produz esse conhecimento, grafado também na memória do gesto” (Martins, 2021, p. 209).
Como nos sugere Janotti et al (2022) é preciso “pensar os fenômenos em torno da música, acionando-a corporal e racialmente, distanciando-nos da universalidade do homem branco enquanto sinônimo de humano” (p. 178). Os estudos de corpos políticos em experiências espaço-temporais de racismo/colonialismo/colonialidade requerem exercícios teóricos que nos possibilitem entender fenômenos culturais ambientados entre a opressão e a resistência na experiência colonial. É nesse jogo - entre o cíclico e o cronológico, movimento e retorno, passado, presente e futuro - que se constroem diferentes temporalidades que coexistem no mesmo produto cultural.
Como ressaltam Collins e Bilge (2020), a interseccionalidade não vem pronta para ser aplicada em uma pesquisa e pode assumir formas diversas dependendo dos estudos de caso. Ao acionarmos a interseccionalidade na investigação da cena afrolatina baiana, não estamos fazendo nada de novo, mas utilizando uma ferramenta analítica que pode nos ajudar a entender uma cena que surge nos anos 1974 com o bloco afro Ilê Aiyê, um movimento cultural e social pautado pelo combate a desigualdades fundamentadas no racismo estrutural e que, a partir do que Straw (2014) chama de “processos de aninhamento e duplicação fractal” (p. 479), percebemos como gerador de uma espécie de movimento em espiral, de uma cena que surge dentro de outra cena.
Ao acionar o álbum de Rachel Reis neste estudo, endossamos que a cena afrolatina baiana contemporânea é parte da cena negra dos anos 1970, 1980 e 1990, e que marca uma posição de ativismo musical ao trazer para si o controle da narrativa, uma posição na qual as categorias políticas de raça, gênero e sexualidades são fundamentais.
5. O esquema de Rachel Reis
Produzido pelos pernambucanos Barro20 e Guilherme Assis21, o álbum autoral Meu Esquema tem 12 faixas, três assinadas por Cuper e Bruno Zambelli, produtores do hit Maresia, e todas compostas por Rachel Reis e parcerias. O percussionista baiano Ícaro Sá também participa do disco. As músicas ganharam vídeos da diretora Lu Villaça, exceto Motinha, cujo videoclipe é dirigido por Bruna Sozzi. As canções são interligadas pelo amor de corporeidades negras espalhadas por territórios de Salvador: Centro Histórico, Baía de Todos-os-Santos, cabarés do Pelourinho. Esse amor dá unidade ao álbum, intensificado pela predominância dos tons vermelhos nos clipes, e nos lembra Luedji Luna que, ao falar das canções e participações especiais em Bom Mesmo é Estar Debaixo d'água (2020), mostra sua intenção de escapar da ideia de que “à mulher negra só caberiam imagens de luta e enfrentamento”. Rachel Reis mergulha de cabeça nessa contestação. Aliás, as críticas por cantar o amor também perseguiram a artista: “Uma coisa que me pega é porque já insinuaram, por ser negra, que eu não deveria falar sobre amor. Logo quando lancei os dois singles, uma pessoa branca veio me dizer isso e também rolou outras vezes. Isso me incomodou muito. Por que eu não posso falar sobre amor? A gente pode falar sobre tudo”.22
A canção Amor Sem Barreiras, um flerte com o samba e o pagode, fala do “(...) amor que não prende/ mas também não solta/ amor que me toca/ onde quer que eu vá”. As imagens do vídeo trazem pessoas LGBTQUIAPN+, heteressexuais, negras e brancas, mostrando a potência das relações construídas com amor, que para bell hooks tem papel importante “em qualquer movimento de justiça social” (2021, p. 140). Considerado por hooks uma força transformadora, inclusive contra o machismo e o racismo, o amor é uma marca política nessa obra de Reis, é a sua potência. Interessante como nessa canção Rachel acentua o estilo do pagode carioca, um som mais rítmico e sincopado, com o cavaquinho, o tamborim e o pandeiro ganhando volume, mas com a presença de uma guitarra que atravessa a percussão com uma sonoridade mais aguda. Aqui vale destacar que Reis trafega em suas canções no ambiente da música pop23, gerando experiências performáticas que, como coloca Soares (2015), estão dentro dos “padrões das indústrias da música, do audiovisual e da mídia; tendo como lastro estético a filiação a gêneros musicais hegemônicos (...)” (p. 21).
O álbum apresenta sonoridades e imagens que performam o universo da música pop, tensionando “lazer, divertimento, frivolidade, superficialidade (...) com inovação, criatividade e reapropriação (...)” (Soares, 2015, p. 22-23). Há uma disposição estética no disco no sentido de a sonoridade buscar o clichê melódico, mais comum, simples, popular. Sabemos a dificuldade de estabelecer o que é pop a partir de parâmetros sonoros, mas consideramos fazerem parte desse universo os refrões marcantes, um som sem ruídos, a voz principal mixada com volume acima dos demais instrumentos uma duração de faixas comercialmente viável. A canção Motinha ganha forma em um filme gravado com uma câmera de 16mm. A textura analógica da película aciona uma nostalgia e os corpos negros que protagonizam este flerte dialogam com a ideia de bell hooks, que aponta para a dimensão do amor necessário para fortalecer as corporeidades.
Ao longo dos 3:43 min. de vídeo, as imagens reproduzem o ritual da paquera no ritmo de um arrocha marcado por timbres eletrônicos em diálogo com ataques de instrumentos percussivos e com notas de sintetizador com efeito reverb. Imagem e música ressoam uma corporeidade marcada racialmente. Os versos que dizem “Meu doce de maracujá/ Meu girassol ao céu valença24/ Já fiz a cama pra você bagunçar/ E só dá tu no meu esquema/ Pega a motinha e vem” dialogam com imagens que remetem à estética de cores primárias em tons quentes do cinema de Pedro Almodóvar, transplantada para uma Salvador calorenta nos casarios coloniais do bairro do Santo Antônio, e percorrem a arquitetura de becos e vielas recortados pelo mar na Comunidade Solar do Unhão25, evidenciando uma negociação de afetos e gostos que atravessam os produtos midiáticos contemporâneos.
O suingue da canção Lovezinho tem como cenário um boteco “pé sujo” e um quarto com cama de casal, ambos com telhado aparente sem forro, remetendo a ambientes que compõe a paisagem do Centro Histórico de Salvador, territorialidade sempre disputada por essa cena, em referência a alguns signos como Olodum, banda Didá26 e os bares de reggae, espaços com presença maciça da população negra. A filmagem em tons escuros e avermelhados, quase barroca, trafega por um ambiente entre o sagrado e o profano, a tradição e a contemporaneidade, a colônia e a resistência. Embalada pelo ritmo de um samba-reggae, que começa suave e ganha peso no refrão com a entrada dos graves da marcação, a faixa que abre o disco é um convite para dançar e tem uma letra sobre afetos e memórias: “Vê se lembra de mim/ No seu banho ou na ida à padaria/ Quando tocar aquele som/ Vê se lembra como é bom”. Rachel Reis contracena com um dançarino com quem troca olhares sedutores. As cenas do casal se alternam com imagens da cantora no mesmo cenário e com o figurino da fotografia da capa de Meu Esquema.
A reiteração das imagens posadas da artista confere unidade visual ao álbum ao mesmo tempo em que confirma uma tendência dos álbuns visuais de terem elementos que se repetem nos vídeos de músicas distintas, perpassando mais de uma faixa e proporcionando uma unidade estética ao trabalho. Se os videoclipes isolados primam muitas vezes por uma profusão de planos, cortes, efeitos, movimentos de câmera etc., os vídeos de álbuns visuais de artistas como Luedji Luna e Rachel Reis, entre outras, comumente adotam a desaceleração na montagem e a aparição cíclica de elementos cênicos (cenário, figurino, objetos de cena etc.) perpassando as faixas como que para afirmar o conceito estético que reúne as canções.
Em Pelo, Rachel Reis está envolvida por três mulheres negras e um homem negro. A câmera percorre esses corpos que se embaralham ao da artista, em um jogo de sedução que coloca em cheque a heteronormatividade e aciona o que Muniz Sodré conceitua de corporeidade, ou seja, “uma coleção dos atributos de potência e ação” (2017, p. 106). Rachel evoca sua ancestralidade, conforme a ideia trazida por Sodré (2017), como uma temporalidade na qual seu lugar de mulher negra é definido por uma comunidade e, ao evocar a imagem do amor, remete ao que bell hooks denomina de dimensão do “loving community”, uma condição necessária para fortalecer corpos negros e que possibilita um “dom de abertura e reconhecimento” (2021, p. 143). A imagem de corpos racializados entrelaçados negocia com frases malemolentes de guitarra, muitas vezes próximas ao rock, o que acentua a sonoridade pop da faixa, mas sem tirar o protagonismo da percussão que toma a frente rítmica da música. A artista dialoga com o chamado pagode baiano, principalmente no refrão em que adere mais diretamente ao “groove arrastado”, estilo que é uma variação do samba duro baiano (também conhecido como samba junino) cujo andamento é desacelerado.
Nas imagens que compõem o álbum visual, os corpos negros são colocados em evidência por Rachel Reis. Em Bota Pagodão Ponto Net (referência ao site de pagode baiano) essa corporeidade coletiva negra ironiza as vestimentas da corte europeia colonizadora. As personagens comem cachorro-quente e chantilly, mexem a “raba” e Rachel canta “dá aquela tremidinha que só sua rabeta faz”, trazendo diversas referências do pagodão baiano: o groove arrastado (mais uma vez), o vocabulário recorrente, a incitação à dança desde as letras, mostrando a ancestralidade do rebolado, que é visto como uma amefricanidade da mulher preta, como coloca Henrique Tenório (2021). A bunda em evidência cria um elemento de embate com a branquitude, afinal, gêneros como pagode baiano ou o funk carioca são sistematicamente marginalizados racialmente pelo uso do corpo “numa sociedade marcada pela colonialidade, a hegemonia da branquitude patriarcal e o racismo estrutural” (Tenório, 2021, p. 9). A letra convidando à dança e acionando sentidos do campo sexual é uma forma de tensionamento da moral patriarcal, ao tempo em que opera pela ambivalência, escancarando a violência histórica do sexismo.
Apesar da forte presença do groove arrastado, do brega funk e dos afrobeats, o arrocha27 é o gênero que percorre com maior intensidade o álbum. Uma das características do gênero são as letras sobre os sofrimentos amorosos, apelidados pelos fãs do estilo de “sofrência”. Mas quem procura sofrimentos nos arrochas de Rachel Reis não vai encontrar. Ela constrói letras de amor intensas, porém que não abordam o sofrimento. Em Brasa, com a participação da cantora Céu (elas também dividem a autoria da canção), o vídeo se passa em um cenário que é um simulacro das encenações do gênero musical baiano, com Raquel e Céu se revezando com mulheres que amenizam o “calor” com leques e vestimentas que lembram as frequentadoras de cabarés do início do século XX. Nesse ambiente, elas cantam: “que culpa tenho eu se tu é morno/ aquece comigo/ (...) só não tente podar aquilo que não pode entender/ dá licença que eu quero passar”. O mesmo acontece em Não venha pela metade: “Eu me blindo contra amores fracos (…) Sei ser maré mansa e sei ser tempestade / não venha pela metade”.
O álbum como um todo remete às memórias de Rachel Reis. O arrocha, por exemplo, que permeia grande parte da obra, está ligado à cidade onde nasceu, Feira de Santana, e às lembranças da sua mãe, Maura Reis, também uma mulher negra, cantora de serestas nos anos 1980 (e hoje cantora evangélica)28, e da irmã, Sara Reis, cantora de piseiro29 e forró. Os vários cenários ambientados em bares do álbum visual são um retorno ao tipo de local onde a artista começou a se apresentar. A presença do samba-reggae e do pagodão, gêneros do caldeirão sonoro da axé music, também evoca memórias que atravessaram suas festas de infância e adolescência. Já o afrobeat, outro gênero marcante no trabalho da artista, a leva para a rede de música afrodiaspória que se forma nos movimentos do Atlântico Negro. Rachel aciona aqui um imaginário que é parte da sua história, mas também da cultura musical baiana, um pop com vivência de uma Bahia que trafega pelo sentimentalismo latino, aliado à percussão afrobaiana.
Atenta ao racismo, ao sexismo e ao classicismo que subjugou as pessoas negras no movimento denominado de axé music30, ela avança, mas como uma potência pop, serena, intensa e altiva. Na faixa Serenidade, que fecha o álbum, está vestida como uma rainha, cercada por luzes de velas e em tons vermelhos. Ela aciona sua corporalidade racial e de gênero e canta: “Me dê serenidade/ Me dê tranquilidade/ Me dê paciência, eu sei/ Me dê coragem/ Pra ver se eu não desando/ Se eu não disperso/ Se eu não me passo/ Pra ver se eu não disperso/ Se eu não me passo”.
Apelidada por seu público como sereia, Rachel abre o álbum com o interlúdio Canto da Sereia. É uma liturgia que louva Yemanjá, ao mesmo tempo em que se rende ao love da cultura pop, é a introdução perfeita para o mergulho no esquema de Rachel Reis, de um amor sem sofrência e, como colocamos acima, o amor como força política, não para esquecer ou apagar o passado, “mas vê-lo de uma nova maneira, deixá-lo viver dentro de nós de uma nova maneira” (hooks, 2021, p. 209). Há neste álbum de Rachel Reis uma performance que aciona o pertencimento à música pop, pela corporalidade e encenação que transita entre o pagodão, o arrocha e o brega mas também estabelece conexões com o indie, o afrobeat e a MPB, “um diálogo cosmopolita com acentos locais” (Soares, 2015, p. 30).
E exatamente pelo acento pop Rachel Reis traz contradições e algumas tensões em relação, por exemplo, a uma geração anterior de cantoras negras como Larissa Luz e Luedji Luna. Uma das principais é a forma como lança mão da axé music como uma memória afetiva no seu trabalho em contraponto ao discurso de oposição de Larissa e Luedji, motivado pela apropriação do movimento pela branquitude. A equipe de Reis também é formada por produtores brancos e diretoras brancas. Enquanto Luedji trabalha, em seu álbum visual, com uma equipe formada exclusivamente por mulheres negras que reforça uma unidade, isto não parece ser uma questão para Reis.
Quando pensamos na sonoridade da obra, temos elementos que compõem o que chamamos aqui de rede musical afrodiaspórica, afinal gêneros como arrocha, pagode, ijexá, brega funk e afrobeats são acionados como música negra, muitas vezes periférica. Os vídeos do álbum visual são protagonizados por uma corporalidade negra em territorialidades de maioria negra. Outro ponto importante é o forte sotaque pop das canções, uma tática que reelabora determinadas tradições, aproximando mais dos fenômenos culturais forjados na ideia de amefricanidade.
Não há nas letras das canções de Rachel Reis um discurso explícito contra o racismo, o machismo e o sexismo, nem tampouco afirmações diretas acerca da religiosidade e de outros aspectos da cultura afro-diaspórica como encontramos em trabalhos anteriores de Luedji Luna e Larissa Luz. O engajamento de Rachel está implícito nas visualidades do álbum e na afirmação do direito ao amor - amor sem sofrimento, como já discutido. E, principalmente, na corporeidade negra presente nas imagens e sonoridades do álbum.
As distinções entre o trabalho de Luedji, Larissa e Rachel demonstram, ao nosso ver, as complexidades e contradições do que chamamos de cena afrolatina; demonstram ainda que não estamos falando de um movimento programático, pautado em uma “cartilha” pré-determinada. Sinaliza para uma negociação mais franca com o pop, por parte de Rachel Reis, o que não é entendido por nós como aspecto positivo ou negativo e sim pelo viés da ambivalência da cena, em uma compreensão que se opõe ao binarismo moderno-colonial.
6. Breves inconclusões
Ao longo deste artigo, buscamos uma abordagem comunicacional decolonial (e feminista) do álbum Meu Esquema, de Rachel Reis, com atenção para os atravessamentos de ordens interseccionais sociais, culturais, identitárias e/ou estéticas decorrentes da colonialidade e das resistências, a fim de produzir conhecimentos pluriversais e inclusivos. Buscamos a reversão da inércia dos movimentos unidirecionais epistemicidas a partir da problematização dos métodos coloniais. Questionamos os discursos de neutralidade eurocêntricos, sugerindo a categoria político-cultural de amefricanidade, a atenção para as interseccionalidades e o pensamento na encruzilhada como formas de combater os binarismos estrategicamente “naturalizados” nas metodologias coloniais, considerando a sujeita da pesquisa em suas complexidades, enquanto integrante de uma cena da música baiana, bem como as agências, o lugar de fala e as subjetividades das autoras do texto.
Ao analisarmos o álbum Meu Esquema, de Rachel Reis, buscamos acionar a interseccionalidade como um instrumental que nos possibilita contrapor ao “carrego colonial” (Rufino, 2019) para entender a complexidade que nos traz a noção de cena musical afrolatina, permitindo que a análise interaja com diferentes representações como raça, gênero, sexualidades, territorialidades, e identificando formas de opressão e exclusão que afetam diferentemente as pessoas que compõem essa cena, talvez possibilitando uma análise mais crítica e ampla das práticas musicais localizados na Améfrica.
Nossa investigação aqui apresentada ainda é inicial, portanto com muitas lacunas e falhas. Nessas inconclusões percebemos que a cena afrolatina/dispórica (e baiana), formada predominantemente por jovens negros, negras e negres, é parte de uma rede de engajamentos que perpassam memórias de um passado coletivo (Sodré, 2017) e se conectam a experiências construídas por fluxos que se movimentam pelo Atlântico, fazendo parte de uma rede musical afrodiaspórica. O artigo é parte de um esforço em pensar essas experiências em territorialidades diaspóricas da América Latina / Améfrica Ladina, tendo como corpus artistas negres que habitam Salvador, ou um imaginário territorial da capital baiana, propondo um ativismo musical (Fernandes; Herschmann, 2014) impulsionado por um discurso, mais ou menos explícito, antirracista, feminista, contra a desigualdade social e nutrindo-se de artefatos, produtos e estratégias midiáticas que criam sociabilidades no seu entorno.
Percebemos, a partir da análise de Meu Esquema, que a posição periférica não se reduz à vitimização, porque implica também uma intensa e potente produção insurgente e contra-hegemônica. Rachel Reis não se furta em falar de amor, tensionando o lugar de luta e enfrentamento usualmente imputado à imagem da mulher negra e subvertendo gêneros como o arrocha, em um discurso cancional em que não há o sofrimento amoroso (a sofrência), comum nas letras do gênero, e sim afirmações de desejo e independência. Ao dialogar com o pagodão de groove arrastado, afirma a expressão do corpo negro em detrimento de julgamentos morais advindos do racismo velado que desqualifica as formas e performances desviantes do padrão narcísico da branquitude, ao tempo em que põe em cena o sexismo patriarcal. Do ponto de vista heurístico, as distinções discursivas entre a obra de Rachel Reis e a produção de Larissa Luz, Luedji Luna e de gerações anteriores da música baiana comprovam a validade da abordagem decolonial e interseccional proposta neste estudo, uma vez que as referências teórico-conceituais agenciadas se mostraram produtivas para uma análise em que o sujeito empírico suscitou a discussão de diferenças e convergências na cena.
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1
Informação tirada da reportagem Rachel Reis apresenta seu pop tropical de referências baianas em 'Meu Esquema', disponível em www.ibahia.com/colunistas/pop-bahia/rachel-reis-apresenta-seu-pop-tropical-de-referencias-baianas-em-meu-esquema. Acesso em 21/01/2024.
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2
Zamba é diretor criativo do grupo musical ÀTTØØXXÁ, e se dedica a dois coletivos que tem como objetivo dar viabilidade e visibilidade ao trabalho de pessoas pretas: Muviu Studio (audiovisual e design); e Bonke Music (direção e produção musical). Trabalhou com Yan Cloud, Nêssa e Vandal.
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Cuper é produtor musical, cantor, guitarrista e compositor.
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Para Thiago Soares (2015), o pop pode ser pensado a partir de valor, performance e territorialidade.
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Segundo o Censo de 2022 do IBGE, a população total de Salvador é de 2.418.005 pessoas, das quais 49,07% se consideram pardas (1.186.416); 34,14% se consideram pretas (825.509) - somando 83,21% de pardos e pretos -; 16,49% se autodeclararam brancas (398.688); 0,11% amarelas (2.605) e 0,18% indígenas (4.395).
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6
For Gonzalez, to think of Améfrica Ladina, and not América Latina, is/was a multiple subversion. First, it foregrounds the groups subordinated by the patriarchal and colonial system on the continent. Secondly, because it emphasizes this reality, the notion also highlights the experiences and the forms of resistance of black and indigenous woman. Thirdly, it seeks transnational solidarity without denying the pluralities of the territorial, cultural and demographic formations of each country. Fourthly, the idea of Améfrica Ladina problematizes the categories and languages created within colonial thought. Lastly, it representes an anti-imperialist approach to North America [...] (Rios, 2019, p. 78).
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Larissa Luz começou a carreira como vocalista da banda AraKetu, uma das mais tradicionais da axé music e do Carnaval de Salvador. Em 2012 saiu em carreira solo e, a partir do segundo álbum, Território Conquistado (2016), passou a apresentar um trabalho que articula elementos musicais locais e transnacionais aliados a um discurso político que traz à tona questões relacionadas ao racismo e ao machismo.
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Luedji Luna apresenta um trabalho que explora sonoridades acústicas afrodiaspóricas. Em 2017 lançou seu primeiro álbum, Um corpo no mundo, e em 2020, o álbum visual Bom mesmo é estar debaixo d'água.
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O primeiro bloco afro da Bahia surge em 1974 no Curuzu/Liberdade, maior bairro negro da América Latina.
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O Olodum surgiu no Pelourinho, Centro Histórico de Salvador, em 1979.
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Muzenza foi fundado em 1981 no bairro da Liberdade e sempre teve ligado ao reggae.
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Para Sodré, a alacridade/alegria (ayó, em iorubá) é fundamental na existência nagô, “uma potência ativa”.
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Ao escrever sobre Interseccionalidade, Collins e Bilge (2021) utilizam o termo domínio cultural como sinônimo de domínio hegemônico do poder.
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O primeiro bloco afro da Bahia surge em 1974 no Curuzu/Liberdade, maior bairro negro da América Latina.
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O Olodum surgiu no Pelourinho, Centro Histórico de Salvador, em 1979.
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A atual Ministra da Cultura do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2023) foi uma das primeiras vozes femininas do início da Axé Music, famosa pela interpretação da canção Faraó, gravada em 1988.
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Atuante na cena musical baiana desde os anos 1980, Brown foi percussionista de Sérgio Mendes, Caetano Veloso, entre outros. Compositor talentoso e músico excepcional, formou a banda percussiva Timbalada, no bairro do Candeal, em 1991, na qual "organizou" as notas do timbau e moldou o afro pop baiano.
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A MPB é uma classificação midiática da música que abrange vários gêneros musicais e disputas de valores em que estão em jogo a classe social e a trajetória/carreira dos artistas, local de origem, raça e aspectos musicais de instrumentação, arranjos, estilos e outros elementos que exigem um debate mais amplo. Chamamos Nova MPB a produção de uma nova geração da música popular brasileira (a MPB), que se projeta a partir dos anos 2000 e que incorpora à sua sonoridade elementos de estilos como pop, rock, bossa e outros.
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Entendemos colonialidade como a condição contemporânea pós-colonização, em que se verifica a persistência da dominação econômica, cultural, social e comunicacional do Norte global sobre o Sul, a despeito do fim dos regimes políticos colonialistas.
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Cantor e compositor
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Produtor musical
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Entrevista dada a Gabriela Almeida da Revista Noize. Disponível em https://noize.com.br/entrevista-rachel-reis/#1
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Para Regev (2013) a música pop trafega por um amplo âmbito de práticas musicais e tem vários significantes em diferentes línguas e países, dependendo do ambiente sociocultural no qual ela é produzida. O autor argumenta que a influência do pop, no que ele denomina de cosmopolitismo estético, inspira artistas das mais diversas práticas musicais. Nos interessa tensionar as observações propostas por Regev (2013) de como a música pop se naturaliza de forma mundial nas mais diferentes nações e afiliações étnicas.
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Há aqui uma referência à canção Girassol, de Alceu Valença, que traz versos como “Morena, flor do desejo/ Ah teu cheiro em meu lençol”
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Localizada na Avenida Contorno que liga a Cidade Alta a Cidade Baixa, e vizinha ao Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), a comunidade tem sido locação de videoclipes de diversos artistas como Anitta, Majur, entre outras.
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Banda musical de percussão feminina fundada em Salvador em 1993 pelo músico Neguinho do Samba.
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O arrocha começa a ser produzido e consumido na cidade de Candeias, Região Metropolitana de Salvador (RMS), no final dos anos 1990. O nome “arrocha”, que batiza o gênero, é uma alusão à forma de dançar “arrochado”, ou, em outras palavras, “agarradinho”, como diz uma das precursoras do estilo, a cantora Nara Costa. Herdeiro do bolero e das serestas, a base rítmica do arrocha é suportada, inicialmente, por um teclado-arranjador (que contém ferramentas específicas para a criação de arranjos) e uma guitarra.
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Informações retiradas da entrevista Rachel Reis: “a Rachel de dezesseis anos não acreditaria nas coisas que vêm acontecendo agora”, feita por Breno Fernandes (19/03/2022). Disponível em: https://elcabong.com.br/rachel-reis-a-rachel-de-dezesseis-anos-nao-acreditaria-nas-coisas-que-vem-acontecendo-agora
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Segundo a Folha de S. Paulo, o piseiro pode ser descrito como “descendente do forró com objetivos estéticos alinhados ao funk atual”. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Piseiro>. Acesso 26 abr. 2024
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30
“A Axé Music é o encontro da música de blocos de trio elétrico com a música de blocos afro (frevo baiano + samba-reggae).É um estilo mestiço cuja linguagem mistura sonoridades harmônicas e percussivas”. (Guerreiro, 2001, p. 133).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Dez 2024 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
31 Jan 2024 -
Aceito
15 Abr 2024 -
Publicado
30 Abr 2024 -
Corrigido
12 Nov 2024