Open-access Interação Fictiva como exemplificação em discurso direto: ensino-aprendizagem de português como língua estrangeira

Fictive interaction as exemplification in direct speech: teaching and learning of portuguese as a foreign language

RESUMO:

Este artigo investiga instâncias de Interação Fictiva (IF) em discurso direto como exemplificações de argumentos e explicações, no ensino-aprendizagem de Português como língua estrangeira. Adotam-se autores da Linguística Cognitiva: Talmy (2000), para se tratar da fictividade; Fillmore (1982), da noção de frame; Langacker (2008), de frame atencional; Fauconnier (1994, 1997), de projeção de espaços mentais; Sanders e Redeker (1996), de perspectiva; Pascual (2002, 2006, 2014), da IF como forma de organizar pensamento, gramática e discurso; Rocha (2020, 2022), da dimensão fictiva do discurso direto em relação à factiva. Quanto à metodologia, analisam-se dados de duas aulas em uma turma de nível superior da disciplina de Português como Língua Estrangeira. Assume-se uma abordagem metodológica baseada em corpus (corpus-based) e guiada por corpus (corpus-driven) (MCENERY; HARDIE, 2012; TOGNINI-BONELLI, 2001), possibilitando que os dados tenham maior protagonismo, considerando-se uma categoria já estabelecida. A análise qualitativa revela ocorrências de Exemplificação em Discurso Direto Fictivo visando a promover no discurso conceptualizações de condição adversa, estado de contemplação, estado de desorientação, reconhecimento repentino ou insight e explicação didática. Os achados demonstram que o fenômeno é produtivo em contexto de sala de aula, ocorrendo na fala docente e discente com propósitos comunicativos voltados para a argumentação e para a explicação. Além disso, revelam que as ocorrências apresentam um caráter performático, linguística e prosodicamente marcado, tornando a manifestação mais vívida, como um convite aos interlocutores a se projetarem em coordenadas espaço-temporais distintas da cena comunicativa corrente, objetivando convencimento e clareza no processo de ensino-aprendizagem.

Palavras-chave: Linguística Cognitiva; Fictividade; Discurso Direto Fictivo; Português como Língua Estrangeira

ABSTRACT:

This article investigates instances of Fictive Interaction (FI) in direct speech as examples of arguments and explanations, in the context of teaching and learning Portuguese as a foreign language. Authors from Cognitive Linguistics are adopted: Talmy (2000), to deal with fictivity; Fillmore (1982), on the notion of frame; Langacker (2008), attentional frame; Fauconnier (1994, 1997), on projection of mental spaces; Sanders and Redeker (1996), perspective; Pascual (2002, 2006, 2014), FI as a way of organizing thought, grammar and discourse; Rocha (2020, 2022), fictive dimension of direct speech in relation to the factive one. As for the methodology, data from two classes in a higher-level class of Portuguese as a Foreign Language are analyzed. A methodological approach based on corpus (corpus-based) and guided by corpus (corpus-driven) is assumed (MCENERY; HARDIE, 2012; TOGNINI-BONELLI, 2001), allowing data to have greater protagonism, considering a category already established. The qualitative analysis reveals occurrences of Exemplification in Fictive Direct Speech aiming to promote in the speech conceptualizations of adverse condition, state of contemplation, state of disorientation, sudden recognition or insight and didactic explanation. The findings demonstrate that the phenomenon is productive in the classroom context, occurring in teacher and student speech with communicative purposes focused on argumentation and explanation. In addition, they reveal that the occurrences have a performative, linguistic and prosodically marked character, making the manifestation more vivid, as an invitation to the interlocutors to project themselves in space-time coordinates distinct from the current communicative scene, aiming at convincing and clarity in the teaching-learning process.

Keywords: Cognitive Linguistics; Fictivity; Fictive Direct Speech; Portuguese as Foreign Language

É raro o dia em que a gente não conversa com alguém. A gente conversa tanto com parentes, amigos, colegas e até desconhecidos que não se dá conta de que sabe muito conversar e muito também sobre o que é conversar. A gente sabe tanto que diz conversar até com a gente mesmo. Mas por que a gente não acha estranho dizer isso, mesmo sabendo tanto sobre conversa? Afinal, conversa é com os outros e não consigo mesmo. Ainda assim, a gente insiste, porque, ao saber tanto, pode dizer que é conversa aquilo que não é conversa. Curioso isso de saber muito sobre algo a ponto de usá-lo para falar de coisas que não têm (quase) nada a ver com esse algo. Essa “conversa” já está ficando muito abstrata, não é mesmo? Opa! Acabamos de ter uma Interação Fictiva (PASCUAL, 2002, 2014) e não uma conversa genuína. É que este texto está, fictivamente, conversando com você quando pergunta “não é mesmo?”. Estamos usando algo que sabemos muito fazer, pergunta por exemplo, como se você pudesse respondê-la de pronto, agora, assim como ocorre quando estamos juntos, em presença ou remotamente por vias telemáticas. A “prosa” está boa, mas vamos ao que sabemos sobre isso em termos formais.

Este artigo estuda manifestações específicas de fictividade discursiva em dados reais de fala coletados de aulas de Português para discentes estrangeiros, cujo perfil sociolinguístico, internacionalmente diversificado, mostra-se muito favorável ao compartilhamento solidário de saberes linguísticos, sociais e culturais. Tendo em vista o impacto subjetivo provocado pela distância dos países de origem, isso se dá por meio de conversas, mas também pelo uso de conversas que não são necessariamente conversas. Assim, o uso de recursos linguísticos fictivos em sala de aula pode ser alçado à condição de estratégia consciente de ensino e aprendizagem, muito embora docente e discentes, ainda que não tenham conhecimento sistematizado e formal sobre isso, recorram espontaneamente a ele. Não se tem notícia de que certos tipos de fictividade sejam ensinados em aulas de língua, mas, por outro lado, podem ser involuntariamente adquiridos e utilizados, sobretudo quando a conversa é adotada como metodologia didática. Como ação sociocognitiva, a fala em interação, mais a de natureza espontânea, é um campo fértil para se extraírem diretrizes norteadoras de estratégias e técnicas de ensino e aprendizagem. O emprego do Discurso Direto Fictivo (DDFic) pode ser uma delas, como subtipo de IF.

Então, coletadas das próprias aulas de Português para estrangeiros, instâncias metailocutivas de DDFic (ROCHA, 2020, 2022), como exemplificações de argumentos e de explicações, constituem-se o foco analítico deste trabalho. Elas se utilizam fictivamente do molde de discurso direto (pontualmente chamado de DDFac, Discurso Direto Factivo) como um padrão esquemático (verbo dicendi e ou mudança prosódica mais enunciado relatado) para pontualmente (re)construir conversas, diálogos ou monólogos, herdando muito o caráter dinâmico, vivaz e performático das interações verbais nas quais se baseia, segundo coordenadas espaço-temporais passadas em relação ao evento discursivo atual. Por sua vez, de acordo com Rocha (2022), o DDFic apresenta especificidades para além da apropriação dos atributos do DDFac, pois remete a coordenadas passadas, presentes, futuras ou mesmo atemporais, distintas do centro dêitico do discurso, bem como opera com a fórmula fictiva PENSAMENTO É FALA, em que o domínio exclusivo do pensamento (ou sentimento) é concebido e enquadrado, na cena corrente, como se um “debate interno” fosse conversa.

Por conseguinte, a hipótese geral deste artigo nos permite afirmar que as instâncias analisadas de DDFic, produzidas nessas aulas, são modos metailocutivos e alternativos de conceptualização fictiva do que poderia ser factivamente conceptualizado. Usados como exemplificações, de argumentos ou de explicações, enquadram como conversa o que não seria, a princípio, concebido como conversa: condição adversa, estado de contemplação, estado de desorientação, reconhecimento repentino ou insight e explicação didática. Assim, tendo como base aspectos teóricos condizentes com a Linguística Cognitiva e metodologia relacionada ao uso, a análise resulta em achados envolvendo não apenas a simples constatação do fenômeno, mas sua produtividade em termos de se afirmá-lo como estratégia de ensino e aprendizagem (MAGALHÃES; ROCHA, 2022), tanto por docentes, quanto por discentes. Constata-se ainda que esses modos são performaticamente produzidos por meio de vias linguísticas e prosódicas, na projeção de coordenadas espaço-temporais distintas da cena comunicativa corrente, para que a identificação e o alinhamento com os interlocutores (ALMEIDA, 2019) sejam dinamicamente obtidos visando à persuasão e ao esclarecimento de conteúdos didáticos.

Pressupostos teóricos

No âmbito da Linguística Cognitiva, autores como Talmy (2000), Langacker (2008), Pascual (2002, 2014) e Rocha (2020, 2022) contribuem diretamente para a construção do conceito de fictividade, analisando-o em diferentes instâncias de linguagem. Trata-se de um fenômeno que se manifesta na língua de modo similar ao da metáfora. Apesar de sua natureza multifacetada e abrangente, pode-se entendê-lo como representações ligadas a certas expressões linguísticas que estão vinculadas de maneira indireta a seus referentes pretendidos, invocando cenários concebidos como não verídicos, de forma a se obter acesso mental a cenários concebidos como verídicos (PASCUAL, 2006).

Por sua vez, Talmy (2000), levando em conta as semelhanças entre linguagem e percepção visual, trata o conceito com base em um padrão cognitivo, no qual há uma sobreposição de subsistemas, o factivo e o fictivo, que envolvem a discrepância entre as representações cognitivas de uma entidade. Tal discrepância consiste, respectivamente, na concepção de uma representação cognitiva como mais verídica e outra como menos verídica. O indivíduo experimenta tais representações como perspectivas alternadas. Dessa forma, no exemplo “A cerca vai do platô ao vale” (TALMY, 2000), caracterizado como movimento fictivo, parte da cognição pode perceber a imagem de algo em movimento, percorrendo o caminho descrito (leitura fictiva), enquanto a outra parte avalia tal imagem como irreal, isto é, nada está se movimentando (leitura factiva). O autor chama esse padrão cognitivo de “Fictividade Geral” (General Fictivity), na qual duas representações discordam em alguma dimensão, representando pólos opostos. Desse modo, Talmy (2000) postula a fórmula da fictividade, X é Y, e a da factividade, X não é Y.

Na compreensão de Rocha (2022) acerca da fórmula da fictividade, o domínio-alvo X é factivizado, enquanto o domínio-fonte Y, fictivizado, segundo a metáfora que subjaz a IF em discurso direto: PENSAMENTO (X) É FALA (Y) (ROCHA, 2022). Por isso, nos trabalhos de 2020 e 2022, ele insere como instâncias discrepantes os pólos DDFac e DDFic, mencionados acima, os quais têm o discurso como objeto de metailocução, relevando a tendência de que o primeiro é representativo do padrão discursivo “Problema”, e o segundo, do padrão discursivo “Solução”. Em outros termos, de modo geral, reportar factivamente é reportar problemas, sendo que, se for fictivamente, uma solução é trazida à baila.

Os trabalhos de Rocha (2020, 2022) se alinham ao que é compreendido por Pascual (2014) em termos de Interação Fictiva, tipo comunicativo de fictividade que consiste no uso do Frame de Conversa para estruturar o pensamento, a gramática e o discurso. Pascual (2014) define o fenômeno segundo o uso esquemático da estrutura interacional da comunicação ordinária como um frame organizador para entender, pensar e falar sobre entidades, processos e relações. Em outras palavras, usa-se o conhecimento da interação para estruturar outras coisas que não são uma interação. A IF, então, utiliza-se do que parece ser uma conversa (ou parte dela) com o objetivo de definir, introduzir ou se referir a algo que não é uma conversa (PASCUAL, 2014).

Usar o Frame de Conversa tem a ver com o entendimento de que o termo frame refere-se a um sistema de conceitos relacionados, de forma que, para entendê-los, é preciso entender toda a estrutura na qual o frame está inserido. Quando um elemento de frame é acionado, todos os outros elementos se tornam automaticamente disponíveis (FILLMORE, 1982). Os significados das palavras estão subordinados a frames e, dessa forma, a interpretação de uma palavra ou de um conjunto de palavras requer acesso à estrutura de conhecimentos que relaciona entidades e elementos partícipes de cenas da experiência humana, considerando-se suas bases físicas e culturais (FERRARI, 2016).

Dentre os inúmeros frames existentes, o que ganha relevo neste trabalho é o Frame de Conversa. Os elementos que o compõem, de forma geral, podem ser considerados como: participantes engajados em uma interação sobre determinado assunto, enunciados, trocas de turno, co-presença (mesmo que remota), ações retóricas, elementos prosódicos, entre outros. Conforme Rocha (2022), esse frame cognitivo pode ser compreendido como uma estrutura relativamente estável de conhecimento, organizada e representada na mente, que tem como substrato nossas experiências cotidianas de conversa. “Por meio delas, abstraímos e categorizamos um conceito amplo sobre o que é conversar, para além de estarmos simplesmente operando com a conversa” (ROCHA, 2022, p. 78). Pascual (2014) acrescenta que a mente humana é de base conversacional e, por isso, recorre-se a esse padrão como estratégia discursiva para moldar outros aspectos discursivos que não se enquadram como conversa.

Nesse sentido, o Frame de Conversa está a serviço do fluxo discursivo em cenários interacionais de fala espontânea. Por isso, elegem-se elementos básicos da Teoria dos Espaços Mentais (TEM) (FAUCONNIER, 1994, 1997), o Princípio de Identificação e a Projeção entre Domínios, como ferramentas para a descrição e análise da IF em discurso direto. Essa teoria trata da questão da referenciação com base na abertura de espaços mentais criados no desdobramento do discurso, permitindo a partilha de estruturas de conhecimento. Fauconnier (1994) define os espaços mentais como “construções distintas das estruturas linguísticas, mas que se constroem em qualquer discurso, conforme as pistas fornecidas pelas expressões linguísticas”1 (FAUCONNIER, 1994, p. 16, tradução nossa). Os espaços mentais podem ser entendidos como estruturas que emergem no discurso, com base em pistas linguísticas que abrigam relações e representações parciais de entidades e cenários percebidos, imaginados ou lembrados. Os espaços mentais são construídos por meio de expressões linguísticas chamadas de space-builders (construtores de espaço). Tais construtores de espaço estabelecem um novo espaço mental ou se referem a um espaço já introduzido no discurso. Os space-builders podem ser frases preposicionais (“na foto da Ana”), advérbios (“Teoricamente”), conectores (“Se A é o livro novo, então B é o livro antigo”) e combinações entre sujeito e verbo (“Ana acredita que João é solteiro”), dentre outros.

Um dos fundamentos básicos da TEM é o Princípio de Identificação ou Princípio de Acesso. Tal princípio é descrito por Fauconnier (1994, p. 3, tradução nossa) da seguinte forma: “se dois objetos (no sentido geral), a e b, estão ligados por uma função pragmática F (b=F((a)), a descrição de a, da, pode ser usada para identificar sua contraparte em b2. Em uma descrição de dois objetos, o gatilho (objeto a) pode ser usado para identificar o alvo (objeto b). O conector pragmático F estabelece uma relação entre dois espaços. Um deles é o espaço-base, que pode ser entendido como o centro dêitico do discurso, ou seja, espaço a partir do qual as projeções são feitas. O espaço mental (ou espaço de representação), por sua vez, é compreendido como o espaço no qual ocorrem as projeções.

Baseados na TEM, Sanders e Redeker (1996) analisam a questão da perspectiva e da representação da fala e do pensamento no discurso narrativo, investigando as variações de subjetividade dentro do discurso do narrador e os limites entre subjetividade do narrador e do sujeito reportado. Os autores admitem que se a perspectiva for considerada como um ponto de vista no discurso, então, falando estritamente, nenhuma sentença está livre de certo grau de perspectivização. Segundo eles, perspectiva é a introdução de um ponto de vista subjetivo que delimita a validade da informação apresentada por um sujeito em particular no discurso. Um segmento do discurso é perspectivizado se seu contexto de interpretação é uma pessoa-limite, um espaço encaixado dentro da realidade do narrador.

Como se lida com fala nesta pesquisa, adiciona-se a questão prosódica como elemento que contribui para a delimitação dos espaços mentais. Langacker (2008) diz que a conversa apresenta uma dimensão específica de organização, intitulada frames atencionais. Segundo ele, são partes do discurso inicialmente identificadas por aspectos fonológicos, mas que também apresentam valor conceptual. Entendidos como sucessivas janelas de atenção, esses frames formam grupos entonacionais coesos, encadeados por traços prosódicos, carregados de conteúdo conceptual e envolvidos no planejamento e na produção do discurso.

Metodologia

O principal objetivo deste estudo qualitativo é tratar de instâncias de Interação Fictiva em discurso direto, as quais atuam no ensino-aprendizagem de Português como Língua Estrangeira. Para tanto, decidiu-se constituir um banco de dados linguísticos específico por meio do qual se pode evidenciar a hipótese já sugerida por Magalhães (2018) e por Magalhães e Rocha (2022): de uso corrente na fala cotidiana, o DDFic é importado para a dinâmica de ensino-aprendizagem por se configurar como um eficaz recurso cognitivo-interacional capaz de, via Frame de Conversa, mimeticamente projetar participantes e cenários em coordenadas espaço-temporais distintas da situação corrente, promovendo assim identificações e similaridades que favorecem o entendimento dos tópicos em discussão. Essa proposição se estende à dinâmica de ensino-aprendizagem em turmas de Português como língua estrangeira, tratada neste trabalho.

Relativamente às bases metodológicas, adota-se o entendimento de Tognini-Bonelli (2001), segundo o qual, ao se lidar com o cenário aula, é preciso ter em mente que há uma dupla função para o corpus linguístico que está sendo analisado: “produzir uma inovação metodológica e uma teórica, pois juntas, elas serão responsáveis por uma nova maneira de ensinar” (TOGNINI-BONELLI, 2001, p. 14). Dentre as possíveis modalidades pelas quais os dados podem ser explorados, a autora ressalta duas abordagens: corpus-based e corpus-driven, as quais se encontram mescladas neste artigo. Na primeira, chamada por McEnery e Hardie (2012) de corpus-como-método, utilizam-se os dados com o objetivo de explorar uma teoria ou uma hipótese, visando à validação, à refutação ou ao seu refinamento. Na segunda, os dados são os protagonistas do estudo, sendo o ponto de partida para a teoria. McEnery e Hardie (2012) a denominam de corpus-como-teoria, pois, nesse caso, o corpus em si é a única fonte de hipóteses sobre a linguagem. A mescla dessas duas abordagens permite uma investigação mais empirista, possibilitando o mapeamento de instâncias do fenômeno já estabelecidas na literatura e também de outras ocorrências não pré-estabelecidas, mas que se mostram relevantes para a hipótese da pesquisa, conferindo a ela um caráter de ineditismo.

Quanto aos procedimentos metodológicos, os áudios das duas aulas, com cerca de uma hora e vinte minutos cada um, foram gravados por meio de um celular modelo Motorola G3, no período de agosto a setembro de 2017, em uma turma de Português para Estrangeiros da Faculdade de Letras de uma instituição federal mineira3. Foram transcritos com base no modelo Jefferson (SACKS; SCHEGLOFF; JEFFERSON, 1974; extraído de GARCEZ; BULLA; LODER, 2014). Nem todas as convenções de transcrição do referido modelo foram seguidas, por se entender que não eram cruciais ao objetivo pretendido na análise. Eis a síntese delas (Tabela 1):

Tabela 1:
Convenções de transcrição (Modelo Jefferson)

A turma possuía cerca de 25 discentes, todos adultos, com diferentes origens, níveis escolares, proficiências e propósitos relativos à vinda para o Brasil. Durante a gravação dos encontros, estiveram presentes: um representante de cada um dos países Rússia, Índia, Namíbia, Colômbia, Coréia do Sul e Japão; dois representantes da França; quatro, da Venezuela; quatro, do Peru; e três, do Brasil, totalizando 19 participantes das aulas gravadas e transcritas. Já a professora é falante nativa de Português e, como segunda língua, Inglês. A nacionalidade diversificada dos participantes foi importante neste estudo para ilustrar, pelo menos um pouco, o entendimento da Interação Fictiva como um universal linguístico (PASCUAL, 2014).

A coleta de dados foi feita no segundo semestre da disciplina, isto é, grande parte já tinha estudado por um semestre com a professora. No começo e no final das aulas, eram comuns conversas, em Língua Portuguesa, entre os discentes. O ambiente apresentava um clima colaborativo e solidário. É possível que isso se relacione ao fato de que os estrangeiros costumam se agregar em função de estarem distantes de seus países de origem.

Análise de dados

A análise de dados gira em torno de cinco excertos emblemáticos, os quais envolvem instâncias de Exemplificação em Discurso Direto Fictivo produzidas por docente e discentes durante as duas aulas. Cada um desses excertos é ilustrativo de ocorrências que visam a promover, intersubjetivamente no discurso, conceptualizações de argumentos e explicações fundamentadas em: (i) condição adversa, (ii) estado de contemplação, (iii) estado de desorientação, (iv) reconhecimento repentino ou insight e (v) explicação didática. Metailocutivamente aplicado, o Frame de Conversa enquadra como conversa essas cinco dimensões que se tornam fictivas. Por meio delas, interlocutores fictivos, bem como suas respectivas falas genéricas e indistintas, prosódica e sintaticamente encaixadas como janelas de atenção, são acionados em coordenadas espaços-temporais diferentes do centro dêitico do discurso. Assim, são realizadas projeções que contribuem para convidar os interlocutores a se identificar e a se alinhar com as cenas mentalmente criadas e linguisticamente codificadas para que sejam convencidos de certos argumentos ou para que entendam as explicações didáticas.

Condição adversa

O primeiro caso de Exemplificação em DDFic acontece em um momento da aula, no qual, respondendo a uma questão proposta pela professora, alunas e alunos compartilham experiências acerca do que é estar distante de seus países de origem. Tematicamente, o excerto 1 ilustra a questão da necessidade de se desenvolver independência e autonomia, já que não há família por perto para oferecer suporte. Uma aluna de origem francesa toma a palavra (Quadro 1):

Quadro 1:
Excerto 1

Causa surpresa a referida aluna, na condição de estrangeira cursando Português como outra língua, produzir um tipo específico de Interação Fictiva bem comum aos nativos de PB e também PE (ROCHA, 2022), muito provavelmente adquirido por ela de modo assistemático e informal. Então, não é aleatória a evidência de que sua resposta à professora culmine em um caso típico de Exemplificação em Discurso Direto Fictivo, observável na linha 222, na qual o construtor de espaço mental “você tá ligando” (= telefonando) discursivamente introduz a fala fictiva encaixada: “mãe tenho problema de barriga, como faz?”. Fictiva, pois não se trata de um relato prototípico de fala proferida.

Mesmo fictivamente acionado no excerto 1, o molde de discurso direto mantém o caráter dinâmico e vivaz das interações nas quais se baseia o Frame de Conversa, conferindo teatralidade ou perfomatividade a uma fala genérica encaixada, não tida como factiva, ou seja, não concebida como fato. Usados para modelar o discurso, os elementos que comumente compõem o Frame de Conversa, como troca de turno e padrão pergunta-resposta, são fictivamente instanciados na linha 222 pela suposição de um interlocutor do outro lado da linha telefônica (“mãe”), bem como pelo uso de pergunta sem resposta (“como faz?”).

Assim, com um contra-exemplo de fala fictiva tida como imatura (“mãe tenho problema de barriga, como faz?”)4, no qual assume a perspectiva de um interlocutor fictivo que apenas por conta de uma dor de barriga aciona a mãe no exterior, a discente ilustra seu argumento quanto à importância da maturidade para os que vivem longe de onde nasceram. Ao fictivizar uma conversa com uma mãe, o Discurso Direto Fictivo permite que a aluna encene um exemplo de atitude contrária ao que ela mesma defende no espaço-base: “eu acho que precisa maturidade também” (linha 216). Empregando a referida instância de DDFic, a aluna convida os interlocutores a se projetarem na cena fictiva a fim de que a própria discente os convença quanto a seu argumento inicial.

Como já se observou, após interpor o argumento acima, iniciado pela dêixis de pessoa “eu” (“eu acho”), particularizada, a aluna dá início a seu relato de experiência. Contudo, em “quando você tem” (linha 220), ela passa a presumir que os colegas estrangeiros vivenciam ou já vivenciaram situação similar, o que é atestado nas linhas 222 e 225. Os três usos de “você” no excerto 1 representam instâncias genéricas e indistintas de dêixis de pessoa, abarcando todos que experimentam a distância de casa (inclusive ela mesma). Assim, tais empregos levam a uma interpretação também genérica e indistinta acerca do que está sendo dito nos enunciados em que o referido dêitico aparece. Isso ocorre inclusive com a fala fictiva encaixada “mãe tenho problema de barriga, como faz?”, introduzida por uma expressão que contém o “você” não particularizado (“você tá ligando”). A genericidade e indistintividade atribuídas ao dêitico “você” atuam como pista favorável ao entendimento do discurso direto (linha 222) como fictivo, visto que qualquer um que esteja longe de casa pode ser assim referenciado. Por conta disso também, sequer se é possível inferir o gênero do interlocutor fictivo, filho(a), que conversa com a mãe, havendo talvez uma propensão ao feminino visto se tratar de uma aluna no plano do evento de fala em curso. Já o contraponto dêitico, factivo e particularizado, ao “você” inespecífico, se dá por meio das instâncias de “eu”.

Em função de que tanto o Discurso Direto Factivo quanto o Discurso Direto Fictivo ocupam uma posição crucial em narrativas, já se constatou a tendência de que o primeiro representa uma fase discursiva de apresentação de problema e sua versão fictiva, outra, a de apresentação de uma solução (ROCHA, 2020, 2022). Portanto, o que a aluna francesa expressa na linha 222 metailocutivamente espelharia uma solução, no sentido de que, a princípio, antes de se compreender a necessidade da maturidade, a alternativa seria ligar para a mãe mediante qualquer problema. Toma-se uma ilocução acerca de uma condição adversa, “tenho problema de barriga, como faz?”, como substrato-fonte para uma metailocução que ilustra a questão-alvo da maturidade.

Então, uma condição adversa passa a servir de contra-argumento de um interlocutor em perspectiva fictiva, sob coordenadas espaço-temporais distintas do “aqui-e-agora” do evento discursivo, ao argumento da perspectiva instaurada pelo interlocutor factivo, este sim no “aqui-e-agora” do evento discursivo. Sendo a “mesma” em tempos e espaços diferentes ao diversificar a dêixis de pessoa (ora “eu” particularizado, ora “você” genérico), a aluna assume o ponto de vista maduro quando adota a perspectiva factiva do evento de fala corrente, fazendo o contrário ao assumir o ponto de vista imaturo quando adota a perspectiva fictiva no âmbito da fala encaixada. Assim, metailocutivamente apresentada como contra-argumento por conta do Frame de Conversa, a condição adversa é enquadrada como assunto de algo que apenas parece ser uma conversa, mas não é. Além de a dêixis de pessoa ser genérica e indistinta, representativa de uma classe abstrata, a interlocução fictiva entre mãe e filho(a) não é atribuível a uma cena específica, mas a quaisquer cenas em que mães e filhos(as) interajam por telefone por razões que envolvam a questão de se estar longe da terra natal.

Estado de contemplação

Por vezes, o DDFic também é usado para atualizar um estado de contemplação que não necessariamente incorrera ou incorrerá em expressão verbal. Na cena em que é utilizado, entra em ação o Frame de Conversa para codificar aquilo que não representa uma conversa factiva, mas um pensamento ou sentimento concebido internamente como fala (ROCHA, 2022). Portanto, um estado de contemplação, sem recurso à expressão verbal, passa a se tornar fala quando fictivamente reportado, fazendo valer a fórmula fictiva X é Y (TALMY, 2000), na qual pensamento ou sentimento ganharia voz apenas indiretamente. É o que se dá com a aluna francesa, quando no excerto 2 ela se admira com a paisagem de seu próprio país, sendo que essa admiração faz parte de uma coordenada atemporal enquadrada no evento discursivo abaixo como produto de uma conversa consigo mesma, não de uma troca canônica e genuína de turnos, típica da conversa factiva (Quadro 2):

Quadro 2:
Excerto 2

Nas linhas 871 a 873, do excerto 2, a aluna expõe sentimentos paradoxais em relação à sua experiência de ocupar uma espécie de entrelugar. Quando se encontra no Brasil, sente-se francesa, ao passo que, quando está em território francês, sente-se turista, o que poderia ser representativo de uma questão a ser tratada a princípio como muito séria. No entanto, tendo em vista os risos da turma na linha 874, tal experiência como turista na própria terra natal é metailocutivamente desdobrada, por ela, na sequência das linhas 875 e 876, com uma Exemplificação em Discurso Direto Fictivo, “quando chego na França, meu deus tudo lin:::do, arquitetura linda, esse céu”, seguida por outros risos (linha 877). Trata-se de um DDFic que ilustra, exemplarmente, uma parte do que ela dissera acerca de seus sentimentos paradoxais, porém enquadrado como solução pela via do bom humor. A fictividade tem a ver com enunciados subjetificados, porém interacionalmente viáveis pelo e no compartilhamento com os interlocutores. Isso diz respeito à hipótese acerca de que a IF em discurso direto contribui para promover projeções de identificação e alinhamento entre interlocutores, visto que é mais vívida, performática e teatralizada, tendo, portanto, mais apelo às emoções.

Por meio do que está em negrito nas linhas 875 e 876, a aluna conceptualiza como conversa seu próprio estado de contemplação. Para tanto, introduz uma oração subordinada temporal com a conjunção “quando”, cujo sentido é de “nas vezes em que”. Na sequência, a oração principal é realizada por uma IF sem apoio de verbo dicendi, que é compensado por meio de um frame vocal que faz destacar prosodicamente a porção discursiva e conceptual “meu deus tudo lin:::do, arquitetura linda, esse céu”. A aluna recorre à Exemplificação em Discurso Direto Fictivo para ilustrar seu sentimento quando vai à França, seu país de origem, iniciando-a com uma interjeição designativa de grande admiração, cuja fonte conceptual motivadora remete a uma interlocução, fictiva e teatralizada, com uma entidade divina (“meu Deus”).

A projeção de perspectiva de si mesma já se inicia com a subordinada “quando chego na França”, sendo o verbo “chego” de aspecto habitual, e se mantém, na linha 876, devido ao uso do dêitico “esse”, que aponta para uma cena situada em coordenadas espaço-temporais distintas do evento discursivo atual, podendo ser passadas ou futuras. Além de apontar para a cena descrita, o pronome dêitico “esse”, no encaixe, ressalta a performatividade contemplativa empregada no enunciado, fazendo-o se aproximar mais da situação fictivamente manifestada do que de uma suposta contraparte factiva, que poderia ser produzida por meio de uma descrição mais objetiva, por exemplo: quando chego à França, fico admirada com o céu e a arquitetura. Ao se lançar em perspectiva projetiva, a aluna promove não só a projeção de si, mas também convida seus colegas estrangeiros para a cena simulada, buscando, com o que está sendo narrado, o compartilhamento de identificação e alinhamento quanto às suas experiências de vida. O DDFic exemplifica ou instancia um estado contemplativo, veiculado como alternativa descritiva por um modo expressivo, performático e mais subjetivo de o apresentar.

Estado de desorientação

No excerto anterior, a aluna demonstrara um estado de contemplação por meio de DDFic, após codificar os sentimentos paradoxais relativos ao entrelugar. No excerto 3, logo a seguir, a professora, dando continuidade ao assunto, produz um caso de Exemplificação em Discurso Direto Fictivo, em que um estado de desorientação, análogo ao da aluna, passa a figurar no interior da conversa fictiva encaixada. A professora conta sua experiência ao morar 11 anos em cidades diferentes daquela onde ela nasceu (Quadro 3):

Quadro 3:
Excerto 3

No trecho que compreende as linhas 882 a 889, a professora relata os acontecimentos que precederam sua volta para a cidade natal (X). Especificamente na linha 889, em “aí eu voltei pra X, perdida”, faz uso de um predicado verbo-nominal, cujo núcleo é composto por verbo no pretérito perfeito (“voltei”) e pelo modificador-qualificador “perdida”. Com isso, descreve um estado circunstancial de desorientação, detalhado e exemplificado sequencialmente pelo diálogo fictivo (em negrito): “eu olhava, cadê a loja? (.) a loja acabou professora. há anos você não percebeu? Eu falei não”. Nesse caso, o Frame de Conversa é requisitado para ilustrar o estado de desorientação, ou seja, instaura-se uma conversa verossímil, mas fictiva, para servir de exemplo à condição de “voltar perdida”, que é performada. Para tanto, em coordenadas espaço-temporais distintas do evento discurso atual, a professora, que se insere na cena projetada por meio dos enunciados “eu olhava, cadê a loja?” e “Eu falei não”, cria um interlocutor fictivo, responsável pelos enunciados “a loja acabou professora. há anos você não percebeu?”. O manejo de perspectivas é sustentado pela prosódia, cuja melodia conceptualmente estabelece a coerência entre vozes distintas. A perspectiva em projeção para a professora é ilustrada por turnos fictivos de fala que caracterizam o estado de desorientação, ao passo que a perspectiva em projeção para o interlocutor fictivo emblematiza o contraponto orientado da situação, que atualiza a professora sobre o atual estado de coisas. A primeira não sabe que a loja mudou de lugar, mas o segundo sabe. Assim, o estado de desorientação é metailocutivamente enquadrado como conversa, do tipo fictiva.

Constante das linhas 891 e 892, o diálogo é fictivamente construído pela professora como um exemplo pessoal alinhado à questão do entrelugar anteriormente estabelecida, porém endossada pela adição de novas situações ilustrativas do estado de desorientação. Não há nesse trecho e em nenhuma parte do excerto qualquer pista linguística que sinalize a presença de um interlocutor factivo nas cenas relatadas, para além da própria professora. Por isso, reforça-se a tendência de que seja uma Interação Fictiva, em discurso direto. De fato, o diálogo relatado pode ter realmente ocorrido, com a presença de um interlocutor real, mas quando se analisa a fala da professora, nas linhas 891 e 892, observa-se que há uma opção em reportar o discurso com base em uma perspectiva fictiva, por meio da qual se veicula um conteúdo expressivo a respeito de se sentir perdida em um lugar que antes era bem conhecido por ela. O segmento que imediatamente precede o diálogo, “eu olhava”, descreve a percepção da professora ao mapear visualmente o espaço, sendo que, logo em seguida, a docente apela para a teatralização como uma forma performática de tornar a cena relatada mais vívida para as alunas e os alunos, os quais são convidados a assistir à professora se comportando como uma turista na cidade onde ela nasceu e morou por muito tempo.

Estado de reconhecimento repentino ou insight

O DDFic é também um molde alternativo para se apresentar como conversa a sensação evocada pela expressão metafórica “cair a ficha”, representativa da percepção súbita do que aconteceu ou está por acontecer. Nos antigos telefones públicos, quando a ligação se completava, ouvia-se um ruído de queda da ficha vindo de dentro dos aparelhos. Era o sinal de que a conversa telefônica podia começar. Essa base de experiência subsidia a metáfora, cujo alvo é o próprio estado de reconhecimento repentino ou insight. É o que de modo semelhante ocorre no excerto 4 a seguir, porém no âmbito da metailocução fictiva. Aciona-se o Frame de Conversa para conceptualizar o que não é entendido, a princípio, como conversa (Quadro 4):

Quadro 4:
Excerto 4

O excerto 4 permite discutir o DDFic (linhas 919 e 920) de modo correlato ao DDFac (linhas 922, 923 e 924), um par ilustrativo do padrão de representações cognitivas e discrepantes do mesmo objeto: o discurso (TALMY, 2000; ROCHA, 2022). Especificamente, a IF em discurso direto, nas linhas 919 e 920, é introduzida pelo verbo dicendi “fala”, seguido de um enunciado fictivo (“olha ser brasileiro então é assim né”). A interpretação do enunciado como fictivo tem início com a contextualização feita nas linhas 918 e 919 (“quando a gente nunca saiu, a gente não sabe o que é ser daquele país né a gente nunca saiu de lá”), que atua como um enquadre descritivo da situação a ser exemplificada na sequência em forma de DDFic, no qual interlocutores agrupados em classe, inclusive a professora, falam fictivamente em uníssono ou em coro. A genericidade da fala encaixada coopera com o entendimento de sua fictividade, visto não ser uma fala atribuída a um único indivíduo, mas a vários, em tempos e espaços distintos. O verbo introdutor (“fala”), no presente do indicativo, apresenta aspecto de ação habitual, podendo remeter ao passado e também ao futuro. O sujeito de “fala” é “a gente”, locução pronominal cujo escopo dêitico abarca os brasileiros em geral, já que são citados, porém certamente pode abranger todos os que experimentam estar no exterior. Ou seja, o que se encaixa a esse verbo dicendi tem a licença de também ser habitual e genérico. A genericidade do DDFic proporciona maior poder de identificação e alinhamento dos interlocutores com a cena descrita, já que se trata de um contexto no qual diversas nacionalidades interagem.

O Discurso Direto Fictivo em questão atende ao propósito comunicativo de se conceptualizar como conversa um estado de reconhecimento repentino. Por meio dele, os brasileiros em especial, no discurso da professora, que é brasileira, se descobririam de pronto como muito pertencentes a seu país de origem, pois suas características muito típicas seriam, gestalticamente, salientadas no decorrer da estada no exterior. Como não apresenta um interlocutor factivo, o discurso direto da linha 920 tende a ser interpretado como um diálogo interior sobre o insight. Descrita por meio do Frame de Conversa, essa sensação é paulatinamente construída por meio da descrição de situações e experiências, como pagar um preço por sair do país, não sair do país e não saber bem que se é de determinado país, as quais criam uma substância conceptual específica, que se reconfigura na fala fictiva pelo enquadre da expressão introdutória “no dia que a gente sai fala”. Quer dizer, nesse dia, emerge o estado de reconhecimento repentino ou insight, e o pensamento muda subitamente. O ponto mais relevante é essa mudança ser performada justamente no âmbito do DDFic, que herda a dinamicidade e vivacidade do Frame de Conversa. O entendimento disso como padrão discursivo de apresentação de solução tem a ver, nesse caso específico, com a revelação de algo que não se pensava antes de se mudar de cidade ou de país.

Já nas linhas 922 a 924, observa-se a ocorrência de instâncias de Discurso Direto Factivo, oportunas para serem contrastadas com o caso de DDFic. Na linha 921, a professora contextualiza a cena (“a primeira vez que olharam para minha cara em X”). E, na linha 922, introduz o DDFac com o verbo dicendi “falar” na terceira pessoa (“falaram”). Mesmo sendo um caso de indeterminação do sujeito, o qual poderia talvez sugerir fictividade por não se referir a uma pessoa específica, as razões para se concebê-lo como factivo são mantidas em função do contexto que a professora apresenta. Além de casos de indeterminação do sujeito poderem prever desinteresse em sua especificação, é explícita a perspectiva factiva adotada pela professora nas linhas que sucedem o DDFic: na 921, a professora relata que foi notada por pessoas em uma das cidades onde morou; na 922, apresenta a primeira abordagem feita a ela por terceiros, ao que responde; na 923, prossegue com o padrão pergunta-resposta característico das trocas conversacionais; por fim, na 924, pergunta com surpresa sobre o que fora inesperadamente afirmado acerca de seu “jeito” como modo de identificação de sua origem, o que representaria a colocação de um problema.

Por outro lado, nessa mesma linha 924, a leitura da pergunta “uai, como assim?” também pode apresentar tendência à fictividade, como um debate interno, sem manifestação na cena passada ao relato. Nesse sentido, o padrão discursivo de apresentação de uma solução passaria a se encaminhar já na cena corrente. Na medida em que pelo jeito, a princípio, não seria possível se identificar a origem de uma pessoa, a professora se surpreende, enunciando o relato de uma pergunta fictiva, que, na verdade, poderia ter representado um comentário do tipo: “não é possível que você identifique minha origem pelo meu jeito”, solucionando internamente a possibilidade de ser identificada pelo jeito ao negá-la. Como o aluno intervém nas linhas 925 e 926 defendendo que o jeito interfere nesse reconhecimento, a professora afirma que os modos de se comportar pelo menos caracterizam que a pessoa não é daquele lugar.

É previsível a ocorrência de exemplares de discurso direto cujas perspectivas fictiva e factiva se apresentam mescladas, não apenas pelo que esses casos evocam, mas também pelo que invocam, pois a leitura deles pode assumir uma ou outra. No entanto, é possível observar, de modo em geral, que o DDFac representa uma fase discursiva de apresentação de problema e o DDFic, de solução (ROCHA, 2020, 2022). Nas linhas 922 a 924, há a manifestação de um problema: de onde a professora é, já que ela não parece ser da cidade Y. Já nas linhas 919 e 920, há a manifestação de uma solução: encontrar-se como cidadão pertencente a um país, no exemplo mencionado, o Brasil.

Explicação didática

Como o banco de dados arregimenta interações entre docente e discentes, é de se esperar que o DDFic também atue diretamente no ensino e na aprendizagem de determinados conteúdos em sala de aula. Tanto DDFic quanto DDFac já se caracterizam como moldes que operam no nível metalinguístico-cognitivo, pois estruturam discurso sobre discurso. Ocorre que, no caso a seguir, esse atributo está a serviço da explicação da matéria, ou seja, conversas fictivas são exemplos ilustrativos de conceitos, estruturas e usos, cuja eficácia explicativa pode ser atribuída não apenas à materialidade ou concretude para favorecer a lida com abstrações, mas porque acionam o Frame de Conversa, estrutura de conhecimento absolutamente entrincheirada nas cognições humanas. Em termos mais simples, colocar coisas que não conversam para conversar contribui com a instrução do que se ensina e com a compreensão do que se aprende. Como modo de exemplificação, o DDFic pode ser compreendido como técnica didática que emerge espontaneamente durante a aula, em formas, estratégias e táticas de apresentação imediata da matéria. O excerto 5, a seguir, emblematiza isso, sendo formado por uma sequência de Interações Fictivas em discurso direto, cujo propósito é o de explicar, aplicando, a concessividade em situações comuns do cotidiano, por meio da conceptualização de um monólogo fictivo (Quadro 5):

Quadro 5:
Excerto 5

O excerto 5 compreende três blocos temáticos distintos de DDFic; o primeiro é referente à explicação do termo “ressalva” (linhas 649 e 650); o segundo, aos usos de “embora” por um pai fictivo (654 a 662); e o terceiro, a outros usos ilustrativos de concessividade com o tema café (662 a 666). A primeira manifestação de DDFic como explicação didática ocorre quando a professora utiliza uma fala fictiva para demonstrar e performar o significado da palavra “ressalva”. Em “ressalva é uma maneira de falar assim, olha tem isso, a gente”, o que está em negrito compõe um todo conceptual melodicamente delimitado e fictivamente perspectivizado, como janela de atenção aberta pelo construtor de espaço mental sublinhado. Isso ocorre mesmo com o comentário “porém”, feito pelo aluno na linha 651, de modo sobreposto à expressão “a gente”, da professora, na linha 650. Essa sobreposição faz a docente interromper a adição de material linguístico ao encaixe fictivo, imediatamente mantendo o fluxo de fala ao tratar do termo “porém”. Ainda assim, sob o molde de discurso direto, o DDFic evidencia o recurso ao Frame de Conversa não para meramente narrar, mas para estruturar uma explicação. A explicação da professora sobre “ressalva” recorre a um exemplo de uso metailocutivo, no qual “olha tem isso, a gente” coloca em proeminência um argumento discursivamente concessivo, algo (“isso”) a ser ressalvado. Assim, a professora aciona coordenadas espaço-temporais não necessariamente ancoradas no evento discurso atual, mas convida os interlocutores a assumirem a perspectiva projetada de um falante que se supõe ter dito “olha tem isso, a gente”.

A próxima manifestação de DDFic, com material linguístico mais vasto, ocorre entre as linhas 654 e 662, remetendo a usos de “embora” empregados por um pai fictivo (em negrito). Antes, na 652 e na 653, a professora criara uma cena sobre pedidos para o pai quando se é criança. Daí em diante, a cena passa a ser descrita por meio de sucessivos enunciados fictivos metailocutivamente encaixados, os quais exemplificam usos da conjunção “embora” e de situações de fala propícias à concessividade. Na 659, por exemplo, ainda na explicação, a professora fala “você faz esse efeito. tá? de falar assim”, abrindo espaço mental para explicar, com exemplos de falas fictivas, que efeito é esse, indo até a linha 662. Não se trata de uma conversa conceptualizada como genuína, mas sim de enunciados próprios da fala visando a atingir propósitos didáticos. As expressões de IF em discurso direto emolduram a explicação, recorrendo ao Frame de Conversa como estrutura de conhecimento a serviço da busca de eficácia comunicativa.

Esses casos de Exemplificação em Discurso Direto Fictivo evidenciam a não aleatoriedade do emprego da IF em discurso direto, com formas (sintáticas e prosódicas) e funções específicas (em geral, conceptualização como conversa do que não é conversa); e mais, tornam patente a depreensão que se faz do DDFic como estratégia didática para ensino e aprendizagem de língua, mesmo que essa técnica seja depreendida apenas informal ou espontaneamente. Nota-se que o último bloco temático de DDFics (de 662 a 666, em negrito) apresenta outros exemplos de instâncias de conjunção concessiva, como “embora”, “ainda que” e “não obstante”, sob a temática café. Metalinguisticamente, essas instâncias estão alocadas em sentenças exemplificadoras da matéria sobre concessividade. Mesmo que tais exemplos estejam um pouco mais isolados dos anteriores e sem ancoragem direta no centro dêitico do discurso, sendo remotamente escopados por introdutores locutivos, como verbo dicendi, o encadeamento discursivo de todo o referido excerto está sob o impacto do Frame de Conversa. Assim, cabe interpretá-los como fictivos. Além disso, quando apresentadas para análise em sala de aula, orações isoladas ou fora de contexto apresentam perspectiva exclusivamente fictiva, visto acionarem um traço semântico de genericidade, não particularizado, dado que não contam com a contextualização ampla de sentido circunscrita apenas pragmaticamente no uso. Trata-se de um emprego somente para fins metalinguísticos, o que é comum ao DDFic. Tomadas como exemplos explicativos, as orações em negrito de 662 a 666 ilustram isso, pois, na verdade, estão indiretamente ancoradas no evento discursivo corrente.

Considerações finais

O que se depreende basicamente dos excertos analisados consubstancia o entendimento de que os usos de Discurso Direto Fictivo em sala de aula, interessantemente na disciplina Português para Estrangeiros, é um aliado das dinâmicas de ensino e aprendizagem, sobretudo aquelas em que a conversa é adotada como metodologia de trabalho. Os dados nos “ensinam” que a conversa em DDFic, por mais corrente e informal que seja, apresenta fundamentos sobre como os sujeitos cotidianamente operam com a colocação de argumentos e explicações. Esse saber popular, adquirido por meio de algo linguístico-cognitivamente muito entrincheirado, a conversa, já é empiricamente testado e lapidado. De alguma forma, então, este artigo busca sensibilizar docentes e discentes para que se reconheça os usos de DDFic como estrategicamente relevantes, não apenas para a argumentação, mas para subsidiar explicações. O subsídio às explicações, as quais muito caracterizam a sala de aula, tem como elemento favorável o Frame de Conversa. Esse frame, de caráter cognitivo, é estabelecido como domínio estável em função das reiteradas vezes em que os sujeitos cognitivos e interacionais experimentam, qualitativa e quantitativamente, a conversa. De tanto experimentarem, adquirirem ou aperfeiçoam habilidades e competências conversacionais a ponto de fundarem uma estrutura de conhecimento capaz de ser usada como modelo para lidar com situações, estados e coisas que não são conversa. Essa experiência se torna um substrato para que se trate das abstrações, facilitando sua compreensão ou aperfeiçoando-a. Em outros termos, usa-se o que se sabe muito para enquadrar aquilo que talvez não se saiba (bem). Certamente, os docentes que usam o Frame de Conversa para fazer conversar conteúdos que não conversam, como por exemplo, a explicação da professora no excerto 5 sobre o que é ressalva, agregam valor à sua didática. Se a fonte é concreta, como a conversa é, facilita o entendimento do alvo abstrato, isso no ensino e na aprendizagem de línguas, ou quem sabe, no ensino e na aprendizagem em geral.

Do ponto de vista dos achados estritamente linguístico-cognitivos, a investigação em banco de dados coletado especialmente para este trabalho proporciona o entendimento de que as instâncias de Interação Fictiva em discurso direto apresentam configurações gramático-discursivas específicas. Além de acionarem o Frame de Conversa para enquadrar situações como conversa e de serem representativas da metáfora PENSAMENTO É FALA (ROCHA, 2022), ilustrando a fórmula fictiva X é Y (TALMY, 2000), elas se constituem como: (i) metailocuções alternativas, cujas bases formais usam o molde factivo (DDFac), à medida que apresentam verbo dicendi e ou mudança prosódica mais o encaixe do enunciado relatado, ao fictivamente (re)construírem conversas, diálogos ou monólogos, de modo dinâmico, vivaz e performático; (ii) ilustrativas de usos genéricos de dêixis e de falas encaixadas, articulados com coordenadas espaço-temporais passadas e futuras ou mesmo atemporais; (iii) perspectivas forjadas localmente para a sustentação de (contra)argumentos e de explicações, tendo suas delimitações conceptuais e prosódicas definidas por frames atencionais; (iv) convite ao interlocutor a participar da projeção de identificação e do alinhamento cognitivo com a cena criada, atendendo a propósitos de o persuadir e ou de o tentar entender determinado conteúdo; (v) exemplificações em discurso direto, as quais ilustram argumentos e explicações, fazendo com que os interlocutores tenham acesso facilitado a conteúdos abstratos por meio de usos linguístico-cognitivamente entrincheirados; (vi) e nos excertos, conceptualizações como conversa das situações: condição adversa (conversa fictiva criada para performar, ilustrar e contrapor argumento de maturidade), estado de contemplação (conversa fictiva criada para performar, ilustrar e endossar sentimento de entrelugar), estado de desorientação (conversa fictiva para performar, ilustrar e endossar sentimento de entrelugar), reconhecimento repentino ou insight (conversa fictiva para performar, ilustrar e endossar nacionalidade) e explicação didática (conversa fictiva para performar, ilustrar e explicar concessividade).

Referências

  • ALMEIDA, S. A. F. O conceito de perspectiva na rede conceptual das construções completivas epistêmicas: o caso das construções intersubjetivas disjuntivas. Revista Entrepalavras, v. 9, p. 214-236, 2019.
  • FAUCONNIER, Gilles. Mental Spaces: aspects of meaning construction in natural languages. Cambridge: Cambridge University Press, 1994.
  • FAUCONNIER, Gilles. Mappings in thought and language New York: Cambridge University Press, 1997.
  • FERRARI, Lilian Vieira. Introdução à Linguística Cognitiva São Paulo: Contexto, 2016.
  • FILLMORE, Charles J. Frame semantics. In: Linguistics in the Morning Calm Seul: Hanshin Publishing Co., 1982. p. 111-137.
  • GARCEZ, Pedro de Moraes; BULLA, Gabriela da Silva; LODER, Letícia Ludwig. Práticas de pesquisa microetnográfica: geração, segmentação e transcrição de dados audiovisuais como procedimentos analíticos plenos. DELTA, v. 30, n. 2, 2014.
  • LANGACKER, Ronald W. Cognitive Grammar: a basic introduction. New York: Oxford University Press, 2008.
  • MAGALHÃES, Leila Cruz. A Interação Fictiva e a dêixis: a emergência da fictividade em sala de aula. 2018. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, 2018.
  • MAGALHÃES, Leila Cruz; ROCHA, Luiz Fernando Matos. A emergência da Interação Fictiva em sala de aula como estratégia de ensino e aprendizagem. Revista de Estudos da Linguagem, v. 30 n. 2, p. 496-518, 2022.
  • MCENERY, Tony; HARDIE, Andrew. Corpus Linguistics: Method, theory and practice. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.
  • PASCUAL, Esther. Imaginary Trialogues Conceptual Blending and Fictive Interaction in Criminal Courts 2002. PhD Dissertation, Vrije Universiteit te Amsterdam, 2002.
  • PASCUAL, Esther. Fictive interaction within the sentence a communicative type of fictivity in grammar. Cognitive Linguistics, v. 17, n. 2, p. 245-267, 2006.
  • PASCUAL, Esther. Fictive Interaction: the conversation frame in thought, language, and discourse. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2014.
  • ROCHA, Luiz Fernando Matos. Discurso Reportado é problema; Interação Fictiva, solução: padrões discursivos e informacionais em corpus de fala espontânea do PB. Revista Lingüística (ALFAL), v. 36, n. 2, p. 131-149, 2020.
  • ROCHA, Luiz Fernando Matos. Cá, com os meus botões: conversar comigo mesmo por que, para que e para quem. 2022. Tese (Promoção a Professor Titular) - Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, 2022.
  • SACKS, Harvey; SCHEGLOFF, Emanuel A.; JEFFERSON, Gail. A Simplest Systematics for the Organization of Turn-Taking for Conversation. Language, v. 50, n. 4, p. 696-735, 1974.
  • SANDERS, José; REDEKER, Gisela. Perspective and the representation of speech and thought in narrative discourse. In: FAUCONNIER,G.; SWEETSER, E. (ed.). Spaces, worlds and grammar Chicago/London: The University of Chicago Press, 1996. p. 290-317.
  • TALMY, Leonard. Toward a cognitive semantics: Volume 2. Cambridge: Massachusetts Institute of Technology, 2000.
  • TOGNINI-BONELLI, Elena. Corpus linguistics at work Amsterdam/Atlanta: John Benjamins, 2001.
  • 1
    “[...] mental spaces, constructs distinct from linguistic structures but built up in any discourse according to guidelines provided by the linguistic expressions” (FAUCONNIER, 1994, p. 16).
  • 2
    “ If two objects (in the most general sense), a and b, are linked by a pragmatic function F (b= F (a)), a description of a, da, may be used to identify its counterpart b” (FAUCONNIER, 1994, p. 3).
  • 3
    Antes de se iniciarem as gravações das aulas, houve uma reunião com a professora e posteriormente outra com os discentes, nas quais foram solicitadas à docente e aos discentes a permissão para as gravações e a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo obtidas.
  • 4
    Popularmente, a dor de barriga é tida como algo trivial ou passageiro, não implicando necessariamente nada grave. Essa base experencial e cultural faz o senso comum abstraí-la como um exemplo de coisa sem muita importância, que pode ser aplicado a outras circunstâncias e a outros estados. Desse modo, a expressão “dor de barriga” pode fictivamente representar medo, insegurança ou mesmo imaturidade.
  • 5
    “Professora” em substituição ao nome próprio da docente.

Editado por

  • Editora-chefe dos Estudos de Linguagem:
    Bethania Mariani
  • Editores convidados:
    Pierluigi Basso-Fossali, Renata Mancini

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2023
  • Aceito
    31 Ago 2023
location_on
Programas de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense (UFF) Rua Professor Marcos Waldemar de Freitas Reis, s/n, Bloco C - sala 518, CEP 24210-201 - Niterói, Rio de Janeiro, Brasil., Telefone +55 21 2629-2600 - Niterói - RJ - Brazil
E-mail: gragoata.egl@id.uff.br
rss_feed Acompanhe os números deste periódico no seu leitor de RSS
Acessibilidade / Reportar erro