Open-access INVESTIGAÇÃO, NARRATIVA E FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO FÍSICA: POSSIBILIDADES PARA UMA PRÁTICA COLABORATIVA

INVESTIGATION, NARRATIVE AND CONTINUING EDUCATION OF PHYSICAL EDUCATION TEACHERS: POSSIBILITIES FOR A COLLABORATIVE PRACTICE

RESUMO

Este estudo tem como objetivo descrever uma experiência em formação continuada realizada em parceria com professores no intuito de apresentar possibilidades que valorizem as práticas como eixo formativo na relação de colaboração e parceria entre Universidade e Educação Básica. O processo formativo foi pautado pela perspectiva da investigação-formação das práticas produzidas pelos docentes em seu cotidiano escolar, no sentido de contribuir para produção de políticas de formação continuada que aproximem a Universidade e a Educação Básica e, também, que valorize a coautoria e a corresponsabilidade do professor nesse processo. Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo narrativa (auto)biográfica. Utiliza entrevista, redes de conversações, questionário e observação participante como instrumentos de produção dos dados. As análises remetem à necessidade de estabelecer pontes de diálogo e relações colaborativas dentre os diversificados interesses inseridos nas formações, qual seja, o da pesquisa, o das redes municipais de educação e o dos professores, ao assumir as suas experiências profissionais como referências formativas.

Palavras-chave: Formação continuada; Educação física; Narrativa

ABSTRACT

This study describe an experience of continuing education in partnership with teachers. It aimed to provide opportunities that value the practices as a formative axis in partnership between the University and Basic Education. The formative process was guided by the perspective of the research-formation of practices produced by teachers in their school routine, to contribute to production continuing education policies that bring the University and Basic Education and also that values co-authoring and teacher responsibility in this process. This is a qualitative study of the self-biographical narrative type, uses interviews, networking conversations, questionnaires and participant observation as instruments of data production. The analyzes indicate the need to build bridges of dialogue and collaborative relationships among diverse interests inserted into formations, namely, the research, the municipal education networks and the teachers, to take their professional experiences as formative references.

Keywords: Continuing education; Physical education; Narration

Introdução

As pesquisas produzidas pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação em Educação (Anped) e pelo Encontro Nacional de didática e Prática de Ensino (Endipe), sobretudo nessa última década, têm sinalizado que a constituição dos processos de formação continuada vêm sendo pautados pelo paradigma da racionalidade da prática e pela constituição de uma identidade profissional.

Centrado na investigação das práticas pedagógicas dos professores e na constituição de uma identidade profissional definida pelas especificidades das disciplinas curriculares, esse movimento tem realçado a necessidade de criação de uma perspectiva de formação continuada que procura estabelecer canais de diálogo entre os diversos contextos de formação vividos pelos docentes, qual sejam: o cotidiano escolar, a formação inicial e continuada e, os movimentos individuais de pesquisa (auto)formativa. Requerendo dessa maneira, esforços das Universidades e da Educação básica, no sentido de promover práticas colaborativas de formação1.

Ganha evidência as histórias de vida em formação, como uma perspectiva focada na compreensão da tessitura que os docentes fazem desses contextos e, na maneira pela qual os recriam na sua prática pedagógica, atribuindo, consequentemente, outros sentidos e releituras sobre seus processos formativos. Para Nóvoa2, a maneira de "ser" está interligada à maneira de ensinar, logo, "de ser professor". Por esse motivo evidenciamos a família, os valores, as crenças, as redes sociais, as mídias, a religião, a dimensão sociocultural e, etc. como contextos formativos.

Cabe ainda ressaltar que as relações de poder produzidas pelos docentes nesses contextos são atravessadas pelas relações de poder3. Nessa relação, são produzidos os interesses, as negociações, as tensões e apropriações criadas pelos docentes nestes e com estes contextos de formação.

Outra afirmativa a ser problematizada é a crença da aplicabilidade desses contextos na escola. Isso se deve ao fato de a escola também se constituir como uns desses contextos formativos, aonde os professores aprendem a ensinar no momento em que realizam tal ação. Do mesmo modo, questões originadas na escola podem não ser problematizadas nas formações instituídas. Isso porque o docente se constitui de outra forma nas relações de força entre esses contextos. Além disso, acrescenta-se o fato de que o relato das questões da escola pelos professores em outros contextos ganham outros sentidos que estão diretamente associados às relações de poder neles produzidas.

Ao levar em consideração o distanciamento da ideia da aplicabilidade e da correspondência entre os contextos de formação, cabe-nos uma questão, como produzir uma formação que compreenda o lugar e a especificidade da Universidade como 'Formadora', mas que tenha como referência as práticas pedagógicas dos professores e seus protagonismos no próprio processo formativo?

Iniciativas como essa têm sido apresentadas na produção acadêmica. Damiani e Melo4, elaboraram com os professores uma formação que deu visibilidade as suas práticas pedagógicas. Nessa ocasião, realizaram coletivamente uma sistematização dos conhecimentos por eles produzidos como possibilidades de intervenção pedagógica nas escolas da Rede Municipal de Florianópolis - SC. Antunes, Amaral e Luiz5 também apresentam uma proposta de organização curricular para o ensino da Educação Física na escola a partir do estudo das práticas pedagógicas dos professores da Rede Municipal de Uberlândia - MG por intermédio de uma formação continuada.

Neste cenário, o objetivo do texto é descrever uma experiência em formação continuada realizada em parceria com professores no intuito de apresentar possibilidades que valorize as práticas como eixo formativo na relação de colaboração e parceria entre Universidade e Educação Básica. Além disso, também se justifica à medida que busca produzir com os professores um processo que parta das suas práticas de formação profissional, não dizendo a ele o que deveria ser feito em seus contextos profissionais, mas com eles, pensar, refletir e sistematizar a partir das suas experiências, possibilidades de compartilhamento de experiências e seus processos de significações.

A abordagem da pesquisa com narrativas auto(biográficas) nos auxiliou na rememoração das experiências de práticas pedagógicas dos professores e do processo formativo gerados por esse movimento. Neste caso, os resíduos das experiências dos docentes ganham, nas narrativas, formas de linguagem que redefinem os modos de ser e de viver, revisitando histórias nas memórias-fragmentos6, retalhos de uma vida que se escolhe para lembrar, nos quais buscamos um "fazer história" que rompe com a linearidade do espaço e tempo, entrelaçando passado, presente e futuro no agora.

Métodos

A abordagem teórico-metodológica do estudo é a narrativa (auto)biográfica do tipo investigação-formação7,8. De acordo com Josso7 e Souza8, a articulação entre as narrativas (auto)biográficas e as histórias de vida dos professores, como abordagem de pesquisa e de formação docente, tem se configurado como possibilidades de processos formativos que possuem como referência as práticas de atuação pedagógica. Nesse caso, a centralidade do sujeito no processo de "[...] investigação-formação sublinha a importância da abordagem compreensiva e das apropriações da experiência vivida, das relações entre subjetividade e narrativa como princípios, que concede ao sujeito o papel de ator e autor de sua própria história" (9:36).

A investigação das práticas de atuação pedagógica dos professores se constitui como objetivo da formação continuada analisada neste artigo e como elemento que potencializa a pesquisa e a produção do conhecimento, possibilitando a articulação entre a Universidade e a Educação Básica. Compreendemos, assim como Nóvoa10, as práticas de formação continuada em um sentido amplo, que toma como polo de referência as escolas e as suas problemáticas que emergem da experiência da prática docente no trabalho escolar.

A formação continuada, objeto de estudo neste artigo, foi produzida pelo Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física (Proteoria)/Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) com 14 professores que atuam na Educação Básica da redes municipais de Serra/Es, Vitória/ES e Vila Velha/ES. O contato com os colaboradores da pesquisa ocorreu por meio de carta convite, enviada inicialmente aos professores da Rede Municipal de Ensino de Serra/ES (RMES/ES). Posteriormente, docentes de outras redes de ensino foram convidados por indicação desses professores.

Da rede municipal de Serra/ES participaram Aline, Paulo, Bianca, Marlos, Sylvia, Anderson, Naílson e Rosiléia, professores de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental; Flávia e Sandro, do Ensino Fundamental de 6º ao 9º ano; e Márcio, coordenador de área da formação continuada da rede municipal. Da rede de Vitória participou Elvira, professora que atua nas séries iniciais do Ensino Fundamental; e as professoras Jamille e Nazian, que atuam nas turmas de 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental da rede de Vila Velha.

A formação continuada foi realizada no Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal do Espírito Santo (Cefd/Ufes), das 19h às 22h, às segundas-feiras, em duas etapas: a primeira ocorreu entre 1º de outubro de 2012 e 10 de dezembro de 2012; a segunda, entre 3 de junho de 2013 e 21 de outubro de 2013. A formação compreendeu um total de doze encontros na Universidade e cinco a oito encontros individuais com os professores.

Os temas mais gerais eram discutidos nos encontros coletivos, e o aprofundamento de suas práticas docentes acontecia nos encontros individuais de modo paralelo à formação continuada realizada na Ufes. Reunimos em registro aproximadamente 50 horas de conversa, totalizando em torno de 450 páginas. O Quadro 1 sistematiza a organização da Formação Continuada:

Quadro 1
Organização da Formação Continuada

A formação continuada contou ainda com a participação de um professor da Universidade Federal do Espírito Santo, que foi o coordenador da formação, três alunos do Mestrado (identificados como Formador 1, 2 e 3) e três da Iniciação Científica. O professor da UFES e os alunos do Mestrado foram responsáveis por conduzir a formação continuada, selecionar os temas a serem abordados nos encontros de segunda-feira, bem como organizar o processo de produção das narrativas (auto)biográficas dos professores, sua transcrição e transformação em textos sobre experiências de projetos pedagógicos realizados na Educação Física. Os alunos de Iniciação Científica participaram dos encontros coletivos de formação e acompanharam os mestrandos nas entrevistas individuais do tipo narrativa. Além disso, os projetos de pesquisa desses sujeitos se articularam com os dados oriundos da própria formação.

As metodologias empregadas na formação continuada, conforme Quadro 1, configuraram-se em: dois questionários semiestruturados, denominados Q1 e Q2; três narrativas em grupo produzidas por meio de grupo focal, chamados de GF1, GF2 e GF3; duas entrevistas semiestruturadas individuais, identificadas como E1 e E2; três a seis narrativas (auto)biográficas individuais orais, nomeadas de N1-N6. De modo específico, utilizamos como instrumentos aqueles que nos ajudariam a discutir o objeto assumido nesta pesquisa, quais sejam: os grupos focais (GF1 e GF3); a entrevista semiestruturada (E2); três encontros coletivos (EF4, EF5, EF6); um questionário semiestruturado (Q2). As temáticas abordadas pelos instrumentos são identificadas no Quadro 1.

Os grupos focais foram conduzidos pelo coordenador da formação continuada. Em ambos, enfatizamos que não estávamos em busca de uma homogeneidade teórica no debate ali proposto, mas em dar visibilidade aos sentidos que os professores atribuem às temáticas discutidas. As suas reflexões suscitaram outras perguntas sobre o livro didático da Educação Física e os processos de formação inicial e continuada. Essas problematizações emergiram da própria fala dos docentes e cabia ao mediador, ao levantá-las, estimular a participação de todos os professores no debate.

O uso desse instrumento permitiu-nos promover a troca de ideias, dos valores e das dificuldades que marcaram a trajetória desses docentes, o que implicou a tessitura de novos conhecimentos. Além disso, ele nos ofereceu elementos para produzir o roteiro da entrevista semiestruturada sobre a formação inicial/continuada (E2), que durou aproximadamente uma hora. Nela, objetivamos captar os sentidos que os professores e os formadores atribuíram às formações iniciais e continuadas que foram por eles vividas e narradas, entendendo-as como projeções e possibilidades de perspectivas de formação. A entrevista semiestruturada foi realizada nas escolas em que os professores trabalham, especialmente após o horário de aula ou nos períodos de planejamento; nos intervalos de cursos oferecidos pelo Centro de Formação Continuada da Rede Municipal de Serra/ES; nas instalações do Proteoria ou em outras salas do Cefd/Ufes e, quando necessário, nas residências dos professores.

À medida que nos aproximávamos dos professores e das narrativas sobre as suas práticas, percebemos a necessidade de maior aprofundamento em relação às suas experiências formativas. Nesse caso, os grupos focais e a entrevista semiestruturada serviram-nos de base para produzir, com os professores, narrativas (auto)biográficas, em que pudessem rememorar os projetos de ensino assumidos como os de maior expressividade em suas trajetórias. A entrevista semiestruturada e as narrativas foram realizadas pelos mestrandos, acompanhados dos alunos de Iniciação Científica.

Foi por meio da narrativa (auto)biográfica que os professores, em produção colaborativa com o coordenador da formação, os alunos de Mestrado e de Iniciação Científica, problematizaram, discutiram e escreveram sobre suas práticas profissionais, dando a elas e aos contextos de formação outros sentidos, outras teorias e modos de produção de conhecimento. Compreendemos, assim como Josso11:78), que:

[...] por meio de uma estratégia de investigação-formação, vamos desembocar não só numa melhor compreensão da formação do sujeito como também na perspectiva de recolocar o sujeito no lugar de destaque que lhe pertence, quando desejar torna-se um ator que se autonomiza e assume suas responsabilidades nas aprendizagens e no horizonte que elas lhe abrem [...] Isso implica uma presença do sujeito consciente, sem a qual falaríamos mais de 'adestramento' do que de formação.

Os encontros de formação (EF4, EF5 e EF6) foram destinados à apresentação dos textos originários das narrativas (auto)biográficas. Nesse caso, entendemos, de acordo com Nóvoa12:63-64), que:

A troca de experiências e a partilha de saberes consolidam redes de formação mútua, nas quais cada professor é chamado a desempenhar, simultaneamente, o papel de formador e de formando [...]. O diálogo entre os professores é fundamental para consolidar saberes emergentes da prática profissional. Mas a criação de redes coletivas de trabalho constitui, também, um fator decisivo de socialização profissional e de afirmação de valores próprios da profissão docente.

Por fim, utilizamos um questionário (Q2) semiestruturado que abordou aspectos sobre a formação continuada com o objetivo de produzir uma avaliação do processo. Para tanto, abordamos questões como: sua organização, duração, quantidade de encontros, temáticas, recursos didáticos e trabalho colaborativo. Objetivamos ainda discutir sobre as motivações que os levaram a participar da formação.

Os professores assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e autorizaram que seus nomes verdadeiros fossem apresentados na pesquisa. Além disso, a formação continuada faz parte de um projeto de pesquisa e extensão submetido ao Comitê de Ética, aprovado sob o número CAAE:: 15419913.4.0000.5542.

Investigação-formação: a coautoria do professor no processo formativo

Assumimos as práticas pedagógicas dos professores como eixo orientador na constituição de uma ação formadora que se pauta na perspectiva da investigação-formação e das ações colaborativas entre Universidade e Educação Básica deste trabalho. Nesse movimento objetivamos nos distanciar da perspectiva da capacitação para problematizar o processo de coautoria em uma concepção que desloca a produção para o professor, materializando-a com ele.

Contudo, distanciar-se da perspectiva da capacitação pode não significar a valorização dos interesses e das necessidades dos professores. Ibiapina13 preconiza que as limitações das formações continuadas colaborativas, muitas vezes, consistem na apropriação dos pesquisadores destes processos formativos com o intuito de responder aos objetos de estudo, secundarizando a formação do professor.

Além disso, os resultados da pesquisa não são compartilhados com os docentes no sentido de ampliar o conhecimento sobre suas práticas de atuação pedagógica. Esta crítica também se fazia presente nas narrativas dos professores participantes de nossa pesquisa, quando destacam os movimentos produzidos pelos pesquisadores como afirma Bianca (E2): "[...] Veio a Marina [...] parece que foi alguma coisa que ela procurou desenvolver no seu mestrado, isso a meu ver, ela utilizou aquele espaço, sem a devida autorização".

As formações continuadas não apenas têm valorizado os interesses e necessidades das pesquisas, a descontinuidade dos trabalhos de formação como também destacam interesses políticos. Damiani e Melo4 ao se referirem sobre a formação continuada que realizaram pautadas na investigação das práticas dos professores da rede pública de Florianópolis sinalizam a dificuldade de desenvolver esse trabalho dado o investimento de tempo.

No caso do estudo relatado, foi realizada a concretização da primeira fase, o aprofundamento teórico-reflexivo dos problemas diagnosticados pelos professores. Mas não houve a continuação dos trabalhos, que seria a assessoria pedagógica ao professor para a materialização nas escolas das propostas de intervenção pedagógicas por eles produzidas. A descontinuidade deste processo significou a entrega de uma atividade diagnóstica pelos docentes sobre as dificuldades por eles encontradas nas escolas.

Chamamos a atenção para evidenciar a existência de diversos interesses, qual seja, da pesquisa acadêmica e de algumas administrações ao não levarem as demandas dos professores como justificativas para a produção das formações continuadas. O professor Naílson, chama-nos a atenção sobre o assunto ao se referir sobre a formação oferecida pela Rede Estadual de Ensino do Espírito Santo: "[...] não tem formação, não tem uma política que realmente haja um compromisso do Estado com a nossa área, que tome como base o movimento" (NAÍLSON, GF1).

O contexto apresentado nos remetia para os desafios em construir um projeto que articulasse pesquisa e extensão dando visibilidade às necessidades e aos interesses dos professores e, ao mesmo tempo, dos formadores/pesquisadores envolvidos no processo. Tínhamos clareza dos objetivos da pesquisa, que já assumia a colaboração, a prática e a coautoria como eixo central de pesquisa e formação, mas não conhecíamos as demandas dos professores. Objetivamos com isso, pontuar a dificuldade na produção de um projeto de formação continuada que contribuísse com a formação do professor, no diálogo com suas projeções e expectativas.

Para dialogar com essas demandas sem que elas parecessem aos professores uma denúncia ou um diagnóstico de suas práticas, mas como referências de formação, foi necessário que estabelecêssemos com eles relações pautadas na confiança e na solidariedade. Este tipo de relação foi por nós proposta quando, na 1ª formação, anunciamos a possibilidade de formá-los tomando como referência suas próprias práticas profissionais8. Entretanto, a apresentação desta perspectiva produziu certa dúvida para a professora Sylvia, como sugere a narrativa:

Achei interessante e desafiador. Que desafio é esse? Participar de uma formação continuada que vai discutir sobre nossas experiências. Como é que ela vai se desdobrar? Eu me interessei em ingressar no grupo e fazer parte desse processo, exatamente para ver como se esquematizaria uma ideia de fazer um livro didático sobre as nossas práticas, na formação porque é diferente das formações que vemos por aí (SYLVIA, GF3).

Um ponto interessante apresentado por Sylvia é a dificuldade em conceber uma perspectiva de formação que parta do conhecimento produzido pelo professor no contexto escolar. Podemos inferir que a dificuldade de projeção colocada pela professora ganha um ponto em comum com o reconhecimento que Marlos atribuiu à perspectiva dessa formação:

Eu acho essa iniciativa de aproximar a UFES com o que pode ser feito no chão da escola é uma atitude sábia. Eu não encontro outra palavra para classificar isso. Isso mais uma vez é para tentar diminuir essa dificuldade de conexão entre teoria e prática e para que, da mesma forma, dar visibilidade ao que é feito na escola, dar alguma aproximação ao professor com o que está sendo produzido na Faculdade e tentar buscar, por meio dessa parceria, uma ponte de aproximação, principalmente dos produtores de conhecimentos teóricos com o que pode ser realmente lá na frente (MARLOS, GF3).

Não é com estranheza que Sylvia teve dificuldade em projetar como seria essa formação e, Marlos em reconhecer a sua peculiaridade. Molina Neto14 destaca que as formações continuadas tem se constituído historicamente no Brasil sob a perspectiva da capacitação técnica e instrumental, fundamentada na justificativa de habilitar os professores a resolverem os problemas por eles encontrados nos contextos escolares. Sob esse aspecto, a formação continuada se configura como o lugar onde se adquire o conhecimento, a escola como o local de sua reprodução e o professor como reprodutor do conhecimento.

Na nossa análise, os discursos compartilhados atribuídos por Sylvia e Marlos a essa formação sinalizam a necessidade de ressignificarem a própria teoria e, o papel da Universidade como o lugar dessa transformação, não para, mas com eles. Ao realizar esse movimento, as práticas colaborativas de formação produzem outras teorias, em um processo pautado na prática-teoria-prática15. Formação esta que necessita se fundamentar na investigação e no diálogo com as práticas pedagógicas dos professores, fomentando relações de troca, nas quais o professor tenha, individualmente e coletivamente, a possibilidade de analisar, debater, refletir, escrever e reescrever sobre seus projetos pedagógicos, num movimento que contribua para que possa tecer outros olhares e sentidos sobre a sua formação. Mas, como transformar, ao longo das formações, as práticas de atuação pedagógicas dos professores como elemento norteador do processo?

Para alcançarmos esse objetivo, foi necessário investigarmos com eles as experiências profissionais que, nas suas análises, marcaram suas trajetórias como docentes. Com esse intuito, solicitamos aos professores que narrassem as experiências de atuação pedagógicas que marcaram suas trajetórias profissionais, em momentos coletivos de formação. Nesta 1ª fase da formação, por ocasião de um grupo focal (GF3), Jamille valorizou o conhecimento produzido e narrado pelos professores nestes contextos como movimentos significativos de formação, como sugere a narrativa:

[...] eu achei a proposta [da formação da Universidade] muito boa porque aproxima a questão da gente com os professores da escola, porque eles vão olhar [as apresentações das práticas pedagógicas] e vão ver: 'Poxa, ela também teve esse problema que eu tive. Que eu tenho dentro da escola!' Então eu achei que foi bem legal a questão dos relatos dos professores (JAMILLE, GF3).

Interessante observar o modo como o compartilhamento dos professores sobre suas práticas se constituem em momentos de formação valorizados por Jamille. Estes encontros revelam a forma como outros professores se apropriam das formações materializando-as em suas experiências de atuação pedagógica, produtos esses que são capazes de auxiliar a própria ressignificação de sua prática. Eles não apenas reproduzem, mas, produzem outras possibilidades de atuação pedagógica a partir das suas práticas de apropriação3 sobre os múltiplos contextos de formação16 com os quais se relacionam.

Nesse movimento, os professores compartilharam não apenas suas experiências pedagógicas, mas as limitações, os entraves, as tensões e as limitações que permeavam os contextos onde eram produzidas, bem como os processos de negociações para que pudessem ocorrer.

Talvez pelo tempo destinado ou pelo não aprofundamento dos estudos dos projetos pelos docentes, algumas questões precisaram ser novamente problematizadas. Com a intenção de rememorá-las ganhou força o trabalho individualizado com o professor, referimo-nos às entrevistas do tipo narrativa (auto)biográfica, como sugere a narrativa:

[...] a princípio eu não imaginava que algo que eu tinha planejado, por ser professora e que tinha um objetivo totalmente voltado para os alunos, não pensei que pudesse ser ampliado. Com as entrevistas, eu achei engraçado, por conta do tanto de coisa que eu deixei passar! E algumas coisas que me foi perguntado, que poderia acontecer e que não aconteceram. Depois disso, eu peguei um material de outro projeto que eu tinha feito e falei 'Ah não, esse eu não vou deixar passar, eu vou escrever!' (ROSILÉIA, GF3).

O trabalho individualizado com as entrevistas contribuiu para que Rosiléia rememorasse sua experiência, instigando-a com que percebesse algumas lacunas. A entrevista como perspectiva de formação não se configurou como um questionário sobre as práticas dos professores, mas se traduziu como um momento para a produção de trocas com os formadores sobre a sua experiência, auxiliando-a na concepção de outras possibilidades interpretativas de intervenção pedagógica.

Também ganhou relevância a intenção dos formadores em problematizar, através da entrevista, algumas questões que permearam e pautaram a prática pedagógica do professor, na condição de questionar "os porquês" das decisões pedagógicas tomadas e dos contextos em que eram produzidas. Fomentar esse questionamento foi fundamental para a produção de outros sentidos e possibilidades formativas, um fragmento da segunda entrevista narrativa (auto)biográfica realizada com Paulo por um aluno do Mestrado, aponta este contexto de formação:

[...] você tem alguma relação com esse conteúdo olimpíadas ou com os esportes que a envolvem? (FORMADOR 1).

Eu acho muito comercial, muita exploração do corpo, muita exigência, sou totalmente contra! (PAULO).

E do atletismo? (FORMADOR 1).

O atletismo em si, eu acho a pratica legal, mas a pratica em competição é ruim. Na educação infantil, teve futebol, basquete e vôlei em circuito! Não aconteceram as competições, a gente fazia estafetas, eu não gosto muito, mas, devido às condições e a "ajuda" que a gente teve dos professores, agente teve que fazer do modo tradicional e os alunos gostaram. Procuramos não dar ênfase à competição pra eles. Também não demos ênfase no fundamental, só que a competição já está explicita nos jogos e não tem como separar (PAULO).

[...] o texto de Mello e colaboradores, problematiza a questão da competição, ao relacionar à evasão dos alunos de um projeto social que tinha como norte a concepção critica emancipatória. Ele fala que o motivo segundo os alunos da evasão era a ausência de competição. A concepção de competição foi revelada pelo olhar dos alunos, estes diziam que a competição trazia para eles o prazer, a possibilidade de ser descoberto por um clube e tornar-se profissional (FORMADOR 1).

[...] eu não enxergava a competição sob essa ótica, isso é muito interessante, vou pensar nessa concepção de competição, me manda o texto para eu ler (PAULO).

Podemos perceber, por meio deste fragmento, um diálogo que destaca uma perspectiva formativa que valoriza a entrevista como um contexto formativo à medida que Paulo e o Formador 1 extrapolaram os elementos em debate. Esse movimento foi relevante para a formação de ambos, à medida que perceberam a possibilidade de atribuírem outros sentidos à competição como um elemento que permeia a atuação profissional.

Alves16 atenta à necessidade de considerar tais contextos, como uma rede de relações que os professores estabelecem com os diversificados espaços e tempos nos quais se inserem. Dessa forma,

[...] a cultura da escola e toda a produção cultural de fora dela formam um complexo socioeducacional que precisa ser entendido, porque é vivido por todos os que fazem a escola e nela estão, o tempo todo, como em permanente formação16:22 (ALVES, 2004, p. 22).

Vale enfatizar o contexto de formação destacado pelo processo de reescrita dos projetos dos professores. Nesse caso, a formação fomentou a necessidade de o professor pesquisar elementos específicos das suas experiências profissionais, no sentido de, posteriormente, discuti-los e reescrevê-los, como evidencia a narrativa:

Para mim a formação foi fundamental, pois a colaboração deu fôlego ao processo de escrita e, ainda posso dizer que me fez buscar, me ajudou a estruturar o que estava superficialmente organizado (SYLVIA, Q2).

Evidenciamos que o processo de reescrita das experiências pedagógicas dos professores auxiliou para que produzissem outros sentidos para a sua prática, auxiliando-o a perceber a riqueza que continha suas experiências. Mas que para isso, era necessário investigá-las, registrá-las e confrontá-las a outras leituras num movimento retroalimentar.

A discussão e reescrita dos projetos vão sendo ressignificados pelos professores, apresentando-os outras releituras dos fatos passados no presente, projetando, portanto, outros significados do vivido. Nesse caso, "[...] a inscrição de si pode ter necessidade não somente de um discurso sobre si, mas um projeto de si" (7:10) .

A partir da 1ª fase de formação e, em parceria com os professores, produzimos outras análises, sentidos, possibilidades, escritas e reescritas sobre suas experiências. Com o intuito de formá-los e nos formar, percebemos a necessidade de, novamente apresentar os resultados da parceria. Para tanto, realizamos na 2ª fase de formação 4 encontros. Destinamos estes momentos para que tanto os professores quanto os formadores apresentassem os resultados pela ocasião da roda de conversa. Como aprecia a narrativa de Sylvia realizada no 8º encontro de formação, em que foi apresentada a narrativa (auto)biográfica produzida por Bianca em parceria com o aluno do Mestrado:

[...] achei interessante vocês [Bianca e Formador 1] apresentarem a dança hip-hop, até porque não li o texto de ninguém, [...] mas vou ler. Achei legal essa questão das experiências sócio corporais dos alunos. No meu caso, apesar de trabalhar com a dança, a primeira vez que eu trabalhei com hip-hop foi no ano passado. Eu falei: 'vou encarar esse bicho papão!' Criei uma resistência para trabalhar o hip-hop porque não tinha afinidade, [...] não tinha as experiências sócio corporais com esse tipo de dança. (SYLVIA, EF5).

O primeiro ponto que gostaríamos de destacar é a percepção da professora ao reconhecer a prática pedagógica de sua colega como uma produção do trabalho colaborativo, fruto de um processo de investigação com a professora. Processo esse que desvela outras potencialidades. Acrescentou-se a essa prática as reflexões, os sentidos e as experiências dos formadores. Em última análise, ela foi produzida por ambos no processo de formação, sendo que tanto um como o outro se encontravam no processo de ressignificação de suas práticas.

A estratégia de apresentar os textos escritos na formação, também evidenciou o trabalho dos formadores na própria escrita do trabalho. O destaque deve ser dado ao processo de inserção de barras laterais com indicação de textos acadêmicos e de links da internet que ampliavam a leitura da experiência produzida pelo professor. O emprego desses dispositivos, no momento da construção do texto, nos possibilitava dialogar com os professores sobre seus projetos pedagógicos, oferecendo a eles suporte para outras leituras. Temos aqui um importante momento formativo, na medida em que usa a prática do professor, para com ela, produzir outras possibilidades interpretativas e de atuação profissional. O objetivo não era transformar as narrativas orais em escritas, mas aproveitá-las para investir no processo de investigação-formação. Além disso, para tornar latente a possibilidade de análise e reflexão das práticas pedagógicas compartilhadas na formação, a escrita sobre essas experiências não pode ser visualizada apenas como uma mera descrição, mas uma projeção refletida, em que são acrescentados outros elementos que a potencializam.

O diálogo entre formadores e professores nesta ocasião favoreceu o acesso de todos os envolvidos aos momentos individuais de formação. Para exemplificar citamos o compartilhamento sobre os conteúdos e procedimentos de ensino da dança, como sinalizam as narrativas:

É um trabalho interessante, até porque o professor é pouquíssimo competente pra lhe dar com a questão da dança, e esse trabalho te dá um clique. Poxa eu posso partir de uma pesquisa, e vocês oferecem isso indicando caminhos, eu posso trabalhar com o movimento das crianças [...]. Voltando à questão da dança, acho que pra mim os dos trabalhos são enriquecedores. Eu quero ler eles com mais calma e, quando eu tiver que dar a dança, vou me remeter a esses trabalhos pra me dar um start do que eu posso fazer (MARLOS, EF4).

[...] eu acho muito interessante à forma como que vocês [Sylvia e Formadora 2] colocam a dança. Porque eu também tenho um pouco de resistência em trabalhar a dança em si, e quando a colega [Formadora 2] estava comentando o trabalho de [Sylvia] eu falei: 'a gente tem que ter a motivação e estar integrado com os alunos' (ELVIRA, EF4).

Ao colocarmos como elemento de reflexão coletiva os movimentos de formação individuais, oportunizamos o diálogo entre as diversas experiências dos professores e as nossas. Dessa maneira, a experiência de formação que era de Bianca, passa também a ser dialogada com Formador 1 (aluno de Mestrado que assessorou Bianca na produção da narrativa (auto)biográfica), e posteriormente, se constitui como possibilidade de intervenção pedagógica para o professor Marlos. Assim como a de Sylvia que transformada em texto com Formadora 2 (formadora que assessorou Sylvia) e, posteriormente, se apresentou como uma possibilidade de atuação pedagógica para Elvira.

Além da experiência destacada pelos professores sobre o movimento de formação que lhes favoreceu possibilidades de trabalhar com o ensino da dança na escola; Sylvia e Anderson sinalizam com esse movimento coletivo de formação propiciou outros sentidos e possibilidades para os procedimentos de ensino e para as práticas avaliativas, como sugerem as narrativas:

[...] inclusive a forma de avaliação, porque antes eu era muito ligada ao quantitativo, mas precisamos ter uma mudança nesse comportamento. O Anderson tem frisado muito isso que você [Formadora 3] está falando. Principalmente quando a gente tem dentro da escola alunos com deficiência. Esse outro lado da avaliação da escola, ela tem começado de um tempo pra cá, a partir dessa formação, eu pensei dessa com um pouquinho mais de valor. Por que antes se dava muita atenção ao quantitativo à nota de 0 a 10. E eu acho que [essa apresentação] está abrindo mais minha visão, é interessante (SYLVIA, EF5).

Eu achei legal na apresentação da Rosiléia a questão da quantidade de produções dos alunos, uma produção atrás da outra. Você [Formadora 3] falou, tinha o desenho, o cartaz, a dança, a música e os brinquedos. Isso tudo serve de combustível para eles se sentirem autores, na medida em que eles vão produzindo. Eu acho interessante, porque além de fixar melhor o conteúdo, dá mais importância ao que eles fazem e, isso interfere na autoestima deles, e acaba tendo reflexo também em outros pontos, como matemática, português, como você falou aqui alguns tinham timidez de ler, mais de repente a partir daquele momento não poderia ter mais, não sei se foi olhado isso. Enfim, achei a questão das produções sucessivas dos alunos bem legais! (ANDERSON, EF6).

Não há apenas um interesse dos professores Anderson e Sylvia em se apropriar de uma prática de atuação pedagógica nos momentos de formação que dialogue com suas demandas na escola. Há também uma intenção dos professores em explorar a forma como outros elementos a ela se articulam. A forma como as práticas avaliativas e as apropriações que outros professores fizeram dos registros dos alunos ampliam a concepção que Sylvia e Anderson têm sobre esses elementos respectivamente.

Na nossa análise, a narrativa de Anderson sinaliza a necessidade de o professor pautar a sua prática levando em consideração as histórias e os contextos vividos pelos seus alunos. Entre outras palavras, deve considerar as relações que os alunos fazem com o conhecimento e considerá-los como autores na produção da cultura escolar17.

Problematizar a coautoria do professor elaborada nos contextos vividos na formação continuada constitui-se como uma importante questão a ser discutida, pois é reveladora da perspectiva assumida nesse processo. Sendo assim, a formação não foi apenas abordada como investigação no sentido de rememorar quais eram as demandas dos professores, mas fomentar a ampliação dos seus conhecimentos na análise de suas práticas pedagógica, tendo como interlocutores o Coordenador, os alunos de Mestrado e de Iniciação Científica responsáveis pela formação. Isso ocorreu quando nós, formadores, apresentamos o nosso olhar sobre e com essas práticas ao evidenciarmos alguns links e textos que iam de encontro às questões pelos professores sinalizadas, como sugere as narrativas:

A aproximação com a cultura da comunidade trouxe para o cotidiano das aulas manifestações culturais que incentivaram a criatividade dos alunos como o 'Maculelê, a capoeira e o congo'. E ai nós trouxemos um link que fala exatamente sobre as possibilidades dessas manifestações culturais: 'tesauro folclórico da cultura popular brasileira'. Nós o trouxemos para trazer para o leitor, outras possibilidades de ensino. Esse site não traz apenas as manifestações culturais relacionadas à dança, traz também artesanato, gírias que nós utilizamos, por exemplo: caboclo d'agua, cabra cega que é uma brincadeira, cachaça e etc. (FORMADORA 3, EF4).

[...] uma dimensão interessante na narrativa da Bianca foi o reconhecimento dela em perceber que o protagonismo está nos alunos [...] e no que eles tinham em relação com o hip hop. Então eu trouxe um texto de Charlot, ele destaca não apenas o saber fazer com o corpo do aluno uma determinada prática corporal, mas coloca que esse saber é uma relação consigo e com os outros. Se eles têm uma afinidade com o hip-hop é mais prazeroso para os alunos vivenciar este conteúdo (FORMADOR 1, EF5).

Esse movimento destaca a análise e apresentação dos pesquisadores sobre as práticas pedagógicas dos professores, no sentido de, a partir delas, produzir outros sentidos, seja por meio da inserção de links, no caso da fala da Formadora 3, seja pela inserção de textos, no caso da fala de Formador 1. Nota-se que essas inserções são contextualizadas às experiências de atuação profissional dos professores, apresentando-se como forma de ampliar as experiências pedagógicas e/ou de sua compreensão.

Vale ainda destacar que, a investigação das práticas pedagógicas docentes passou a ser experiência formativa para os pesquisadores, como aponta a narrativa de Formadora 2 na roda de conversa (EF5): "Muito interessante! Eu depois que eu trabalhei com a Elvira e vi o monte de material que ela produziu nas suas aulas, eu tiro foto de tudo". Esse movimento foi significativo para Formadora 2 à medida que percebeu a partir da pesquisa que realizou com a professora Elvira, a possibilidade de considerar a fotografia como o registro das suas práticas pedagógicas e de prática avaliativa. A potencialidade do trabalho de Elvira fomentado pelo movimento de investigação-formação também foi significativo para Formadora 2 (formadora que assessorou Elvira), à medida que produziu com ela outros elementos sobre a fotografia como prática pedagógica, como sugere a narrativa:

Então o que mais se destacou do trabalho da Elvira foram às questões dos registros que ela produziu das aulas. A fotografia serviu como um instrumento de releitura da prática, porque foi usada para corrigir os movimentos dos alunos. Eles visualizavam, e por fim, os pais. Então foram os três movimentos possíveis da fotografia. E nós duas lá nas últimas conversas, nós pensamos na fotografia como possibilidade de avaliação (FORMADORA 2, EF5).

A investigação-formação dos projetos individuais dos professores que foram produzidas por um trabalho coletivo de formação, passa de um "[...] lugar próprio de autoria individualizada, rumo a um projeto estratégico/tático de criação coletiva" (18:164) Ou seja, as experiências que se limitavam ao cotidiano escolar são compartilhadas com os formadores, e, posteriormente, com o coletivo participante da formação, acenando possibilidades de atuação profissional e de perspectiva formativa, conforme as narrativas:

Considero que a ida a campo para observar ou estudar com mais detalhes as práticas do profissional como sendo essencial na parceria/colaboração uma vez que esse processo aproxima a teoria da prática e a prática da teoria (MARLOS, Q2).

A ida dos membros do Proteoria [Instituto de Pesquisa em Educação e Educação Física] nas escolas foi muito proveitosa para o processo de parceria (ALINE, Q2).

Na nossa análise, as narrativas apontam para a necessidade de se produzir uma perspectiva de formação que se pauta na investigação das experiências de atuação pedagógica dos professores e, na necessidade da Universidade se aproximar da escola, onde as práticas de atuação pedagógicas são produzidas. Como preconizam Santos e Nunes19:93): "[...] é preciso atentar para as contribuições práticas, tecidas no cotidiano escolar que, apesar de não representarem soluções para uma vivência específica, podem servir de pistas para demais experiências que poderão surgir".

Queremos com isso, dar visibilidade aos diferenciados contextos de formação produzidos a partir desta formação colaborativa. Sinalizamos que tal perspectiva contribui para pensar em políticas de formação continuada que deem visibilidade aos usos inventivos3 que os docentes fazem destes contextos de formação continuada. Para Certeau3, os usos inventivos são possibilidades de as pessoas reinventarem os lugares, as coisas e as pessoas de acordo com suas próprias necessidades e interesses. Problematizar esses usos é também compreender e analisar em que medida os processos vigentes têm problematizado as experiências de atuação pedagógica dos professores não apenas como possibilidades de ensino de um determinado conteúdo, mas ao fomentarem com os professores a possibilidade de refletirem sobre sua própria formação na busca de outras possibilidades interpretativas.

Se por um lado, mas não no sentido de contrariedade, explicitamos a perspectiva da investigação e a forma como os contextos de formação foram se articulando ao longo do processo, por outro, convém apresentar algumas de suas limitações e à forma como buscamos resolvê-las, como sinalizam as narrativas: "[...] a falta de tempo apropriado para o professor expor os detalhes da sua prática pedagógica na 1ª rodada (PAULO, Q2)"; "[...] menor tempo para apresentar as práticas pedagógicas (MARLOS, Q2)".

A falta de tempo para a primeira apresentação das experiências de atuação pedagógica escolhidas pelos professores para produção de narrativa (auto)biográfica, nos dias 26/11/2012 e 10/12/2012, se deu por uma série de razões, dentre elas, o tempo destinado para a apresentação de 11 práticas pedagógicas em dois encontros com duração de quatro horas, em um planejamento inicial de seis encontros no total.

A sugestão dos professores acrescida da necessidade que tínhamos de evidenciar os papéis assumidos por todos nós contribuiu para que adicionássemos mais quatro formações como já descrevemos. Além disso, elas expressaram a importância do debate, reflexão, escrita e reescrita do processo de formação colaborativa.

Uma limitação que provavelmente não poderíamos solucionar diz respeito ao quantitativo de professores por formação. Uma vez que nosso grupo dispunha no momento da formação de um professor coordenador, três alunos de mestrado e mais três alunos de iniciação cientifica. É válido lembrar que cada professor participante teve a assessoria de um aluno do mestrado e outro da iniciação cientifica.

Isso significa dizer que, em relação à perspectiva de formação por nós adotada, cada dupla formada pelo(a) aluno(a) do Mestrado e Iniciação Científica auxiliou na produção de três a seis entrevistas do tipo narrativa (auto)biográfica com cada professor, orientados pelo coordenador da formação continuada. Além disso, as duplas transcreveram todo o material (cerca de 450 páginas), também produziram a leitura, escrita e reescrita dos textos, procedimentos estes materializados em 12 meses de trabalho, entre professores, alunos de Mestrado, Iniciação Científica e coordenador do projeto.

Evidenciar esses processos é também problematizar o papel da Universidade como instituição formadora, a sua importância e a sua responsabilidade social no que tange à formação continua docente e a produção do conhecimento. Do mesmo modo, entendemos que a participação do docente nos processos formativos institucionais pode ser significante quando ele se coloca como protagonista, narrando suas experiências e as sistematizando em diálogo com os pares e organizadores da formação.

Assumimos a formação continuada como práticas de apropriação de conhecimentos tecidos em redes20, que não se constroem de maneira linear e hierarquizada. São práticas formativas que também são influenciadas pelos contextos históricos, sociais, políticos e econômicos por eles vividos. Por esse prisma, o conhecimento assim como a formação será sempre inacabado e transitório.

Considerações finais

O desafio de produzir uma formação pautada na investigação das práticas dos professores consiste, primeiramente, assumir que neste lugar instituído existem diferentes interesses e necessidades tanto da pesquisa acadêmica, quanto da política de formação assumida e dos docentes. A questão central reside na tarefa de estabelecer pontes de diálogo entre os diferentes interesses, sem perder de vista o papel de uma ação formativa que se pauta na investigação-formação. As pontes estabelecidas entre a pesquisa e a formação foram dadas ao elencarmos como referenciais teórico-metodológicos as próprias práticas de atuação pedagógicas dos professores. Elas foram percebidas nos diversos contextos de formação, seja nas reuniões na universidade, nos momentos de entrevistas e conversas com os professores nas escolas e em domicílios e no movimento de produção das narrativas das práticas pedagógicas.

Em especial, queremos destacar a produção das narrativas (auto)biográfica como um dos contextos produzidos pela formação, porque implicou a todos um processo de investigação, reflexão, debates, escritas e reescritas na medida em que as experiências pedagógicas dos professores foi passando por outros olhares, outras contribuições que colaboraram para que estabelecessem outros olhares para sua formação.

Além disso, as narrativas não apenas se constituíram como práticas sistematizadas de conteúdos de ensino da Educação Física, mas importantes elementos que demarcam o papel da universidade e o dos professores rumo à constituição de perspectivas de formação pautadas na investigação das práticas pedagógicas dos professores.

Estes movimentos de formação também produziram entre nós e os professores relações colaborativas e solidárias. Isso implicou mutuamente o sentimento de corresponsabilidade e de comprometimento mútuo com o trabalho da pesquisa e de formação profissional, inclusive para os formadores/pesquisadores. O lugar de coautoria dos professores foi estabelecido à medida que o profissional se percebia corresponsável pelo processo de formação. Ao dar visibilidade para estes contextos, percebemos o professor como autor de sua formação no sentido de que esse processo só faz sentido quando ele estabelece com este uma relação21. Nesse sentido, é possível captar a forma como enxerga, se percebe e interage no mundo e no trabalho.

Ganhou força o trabalho com as narrativas autobiográficas como abordagem e instrumento de pesquisa, uma vez que através dela tivemos a possibilidade de mergulhar nos cotidianos vividos pelos professores, pesquisar com eles e, fomentar a possibilidade de ressignificarem a sua formação. Isso é possível à medida que elencamos as práticas de apropriação dos professores dos contextos de formação como possibilidades formativas.

Porque não convergir os diversos interesses das instituições às necessidades e interesses docentes? Pressupomos que isso seja possível quando produzimos movimentos colaborativos formação e pesquisa, elencando as práticas pedagógicas dos professores para problematizar questões inerentes a sua formação e, com isso, produzir outras práticas de formação profissional. Nessa caminhada avançaremos a uma política de formação mais democrática e comprometida em atender suas necessidades e interesses.

Pontuamos com isso a necessidade de se produzir formações continuadas levando em consideração a constituição de parcerias entre as Secretarias Municipais e Estadual de Educação e, a Universidade, não apenas com o intuito de que ambos reconheçam a potência dos saberes produzidos nestes contextos, mas que promovam outros modos de promoção de políticas de formação continuada pautadas em relações colaborativas, em que também se reconheçam tanto as necessidades e interesses dos professores.

Agradecimento:

A presente investigação recebeu auxílio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Referências

  • 1 Luiz IC. Narrativas (auto) biográficas de formação continuada dos professores de Educação Física. 2014. Dissertação [Mestrado em Educação Física]. Espírito Santo: Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade Federal do Espírito Santo; 2014.
  • 2 Nóvoa A. Os professores e a sua formação. 1. ed. Lisboa: Dom Quixote; 1992.
  • 3 Certeau M. A invenção do cotidiano: artes de fazer. 8. ed. Petrópolis: Vozes;1994.
  • 4 Damiani IR, Melo CK. Desafios na Formação Continuada: lidando com a complexidade da rede de ensino. Motrivivência 2006; 27(18):139-153.
  • 5 Antunes MFS, Amaral GA, Luiz AR. Proposta Curricular para a Educação Física: uma experiência a partir da formação continuada. Motrivivência 2008;31(20):143-162.
  • 6 Perez CLV. Cotidiano: história(s), memória e narrativa: uma experiência de formação continuada de professoras alfabetizadoras. In: Garcia RL. Pesquisa com o cotidiano. Petrópolis: DP&A; 2003. p. 97-118.
  • 7 Josso MC. Os relatos de histórias de vida como desvelamento dos desafios existenciais da formação e do conhecimento: destinos sócioculturais e projetos de vida programados na invenção de si. 2. ed. In: Souza EC, Abrahão MHMB. Tempos, narrativas e ficções: a invenção de si. Porto Alegre: EDIPUCRS; 2006. p. 183-202.
  • 8 Souza EC. Acompanhar e formar - mediar e iniciar: Pesquisa (auto)biográfica e formação de formadores. In: Passegi MC, Silva VB. Invenções de vidas, compreensão de itinerários e alternativas de formação. São Paulo: Cultura acadêmica; 2010. p. 157-179.
  • 9 Souza EC. O conhecimento de si: estágio e narrativas de formação de professores. Rio de Janeiro/Salvador: DP&A/Uneb; 2006.
  • 10 Nóvoa A. Entrevista com Antônio Nóvoa. Rev Olh@res 2013;1(1):416-418.
  • 11 Josso MC. Caminhar para si. 1. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS ; 2010.
  • 12 Nóvoa A. Formação de professores e trabalho pedagógico. 1. ed. Lisboa: Educa; 2002.
  • 13 Ibiapina IMLM. Pesquisa Colaborativa: investigação, formação e produção de conhecimentos. 1. ed. Brasília: Liber Livros; 2008.
  • 14 Molina Neto VM, Molina R, Silva LO, Diehl VR. O. Os desafios da formação continuada em educação física: nexos com o esporte, a cultura e a sociedade. 1. ed. In: Rezer R. O Fenômeno esportivo: ensaios crítico-reflexivos. Chapecó: Argos; 2006.
  • 15 Santos BVS. Um discurso sobre as ciências. 13. ed. São Paulo: Cortez, 2003.
  • 16 Alves N. Imagens de professores e redes cotidianas de conhecimentos. Edu Rev 2004;24:19-36.
  • 17 Esteban MT, Zaccur E. A pesquisa como eixo de formação docente. In: Esteban MT, Zaccur E. Professora pesquisadora: uma práxis em construção. 1. ed. Rio de Janeiro: DP&A; 2002. p. 11-23.
  • 18 Carvalho JM. Cotidiano escolar como comunidade de afetos. Petrópolis: DP et Alii; 2009.
  • 19 Santos W, Nunes KR. Educação física na educação infantil: um projeto coletivo para intervenção no cotidiano escolar. In: Fontoura P. Coleção Pesquisa em Educação Física. Jundiaí: Fontoura Editora, 2006. p. 93-98.
  • 20 Alves N. Trajetórias e redes na formação de professores. Rio de Janeiro: DP&A ; 1998.
  • 21 Charlot B. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul; 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016

Histórico

  • Recebido
    21 Ago 2015
  • Revisado
    28 Out 2015
  • Aceito
    23 Nov 2016
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