Open-access CURRÍCULO E EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR: ANÁLISE DO ESTADO DA ARTE EM PERIÓDICOS NACIONAIS

CURRICULUM AND SCHOOL PHYSICAL EDUCATION: ANALYSIS OF THE STATE OF THE ART IN NATIONAL JOURNAL

RESUMO

A produção do conhecimento no campo da Educação Física, perpassa pela análise de temáticas da subárea pedagógica e aos aspectos inerentes ao currículo escolar. Objetivou-se analisar a produção acadêmico-científica em periódicos nacionais com o termo “Currículo e Educação Física Escolar”, no período entre os anos de 2005 a 2015. Os resultados das pesquisas publicadas nos periódicos demonstram aspectos inerentes a organização/sistematização dos saberes curriculares da EF, com vistas a superar o caráter esportivista e procedimental das práticas de ensino. Visualiza-se a necessidade de as pesquisas abordarem essa problemática, em diálogo colaborativo com os professores protagonistas das ações educativas cotidianas.

Palavras-chave: Educação Física; Currículo; Educação Básica

ABSTRACT

The production of knowledge in the field of Physical Education, perpasses by the analysis of thematic areas of the pedagogical subarea and the inherent aspects of the school curriculum. The objective of this study was to analyze academic-scientific production in national journals with the term "Curriculum and Physical School Education" in the period between 2005 and 2015. The results of research published in the periodicals demonstrate aspects inherent to the organization / systematization of curricular knowledge Of EF, in order to overcome the sportive and procedural nature of teaching practices. There is a need for research to address this problem, in a collaborative dialogue with teachers who are protagonists of everyday educational actions.

Keywords: Physical Education; Curriculum; Basic Education

Introdução

Estudos científicos que explicitam os resultados de pesquisas desenvolvidas no âmbito da Educação Física escolar, podem fornecer elementos teórico-metodológicos para superar práticas de ensino, baseadas em um simples saber-fazer de práticas corporais e apresentar fundamentos mais próximos da práxis educativa cotidiana. A análise da produção acadêmico-científica da Educação Física (EF) no Brasil, perpassa fundamentalmente, por dois aspectos específicos: o primeiro centra-se em identificar quais são os fatores que repercutem na baixa quantidade de estudos que se dedicam a EF escolar, publicados nos periódicos nacionais da área 21 Qualis/CAPES; de outra forma, é fundamental explicitar melhor, quais são as temáticas de investigação estudadas pela subárea pedagógica e, de maneira especial para esse estudo, os aspectos inerentes ao currículo e a EF escolar.

A cerca da primeira questão, os mapeamentos sobre as publicações científicas realizadas em diferentes períodos e apresentadas nos estudos de Antunes et al.1, Bracht et al.2, Dias e Correia3, Rufino et al.4 são exemplos de que o “chão da escola” não é um ambiente atrativo e, também, não gera um status privilegiado em relação aos “laboratórios”, para os pesquisadores da EF. Sobre o assunto, Bracht et al.2 em estudo sobre a produção científica nos principais periódicos do Brasil, constataram que no período de 1980 a 2010, houve um total de 4.166 artigos publicados e, desses, somente 647 corresponderam ao tema da EF escolar, o que equivale a proporção 15,5% das publicações. De forma mais específica, Rufino et al.4). em um trabalho sobre o estado da arte da EF no Ensino Médio, demonstram o baixo número de estudos científicos presentes em teses, dissertações, livros e nos principais periódicos da EF no Brasil.

Para Antunes et al.1) uma das possíveis causas que podem explicar o baixo índice de estudos da EF escolar, seria o distanciamento das instituições de ensino superior do sistema básico de ensino. Ou seja, quem está no cotidiano escolar não sabe o que os pesquisadores estão produzindo, e estes não sabem como aqueles profissionais atuam. Além disso, Dias e Correia3 descrevem que este quadro pode ser influenciado por um panorama histórico da EF e está atrelado ao efeito chamado de “movimento disciplinar” da EF. Em síntese, esse movimento buscava elevar o “status” acadêmico da área para justificar a sua presença no contexto da universidade. Surge então, a consideração de que as pesquisas com as temáticas da epistemologia e metodologia das ciências naturais e exatas, seriam os melhores caminhos para que esta elevação de “status” acadêmico da EF.

Esse cenário demonstra que os dados obtidos em estudos com diferentes populações/amostragens nas pesquisas vinculadas as ciências naturais (Fisiologia, Cinesiologia, Aprendizagem Motora, etc.), têm destaque e espaço significativamente maior nos periódicos nacionais vinculados a área 21/CAPES, em relação a produção da área sociocultural. Sintetizando a questão Bracht5 assinala que: há dificuldades produzidas pelo entendimento do que é produção científica e, também, nas características da lógica com a qual opera tradicionalmente a ciência - parece que os pesquisadores da Educação Física quanto mais se aproximam da CAPES, mais se distanciam da escola!

Diante desse contexto, é relevante investigar como as pesquisas da EF escolar vem sendo desenvolvidas e publicadas nos periódicos nacionais. Nesse intento, delimitou-se o objeto de investigação desse estudo com a análise do tema do “Currículo e a EF Escolar”. Embora se reconheça a complexidade inerente ao próprio termo “currículo escolar”, a partir de seus diferentes significados e a instâncias (administrativa, pedagógica, política) que o compõe, é de fundamental importância verificar como os estudos da EF escolar tratam desse assunto.

Especificamente para a EF escolar, alguns estudos6),(7),(8 consideram a necessidade da sistematização de conhecimentos curriculares que devem ser desenvolvidos na educação básica, compreendendo a diversidade e a complexidade de elementos da cultura corporal. Ademais, a questão do currículo escolar, também, faz-se presente em discussões contemporâneas, com a elaboração de uma Base Nacional Comum Curricular, cujo projeto vem sendo coordenado pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura).

Diante desse contexto, objetivou-se analisar a produção acadêmico-científica em periódicos nacionais com o termo “Currículo e Educação Física Escolar”, no período entre os anos de 2005 a 2015.

Procedimentos metodológicos para análise da produção científica

A busca em periódicos científicos possibilita visualizar o cenário geral das publicações acadêmicas e identificar como vem sendo tratada pela comunidade científica especializada, as questões inerentes ao currículo na EF escolar. Buscou-se identificar nos títulos e nos resumos dos artigos o termo “Currículo e Educação Física Escolar”, observando-se, não apenas a descrição literal desse assunto, mas, sobretudo, considerou-se o conteúdo passível de análise inerente a temática.

A análise aconteceu com a verificação dos artigos publicados no período de 2005 a 2015, em cinco periódicos indexados e avaliados como A2 e B1 vinculados a área 21 do Qualis/CAPES no ano de 2015. A averiguação foi realizada com o acesso online aos periódicos, leitura do título, do resumo e das palavras-chave dos artigos. Em caso de se identificar os estudos pertinentes a questão de investigação, os artigos eram salvos no computador pessoal para análise posterior. As bases dos dados correspondem aos seguintes periódicos:

Revista Brasileira de Ciências do Esporte (CBCE), avaliada com o estrato B1;

  • Revista Brasileira de Educação Física e Esporte (USP- São Paulo), avaliada com o estrato B1;

  • Revista da Educação Física (UEM - Maringá), avaliada com o estrato B1;

  • Revista Motriz (DEF/UNESP- Rio Claro), avaliada com o estrato B1;

  • Revista Movimento (ESEF/UFRGS - Porto Alegre), avaliada com o estrato A2.

A partir da identificação dos artigos, houve a leitura, fichamento, categorização e discussão entre os estudos da mesma categoria de análise.

Resultados

Inicialmente, localizou-se a quantidade de publicações inerentes ao termo “Currículo e Educação Física. O Quadro 01 apresenta o número de publicações, em cada um dos periódicos entre os anos de 2005 a 2015.

Quadro 1
Número de publicações com o termo “Currículo e Educação Física Escolar”

No período compreendido entre o ano de 2005 até o mês de setembro de 2015 a soma de artigos publicados nos periódicos mencionados resultam em um total de 2.688 e, desses, somente 25 estudos corresponderam ao termo “Currículo e Educação Física”. Essa quantidade de 25 trabalhos publicados corresponde a 0,93% de seu total. De maneira proporcional ao número de artigos, a revista que mais publicou sobre o tema no período citado, foi a RBCE/CBCE atingindo 1,6% de seus trabalhos e a que menos tratou do tema foi a Revista Motriz/UNESP que publicou 0,8% do total de trabalhos identificados.

A partir da leitura e a correlação dos artigos, pode-se categorizar diferentes temáticas inerentes a questão. O Gráfico 01, apresenta as categorias temáticas, com seu respectivo número de publicações:

Gráfico 1
Temáticas relacionadas ao Currículo e a Educação Física Escolar.

O percentual sobre de temáticas ilustradas no Gráfico 01, indica que os estudos vinculados ao currículo e a EF no Ensino Fundamental (anos iniciais e anos finais) perfazem um total de onze trabalhos, seguido dos pressupostos teóricos que norteiam o currículo da EF escolar com cinco pesquisas, as publicações que correspondem às propostas curriculares somam cinco e, por fim, outras quatro pesquisas dizem respeito ao currículo no Ensino Médio.

O Ensino Médio é a modalidade que necessita de maior atenção dos pesquisadores da EF pois, é o nível de ensino que apresenta menor número de publicações. Rufino et al.4, também, demonstram que a EF no Ensino Médio, fica aquém das publicações em relação as demais etapas da educação básica. Além disso, os autores4 salientam a necessidade de haver um maior diálogo entre a academia e a escola na medida em que: os estudos devem dar suporte aos processos de ensino e aprendizagem, da mesma forma que a prática pedagógica deve corroborar com o efetivo delineamento dos estudos realizados, para que as produções não fiquem distantes do âmbito da escola.

Análise e discussão das categorias

Pressupostos teóricos nos currículos da Educação Física

Esse tópico consiste em analisar os artigos que tratam sobre os pressupostos epistemológicos que delimitam as características das abordagens pedagógicas da EF escolar e a influência que essas bases teóricas exercem na atuação cotidiana dos professores. Os estudos de Sanches Neto e Betti9, Neira e Nunes10 e Betti et al.11 apresentam a discussão de fundamentos teóricos, que podem nortear as práticas de ensino da EF escolar. As pesquisas desenvolvidas por Costa e Nascimento12, e Moura e Soares13 tratam de identificar como as bases dos conhecimentos científicos produzidos no contexto acadêmico, se relacionam com as práticas da EF escolar.

O conhecimento científico é desenvolvido a partir da problematização e/ou investigação de um determinado “objeto de estudo”. Na especificidade da EF, há uma multiplicidade de compreensões sobre qual seria o seu objeto de estudo. Por consequência, se desenvolvem diferentes pressupostos teóricos e metodológicos que podem influenciar no desenvolvimento do currículo da EF escolar.

Surgem, então, diferentes “olhares” sobre “o que” e “para quê” ensinar em aulas de EF (esportes, elementos da cultura corporal, aspectos inerentes ao corpo ou movimento humano, da atividade física...) que correspondem a respectivas perspectivas pedagógicas distintas. Nessa compreensão, as bases teóricas que norteiam os currículos da EF escolar, são desenvolvidas por diferentes tendências pedagógicas produzidas por pesquisadores da área a partir da década de 1980, as quais, são melhor explicitadas e compreendidas no estudo de Darido14.

O estudo de Sanches Neto e Betti9 buscou empreender uma convergência entre distintas áreas de estudos científicos e abordagens da EF escolar, objetivando-se estabelecer uma “episteme comum”. Nas palavras dos autores9 analisamos inicialmente as asserções fundamentais das teorias e aferimos a viabilidade de uma origem ou episteme comum. Diante desse entendimento, os autores a partir de diferentes perspectivas teóricas elaboram uma proposição curricular para a EF no Ensino Fundamental II (5º ao 9º ano). Para que a proposta seja efetivada na escola Sanches Neto e Betti9, salientam que há necessidade de sistematizar os conteúdos de acordo com pressupostos de integração entre os conhecimentos de diferentes áreas e abordagens da EF.

Sanches Neto e Betti9, são criticados por outros autores, que compreendem que as bases para o currículo da EF devem ter como princípio uma perspectiva multicultural. Mais especificamente, Neira e Nunes10 apontam que a busca por uma “episteme comum”, mostra-se frágil quando se questiona quem tem o poder de selecionar e classificar o que é bom em cada vertente. Para os autores10 se “misturarmos” objetivos e atividades desenvolvimentistas, psicomotoras, da saúde e críticas, não é difícil prever quais sairão fortalecidas.

Os estudos culturais fazem uma oposição, em específico, a “alta cultura” que é difundida por aparelhos ideológicos como os meios de comunicação, as religiões e a própria escola que, por muitas vezes, apenas reproduzem os estereótipos e os valores econômicos e hegemonicamente produzidos. De acordo com Neira e Nunes10 o projeto político dos estudos culturais tomam partido dos grupos desprivilegiados nas relações de poder envolvidos na luta por significação. Os estudos culturais têm como princípio para o currículo escolar a problematização do contexto sociocultural em que os estudantes vivem, com a finalidade de promover a formação crítica das minorias desprivilegiadas que são representadas por classe social, gênero, etnias, pessoas com deficiência, etc.

No trabalho de Betti et al.11 os autores analisam os pressupostos da Teoria do “Se-movimentar” que fundamenta a proposta curricular para a EF nas escolas da rede pública do estado de São Paulo. Os pressupostos epistemológicos dessa teoria apresentam subsídios inerentes ao corpo, ao movimento e a cultura baseados em paradigmas vinculados a perspectiva filosófica da fenomenologia. De forma muito resumida, pode-se afirmar que essas bases epistemológicas pressupõem que o corpo/movimento humano são considerados para além do paradigma empírico analítico das ciências naturais, que baseiam-se nos princípios de fragmentação, mensuração e quantificação de dados estatísticos. Sobretudo, considera-se o movimento humano como um diálogo entre homem e mundo e, nessa relação, o corpo se constitui numa relação recíproca e de unidade com a cultura e o mundo.

Com base nesses pressupostos, a proposta curricular do estado de São Paulo apresenta uma proposição em que os elementos da “cultura de movimento” (jogos, esportes, danças, lutas...) articulam-se a determinados temas contemporâneos (espetacularização, bulliyng, saúde, beleza, etc.), com vistas a compreensão crítica desses aspectos. Betti et al.11 enfatizam que esses elementos teóricos: acenam para a valorização do sujeito, para as condições existenciais dos alunos, para que se tornem (auto) críticos nos processos decisórios.

Os estudos de Sanches Neto e Betti9, Neira e Nunes10 e Betti et al.11 apresentam diferentes pressupostos teóricos que podem nortear os currículos da EF na escola. No entanto, é importante compreender qual é a influência dessas diferentes proposições teóricas para o currículo da EF escolar. Será que os conhecimentos desenvolvidos na academia têm um vínculo com a prática pedagógica cotidiana dos professores de EF? Para encontrar “pistas” para as respostas dessas questões os estudos de Costa e Nascimento12 e Moura e Soares13), apresentam dados empíricos acerca da origem dos saberes curriculares que permeiam o currículo da EF escolar.

Em um estudo com professores de escolas das redes pública e particular Costa e Nascimento12, verificam que a maioria dos professores prioriza o ensino de modalidades esportivas em suas aulas. Os autores12 percebem um distanciamento entre os pressupostos científicos e as práticas de ensino cotidianas ao concluírem que: as transformações em nível teórico não têm alcançado mudanças significativas na prática pedagógica, pois, no momento em que os professores foram questionados sobre as abordagens pedagógicas por eles utilizadas em suas aulas, a maioria não as mencionou, apontando somente os procedimentos metodológicos aplicados. Isso demonstra que os professores participantes desse estudo não possuem “uma” base teórica para o ensino da EF e, ainda, carecem de uma estrutura curricular que possa balizar a atuação docente. De acordo com os autores9 muitos professores ainda utilizam exclusivamente os conteúdos ligados aos jogos e esportes institucionalizados, inclusive aqueles que realizaram sua formação inicial mais recentemente.

No artigo de Moura e Soares13, os autores por meio de um estudo etnográfico buscaram compreender como é desenvolvido o currículo da EF em duas instituições escolares, com propostas pedagógicas teoricamente distintas: uma auto- intitulada pelo movimento da “cultura corporal” e a outra é reconhecida por valorizar o rendimento esportivo baseado no modelo tecnicista de ensino. Esse estudo demonstra que embora teoricamente as escolas possuam entendimentos distintos quanto a orientação teórica e metodológica, as duas propostas apresentam mais semelhanças do que diferenças independentemente dos discursos de seus protagonistas.

Os resultados do estudo13 paradoxalmente demonstram que se por um lado, as aulas de EF da escola que se identifica com o movimento denominado de cultura corporal, busquem atender: demandas apontadas pelo movimento crítico como a diversidade de conteúdos para além dos esportes tradicionais, por outro lado, os métodos de ensino utilizados nestas aulas são tradicionais e fechados.

Os dados apresentados por Costa e Nascimento12 e Moura e Soares13, demonstram uma lacuna expressiva entre as pressuposições teóricas desenvolvidas na universidade e o que acontece no cotidiano escolar. Em geral a instituição esportiva acaba por ser o elemento balizador do currículo da EF na escola. Nesse sentido, Sacristán15 aponta que: existe, em geral, uma clara desconexão explícita entre as instituições nas quais se criam e recriam os saberes - a universidade - e aos níveis educativos que depois se reproduzem.

Os resultados desses estudos demonstram que embora a EF tenha avançado significativamente na produção acadêmico-científica, ainda há certa limitação, quanto a influência que esses pressupostos teóricos têm para a prática pedagógica dos professores que atuam cotidianamente no contexto escolar. É importante que os conhecimentos produzidos não fiquem limitados as publicações em periódicos ou em congressos científicos os quais, poucos professores que atuam cotidianamente na escola têm acesso. O desenvolvimento de mais estudos com base na metodologia da pesquisa-ação ou da pesquisa participante, que enfatizem o trabalho colaborativo entre os pesquisadores e os docentes, podem contribuir para que os professores reflitam sobre a sua própria prática pedagógica.

O Currículo nos anos iniciais do ensino fundamental

Os artigos identificados deste tópico, são autoria de Neira e Gallardo16, Neira17, Kawashima, Souza, Ferreira18, Freire et al.19 e Matos et al.20. De forma geral, os trabalhos justificam-se pela condição histórica da não sistematização de um currículo da EF escolar.

Diante disso, propõem-se a identificar e sistematizar quais são os conteúdos de ensino para os primeiros anos do Ensino Fundamental em escolas públicas. Tal tarefa vem sendo posta em discussão por outros estudiosos da EF escolar e, mais precisamente González21, apresenta a problemática de compreender a EF como um componente curricular, responsável por um determinado campo de saber, cabendo aos professores explicitar o conjunto de conhecimentos que entendem ser de responsabilidade desse componente curricular ao longo da educação básica.

Os conteúdos de ensino inerentes aos componentes curriculares, são importantes elementos que podem auxiliar os sujeitos a compreenderem, inserirem-se e a (re)produzirem a cultura em que fazem parte. Para Sacristán15 as funções que o currículo cumpre como expressão do projeto de cultura e socialização são realizadas através de seus conteúdos, de seu formato e das práticas que cria em torno de si.

Os trabalhos de Neira e Gallardo16 e de Neira17, tratam dos conteúdos de ensino em uma perspectiva multicultural, a qual, valoriza os saberes presentes no contexto sociocultural em que os estudantes vivem. No próprio texto, Neira e Gallardo16 salientam que: uma construção curricular baseada numa abordagem sociocultural da Educação Física é necessário um amplo conhecimento dos saberes dos alunos.

Na visão desses autores, os conteúdos de ensino da EF escolar podem contribuir para que os estudantes compreendam criticamente os significados implícitos aos estereótipos presentes na sociedade de consumo. Neira17 entende que: o conhecimento popular representa um papel primordial na educação multicultural, pois, mediante um cultivo consciente destes conhecimentos são possíveis visões alternativas, democráticas e emancipadoras da sociedade, da política e da educação. Nessa direção, os autores16),(17 salientam que é necessário proporcionar aos estudantes a compreensão dos significados culturalmente produzidos e que estão implícitos nos conteúdos dos jogos tradicionais e simbólicos, esporte, danças, cirandas, lutas e ginásticas.

Kawashima; Souza, Ferreira e Cardoso18, reconhecem a necessidade de estruturar o currículo para a EF nos anos iniciais visto que a EF não tem seus conteúdos sistematizados, ou seja, não existem critérios claramente definidos que auxiliem os professores na organização curricular, bem como, é bastante restrito os livros didáticos para a área. Com isso, tratam de sistematizar uma proposta curricular com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais, Brasil22, a partir das dimensões conceitual, procedimental e atitudinal dos conteúdos. Trazem para a sua produção, os conteúdos que envolvem conhecimentos sobre o corpo, esporte, jogos/brincadeiras populares, atividades rítmicas e expressivas, ginástica, lutas.

O trato com as dimensões dos conteúdos de ensino, também, aparece no trabalho desenvolvido por Freire et al.19. Os resultados do estudo19 apontam aspectos relacionados a dimensão atitudinal dos conteúdos presentes nas práticas de ensino, que são categorizados pelos autores do estudo em: aspectos reguladores do comportamento dos alunos (participação, frequência...); atitudes relacionadas à convivência humana (igualdade, respeito, consciência crítica etc.) e; específicos da EF escolar (segurança durante o desenvolvimento das práticas pedagógicas).

Existem elementos atitudinais presentes nas práticas observadas inerentes a boa convivência entre os sujeitos que podem ser transpostos para a vida dos estudantes como cooperação, comprometimento, respeito, solidariedade, etc. Além disso, existem outros aspectos que se relacionam mais restritamente, a procedimentos para a melhor condução das próprias práticas de ensino da EF que podem ser exemplificados: no uso de roupa adequada para as práticas, no esforço e dedicação nas atividades desenvolvidas em aula, entre outros.

O estudo de Matos et al.20, considera os professores como produtores de saberes que pelos seus estilos próprios de ensinar, potencializam a especificidade e o significado da EF no cotidiano escolar. No entanto, os autores20 partem do pressuposto de que: os debates acadêmicos da área, sinalizam como especificidade da EF conhecimentos que são organizados de modo exterior aos sujeitos, sem considerar os sentidos atribuídos por eles nos processos de ensino-aprendizagem.

Com isso, buscam na narrativa de professores compreender quais são os conteúdos que compõe o currículo da EF nos primeiros anos escolares. De acordo com Matos et al.20 os docentes participantes da pesquisa compreendem que os conteúdos de ensino da EF se relacionam em torno da sistematização de conhecimentos sobre o corpo, pautando-se pela experimentação em um ambiente lúdico e prazeroso proporcionado em aulas de EF. Os participantes do estudo20 evidenciam que os conteúdos de ensino próprios da EF escolar, que não assumem como estatuto epistêmico o ler e o escrever, mas partem da apropriação das experiências corporais culturalmente produzidas. Ou seja, a EF trata de uma especificidade de conteúdos de ensino que é diferente das demais unidades curriculares, pois, a aprendizagem dos estudantes se dá pela experimentação de diferentes manifestações de práticas corporais.

Os artigos apresentados, têm em comum a discussão sobre a materialização do processo de ensinar e aprender, que acontece por meio dos conteúdos de ensino. Por diferentes perspectivas metodológicas, evidenciam a necessidade da sistematização dos conteúdos de ensino nos Anos Iniciais da educação básica. Para Vasconsellos23 os conteúdos têm a ver com a exigência de equipar o educando para produção de sentido, com a problemática do sentido para a própria vida; daí a busca de conteúdos que ajudem o aluno a se localizar, a se posicionar, usufruir da cultura e a intervir no mundo.

No entanto, percebe-se uma limitação quanto a análise e as possibilidades de implementação das diferentes propostas discutidas pelos autores em práticas educativas da EF. A necessidade de desenvolver mais pesquisas dessa natureza poderá fornecer mais elementos que contribuam para a legitimidade pedagógica da EF no contexto escolar.

O currículo nos anos finais do ensino fundamental

Nessa categoria de análise, os autores expõem resultados de pesquisas empíricas que auxiliam a compreender o status quo da EF escolar e apontam alternativas acerca da organização dos conteúdos de ensino para os Anos Finais do Ensino Fundamental. Foram analisados os artigos de Rosário e Darido24, Rodrigues e Darido25, Barros e Darido26, Millen Neto, Ferreira e Soares27, Rosário e Darido28 e Gramorelli e Neira29.

De maneira geral, os autores ressaltam que a EF na escola não pode mais ser considerada e desenvolvida com uma “atividade” que promove o desenvolvimento da aptidão física por meio de técnicas, exercícios, modalidades esportivas como previa o Decreto nº 69.450/71 Brasil30. Sobretudo, consideram a EF escolar como um componente curricular que atua na educação básica exercendo-se, com isso, uma intencionalidade pedagógica na formação dos sujeitos/estudantes.

Na condição de componente curricular é necessário ir além de “fazer atividades” e, com isso, construir nas práticas de ensino um “saber com” esse fazer, a partir da tematização da diversidade dos elementos que compõem a cultura corporal. Evidencia-se, então, a necessidade se constituir uma sistematização dos conteúdos de ensino. Para Rosário e Darido24 é necessário um currículo, no qual esteja incluído um conjunto de princípios de sistematização, uma ordem lógica de conteúdos diversificados e aprofundados, que traria diversos benefícios aos professores e estudantes nas aulas de EF.

Tal necessidade da elaboração do currículo justifica-se, pois, os dados encontrados nos estudos de Rosário e Darido24, Millen Neto, Ferreira e Soares27, demonstram que o currículo da EF nos anos finais do ensino fundamental é influenciado, principalmente, pelos esportes coletivos. Os resultados da pesquisa de Rosário e Darido24 demonstram que os professores sistematizam o currículo ao longo do ano em bimestres, com um esporte coletivo como principal conteúdo, não havendo mudanças ao longo do ciclo de escolaridade nos anos finais do Ensino Fundamental. Para Millen Neto, Ferreira e Soares27 o discurso do rendimento esportivo contribui para a legitimação da EF na escola investigada e, também, para o reconhecimento da excelência da própria escola.

Embora a EF trate de diversos elementos que compõem a cultura corporal e seu o campo científico apresente perspectivas epistemológicas distintas, parece que as “concepções renovadas” de ensino se restringem aos estágios supervisionados proporcionados na formação inicial, aos projetos de iniciação científica, de extensão ou mesmo às dissertações e teses. A dificuldade de “diálogo”, no sentido literal da palavra, entre a academia e os professores que estão na escola, evidência a lacuna expressiva que existe entre a produção científica e as práticas de ensino que acontecem no contexto escolar.

Para Rodrigues e Darido25 poucos trabalhos produzidos pela comunidade científica chegam às mãos dos professores da Educação Básica e, ainda, os professores apresentam dificuldades na interpretação e implementação desses materiais produzidos. Evidencia-se, então, a necessidade de se desenvolver mais estudos que aproximem as produções científicas da práxis educativa cotidiana, em uma perspectiva em que o professor torne-se “pesquisador” de sua própria prática educativa.

Outra possibilidade que pode contribuir para a diversificação e sistematização dos conteúdos da EF é a apropriação pelos professores de elementos estruturantes do currículo. O estudo de Gramorelli e Neira29, demonstra a influência dos Parâmetros Curriculares Nacionais, Brasil22, para o trabalho pedagógico de professores que atuam com o Ensino Fundamental. Em específico, analisou-se a influência do documento no que tange a diversidade de blocos de conteúdos de ensino e o desenvolvimento desses nas dimensões conceituais, atitudinais e procedimentais. Para os autores29, a análise dos dados permitiu inferir que, após dez anos de publicação dos PCNs, nas escolas onde atuam os professores participantes da pesquisa, os currículos da EF vêm sofrendo transformações no que diz respeito aos conteúdos abordados, alinhando-se às intenções oficiais.

A intenção em buscar alternativas para a diversificação, compreensão crítica e ampliação da cultura corporal em aulas de EF nos anos finais do Ensino Fundamental, foi proposta nos trabalhos de Rodrigues e Darido25, Barros e Darido26 e Rosário e Darido28. Rodrigues e Darido25, analisam a prática pedagógica de uma professora com mestrado que desenvolve uma proposta para o ensino da EF com base nas dimensões conceitual, procedimental e atitudinal dos conteúdos. Para os autores25, o trabalho de campo possibilitou compreender que: a prática pedagógica da docente avaliada avança em relação aos modelos tradicionais, corroborando a importância da qualidade da formação inicial e principalmente da formação continuada.

Barros e Darido26, investigaram a prática pedagógica de dois professores com mestrado, os quais, implementam conteúdos de ensino com ênfase na dimensão conceitual. Os resultados do estudo26 demonstram que a dimensão conceitual pode favorecer uma aprendizagem mais significativa para os estudantes, possibilitando a formação para o exercício da cidadania. Além disso, o desenvolvimento de conteúdos com ênfase nessa dimensão, possibilita a ampliação da concepção tradicional da EF por parte dos estudantes.

O estudo desenvolvido por Rosário e Darido28 buscou identificar nos livros didáticos das disciplinas de História e Ciências, temáticas que podem auxiliar na sistematização dos conteúdos da EF. Os autores28 verificaram que existem relações entre os conteúdos das disciplinas de História e Ciências que podem contribuir com o ensino da EF. No entanto, entendem ser necessário que o docente da escola contribua com as propostas da escola, conheça os livros didáticos adotados pelas outras disciplinas e crie em conjunto com outros docentes da escola projetos de ensino a serem realizados durante o ano.

Os artigos analisados nos anos finais do ensino fundamental, avançam na apresentação de pressupostos teórico-metodológicos que podem contribuir com a sistematização dos conteúdos de ensino que superem o simples “fazer” de atividades. No entanto, há um processo a ser construído pelos próprios professores que atuam com a prática cotidiana. Parafraseando González e Fensterseifer31, a análise dos estudos, contribui com a compreensão de que existem iniciativas (trabalhos científicos, políticas institucionais em nível estaduais e diretrizes nacionais) que buscam superar o “não mais” do ensino de práticas baseadas no exercitar-se, porém, existem outros fatores culturais (hegemonia do esporte), perpassando pela formação profissional que representam o “ainda não” da efetivação de tais propostas curriculares renovadas para o ensino da EF escolar.

O currículo no ensino médio

Os artigos identificados nesse tópico, tratam de discutir de mapear aspectos históricos da EF em diferentes escolas e verificar quais são os conhecimentos que devem constituir o currículo do Ensino Médio. Trata-se dos estudos de Bracht et al.32, Kravchychyn, Oliveira e Cardoso33, Miranda, Lara e Rinaldi34 e de Silva e Fraga35.

Os estudos de Kravchychyn, Oliveira e Cardoso33 e de Miranda, Lara e Rinaldi34, partem do pressuposto de que a EF é considerada legalmente como um componente que compõe o currículo escolar. Essa condição posta pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Brasil36, representa um significativo avanço em relação à anterior compreensão legal da década de 1970, a qual, atrelava a EF uma “prática” de exercícios físicos que promovem a melhoria da condição física. Considerando-se a condição de componente do currículo e que a educação formal atua de forma sistematizada, é necessário que todas as unidades curriculares e, com isso, a EF organize os conteúdos de ensino indispensáveis para a formação crítica e atuação cidadã dos estudantes.

No entanto, o diagnóstico realizado nas escolas pelos artigos33),(34, demonstram que a EF no Ensino Médio se restringe a momentos em que os estudantes podem sair da sala de aula e praticar diferentes jogos, esportes e exercícios físicos. Essa situação condiz com um caráter compensatório da EF em relação as demais unidades curriculares consideradas “mais teóricas”. O estudo de Miranda, Lara e Rinaldi34, demonstra uma concepção de EF em que os professores têm em seus corpos as marcas da EF do regime militar ou, ainda, vêem, na formação de seus filhos, uma EF tradicional, tecnicista ou escolanovista, gerando dificuldades de percebê-la diferenciada, em sua dimensão crítica e educacional.

O artigo de Bracht et al.32 busca entender quais são os saberes que são desenvolvidos nas práticas de ensino da EF. Para isso, os autores identificam aspectos que influenciam no desenvolvimento dos conteúdos no período de três décadas (1970 a 2000) em uma escola pública de Vitória/ES. Em síntese, os autores32 destacam que: as pautas da década de 70, indicam que o conteúdo das aulas de Educação Física se constituía basicamente dos métodos ginásticos e, a partir de 1979 até o ano 2000, o conteúdo registrado nas pautas passa a ser, quase na sua totalidade, as modalidades esportivas.

O estudo de Silva e Fraga35 trata de contar a história curricular da EF na mais antiga escola de Educação Profissional e Tecnológica de Porto Alegre, a partir de três períodos: 1º) a entrada da EF na escola como disciplina na década de 1970, em que o currículo da EF tinha um caráter utilitarista baseado no desenvolvimento da aptidão física, com a realização de testes físicos, exercícios de ginástica e práticas esportivas com a intenção de promoção da saúde dos estudantes; 2º) a década de 1990 marcada pela extinção da disciplina do currículo, em função das escolas profissionalizantes de nível médio restringirem-se ao ensino técnico profissional.

O esporte então, passa a ser o elemento balizador/substitutivo da própria EF nas turmas especiais e para as demais turmas do curso técnico profissionalizante, a ergonomia tem o papel de contribuir com à melhoria da qualidade de vida, prevenindo possíveis patologias posturais causadas pelo manuseio das máquinas, peças e no uso dos computadores; 3º) o retorno da EF regulamentado pelo decreto 5.154 de 2004, Brasil37 que orienta a atuação da Educação Profissional Tecnológica nos diferentes níveis e modalidades de ensino. A EF passa a ter aulas predominantemente teóricas e os conteúdos de ergonomia e de educação postural são os mais explicitados.

O contexto apresentado pelos estudos32),(33),(34),(35 pode ter relação com o processo de formação inicial dos docentes. Darido14, aponta que o currículo que imperou nas instituições brasileiras até o fim dos anos de 1970 foi o tradicional-esportivo, o qual, era centrado nas disciplinas práticas, no saber-fazer para ensinar, em que os professores formados nessa perspectiva acabam reproduzindo na escola práticas centradas nos esportes.

Os estudos do estado da arte apresentam um cenário que restringe as possibilidades de se desenvolver todas as potencialidades que um componente curricular pode apresentar, ao limitar a EF a uma prática de cunho compensatório, vinculadas ao exercitar-se ou mesmo sendo baseada no ensino de técnicas de exercícios e de esportes. Nesses termos, pode-se questionar se a concepção apresentada pelos estudos não fere o direito à aprendizagem que os estudantes têm, bem como, possibilidade de ampliar os conhecimentos necessários para a progressão em estudos posteriores, que estão previstos em lei. Entende-se que na contemporaneidade há perspectivas renovadoras para o ensino da EF, as quais, podem auxiliar na sistematização de uma base de conhecimentos que contribuam com a aprendizagem necessária à formação de sujeitos com a possibilidade de agir com autonomia no contexto do qual fazem parte.

Essa base de conhecimentos curriculares possui um caráter diferenciado em relação as demais disciplinas escolares, pois, o movimento humano apresenta uma especificidade de aprendizagem. Para Almeida e Fensterseifer38, os conteúdos de ensino da EF baseiam-se na experiência/vivência com o movimento humano/práticas corporais gera um tipo de conhecimento insubstituível, que não pode ser apenas descrito, mas provado (no sentido de experienciar), mesmo tendo consciência que, ao tematizá-los, se elabore um conhecimento conceitual, atendendo a um dos principais propósitos da educação escolar.

Os estudos de Kravchychyn, Oliveira e Cardoso33 e Miranda, Lara e Rinaldi34 buscam identificar quais são os conteúdos de ensino da EF que fazem parte do currículo no Ensino Médio. O estudo de Kravchychyn, Oliveira e Cardoso33, baseados em Oliveira39, propõem uma proposta de conhecimentos curriculares para o Ensino Médio. A proposta tem como base temáticas centradas no movimento e as relações com a aprendizagem motora, as manifestações esportivas, rítmicas e a saúde. A distribuição predominante de conteúdos está baseada nos núcleos de movimento relacionados a saúde e aos esportes, sem desconsiderar as outras temáticas. A partir desses núcleos, evidencia-se determinados conteúdos com ênfase nos aspectos procedimentais (habilidades motoras, jogos, esportes) e conceituais (bases nutricionais, avaliações do crescimento, composição corporal), sem, contudo, apresentar aspectos inerentes ao desenvolvimento de conteúdos na dimensão atitudinal.

A pesquisa de Miranda, Lara e Rinaldi34, apresenta quais são os conhecimentos curriculares que os docentes que atuam com a EF e, também, com as demais disciplinas consideram ser necessários para o Ensino Médio. De modo geral, os professores participantes do estudo, demonstram que no Ensino Médio os conhecimentos relacionados a atividade física e saúde e aos esportes são conhecimentos de base para as aulas de EF, embora, não desconsiderem a necessidade de abordar outros elementos próprios da cultura corporal.

Pode-se compreender a partir da análise dos estudos, que a proposição curricular citada no estudo de Kravchychyn, Oliveira e Cardoso33) e as temáticas de ensino identificadas no artigo de Miranda, Lara e Rinaldi34, predominantemente, se mantém em torno do esporte e de aspectos relacionados atividade física e a saúde.

Embora os autores em suas obras reconheçam a necessidade de diversificar e ampliar os elementos que compõe a cultura corporal, as propostas para um currículo da EF ainda têm como elementos balizadores o fenômeno esportivo e a instituição médica. Isso demonstra que os demais elementos da cultura corporal como as lutas, as práticas corporais de aventura, as danças, por exemplo, são manifestações que carecem de maior atenção na elaboração e sistematização de propostas de ensino.

Propostas curriculares municipais estaduais

As propostas curriculares são documentos oficiais produzidos pelas secretarias de educação que podem ser consideradas com elementos estruturantes e balizadores dos currículos escolares. As propostas curriculares têm a finalidade detalhar, de maneira objetiva, as concepções de ensino e os aspectos didático-metodológicos mais próximos das práticas de ensino. Os estudos de Souza Júnior40, Buogo e Lara41, Tenório et al.42, Fiorini, Deliberato e Manzini43 e Diniz e Darido44 versam sobre a produção e a implementação das propostas curriculares em diferentes estados e em um município.

De maneira geral, os autores demonstram a pertinência na elaboração das propostas curriculares. No entanto, os autores identificam a necessidade de aproximação das proposições com a realidade escolar. Tal aproximação se refere a necessidade de coerência entre as pressuposições teóricas e as implementações práticas de ensino, maior detalhamento quanto aos conteúdos de ensino e a necessidade de melhorar os materiais didáticos disponibilizados.

O estudo de Souza Júnior40, trata da organização curricular em forma de ciclos de aprendizagens proposta pelo município de Recife-PE. Tal proposta curricular para a EF, tem como base teórica a concepção crítico-emancipatória, Kunz7, sendo organizada a partir de quatro eixos temáticos da cultura de movimento, quais sejam: jogo (elementos lúdicos e simbólicos), esporte (elementos institucionalizados), dança e manifestações rítmicas, ginástica e qualidade de vida coletiva. Embora os professores de EF daquele município tenham participado da elaboração da proposta curricular e busquem aproximar os pressupostos descritos à sua prática de ensino. O autor40 aponta dificuldades em sua materialização, devido à sua relação com essa nova forma de pensar a escola e em relação a própria identidade, historicidade e prática pedagógica da EF.

A inserção da EF na proposta curricular de Recife trouxe para os professores da rede municipal a compreensão de que esse componente curricular tem fundamental importância para a formação dos sujeitos. Para Souza Júnior40, a EF na rede deu saltos qualitativos, conquistando uma certa isonomia perante as demais áreas do conhecimento que compõem a política educacional e, em especial, a política curricular.

O trabalho de Tenório et al.42 analisa os elementos didáticos denominados de Intencionalidade e Avalição das propostas curriculares dos estados da região sudeste do Brasil. Tenório et al. (42, entendem que o binômio “objetivo/avaliação” é um possível pivô do poder da organização do trabalho pedagógico na escola que permite verificar até que ponto as intencionalidades estão sendo alcançadas, retroalimentando o processo de ensino aprendizagem, diagnosticando as fragilidades e avanços na construção dos saberes.

Os resultados do estudo de Tenório et al.42) demonstram que a relação Intencionalidade/Avaliação é coerente nas propostas do Espírito Santo e Rio de Janeiro, mas não mantém na de Minas Gerais. Já na proposta do Estado de São Paulo, não há esta binômia, tendo em vista que o elemento avaliação não é contemplado. Pelas propostas adotarem a terminologia de competências e habilidades, os autores42 chamam atenção para a necessidade de as propostas curriculares contribuírem para aprendizagem significativa dos estudantes e não se apresentarem apenas, como mecanismos para se alcançar metas institucionais, denotando uma ideia mercadológica de ensino.

Os estudos de Buogo e Lara41, Fiorini, Deliberato e Manzini43 e de Diniz e Darido44, apresentam elementos acerca da relação entre os conteúdos de ensino e dos materiais didáticos disponibilizados pelas propostas curriculares. De maneira mais específica, as autoras41),(44 ressaltam a necessidade de desenvolver um material complementar ao que já é disponibilizado pelas secretarias de educação do estado do Paraná e de São Paulo.

Buogo e Lara41, analisam o “conteúdo estruturante” da dança na proposta curricular do estado do Paraná. As autoras41 reconhecem que a proposta curricular é: fundamental para orientar o trabalho do professor, notadamente por seu papel político-pedagógico, devendo estar sujeito a reestruturações conscientes, fundamentadas na participação coletiva dos profissionais envolvidos.

No entanto, ao se referir ao conteúdo da dança a proposta não dá conta de levar os professores a entender a dança em suas especificidades, sejam elas conceituais, históricas ou técnicas, bem como a visualizar este complexo campo de conhecimento ao fazer apenas alguns recortes teóricos. Para as autoras41, ao se elencar os conteúdos de ensino para a EF, há necessidade de articular o que é mais importante presente no patrimônio cultural comum (universal) com as especificidades de cada escola ou comunidade.

Diniz e Darido44, ao analisarem o conteúdo da dança presente na proposta curricular do estado de São Paulo, também, identificam que: os principais conhecimentos dessas manifestações, que deveriam versar sobre as características de cada dança, a formação histórico-cultural, bem como, os passos básicos, não parecem suficientes para subsidiar o desenvolvimento das aulas, ainda mais para aqueles professores que possuem pouco embasamento prévio sobre o tema. Com base nessa compreensão, as autoras44 elaboram e, posteriormente, avaliam juntamente com os professores materiais didáticos sobre o conteúdo da dança, que foram disponibilizados em um blog educacional. Essa tecnologia digital no formato de blog, apresentou-se como um importante instrumento que pode contribuir como auxílio ao material didático oficialmente (livro do professor e livro do estudante) disponibilizado pela secretaria de educação daquele estado.

Historicamente, a EF não possui uma tradição quanto a produção e utilização de materiais didáticos que auxiliem na implementação dos conteúdos de ensino. Especificamente, o livro didático e os cadernos do professor distribuídos pela secretaria do estado de SP, podem ser considerados como um material de suporte a proposta curricular. Contudo, para Darido et al.45 acrescentam que esses materiais didáticos apresentam uma ambiguidade: ao mesmo tempo em que podem auxiliar os professores na prática pedagógica, servindo como referencial a ser adaptado à realidade e as necessidades dos estudantes, podem, também, facilmente transformar-se em receituários desconectados do contexto dos estudantes, com caráter prescritivo.

Embora os materiais didáticos disponibilizados pela secretaria do estado de São Paulo, contribuírem significativamente para a organização e melhoria do processo ensino-aprendizagem o estudo de Fiorini, Deliberato e Manzini43, demonstra a necessidade de adequação as estratégias de ensino, para atender a especificidade de um estudante com deficiência visual. O caderno do professor apresenta muitos de detalhes quanto ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, porém, os autores43 destacaram a necessidade de realizar uma série de adaptações nas estratégias metodológicas, como por exemplos: objetividade nas orientações ao estudante, uso de material em Braile, auxilio e técnica de um colega tutor, etc. A inclusão do estudante com deficiência visual, só foi possível na medida em que o conhecimento pedagógico do conteúdo que o professor possui foi posto em prática. Evidencia-se, então, que embora existam elementos estruturantes e norteadores do currículo, a autoria, o protagonismo do professor no processo de ensinar e aprender é determinante para a aprendizagem dos estudantes.

Os artigos encontrados demonstram que as propostas curriculares e os materiais didáticos fornecem elementos didático-metodológicos que podem contribuir com a melhoria da práxis educativa. Ademais, salientam que o conhecimento pedagógico dos professores que atuam cotidianamente na escola é de fundamental importância para que as propostas curriculares se materializem. Desenvolver estudos que problematizem a forma em que as diretrizes das propostas curriculares são implementadas parece ser de fundamental importância, no sentido de verificar qual a contribuição que esses documentos de caráter administrativos têm para o processo de ensinar e aprender em práticas de ensino da EF.

Considerações Finais

A análise da produção acadêmico-científica com o termo “Currículo e Educação Física Escolar” permitiu inferir que no período de 2005 a 2015, as publicações relacionadas a este tema buscam encontrar elementos que contribuam com a sistematização/organização dos saberes curriculares que norteiam as práticas de ensino da EF. Evidencia-se, a necessidade de superar o caráter esportivista e procedimental das práticas de ensino. Tal fato, vem de encontro com a necessidade histórica de EF escolar, em apresentar um conjunto de conhecimentos que contribuam com a legitimidade pedagógica desse componente curricular.

Os autores apresentam posicionamentos teóricos com diferentes perspectivas epistemológicas, no sentido de fornecer subsídios para a organização dos conhecimentos curriculares da EF. No entanto, os fundamentos teóricos produzidos por estudiosos do campo da EF, nem sempre se efetivam ou se aproximam das práticas ensino no contexto escolar. Evidencia-se, então a necessidade de investigar aproximar as produções científicas das práticas de ensino dos professores.

A maioria dos artigos centra-se na análise curricular no Ensino Fundamental (Anos inicias e Anos Finais). Esse aspecto demonstra a necessidade de maior atenção ao Ensino Médio. Casualmente, o Ensino Médio vem sendo alvo de modificações curriculares a partir da implantação das “Escolas em Tempo Integral” proposta pelo governo federal por meio da Medida Provisória nº 746, Brasil (2016), fato que inclusive colocou em “xeque” a presença obrigatória da EF nesse nível de ensino.

Nesse cenário, os artigos analisados demonstram a necessidade de enfrentar a problemática inerente ao currículo da EF, a partir do “chão da escola”. Possibilitar o desenvolvimento de estudos que discutam a sistematização dos saberes curriculares, em diálogo colaborativo com os professores protagonistas das ações educativas cotidianas, é uma tarefa a ser abordada em pesquisas científicas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    11 Ago 2016
  • Revisado
    23 Jun 2017
  • Aceito
    17 Jul 2017
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