RESUMO
O debate sobre métodos de ensino no campo da Educação Física escolar ainda é escasso na literatura brasileira. Aliado a isso, as poucas produções existentes estão diluídas em diferentes matrizes teóricas, dificultando as discussões sobre o tema. Por consequência, a falta de consenso é uma das principais problemáticas envolvendo o ensino. Assim, o presente artigo teve por objetivo identificar e analisar Princípios Metodológicos para o ensino da educação física escolar a partir da literatura acadêmica brasileira. Realizamos uma Revisão Sistemática nos 7 principais periódicos nacionais sobre o tema, entre os anos de 2004 e 2014. Foram selecionados artigos originais, de revisão e ensaio que abordavam a temática ensino da Educação Física na escola, totalizando 79 artigos. A análise das produções buscou levantar as propostas sobre métodos de ensino, independente do referêncial teórico utilizado como base pelos autores. Como resultados, categorizamos os apontamos da área em 11 Princípios Metodológicos sobre ensino: Interação; Contextualização; Dimensões dos conteúdos; Valorização das Experiências dos alunos; Diversidade de vivências; Problematização; Autonomia e Criatividade; Ludicidade; Compreensão e Transferência de Habilidades; Modificação estrutural do conteúdo; Utilização de recursos tecnológicos. A construção de tais Princípios é fundamental para o início de um consenso sobre como ensinar nas aulas de Educação Física escolar.
Palavras-chave: Métodos de ensino; Prática pedagógica; Educação Física escolar; Educação; Ensino
ABSTRACT
The debate on teaching methods in the field of studies. Allied to this, the few productions must be diluted in different theoretical matrices, making difficult the discussions on the subject. Consequently, lack of consensus is one of the main difficulties in teaching. Thus, the present article aimed to identify and analyze the Methodological Principles for the teaching of school physical education from the Brazilian academic literature. A systematic review was carried out in the seven main national indicators on the subject, between 2004 and 2014. Original articles, review and research were considered that addressed the thematic teaching in education, totaling 79 articles. The analysis of the productions looked for surveys on the forms of teaching, independent of the theoretical reference used by the authors. As it is classified, it classifies the topics of the area in 11 Methodological Principles on teaching: Interaction; Contextualization; Dimensions of contents; Valuing Student Experiences; Diversity of experiences; Problematization; Autonomy and Creativity; Ludicidade; Understanding and Transferring Skills; Structural modification of content; Use of technological resources. The construction of such Principles is fundamental to the beginning of a certain degree of instruction in the classes of Physical Education school.
Keywords: Teaching methods; Pedagogical practice; Physical school education; Education; Teaching
Introdução
Ao longo de seu processo histórico, o campo da Educação Física foi marcado por intensos debates acerca dos seus objetivos e finalidades no interior da escola. Nesse sentido, observamos a elaboração de diversas propostas que direcionaram a Educação Física escolar para uma área cada vez mais crítica e pedagógica. Para isso, os autores utilizaram diferentes campos do conhecimento (Teorias críticas da Educação, Antropologia, Sociologia, Filosofia, etc) como base para seus apontamentos1.
Apesar desses avanços acadêmicos nas últimas décadas, Moura1 relata que em alguns contextos existe a dificuldade de incorporá-los a sua prática cotidiana. De acordo com o autor, isso pode ser explicado ao observar que boa parte das produções acadêmicas discutiram objetivos e finalidades da Educação Física e em operar denúncias macrossociais ao sistema capitalista do que apresentar novas propostas para área. Estes intelectuais autodenominados progressistas produziram um material didático que serviu mais à instrumentalização de um discurso crítico para luta no interior do campo do que à produção de modelos metodológicos que resignificassem o papel da Educação Física no interior da escola. Portanto, o debate sobre os métodos de ensino na educação física escolar ficou secundarizado1.
Brandl Neto, Silva e Miranda2 corroboram este dado ao realizar uma revisão sistemática da literatura em três bases de dados no período de 2000 à 2010. Os autores constatam a baixa produção de pesquisas sobre o ensino em Educação Física ao observar que do total de 470 artigos encontrados, apenas 40 tratam desse tema, menos de 10% da produção. Além de o quadro atual apresentar poucas produções sobre a metodologia do ensino na Educação Física escolar, as pesquisas desenvolvidas2-4, enfatizam mais as questões quantitativas sobre o tema.
Segundo Neira5, uma saída para esse quadro é aproximar cada vez mais o debate acadêmico do campo escolar. Apesar da notável sensibilidade acadêmica com questões mais gerais sobre o ensino, não se observa os mesmos investimentos sobre a discussão dos métodos de ensino em Educação Física.
Destarte, o objetivo desse artigo é identificar e analisar Princípios Metodológicos para o ensino da educação física escolar a partir da literatura acadêmica brasileira.
Métodos
Este estudo foi realizado a partir de uma Revisão Sistemática. Utilizamos este método por possibilitar “[...] incorporar um espectro maior de resultados relevantes, ao invés de limitar as nossas conclusões à leitura de somente alguns artigos”6:84. As fontes de consulta foram sete revistas brasileiras: Revistas Motriz, Revista Movimento, Revista Brasileira de Ciências do Esporte (RBCE), Revista Brasileira de Educação Física e Esporte (RBEFE), Revista da Educação Física, Revista Pensar a prática e Revista ciência e Movimento.
Os critérios adotados para selecionar estas revistas foram: ser uma revista brasileira; publicar estudos que tematizem a Educação Física na escola; e possuir extrato igual ou superior a B2 no sistema WebQualis (ano 2014) na área da educação física. Para analisar os artigos publicados, elencamos os seguintes critérios de inclusão: artigos originais, ensaios e/ou de revisão; possuir temática sobre métodos de ensino em Educação Física escolar; ter sido publicado de 2004 até 2014 (ano em que a pesquisa foi realizada). Como critério de exclusão, estabelecemos: artigos que não apresentaram apontamentos sobre como ensinar em Educação Física escolar.
A busca pelos artigos aconteceu a partir da leitura do catálogo de todos os volumes publicados pelas revistas ao longo desse período. Assim, realizamos a leitura do título de todas as pesquisas, seguida da leitura dos resumos. Caso a leitura de ambos não era suficiente para definir se o artigo seria avaliado ou não, foi realizada a leitura do texto na íntegra.
Cabe ressaltar que este levantamento foi realizado de forma separada por dois pesquisadores que aplicaram os critérios definidos para busca dos textos. Feito isso, comparamos os resultados dos dois pesquisadores e não foram observadas divergências. Assim, a seleção dos artigos aconteceu da seguinte forma: a partir da leitura dos títulos foram selecionados 137 artigos; analisando os resumos e o texto na íntegra 58 artigos foram excluídos, resultando em um número final de 79 artigos.
No processo de avaliação dos artigos encontrados, buscamos observar o que a literatura vem apontando sobre como ensinar em Educação Física escolar e construir Princípios, independente do referencial teórico utilizado pelos autores. Para identificação e construção desses Princípios, levamos em consideração todas as estratégias de ensino apontadas pela literatura analisada. Nas seções a seguir apresentamos e discutimos os achados da revisão sistemática.
Resultados
Apresentaremos abaixo em forma de Princípios, os resultados encontrados a partir da análise dos 79 artigos. Estes Princípios foram construídos a partir da unificação dos apontamentos dos autores. De fato, tais nomes que utilizamos são uma construção de categoria para dar conta dos elementos metodológicos base que os autores se referiam. Não é nossa intenção simplificar, ou atuar com um reducionismo ou desqualificar as propostas dos artigos analisados, mas agregar em torno de Princípios os elementos relacionados com os métodos de ensino encontrados na literatura. Nossa intenção é dar um primeiro passo na direção de um consenso sobre como ensinar nas aulas de educação física.
O campo da educação física tem avançado significativamente ao reafirmar a ruptura com os modelos tradicionais de ensino, mas ainda faltam referências sobre os caminhos deste ensino3. Desta forma, alertamos o leitor que não estamos “criando” uma “nova” metodologia de ensino, mas apenas reunindo em princípios metodológicos as orientações sobre o ensino que se encontram dispersas em nossa literatura.
Princípios metodológicos no ensino da educação física escolar
Na Tabela 1, encontram-se os princípios metodológicos com suas definições e o número de artigos em que este se encontram na literatura. Ressaltamos que os diferentes princípios interagem entre si. A escolha por apresentá-los de forma separada tem por objetivo facilitar a compreensão sobre cada categoria.
Interação
Observamos que o princípio Interação pode ser caracterizado em 32 artigos. Tal princípio é defendido pelos autores como uma ferramenta importante para o desenvolvimento integral do aluno, rompendo com o modelo tradicional de ensino. A interação é tratada pelos autores a respeito da relação professor/aluno e aluno/aluno. Na primeira perspectiva, defendem que o aluno seja o centro do processo de ensino aprendizagem. Dessa forma, o professor atuará como mediador possibilitando uma participação ativa dos alunos neste processo7-9.
Acerca da interação aluno/aluno, os autores defendem que o ensino em Educação Física estimule as relações sociais. Sugerem a utilização de jogos cooperativos, jogos populares e/ ou momentos de debates como estratégia para alcançar tal objetivo, possibilitando a participação igualitária e prazerosa9,10-12.
Contextualização
Este princípio foi observado em 32 dos artigos analisados. Os autores têm por objetivo tornar o conteúdo significativo para os alunos. Para isso, defendem que os conteúdos sejam abordados nas aulas de Educação Física para além da simples prática, mas a partir de temas. Essa tematização acontece ao abordar questões históricas e sociais dos conteúdos, bem como sua relação com o cotidiano dos alunos10,13.
Entretanto, cabe ressaltar que:
O trabalho com temas na educação física [...] não equivale a uma ‘tematização’ da aula. Ele não significa o acréscimo de um contexto às habilidades motoras que se queira trabalhar (arremesso, chute, cambalhota), mas significa a organização de uma realidade relacionada à cultura corporal, organização essa que permita à criança tomar parte/se apropriar dessa realidade. Trata-se do estudo teórico e prático de uma atividade social real (como o circo, os jogos olímpicos, a vida do índio...), que serão apropriados pela criança em forma de jogo 10:155.
Destarte, para lançar mão de uma metodologia que contextualize os conteúdos à realidade dos alunos, é fundamental que a experiência discente seja valorizada 12,14.
Dimensões dos conteúdos
Este princípio foi encontrado em 26 artigos. Os autores defendem que as aulas de Educação Física abordem as três dimensões dos conteúdos (procedimental, atitudinal e conceitual), possibilitando um desenvolvimento integral em oposição ao modelo tradicional de ensino que leva em consideração apenas a dimensão procedimental. Utilizam como base as obras de Zabala15, Coll et al.16 e Darido e Rangel17.
Acerca da dimensão atitudinal, os autores apontam que o ensino deve possibilitar a interação social dos alunos durante as atividades e em momentos de debate reflexivo sobre questões sociais presentes no cotidiano dos alunos, como respeito, ética, racismo, preconceito, violência, dentre outros18,19.
Para o desenvolvimento da dimensão conceitual, defendem que o processo histórico e social dos conteúdos seja abordado nas aulas de Educação Física, e que os conteúdos sejam contextualizados na realidade do aluno. Assim, os autores sugerem que as aulas sejam construídas a partir de temas e utilizem a pesquisa em diferentes fontes de dados como estratégia de ensino20-23.
A respeito da dimensão procedimental, a literatura analisada defende a busca pela aprendizagem técnica e desenvolvimento motor. Entretanto, são contrários ao modelo tradicional de ensino pautada na repetição motora e na excelência. Para os autores, as aulas de Educação Física devem promover a vivência de diferentes práticas da cultura corporal, articulada as dimensões anteriores. Destarte, o gesto motor não é mais visto como objetivo final da Educação Física, mas sim, um elemento importante no processo de formação do indivíduo24.
Valorização das experiências dos alunos
A presente categoria foi apontada em 23 artigos. Esse princípio é apontado como estratégia para superar o modelo de ensino tradicional centrado no professor. Nesse sentido, as aulas de Educação Física devem partir do conhecimento prévio que os alunos possuem sobre a temática a ser desenvolvida13,23,25,26.
Diversidade de vivências
Este princípio foi observado em 22 trabalhos. Para os autores analisados, as aulas de Educação Física devem proporcionar diferentes vivências, contribuindo para um enriquecimento cultural dos alunos. Cabe ressaltar que essa variedade de experiências vai além dos conteúdos utilizados. Os autores defendem que os professores utilizem materiais alternativos, explorem diferentes locais para as aulas e estimulem a exploração de diversos materiais didáticos8,25,27,28.
Problematização
Observamos o princípio problematização em 21 artigos. Na proposta dos autores, o ensino da Educação Física deve pautar-se na solução de problemas. Assim, o processo de ensino ocorre a partir de questões apresentadas pelo professor que estimulem a construção do conhecimento dos alunos. Tais questões podem ser apresentadas tanto em forma de debates como em atividades a serem resolvidas13,21,28-30.
Autonomia e criatividade
Essa categoria foi construída a partir dos apontamentos de 16 artigos. Os autores defendem que o ensino em Educação Física estimule a criatividade e autonomia dos alunos. Nesse sentido, os professores devem lançar mão de uma temática aberta que possibilite uma participação ativa dos alunos na construção das aulas10,12.
Ludicidade
O princípio Ludicidade foi observado em 15 pesquisas. Os autores defendem a ludicidade como ferramenta importante no processo de ensino aprendizagem dos alunos. Portanto, os professores devem lançar mão de atividades prazerosas como jogos e brincadeiras, tornando as aulas de Educação Física um ambiente agradável e satisfatório para os alunos10,31,32.
Compreensão e transferência de habilidades
Verificamos esta categoria em 13 artigos. Os autores defendem que o ensino estimule a compreensão dos conteúdos. As aulas devem priorizar elementos que possibilite o aluno compreender a lógica das atividades. No conteúdo jogo, por exemplo, os autores defendem o ensino da tática11,22,31.
Outro aspecto defendido é que o ensino da Educação Física possibilite ao aluno transferir as habilidades aprendidas em uma manifestação da cultura corporal para outra. Dessa forma, os conteúdos deixam de ser desenvolvidos de forma individualizada, passando a ser tematizados em categorias11,29,31.
Tais categorias são organizadas a partir das características que as diferentes manifestações possuem em comum, como exemplo, na categoria de jogos de invasão estão agrupados os conteúdos Handebol, futsal e basquete, dentre outros. As aulas de Educação Física passam a dar ênfase no ensino aprendizagem dessas características, possibilitando que os alunos transfiram essa habilidade aprendida para os demais conteúdos11,29,31.
Cabe ressaltar que na literatura esse Princípio Metodológico no ensino em Educação Física surge no debate específico do ensino do jogo. Todavia, acreditamos que esse princípio pode ser incorporado ao debate das diversas manifestações da cultura corporal. Isso porque independente do conteúdo ensinado, este possui um objetivo interno que necessita ser compreendido pelo aluno, dando sentido à sua prática.
Modificação estrutural do conteúdo
Modificação estrutural do conteúdo foi um princípio elaborado a partir de 5 artigos. Os autores defendem que o ensino das diferentes manifestações devem levar em consideração a experiência do aluno, possibilitando que o mesmo participe na construção do processo de ensino e aprendizagem. Assim, os conteúdos deixam de ser apresentados apenas no seu formato tradicional, podendo sofrer modificações de acordo com a experiência do aluno21,28.
O conteúdo pode ser modificado em relação ao implemento utilizado, número de participantes, finalidade e etc. Cabe ressaltar que tais modificações também são realizadas pelo professor. Nesse caso, o docente pode utilizar essa estratégia com objetivo de enfatizar determinado tema, como por exemplo, debater questões táticas, refletir sobre as questões de gênero e etc21,28,29,33.
Utilização de recursos tecnológicos
A categoria utilização de recursos tecnológicos foi observada em 4 artigos. De acordo com a literatura, a utilização da tecnologia no processo de ensino aprendizagem pode acontecer de duas formas. A primeira como estratégia para auxiliar o debate sobre determinado tema. Ao tratar, por exemplo, as questões históricas de determinado conteúdo os autores sugerem a utilização de vídeos, imagens, pesquisas da internet e etc33,34.
A segunda utilizando a tecnologia como tema das aulas com o objetivo de desenvolver a consciência crítica dos alunos. Assim, os autores defendem o debate de questões relacionadas a influência da mídia nas manifestações da cultura corporal, a utilização correta da internet, dentre outros35,36.
Discussão
A interação entre professores e alunos é um dos principais elementos no processo de ensino e aprendizagem. Através dessa relação a aprendizagem e as vivências de movimentos são possíveis. Neste sentido, potencializa-la favorece maiores oportunidades de aprendizado e vivência.
As aulas de Educação Física devem ser entendidas como um espaço de construção do sentido, onde o professor dispõe de condições para que os alunos construam conhecimentos. Todavia, esta interação só é possível quando o professor se coloca na figura do facilitador da aprendizagem. Ele deve ser o elemento que estimula e organiza os conhecimentos, não só os construídos por ele, mas também os gerados pelos alunos, possibilitando que o conhecimento seja resultado dessa interação e tenha significado para os alunos.
O reforço exagerado da autoridade do professor pode resultar na ausência de interação em sala de aula. Em muitos casos, o professor não possibilita abertura para o aluno, como em perguntas retóricas às quais o professor responde de imediato, sem dar espaço para os alunos ou quando o professor apresenta um determinado gesto motor e solicita apenas que os alunos reproduzam. Estas formas de silenciamento favorecem a predominância de aulas excessivamente expositivas. Nesse sentido, as estratégias utilizadas pelos professores de Educação Física devem ser capazes de proporcionar o envolvimento de todos.
As aulas de Educação Física na escola devem proporcionar conexões entre os seres humanos, a sociedade e o meio ambiente. A ação de contextualizar tem por objetivo aproximar o conhecimento presente nos conteúdos curriculares com as relações sociais, históricas, políticas, ambientais, dentre outras, que estão presentes no cotidiano dos alunos. Neste sentido, é importante valorizar suas experiências, sejam elas provenientes dentro ou fora do ambiente escolar.
As aulas devem promover situações em que o conhecimento do aluno possa ser valorizado e estimulado. É fundamental incentivar a participação, mas para que isso ocorra é necessário que as contribuições dos alunos sejam respeitadas e valorizadas. Discussões, reflexões e debates podem ser estratégias valiosas de contextualização.
O debate sobre as dimensões dos conteúdos ganhou visibilidade, a partir da produção de Zabala15 O foco desse debate foi ampliar o conceito de conteúdo e passar a referenciá-lo como tudo quanto se tem que aprender 15,16.
Na Educação Física a dimensão Procedimental é a mais utilizada, pois a tradição é que os alunos realizem de forma prática os conteúdos. As dimensões Conceituais e Atitudinais são de um modo geral secundarizadas em detrimento das habilidades esportivas. Entretanto, há um consenso estabelecido de que as aulas de Educação Física devem ser um espaço de aprendizado. Neste sentido, o debate das dimensões dos conteúdos nos ajudam a perceber as potencialidades dos conteúdos para a formação dos alunos.
Um ponto comum no campo da educação é que a escola deve conhecer e valorizar os conhecimentos e experiências que os alunos trazem consigo. O conhecimento é o ato de compreender por meio da razão ou da experiência. Neste sentido, o ambiente escolar é apenas mais um dos espaços onde os estudantes constroem conhecimento e compartilham experiências, sendo função da escola sistematizar, ampliar e problematizar estes conhecimentos e experiências.
As experiências anteriores dos alunos devem ser consideradas durante todo o processo de ensino aprendizagem. São necessárias situações desafiadoras, que coloquem em cena o que os alunos já vivenciaram, para que reflitam sobre as diferenças entre o conhecimento antigo e o novo e seguir aprendendo.
Neira37 aponta a importância de se investigar e recuperar as experiências trazidas pelos alunos, de modo a resgatar seus saberes e suas práticas culturais, fazendo com que esses conhecimentos se inter-relacionem com os conhecimentos adquiridos na escola, aguçando o senso crítico e permitindo sentir-se parte integrante da escola.
A Educação Física, como componente curricular, tem como objetivo ampliar o conhecimento sobre as práticas corporais. Neste sentido, deve ampliar as possibilidades dos alunos tanto sobre as práticas corporais já instituídas, quanto a possibilidade de se vivenciar novos movimentos.
Todavia, estas vivências vão além da utilização de diferentes conteúdos, mas também com a possibilidade de vivenciar movimentos. A diversidade de vivências propõe que os alunos, além de aprender o gesto técnico de uma modalidade, vivenciem diferentes formas de realiza-la. Portanto, este princípio propõe uma ampliação dos conteúdos no currículo e uma flexibilização nos métodos das aulas para que favoreçam uma maior vivência de movimentos.
O princípio da problematização está relacionado ao levantamento de problemas que possam ser discutidos em grupo ou individualmente. São construídas questões com a finalidade de solucionar problemas práticos, estimulando os estudantes a analisar e refletir criticamente o mundo que os cerca. Os problemas podem ser construídos tanto nas questões mais específicas relacionadas ao ensino dos conteúdos da Educação Física, quanto às questões mais amplas que envolvam temas relacionados com aspectos sociais, culturais ou interdisciplinares.
Os problemas buscam estimular a capacidade de analisar, julgar e agir a partir de situações. São desafios gerados para a construção de novos conhecimentos, desta forma, ampliando a tomada de decisão sobre a realidade em que o tema é vivido pelos alunos. Visa potencializar que os conteúdos sejam apreendidos num ponto de vista transversal, realçando a sua aplicabilidade em diferentes momentos de jogos distintos11.
Ao atuar com o princípio da problematização, o professor deve buscar estratégias que se distanciem das aulas expositivas e tradicionais. Nesse sentido, o foco não deve ser somente a técnica do movimento, mas criar situações onde cada estudante possa refletir e pensar individualmente ou coletivamente possíveis soluções, aplicando-as e chegando a novos questionamentos.
Já, em situações em que a problematização esteja relacionada com temas sociais e culturais, é importante que estes estejam próximos à realidade dos alunos e da sociedade em que a escola está inserida, criando um ambiente de problematização mais próximo e provocador ao aluno.
É um objetivo da educação, formar cidadãos autônomos e criativos. É papel da escola proporcionar espaços em que princípios e valores, inerentes a convivência humana, estejam sendo vivenciados, incentivados e praticados durante o processo.
De acordo com Castro38, criatividade e autonomia andam de mãos dadas, na medida em que alguns pressupostos para o desenvolvimento de ambas são os mesmos. O desenvolvimento, tanto da autonomia quanto da criatividade são pressupostos desejáveis de uma educação de qualidade. Entretanto, é necessário uma nova visão de educação, que não seja aquela em que apenas o professor esteja no centro do processo e como único detentor de conhecimento.
Por meio dos conteúdos da Educação Física escolar podem surgir muitas possibilidades de desenvolvimento da autonomia e da criatividade. Utilizar o movimento corporal como linguagem proporciona outra forma de interagir com o mundo. O professor deve ser capaz de fazer com que esses momentos sejam espaços de criação, desde cedo, no cotidiano das aulas.
O ambiente escolar é um lugar que deve proporcionar momentos que envolvam aspectos relacionados às emoções e sentimentos positivos. É nesse sentido que a ludicidade deve ser um princípio no ensino da Educação Física. A ludicidade não está relacionada apenas a jogos ou brincadeiras, deve ser entendida como uma atitude do professor e dos alunos. Portanto, o ensino deve ser acompanhado por elementos que construam um ambiente prazeroso.
O debate sobre a compreensão e transferência de habilidades teve início no campo da pedagogia do esporte, principalmente pelo método Teaching Games for Understand (TGfU). Este método foi pensado para otimizar o ensino dos esportes coletivos. De acordo com Graça e Mesquita39 e Costa e Nascimento40 esse modelo teve suas origens em meados dos anos 1960, na Inglaterra, devido à insatisfação com os métodos tradicionais. A principal ideia era defender que “o que fazer” deveria preceder o “como fazer”, tendo como principal objetivo a compreensão da lógica interna do jogo.
Segundo Bayer41, os esportes coletivos apresentam na sua estrutura, semelhanças e seus elementos podem ser transferidos para a aprendizagem de qualquer modalidade. Leonardo et al.42 aponta a ideia da família dos jogos, onde os esportes coletivos estarão contidos dentro de uma mesma família, não havendo a evidência de uma modalidade sobre a outra, fazendo com que a aprendizagem obtida em uma modalidade traga transferências para a compreensão de outras modalidades. Dessa forma, o entendimento das estratégias de alguns esportes, poderia favorecer a aprendizagem de outros pelo fato de suas estruturas serem parecidas.
Os conteúdos socializados na Educação Física devem ser adequados a estrutura da escola e a capacidade de jogo dos alunos. Neste sentido, os conteúdos devem ser modificados para que atendam as necessidades do processo de ensino aprendizagem.
A modificação estrutural do conteúdo auxilia a inserção dos alunos com menor complexidade técnica e tática. A lógica é ir gradativamente realizando ajustes nas formas e estruturas do jogo, propiciando reflexões sobre os conceitos, conhecimentos e habilidades. Desta forma, o aluno vai entender melhor as regras e a lógica que o jogo se desenvolve, através da manutenção das regras oficiais e da modificação de problemas táticos43.
A modificação do jogo ocorre através de jogos reduzidos que contêm a mesma estrutura tática dos jogos formais. Pode se utilizar jogos adaptados, mantendo a dinâmica interna relacionada ao jogo e/ou alterar o objetivo final do jogo para se dar ênfase em outros aspectos11.
Os recursos tecnológicos estão cada vez mais presentes no cotidiano dos jovens. E estas ferramentas já adentraram ao contexto escolar, embora ainda haja algum tipo de resistências em determinados contextos. A utilização dos recursos tecnológicos não deve ser entendida como um método para variar as aulas ou motivar os alunos, mas como um elemento que busca transformar as formas de ensinar e de aprender.
Estes podem ser integrados no processo de ensino aprendizagem de três formas distintas. A primeira seria uma reflexão sobre os próprios recursos tecnológicos e novas tecnologias, proporcionando o debate destas ferramentas nos seus pontos positivos e negativos. A segunda seria a utilização desses recursos como uma forma de criar uma ruptura nas formas tradicionais de educação. E a terceira, seria uma educação através dos recursos tecnológicos, desenvolvendo os conteúdos e seus respectivos temas.
Considerações finais
Este artigo buscou identificar e analisar princípios metodológicos a partir das contribuições da produção acadêmica sobre a Educação Física escolar. Identificamos 11 Princípios Metodológicos dispersos na produção acadêmica em diferentes matrizes teóricas. De forma alguma negamos ou minimizamos a importância e impacto destas matrizes na produção e construção de conhecimento da área. Nosso intuito foi selecionar os princípios que estão associados especificamente à metodologia do ensino para construir um mapa conceitual relacionada às ações do professor.
Os princípios metodológicos podem auxiliar o planejamento e execução das aulas de educação física, pois lançam luzes de forma mais nítida acerca das ações que os professores podem implementar no momento de ensino. De um modo geral, amplia as experiências conceituais e de movimento dos alunos e de professores sobre a educação física e a relação desta com o mundo.
O debate sobre métodos de ensino no campo da educação física escolar ainda é escasso. É necessário que criemos uma agenda de discussão desta temática. Neste sentido, os princípios metodológicos podem ser mais um elemento para agegar neste debate.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
20 Dez 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
-
Recebido
31 Jan 2018 -
Revisado
22 Ago 2018 -
Aceito
26 Set 2019