EFEITO DAS RESTRIÇÕES NO DESEMPENHO DO SAQUE DO VOLEIBOL: O PAPEL DO NÍVEL DE EXPERIÊNCIA

EFFECT OF CONSTRAINTS ON VOLLEYBALL SERVICE PERFORMANCE: THE ROLE OF THE EXPERIENCE LEVEL

RESUMO

O objetivo do estudo é investigar como o desempenho do saque do voleibol de sujeitos com diferentes níveis de experiência é influenciado pela interação de diferentes restrições. Participaram do estudo 36 voluntários do sexo masculino (16,44 ± 0,50 anos) alocados em dois grupos em função do nível de experiência. Os participantes executaram 10 tentativas do saque do voleibol em cada uma das quatro condições experimentais. Foram manipuladas uma restrição relacionada à dificuldade da meta e outra relacionada ao ambiente físico para execução da tarefa. O desempenho do saque por cima do voleibol foi avaliado por meio de uma lista de checagem do padrão de movimento e da precisão ao alvo. Os resultados demonstraram que o grupo experiente manteve o desempenho em todas as condições, enquanto o grupo inexperiente apresentou menor consistência da precisão nas condições com restrição física e pior escore do padrão de movimento na condição de maior dificuldade da meta em interação com a restrição física. O nível de experiência exerceu maior influência no desempenho do que as demais restrições. Uma possível explicação é que ela é uma restrição capaz de maximizar a forma como o sujeito explora as informações disponibilizadas pelas demais restrições.

Palavras-chave:
Voleibol; Análise e desempenho de tarefas; Habilidade motora

ABSTRACT

The aim of the study is to investigate how the volleyball service performance of subjects with different levels of experience is influenced by the interaction of different constraints. The study included 36 male volunteers (16.44 ± 0.50 years) allocated into two groups according to the level of experience. Participants performed 10 attempts of the serve volleyball in each of the four experimental conditions. One constraint related to the difficulty of the goal and another related to the physical environment for the execution of the task were manipulated. The performance of the overhand volleyball serve was assessed by means of a movement pattern checklist and of the accuracy to target. The experienced group maintained performance in all conditions, while the inexperienced group showed less consistency of accuracy in conditions with physical constraint and worse score of the movement pattern in the condition of greater difficulty of the goal in interaction with physical constraint. The level of experience had a greater influence on performance than the other constraints. One possible explanation is that it is a constraint capable of maximizing the way that the subject explores the information available by the other constraints

Keywords:
Volleyball; Task performance and analysis; Motor skill

Introdução

A análise de práticas esportivas mostra diferenças nos padrões de movimento das habilidades motoras esportivas, tanto inter como intrapessoal. Essas diferenças na execução das habilidades motoras são resultantes das restrições intrínsecas ao sujeito (organismo), na interação com as restrições do ambiente e da tarefa¹. O efeito das restrições na emergência e mudança de habilidades motoras (i.e., padrões coordenativos) tem sido um dos principais objetos de investigações na área do Comportamento Motor^2),(3.

Há evidências de que os padrões de movimento são modificados ao manipularem algum tipo de restrição^2),(4. A manipulação de restrições da tarefa demonstrou modificações no padrão de movimento da habilidade fundamental de arremesso (e.g., arremesso por cima do ombro)⁵. Nesse estudo, padrões de movimento menos avançados foram utilizados para tentar acertar um alvo, e padrões mais avançados foram utilizados para arremessar o mais longe possível. Esta mudança no padrão de movimento pode estar associada à liberação ou congelamento dos graus de liberdade, que é dependente da tarefa^6),(7. Além disso, os estágios de aprendizagem⁸ também parecem influenciar na mudança dos padrões de movimento⁹. Isso implica em dizer que dependendo da interação das restrições do organismo, ambiente e tarefa, o padrão de movimento pode apresentar maior acoplamento dos segmentos das articulações, demonstrando congelamento dos graus de liberdade, ou o inverso⁷.

O nível de habilidade, uma restrição do organismo, tem sido investigada em relação ao nível de experiência^10),(11),(12, observado no desempenho de jogadores experientes em relação a inexperientes. Especificamente, o nível de experiência interage com as restrições do ambiente e da tarefa em diferentes situações, facilitando a busca das propriedades informacionais do padrão de movimento e, consequentemente, o desempenho na tarefa. Por exemplo, na análise da tarefa do saque do voleibol, Temprado et al.² compararam sujeitos experts e inexperientes, e demonstraram que os experts tinham maior frequência das articulações punho e ombro em anti-fase (i.e., maior descongelamento dos graus de liberdade) em comparação com os sujeitos inexperientes. Por outro lado, sujeitos inexperientes revelaram maior frequência das duas articulações em fase (i.e., maior congelamento dos graus de liberdade).

Contudo, habilidades motoras esportivas como o saque do voleibol apresentam, além de um padrão de movimento específico, uma meta ambiental a ser atingida^13),(14),(15, exigindo controle de força e precisão na direção de um alvo. Consequentemente, a emergência dos padrões coordenativos neste tipo de habilidade motora não deve ser analisada somente em relação à forma que ela é executada, mas também em relação ao sucesso da meta ambiental¹⁶. Portanto, é importante investigar o padrão que emerge através da relação entre os componentes da habilidade motora e o resultado do desempenho em relação à meta ambiental.

Embora já se saiba que os padrões de movimento do saque do voleibol modificam em função do nível de experiência², não foi investigado o efeito da interação organísmica nível de experiência com outras restrições. Mais especificamente, como os padrões de movimento e o desempenho em relação à meta ambiental se modificam em função da confluência das restrições. Poder-se-ia esperar mudanças no desempenho e no padrão de movimento em função da alteração das diferentes restrições? Diante desse contexto é possível levantar a seguinte hipótese: as alterações no desempenho provocadas por mudanças nas restrições do ambiente e da tarefa serão menores quando o nível de experiência do indivíduo for maior. Com base nessa descrição, o presente estudo buscou investigar como o desempenho do saque do voleibol de sujeitos com diferentes níveis de experiência é influenciado pela interação de diferentes restrições.

Métodos

Participantes

A amostra foi intencional e por disponibilidade, constituída de 36 adolescentes com idades entre 16 e 17 anos (16,44 ± 0,50 anos), do sexo masculino, autodeclarados destros, divididos por nível de experiência em dois grupos. Um grupo foi constituído de jovens atletas que participam de treinamentos sistematizados e de competições regulares na modalidade de voleibol por pelo menos dois anos (i.e., experientes). Esses jovens atletas considerados experientes desempenham o saque do voleibol durante os treinamentos e competições. Além disso, esse clube esportivo destaca-se no desenvolvimento de atletas (i.e., visa o aprimoramento do desempenho técnico das habilidades esportivas como o saque), apresentando relevante participação em competições nacionais. O outro grupo foi formado por adolescentes que não apresentavam experiências em qualquer forma de treinamento na modalidade de voleibol (i.e., inexperientes). Desta forma, cada grupo experimental foi composto por 18 sujeitos que tiveram seus dados incluídos nas análises deste estudo.

Tarefa e instrumentos

A tarefa utilizada no presente estudo foi a habilidade esportiva saque por cima do voleibol^17),(18. Os sujeitos foram posicionados do lado “A” da quadra de voleibol a 5 metros da rede (Figura 1), com ambos os pés apoiados no solo e de frente para o alvo localizado no lado oposto da quadra. O teste de precisão consistiu em tentar acertar o centro do alvo, localizado a 4 metros da rede do lado “B” da quadra de voleibol e a nove metros de distância do centro do alvo. A distância total do teste de precisão do saque do voleibol foi de 9 metros de distância.

Figura 1
Ilustração do instrumento para o teste de precisão do saque do voleibol.

O instrumento utilizado era um alvo confeccionado com TNT (tecido não tecido) que possuía 4 áreas com os diâmetros de 1m, 2m, 3m e 4m. A pontuação máxima equivale a 22 pontos (centro do alvo) e a pontuação mínima foi representada pelo escore de 2 pontos (Figura 1). À medida que a bola tocava o solo, distanciando do centro do alvo, a pontuação diminuía como é apresentado na Figura 1. Uma fita adesiva foi utilizada para delimitar a área do limite da circunferência do alvo. As diferentes pontuações são apresentadas na ilustração da Figura 1, como por exemplo, o escore de 14 pontos (tentativas que tocaram na fita superior da rede e caíram do lado “B” da quadra de voleibol). Portanto, todo local onde a bola de voleibol tocou o solo após o saque foi representado com algum escore.

O teste foi realizado em uma quadra oficial de vôlei com a rede fixada a 2,24 metros de altura (definido através de um estudo piloto) (Figura 2). A área de saque era demarcada com fita adesiva de 5 centímetros de largura. Para aplicação dos testes foram utilizados os seguintes materiais: 1 câmera digital com frequência de aquisição de 60 fps, um tripé, 5 bolas de voleibol, uma rede de voleibol, um alvo de TNT, fichas individualizadas para anotação das pontuações e cartão de memória para gravar as execuções do saque. Esse tipo de situação experimental busca melhorar o controle experimental e ao mesmo tempo priveligiar a validade ecológica da tarefa, sendo denominada Pesquisa de Síntese na área do Comportamento Motor^19),(20.

Para avaliação do padrão de movimento uma câmera foi posicionada de forma perpendicular ao plano de movimento (i.e., plano sagital), a 6 metros de distância da área de saque e a 1,2 metros de altura, próxima à linha lateral do lado direito da quadra e do executante (levando em consideração a posição do participante) (Figura 2). O padrão de movimento do saque foi avaliado através de uma lista de checagem para análise qualitativa²¹. A lista de checagem tem como objetivo avaliar o padrão do saque por meio do posicionamento e deslocamento dos componentes do movimento no plano sagital. Ou seja, no plano em que a habilidade apresenta predomínio dos deslocamentos. O instrumento analisa as fases de preparação (posição inicial) e de realização do saque, sendo que esta última se refere ao lançamento da bola, ataque a bola e finalização. Em cada uma destas fases é atribuída uma pontuação de 1 a 3 e multiplicada pelo peso de 1 a 4, de acordo com o componente da habilidade, que somadas às demais compõem o escore total do padrão de movimento do saque, que varia de 9 a 27 pontos (ver procedimento detalhado da análise qualitativa em Meira Jr²¹).

Este instrumento apresentou consistência e reprodutibilidade no processo de validação com os coeficientes de correlação intraclasse inter e intra-avaliador de 0,81 e 0,86, respectivamente. Esta lista de checagem primeiramente teve a sua validade de conteúdo analisada²¹. Posteriormente, foi feita a sua validade de constructo e consistência interna²², sendo considerada como um instrumento confiável para utilização em pesquisas com esta habilidade esportiva através da análise qualitativa sobre as mudanças no padrão de movimento.

Delineamento do estudo

Para a manipulação das restrições dificuldade da meta e a restrição física (restrição da tarefa e do ambiente, respectivamente), foram selecionadas quatro condições experimentais. A condição 1, caracterizada pela meta de menor dificuldade sem restrição física, requeria acertar 5 vezes consecutivas em qualquer zona do alvo (meta de menor dificuldade sem fita - MFSF). A condição 2, caracterizada por ter uma meta fácil com restrição física, requeria acertar 5 vezes consecutivas em qualquer zona do alvo, mas acrescida a restrição física de uma fita elástica a 1 metro de altura da rede, sendo que a bola deveria passar entre a borda superior da rede e a fita elástica (meta de menor dificuldade com fita - MFCF) (Figura 2). A condição 3, caracterizada pela meta difícil com restrição física, requeria acertar 5 vezes consecutivas as duas maiores graduações do alvo com a bola passando entre a borda superior da rede e a fita elástica (meta de maior dificuldade com fita - MDCF). A condição 4, caracterizada pela meta difícil e sem restrição física, requeria acertar 5 vezes consecutivas as duas maiores graduações do alvo sem a restrição da fita (meta de maior dificuldade sem fita - MDSF). Todos os participantes executaram 10 tentativas do saque do voleibol em cada uma das quatro condições experimentais. Para minimizar possíveis efeitos de aprendizagem, a ordem das condições de execução das tentativas foi contrabalançada entre os sujeitos de ambos os grupos.

Figura 2
Ilustração do ambiente de pesquisa.

Procedimentos

O projeto de pesquisa projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais e aprovado com o parecer nº 1.939.735. Foi entregue aos voluntários o termo de consentimento livre e esclarecido, contendo as informações referentes aos objetivos do estudo, procedimentos e riscos envolvidos na pesquisa para que fossem assinados pelos responsáveis legais, consentindo a participação dos adolescentes no experimento. Também foi entregue o termo de assentimento que contém informações acerca do estudo e que foi assinado por todos os responsáveis dos voluntários que aceitaram participar da pesquisa.

Para a execução do saque do voleibol, os participantes foram direcionados à quadra individualmente. Primeiramente, foram dadas instruções aos sujeitos acerca do objetivo da tarefa. Após a explicação do objetivo da tarefa que era tentar atingir a bola no centro do alvo, utilizando o saque por cima do voleibol, o participante foi direcionado à região de onde o saque deveria ser executado após os comandos “prepara” e “vai”, fornecidos pelo experimentador.

Um anotador era posicionado do lado “B” da quadra, em diagonal ao centro do alvo, levando em consideração a posição do participante para uma melhor visualização do local onde a bola tocava o solo. A anotação da pontuação foi realizada imediatamente após a execução de cada saque. Não foi fornecido feedback sobre a pontuação atingida em cada saque, mas o participante tinha visão de todo o espaço onde o experimento foi realizado. Portanto, os participantes tinham feedback visual sobre seu desempenho a cada tentativa durante todo o experimento. Contudo, não foi fornecida nenhuma informação sobre o desempenho em relação à meta ou forma de executar o saque (i.e., padrão de movimento da habilidade esportiva). Foi fornecido conhecimento de performance apenas quando os participantes executaram o ataque à bola com as duas mãos ou quando a bola era conduzida, descaracterizando o padrão da habilidade do saque por cima do voleibol. Cada participante desempenhou 10 tentativas em uma condição para, então, iniciar a condição seguinte. O intervalo entre as tentativas de cada condição foi de 6 a 8 segundos, tempo suficiente para o participante identificar o local onde a bola tocou o solo e receber a próxima bola.

O padrão de movimento dos diferentes componentes do saque foi analisado em câmera lenta, posteriormente a coleta de dados, com auxílio de um computador e software para reprodução de vídeos. Os vídeos apresentavam a gravação apenas das imagens do padrão de movimento, sem nenhuma informação relacionada à meta da tarefa (i.e., em relação ao alvo). A análise dos vídeos dos padrões de movimento do saque foi realizada por três avaliadores experientes, de forma individual. Contudo, antes de iniciar a análise foram avaliados os coeficientes de correlação intraclasse para a confiabilidade inter-avaliador (CCI_2,1) e intra-avaliador (CCI_3,1). Os coeficientes de correlação intraclasse para a confiabilidade inter-avaliador (CCI_2,1) e intra-avaliador (CCI_3,1) variaram entre 0,814 a 0,998 nas diferentes fases da execução do saque. Os procedimentos para determinação dos coeficientes de correlação intraclasse seguiram as recomendações de Weir²³.

Análise estatística

Na análise estatística foram utilizadas medidas descritivas de média, desvio padrão e distribuição de frequência. Foi realizada uma análise exploratória, a fim de verificar a existência de outliers e a normalidade de distribuição dos dados amostrais foi analisada através do teste de Shapiro-Wilk. A homoscedasticidade das variâncias foi verificada através do teste de Levene, a igualdade das matrizes de covariância com o teste Box’M e a esfericidade pelo teste de Mauchly. Respeitadas as assunções, foi aplicada uma ANOVA three-way (2 níveis de experiência X 2 restrições da tarefa x 2 restrições do ambiente) para cada uma das variáveis dependentes. Quando necessário foi utilizado o teste de post hoc de Duncan para identificar as possíveis diferenças. Utilizou-se o método de correção de Greenhouse-Geisser nos casos de violação da premissa básica de esfericidade. Para todas as análises se adotou o nível de significância de 5%.

Resultados

A Figura 3a mostra que na análise da precisão do desempenho houve efeito principal do nível de experiência (F(1,34) = 73,315, p < 0,001, η² = 0,683, φ = 1,000), com o grupo experiente obtendo maior precisão no saque em comparação ao grupo inexperiente. Também foi identificado efeito principal da dificuldade da meta da tarefa (F(1,34) = 5,321, p = 0,027, η² = 0,135, φ = 0,610), com o desempenho sendo mais preciso nas condições de maior dificuldade da meta (MDCF e MDSF). Não foram observadas interações significantes entre as variáveis (p>0,05).

Figura 3
Médias e intervalos de confiança (95%) da precisão e da consistência do desempenho do saque em relação ao alvo dos grupos experiente e inexperiente nas diferentes condições

A Figura 3b mostra que na análise da consistência do desempenho houve interação entre nível de experiência e restrição física (F(1,34) = 13,446, p < 0,001, η² = 0,283, φ = 0,945). O post hoc detectou que o grupo experiente teve o desempenho mais consistente que o grupo inexperiente em ambas condições, com e sem restrição física (p<0,001). Apenas o grupo inexperiente apresentou mudança ao se inserir a restrição física, quando o desempenho se tornou menos consistente (p<0,001). Não foram observadas interações entre as demais variáveis.

Em relação à média do escore do padrão de movimento do saque (Figura 4a), a ANOVA apontou interação entre nível de experiência, dificuldade da meta da tarefa e restrição física (F(1,34) = 6,539 , p = 0,015, η² = 0,165, φ = 0,699). O post hoc detectou que o grupo inexperiente obteve menor escore no padrão de movimento nas condições com restrição física (p=0,007). O post hoc também apontou que o grupo experiente obteve médias mais elevadas dos escores que os inexperientes nas condições com restrição física (p<0,05). No grupo experiente, a média do escore do padrão de movimento não demonstrou diferença entre as condições. Por outro lado, o grupo inexperiente obteve menor média do escore do padrão de movimento na condição de maior dificuldade da meta e restrição física (MDCF) em comparação às condições MFSF (p = 0,008) e MDSF (p = 0,016).

Figura 4
Médias e intervalos de confiança (95%) do escore e da consistência do padrão de movimento do saque em relação ao alvo dos grupos experiente e inexperiente nas diferentes condições

Na análise da consistência do escore do padrão de movimento do saque (Figura 4b), a ANOVA detectou apenas um efeito principal para o nível de experiência (F(1,33) = 4,154, p = 0,049, η² = 0,11, φ = 0,507), sendo que o grupo experiente demonstrou um padrão de movimento mais consistente em comparação ao grupo inexperiente. Não foram observadas interações entre as demais variáveis (p>0,05).

Discussão

O presente estudo investigou como o nível de experiência interage com diferentes restrições na execução do saque do voleibol. Para isso foram manipuladas quatro condições experimentais com duas configurações de restrições de dificuldade da meta (i.e. maior e menor dificuldade) e de restrição física (i.e. através do uso de uma fita colocada acima da rede). Em geral, os resultados demonstraram que o nível de experiência foi a restrição que exerce maior efeito dentro das interações propostas no estudo. Diante das diferentes interações das restrições, os sujeitos experientes conseguiram manter a precisão do desempenho (tanto para o padrão de movimento quanto para a precisão ao alvo). Isso pode ser devido ao nível de experiência possibilitar uma busca de estratégias mais eficiente dentro do workspace perceptomotor. Este workspace surge da interação entre as restrições do indivíduo, ambiente e tarefa, fornecendo informações ao executante e atuando na canalização da busca de estratégias³. Portanto, é plausível que sujeitos experientes possam utilizar as informações de maneira mais eficiente do que sujeitos inexperientes para manter o desempenho consistente, mesmo diante das mudanças nas restrições da tarefa e do ambiente.

Por outro lado, embora os sujeitos inexperientes também tenham mantido a precisão do desempenho em relação ao alvo, o mesmo não é possível dizer sobre a consistência do desempenho. Nas condições com restrição física, os sujeitos inexperientes apresentaram menor consistência, enquanto os sujeitos experientes mantiveram a consistência similar em todas as condições. Os nossos dados mostram que o maior nível de experiência anula o efeito da restrição física na precisão do saque, o que nos permite inferir que ela favorece a busca de estratégias para atingir a meta, mantendo o desempenho estável.

A importância de analisar o desempenho em relação ao alvo (produto da ação) reside no argumento de Reed²⁴ de que ações são funcionais. Os processos de controle organizam os movimentos para realização de alguma função, no caso do estudo, alcançar uma determinada meta. No entanto, poucas pesquisas têm investigado mudanças em ambos os aspectos (i.e., padrão de movimento e o resultado em relação à meta ambiental) com tarefas de controle de força e precisão. Um estudo demonstrou que ocorre mudança no acoplamento das articulações e aumento da consistência do desempenho no lançamento do dardo de salão com o decorrer da prática²⁵. Apesar do presente estudo não possuir um delineamento de aprendizagem, é possível fazer associações do desempenho de sujeitos experientes com o desempenho apresentado no decorrer da aquisição de uma habilidade motora (visto que a experiência é decorrente da prática ao longo do tempo).

No modelo das restrições, sugere-se que a coordenação e o controle do movimento emerge da confluência das restrições do organismo, ambiente e tarefa¹. Na visão de Newell e Jordan²⁶, todas as restrições atuam na canalização do sistema dinâmico, embora algumas restrições possam exercer um papel mais importante do que outras no desempenho motor. Esta suposição foi confirmada na consistência do desempenho do saque, pois a restrição física atuou como um parâmetro de controle²⁷, levando a uma diminuição da consistência do desempenho do nível inexperiente, independente da restrição dificuldade da meta. No entanto, a restrição do indivíduo (i.e., nível de experiência) foi a mais importante, pois o nível experiente manteve tanto a precisão como a consistência do desempenho, independente da configuração das restrições impostas.

O padrão de movimento do saque teve comportamento similar. O nível experiente manteve o padrão de movimento constante em todas as condições. O maior descongelamento ou liberação dos graus de liberdade dos experientes² associado à maior eficiência em explorar o workspace perceptomotor³ parece ter permitido pequenas alterações no padrão de movimento (em um nível mais microscópico de análise) que possibilitaram melhor desempenho diante das diferentes restrições. Comportamento oposto ocorreu com o nível inexperiente, que apresentou diminuição na média do escore do padrão de movimento na condição com meta de maior dificuldade e restrição física em comparação às condições sem restrição física. Este resultado permite inferir um efeito parecido ao observado na consistência da precisão do saque, com a restrição física levando a maiores mudanças do que a dificuldade da meta. Tais resultados indicam que a restrição física não atuou como um parâmetro de controle na interação com a meta de menor dificuldade, pois o escore do padrão de movimento na condição MFCF foi semelhante às demais condições. Este resultado revela a importância de investigar as interações das restrições, pois seus resultados no comportamento parecem ser não-lineares.

A proposição de não linearidade é confirmada nos resultados do padrão de movimento dos sujeitos inexperientes, pois em cada uma das condições resultou na emergência de comportamentos diferentes. Este achado corrobora com as premissas de Glazier e Robins²⁸, de que mudanças em pequena escala em uma das três categorias das restrições pode ter um impacto de grande escala nos padrões de coordenação e no controle do movimento. Além disso, variações em duas ou três restrições podem anular o efeito ou ter pouco impacto no padrão de coordenação e no controle do movimento. Porém, não podemos confirmar esta premissa, porque a comparação da condição MFSF com a condição MFCF não demonstrou diferenças (i.e., apenas uma restrição foi alterada). Por outro lado, observou-se diferença da condição MFSF em comparação a condição MDCF, quando houve alterações nas restrições da dificuldade da meta e na restrição física.

Ao analisar o ser humano como sistemas abertos e dinâmicos²⁹, chamamos atenção a dois aspectos em relação ao comportamento frente as restrições. Primeiro, recorrendo aos argumentos de Kugler, Kelso e Turvey³⁰, quando o fluxo de energia/informação através dos limites dos componentes de um sistema é baixo, o componente permanece estável. Entretanto, quando o fluxo de energia/informação é alto, excedendo um valor crítico, o comportamento do componente se torna instável, podendo dar lugar a uma nova estabilidade que emerge da troca de energia/informação entre os componentes do sistema³⁰. De acordo com esse background, poderíamos considerar que quanto mais alterações na interação das restrições, maior seria o fluxo de informações e, consequentemente, mais mudanças poderiam ser observadas. Contudo, isto não foi observado nos resultados, tanto em relação ao nível experiente, quanto ao inexperiente, o que nos leva ao segundo ponto.

Embora as mudanças na forma do movimento sejam dependentes do fluxo de informação, o escalonamento das restrições para cima ou para baixo nem sempre ocasionará uma relação linear³¹. Este comportamento foi observado nos resultados do grupo inexperiente, corroborando com os achados de Isaacs³² e de Payne e Koslow³³ através da habilidade de agarrar bolas de diferentes tamanhos. Os achados do presente estudo reforçam as premissas levantadas por Glazier e Robins²⁷.

Associando os resultados do padrão de movimento com o desempenho da precisão ao alvo nos inexperientes, na condição MDCF o padrão de movimento do saque foi modificado, distanciando do padrão tradicionalmente mais adequado, mas a precisão ao alvo foi mantida. Resultado similar foi encontrado com a habilidade motora fundamental arremesso por cima do ombro⁵, quando o aumento da precisão levou à utilização de um padrão de movimento menos avançado segundo critérios sugeridos na literatura. Vale ressaltar que para as restrições específicas daquela tarefa, o padrão utilizado pode ser considerado como o mais eficiente. Como demonstrado nas citações de Kugler, Kelso e Turvey^28),(29, dependendo do fluxo de energia/informação um novo padrão estável emerge, possibilitando a manutenção do alcance da meta.

Esta busca de estratégia parece ter ocorrido no presente estudo, uma vez que a precisão do desempenho do nível inexperiente foi mantido ao passo que o escore do padrão de movimento apresentou um declínio em uma das condições com restrições físicas. Portanto, embora sujeitos inexperientes apresentem um desempenho inferior comparado aos experientes, ainda assim, são capazes de explorar de alguma forma as informações disponibilizadas pela confluência das restrições a fim de manter seu desempenho. Estas estratégias não são tão eficientes quanto às dos experientes, pois a consistência do desempenho não foi mantida pelos inexperientes.

O nível de experiência atua como uma restrição que exerce a maior influência no desempenho da habilidade do que as demais, confirmando a hipótese levantada. Uma possível explicação é que ela é uma restrição do organismo, capaz de maximizar a forma como o sujeito explora as informações disponibilizadas pelas demais restrições (ambiente e tarefa) que foram manipuladas neste experimento. Além disso, é possível que sujeitos experientes possam utilizar essas informações para realizar pequenas mudanças nos padrões de coordenação e no controle do movimento para manterem o desempenho. Apesar das restrições reduzirem as possibilidades de configurações dos padrões de movimento¹, esta delimitação não tem o sentido de frear ou impedir a otimização na emergência de padrões coordenativos, mas sim, de fornecer as propriedades informacionais que canalizam os componentes do sistema perceptomotor em uma determinada direção.

Conclusões

As medidas de desempenho da meta ambiental e do padrão de movimento do saque do voleibol revelaram superioridade do grupo experiente. Os sujeitos experientes demonstraram maior precisão e maior consistência no saque do voleibol comparado aos sujeitos inexperientes. Da mesma forma, os sujeitos experientes obtiveram as médias mais elevadas dos escores do padrão de movimento do saque do voleibol comparado aos sujeitos inexperientes e não apresentaram mudança nas diferentes condições. Ao contrário, o grupo inexperiente apresentou alterações no desempenho em algumas das condições experimentais ou ainda tiveram que modificar o padrão de movimento para manterem o desempenho. Portanto, o nível de experiência exerceu um importante papel dentro das interações investigadas através de uma abordagem dinâmica, uma vez que o maior nível de experiência parece anular o efeito das diferentes interações das restrições manipuladas.

Estes achados trazem implicações para a prática profissional, na medida que demonstram a necessidade de considerar a interação das restrições a serem manipuladas no contexto de prática. Principalmente, por considerar as características do indivíduo ao pensar na estrutura do ambiente e nas metas impostas a ele. Como limitação do estudo, chamamos a atenção para a dificuldade da lista de checagem em detectar mudanças na relação dos componentes do saque em um nível de análise mais microscópico. É provável que sujeitos experientes utilizem alguma forma de estratégia para manter o seu nível de desempenho diante das mudanças nas demandas da tarefa, mas que o instrumento utilizado não permitiu que fossem aqui observadas. Portanto, futuros estudos devem verificar esta questão utilizando ferramentas mais precisas que permitam analisar as relações entre as articulações envolvidas no saque do voleibol, o que já está sendo desenvolvido no nosso grupo de pesquisa.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  19 Dez 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  22 Abr 2021
• Revisado
  05 Ago 2022
• Aceito
  20 Ago 2022