Resumo
A palavra da vítima tem grande relevância em casos de violência sexual, entretanto no Brasil há escassez de recomendações específicas para a realização de entrevistas nestes casos. Este artigo visa apresentar procedimentos a serem adotados em entrevistas com mulheres vítimas de violência sexual. As recomendações incluem a conscientização sobre mitos de estupro, estabelecimento de rapport, gravação do depoimento, e uso de relato livre e perguntas abertas. Essas práticas estão em consonância com as recomendações científicas e podem ser utilizadas para capacitar profissionais da segurança pública, a fim preservar a prova testemunhal e evitar revitimização.
Palavras-chave Violência sexual; Entrevista; Direitos da Mulher; Memória
Abstract
The victim’s word has great relevance in cases of sexual violence, however in Brazil there is a lack of specific recommendations for conducting interviews in these cases. This article aims to present procedures to be adopted in interviews with women victims of sexual violence. The recommendations include raising awareness about rape myths, establishing rapport, recording the testimony, and prioritize free recall and open-ended questions. These practices are in line with scientific recommendations and can be used to train public safety professionals to preserve eyewitness evidence and avoid revictimization.
Keywords Sex Offenses; Interview; Women’s Rights; Memory
Introdução
A violência sexual é um crime que guarda certas especificidades: suas vítimas são predominantemente mulheres, e seus relatos se configuram enquanto prova fundamental para investigação e responsabilização dos envolvidos6. Neste contexto, caracterizado frequentemente pela ausência de provas adicionais ou testemunhas, diferentes profissionais, tais como policiais, defensores, promotores, precisam conversar com a vítima para obter informações. Processo este que, a partir da literatura da Psicologia do Testemunho, é denominado de entrevista.7
O Brasil possui recentes avanços no que tange a entrevistas com crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de violência sexual, por meio da lei que determina a entrevista como processo regido por protocolos (Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017)8. No que tange a vítimas adultas, há a recente lei n°14.245, também denominada Lei Mariana Ferrer9, voltada para a preservação da dignidade da vítima no processo.
Segundo a Lei n°14.245, os profissionais de segurança pública deverão “zelar pela integridade física e psicológica da vítima”, sendo vedada a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos, por exemplo, exibir fotos que a vítima posta em redes sociais. É vedada ainda, a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofenda a dignidade da vítima ou de testemunhas, por exemplo, emitir opiniões de desaprovação moral das ações da vítima. Entretanto, há escassez de protocolos pautados em arcabouço científico nacional e internacional sobre o tema. Precisamente, sobre como profissionais de segurança pública devem se preparar para ouvir vítimas adultas de violência sexual. Afinal, o que os/as profissionais acreditam que aconteceu, o relacionamento que estabelecem com a vítima, e a maneira como realizam perguntas são essenciais para o resultado da entrevista.
A violência sexual pode ser descrita como qualquer ação na qual uma pessoa, valendo-se de sua posição de poder e fazendo uso de força física, coerção, intimidação ou influência psicológica, com uso ou não de armas ou substâncias, obriga outra pessoa, de qualquer sexo e idade, a ter, presenciar ou participar de interações sexuais, ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, com fins de lucro, vingança ou outra intenção10. Suas expressões mais comuns são o estupro cometido por pessoa conhecida (e.g., dentro de um relacionamento, casamento, aborto ou coabitação forçadas) e as violências sexuais cometidas por pessoa desconhecida (e.g., tentativas de contato sexual indesejadas, estupro, importunação e assédio sexual)11
A violência sexual é um crime de ocorrência significativa no Brasil. Especificamente a respeito do estupro, apenas em 2021, foram registrados 56.098 boletins de ocorrência contra meninas e mulheres no país. Considerando-se que este número se refere apenas aos casos que chegaram até as autoridades policiais, isso significa que a cada 10 minutos um estupro foi perpetrado contra esse público em território nacional. Esses dados, gerados a partir de um levantamento realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública12, podem ser traduzidos em uma taxa média de estupros (contra crianças, adolescentes e mulheres adultas) de 51,8 para cada 100 mil habitantes, representando um crescimento de registros dessa forma de violação em relação ao ano anterior, 2021.
As estatísticas sugerem que apesar dos esforços de prevenção e erradicação realizados em diferentes níveis, a violência sexual permanece como um grave problema de justiça e saúde pública no país. Dados em nível global confirmam essa assertiva, na medida em que uma em cada três mulheres em todo o mundo já foi (ou está sob o risco de ser) agredida sexualmente em algum momento de sua vida (ex., United Nations Population Fund – UNFPA13). Scarpati e Koller14, no entanto, alertam sobre a necessidade de cautela quanto à interpretação de dados dessa natureza. Isso porque, em razão das características intrínsecas ao fenômeno da violência sexual, nem mesmo as fontes tradicionalmente consideradas confiáveis são capazes de estimar adequadamente o número de casos de ocorridos em um dado período. Deduz-se, por exemplo, que a partir de uma variedade de motivos bem documentados, que apenas 10% das vítimas revelam às autoridades competentes que sofreram tal forma de violação15 16 17.
Dentre os fatores que contribuem para que as vítimas silenciem a violência sofrida estão: ameaça de vingança dos agressores, sentimentos de vergonha, medo e culpa, receio da possível divulgação do caso pela imprensa, medo de represálias, o esquecimento ou repressão das experiências de vitimização sexual18, assim como a própria opressão de gênero que coloca essas mulheres, a priori, em lugar de vulnerabilidade nesta sociedade. Como comenta Scarpati19, as violências cometidas contra as mulheres, especialmente aquelas que marcadamente se referem à sua sexualidade, precisam ser entendidas a partir de uma perspectiva gentrificada. Isto porque, ao ser considerada uma violência de gênero, passa a exigir reflexão profunda sobre como a construção das diferenças entre os sexos se traduz na ocorrência de crimes de ordem sexual contra essa população.
Soma-se a estes fatores, a não conceituação imediata da experiência de violação sexual como estupro20 21. Seja pelo fato de a agressão ter sido perpetrada por um conhecido ou cônjuge22 23, pelo histórico de envolvimento sexual ou afetivo prévio com o perpetrador24pela não utilização de grave ameaça ou força pelo agressor25 ou pelo endosso elevado de diferentes mitos de estupro por parte das vítimas (ver Orchowski et al., 2021 para revisão sobre o tema).
Outro fator importante para o silenciamento da violência sofrida elencado por Scarpati e Koller26, é a desconfiança nas instituições de segurança e justiça no Brasil. Apesar da criação de espaços destinados ao atendimento humanizado de mulheres vítimas de violência (e.g. Sala Lilás) serem relevantes no cuidado das vítimas, há ainda obstáculos no atendimento desta população. Há pouco ou nenhum investimento em treinamentos e capacitações para entrevistas humanizadas e baseadas em evidências para obtenção de informações confiáveis. E, apesar de conhecerem as consequências negativas da violência sexual, profissionais de segurança pública muitas vezes tendem, ainda hoje, a apresentarem crenças e/ou comportamentos com potencial para prejudicar a investigação, além de se traduzirem em constantes experiências de vitimização secundária por parte das vítimas. Dentre eles, estão: a) interpretação inadequada do(s) comportamento(s) das vítimas durante o atendimento dos casos, b) o desconhecimento dos efeitos (deletérios) que a sua abordagem pode gerar nas pessoas atendidas e c) crenças e vieses (e.g., mitos de estupro) que impactam suas intervenções e a progressão da investigação27.
A violência sexual é um crime cujo sofrimento físico e psicológico perpetrado se estende para além do momento de sua ocorrência. Diferentemente de outros crimes, casos dessa natureza usualmente carecem de testemunhas ou vestígios físicos que auxiliem na comprovação da materialidade do ato. A falta de evidências materiais faz com que o relato da vítima se torne fonte privilegiada - e por vezes, única - de informação para a investigação, ou meio de prova no julgamento. Neste cenário, para cada situação em que uma vítima é solicitada a relatar, incorre-se não apenas no risco de alguma forma de prejuízo ao seu bem-estar psicológico, mas também na maior probabilidade de distorções no relato, impactando no desfecho do caso28 29
Apesar de fundamental, até o presente momento, o Brasil não possui um protocolo específico para a escuta de vítimas de violência sexual. Como providenciar uma escuta que permita obter o maior número de informações da maneira mais confiável possível, ao mesmo tempo em que reduz as chances de revitimização? Para isso, inicialmente será discutida a necessidade de preparação mental do/a entrevistador/a, como forma de evitar vieses como os mitos de estupro. Em seguida, serão apresentados os caminhos para a construção do rapport, técnica que visa criar uma relação de respeito e acolhimento. Por fim, são apresentadas de que forma as técnicas de relato livre e perguntas abertas podem ser formuladas para obtenção de um relato mais detalhado e fidedigno dos fatos investigados.
Ressalta-se, aqui, que a escolha pelo termo entrevista em detrimento de quaisquer outras variantes (e.g., oitiva, depoimento etc.) tem como referência a literatura científica da Entrevista Investigativa. Esta literatura endereça aspectos teóricos e práticos envolvidos na obtenção do relato de mulheres vítimas de violência sexual. Ademais, apesar do procedimento de escuta receber diferentes nomenclaturas a depender do/a entrevistador/a e da etapa em que ocorre (e.g., investigação, julgamento etc.), partilha-se de uma lógica comum: a comunicação entre indivíduos com o objetivo de obter informações.
1. Vieses cognitivos do/a entrevistador/a e a necessidade de planejamento e preparação
O que uma vítima de violência sexual relata não necessariamente é um detalhamento completo e objetivo do acontecido. Seu relato não é uma recordação estática, pois depende, dentre outras coisas, da maneira como a entrevista é conduzida. Neste sentido, existe uma relação entre o que o/a entrevistador/a acredita que aconteceu e quais informações ele/a considera relevantes de se obter na entrevista. Entretanto, essa escolha é influenciada tanto por vieses cognitivos, os quais podem limitar as informações obtidas, como técnicas que podem diminuir o seu impacto. Afinal, os/as profissionais envolvidos no sistema de justiça também estão sob a condição de seres humanos e, consequentemente, de todas suas potencialidades e limitações.
Os seres humanos tomam decisões por meio de padrões sistemáticos e irracionais. Esses padrões, também chamados de atalhos mentais, são criados para que não precisemos nos esforçar tanto ao tomar decisões no dia a dia. Com isso, criamos uma tendência de escolha e busca de informações que confirmem crenças ou ideias pré-existentes, também conhecido como viés de confirmação30 31 32 33. No dia a dia, esses vieses podem ajudar a tomar decisões de forma mais simples, no entanto, na investigação ou julgamento de crimes podem trazer prejuízos34 35.
Os vieses de confirmação podem impactar na condução de uma entrevista que permita uma descrição mais acurada do ocorrido. Dentre as formas de impacto, destaca-se a busca seletiva de informações, no qual o/a entrevistador/a procura informações que confirmem sua hipótese/crença. Por exemplo, se um/a entrevistador/a acredita que a vítima está mentindo, ele/a vai buscar informações que confirmem essa crença. Ainda, o viés pode impactar na interpretação de informações, fazendo com que o/a investigador/a interprete e avalie os elementos também de forma a confirmar sua hipótese/crença. Por exemplo, se a vítima diz que estava com a pessoa suspeita do crime antes da violência ocorrer, o/a entrevistador/a pode entender que não foi um estupro, e sim uma relação com consentimento, se essa for sua crença inicial. Por fim, o viés pode contribuir para uma memória enviesada; fazendo com que o/a entrevistador/a se lembre com mais facilidade das informações que confirmam sua hipótese/crença, em detrimento daquelas que as contrariam36 37 38.
Se crenças e vieses influenciam a maneira com que informações são obtidas e interpretadas, é importante verificar o conteúdo e nível destas crenças entre entrevistadores/as de vítimas de violência sexual. Nesta seara, parece importante destacar o que se convencionou chamar de ‘mitos do estupro’. Os mitos de estupro são crenças acerca do que constitui um “estupro real”, quem são suas vítimas e agressores que, apesar de inexatas e imprecisas em termos de conteúdo, são culturalmente aceitas e amplamente compartilhadas39.
Especificamente sobre o seu primeiro aspecto, o “estupro real” (termo cunhado por Susan Estrich em 198740), os mitos induzem ao erro de imaginar que esta violação se restringe ou envolve prioritariamente alguns aspectos. Por exemplo, a penetração de um pênis em uma vagina por um agressor homem, estranho, em um local ermo, a partir do uso de força ou grave ameaça, e com consequências importantes para a integridade física da vítima. Sobre a “vítima ideal”, criam-se representações e narrativas que fomentam um estereótipo de mulher. A vítima seria jovem, branca, com emprego estável, sem histórico de adoecimento mental, reputação idônea, que tenha apresentado resistência física no momento da violência e parece visivelmente sensibilizada pela violência41 42. Espera-se (ou idealize-se), ainda, que essa vítima tenha procurado – quase que imediatamente após o ocorrido – as autoridades. Por fim, sobre o “agressor verídico” ou “real”, imagina-se que seja um sujeito estranho à vítima, e portador de algum adoecimento psíquico que justifique o seu comportamento.
Como mencionado na definição do termo, esses mitos não estão, necessariamente, alinhados com a realidade dos casos. Na prática, o que se identifica são ofensas cometidas por sujeitos conhecidos, em um local familiar, sem utilização de força física e com possível histórico de relações afetivas e/ou sexuais consensuais prévias entre os envolvidos. Além disso, contrariando expectativas, as vítimas quase nunca apresentam marcas reais ou evidentes da violência sofrida, raramente conseguem reagir à agressão no momento de sua ocorrência e poucas são aquelas que denunciam o ocorrido43.
Essa discrepância entre o que se espera de uma violência sexual (i.e., mitos de estupro) e os fatos transcorridos têm uma série de desdobramentos adversos. A autorresponsabilização das vítimas pelo ocorrido, a não nomeação das experiências de vitimização como tal, e dificuldade para autorreconhecimento dos autores da violência neste papel (ver Scarpati, 2018 para revisão) são alguns dos exemplos mais recorrentes. Além disso, sugere-se que profissionais envolvidos no atendimento deste público presumam como falsas as alegações de violência sexual em casos como os de estupro marital, estupro em contexto de relacionamento, casos envolvendo profissionais do sexo ou autores com elevado poder aquisitivo ou status social, simplesmente por elas não preenchem os critérios do que seria “esperado” para uma agressão desta natureza44 45.
O endosso de diferentes níveis de mitos de estupro, por agentes das áreas de segurança e justiça tem contribuído, historicamente, para o case attrition (i.e., número de prisões que não resultam em condenação ou condenação resultante de acusações reduzidas) e para a violência institucional. Profissionais com maior aderência aos mitos de estupro tendem a ter menor percepção de credibilidade e maior atribuição de culpa à vítima. Além disso, a crença nos mitos de estupro gera comprometimento na qualidade do relacionamento entre profissional e sobreviventes. Por exemplo, leva à adoção de uma postura de desconfiança, descrença, insensibilidade e ceticismo do/a entrevistador/a para com o relato da vítima. Estes efeitos são ainda maiores quando as vítimas não relatam sua vitimização imediatamente após a ocorrência, ou, quando seus casos desafiam as expectativas em torno de uma violação sexual (e.g. a vítima não apresentou resistência física durante a violência)46 47.
Os mitos de estupro afetam atores do sistema de justiça e até mesmo jurados/as, de modo que jurados/as com maior endosso de diferentes mitos tem menor probabilidade de acreditar em um relato de estupro48 49 50. Assim, há uma profecia autorrealizável, visto que heurísticas individuais sobre como um estupro acontece e quem são as pessoas envolvidas influenciam nas decisões tomadas e práticas adotadas sobre a violência sexual, formado um ‘ciclo vicioso’ no qual crimes e vítimas que fogem ao padrão estipulado estão mais vulneráveis a serem desacreditadas51. Outro aspecto que pode enviesar o processo de entrevista é a percepção de que a denúncia é, a priori, falsa.
As percepções sobre a existência de falsas acusações de estupro são, muito provavelmente, superestimadas tanto pelo público leigo e pelos profissionais. Uma amostra composta por 40 policiais envolvidos no atendimento de casos de estupro no em 2020 apontou, por exemplo, que 53% acreditam em falsas alegações por parte das vítimas52. Dados dessa natureza indicam, contudo, um cenário bem diferente. Uma análise de mais de 80 mil casos de estupro (N = 85.000) incluídos na Uniform Crime Report of the Federal Bureau of Investigation entre os anos de 2006 e 2010 nos Estados Unidos indicam, por exemplo, que apenas 5% dos casos de estupro poderiam ser identificados como “falsas acusações” ou acusações infundadas e insuficientes para que se prosseguisse com o caso. Outros estudos53 da mesma natureza sugerem taxas de falsas acusações variando entre 2,1% e 10,3%. Não se deseja, com isso, recomendar que toda denúncia seja tratada como inerentemente verdadeira. Afinal, tal postura teria o potencial de se desdobrar em condenação até mesmo de casos em que a violência não foi perpetrada (e.g., no exemplo supracitado, tal atitude resultaria em 4.250 condenações de inocentes). Mas, é ressaltada a importância de buscar entender que vieses, para ambos os lados, prejudicam a obtenção de informações e o sistema de justiça como um todo.
A existência de uma única hipótese acerca do ocorrido tem o potencial de limitar o número de informações a serem obtidas e afetar a solução adequada para o caso. Assim, para mitigar o viés de confirmação é preciso minimizar os efeitos da intuição do/a entrevistador/a. Não supondo, por exemplo, que os indícios ou relatos de vítimas, testemunhas ou suspeitos sejam intencionalmente fabricados ou não confiáveis. De forma semelhante, não se deve simplesmente aceitar provas que pareçam incriminatórias, mas também buscar alternativas que forcem ao ceticismo. É importante que o/a entrevistador/a mantenha contato ativo com o caso, por meio da verificação de hipóteses que contradizem as crenças iniciais e auxílio de outros/as profissionais não envolvidos no caso, que podem trazer novas perspectivas54 55.
Sendo a entrevista um momento de obtenção do relato, é necessário que se busque explorá-la de maneira ativa56. Por isso, o/a entrevistador/a deve refletir sobre o contexto da investigação e estar preparado para entrar em contato com detalhes que, em razão de seu conteúdo altamente pessoal, podem envolvê-lo/a emocionalmente no caso. Reflexões sobre como a entrevista pode se desenrolar e como as necessidades psicológicas potenciais do/a entrevistado/a podem ser acomodadas, devem orientar o desenvolvimento de um plano. O planejamento da entrevista envolve tanto a estrutura, quanto o conteúdo abordado e a preparação mental do/a entrevistador/a. Cabe também realizar treinamentos para os/as profissionais responsáveis por ouvir as vítimas. Por exemplo, um treinamento de quatro semanas por meio de aulas expositivas e simulações com 77 policiais da Austrália57 demonstrou uma diminuição na percepção de que a vítima era responsável pela violência sexual, bem como um aumento dos níveis de credibilidade do seu relato.
Os vieses cognitivos e crenças pessoais influenciam a entrevista, mesmo antes do/a entrevistador/a entrar em contato com a pessoa entrevistada. Estes vieses podem ser mitigados por estratégias e treinamentos que podem diferir de acordo com o momento em que são realizadas, mas visam tornar o/a entrevistador/a capaz de reconhecer suas limitações. Assim como desenvolver a habilidade de explorar hipóteses alternativas para evitar influência pessoal no caso.
2. Rapport
Relatar uma violência sexual envolve verbalizar uma situação traumática para uma ou mais pessoas desconhecidas, em um ambiente no qual não se está habituada. O primeiro contato entre o/a entrevistador/a e a pessoa a ser entrevistada pode ser determinante para o desenvolvimento da entrevista. Por exemplo, se o/a entrevistador/a iniciar o contato já desacreditando da vítima e buscando desmentir seu relato pode levar com que esta deixe de relatar informações relevantes para o caso. Elaborando mais profundamente este fenômeno, recorre-se ao que a literatura denomina como ciclos de suspeita e simpatia.
O ciclo de suspeita58 ocorre quando a) um/a agente apresenta uma predisposição para não acreditar nas vítimas; b) e comunica a sua suspeita à vítima; c) por não se sentir acreditada, a vítima não participa plena e ativamente do processo de investigação e, não se sentindo confortável, d) passa a se portar de modo resistente e é vista como não cooperativa. Como resultado, e) o/a agente responsável pela sua escuta sente que suas suspeitas são justificadas. O ciclo de simpatia59, por sua vez, ocorre quando os/as agentes responsáveis/a) interagem com um suspeito que apresenta características como ser (ou aparentar ser) agradável, crível, calmo (especialmente em comparação com a vítima) e, portanto, não preenche o estereótipo de “estuprador típico” ou ainda, b) quando o acusado desenvolve uma relação e um vínculo com a equipe de investigação por se mostrar capaz de proferir uma história plausível sobre o ocorrido.
O ciclo de suspeita e simpatia pode resultar em dois efeitos: menor cooperação por parte das vítimas (já que elas percebem os/as agentes como aliados do agressor) e maiores níveis de conforto, por parte dos autores da violência, para interagirem com os/as agentes60. Argumenta-se, neste sentido, que o ciclo de suspeita possa levar as vítimas a desmentirem seus depoimentos iniciais, a fim de encerrarem o processo e evitarem, desta maneira, a investigação que pareceria caminhar para uma inversão de papéis entre vítima e agressor. O que se busca em uma entrevista é um tratamento respeitoso aos envolvidos, utilizando técnicas que facilitem o processo de comunicação, e consequentemente a cooperação e relato de informações. Neste sentido, o rapport tem se mostrado essencial para o engajamento de vítimas durante o relato, bem como para reduzir sentimentos negativos durante o processo.
Rapport é um termo utilizado para se referir a um conjunto de atitudes presentes em uma comunicação efetiva. Para Tickle-Degnen e Rosenthal61, o rapport é resultado de três componentes: a atenção mútua entre o/a entrevistador/a e entrevistada; a positividade (evitar sentimentos negativos e de valoração); e coordenação (demonstrar que é capaz de compreender o que a entrevistada quer dizer). Segundo esta teoria, o rapport é estabelecido à medida em que a entrevistada percebe que o/a entrevistador/a está atento/a ao seu relato, busca estabelecer uma relação cordial, e tenta compreender genuinamente este relato.
Há diferentes recomendações práticas que podem ser treinadas para estabelecer o rapport, mas que são dependentes de um processo dinâmico, que difere de acordo com a vítima, entrevistador/a, e momento que a entrevista é realizada. Uma forma de iniciar o rapport consiste em estimular a para que a pessoa entrevistada relate sobre uma situação neutra, tais como observações sobre o trajeto até a delegacia ou interesses em comum com o/a entrevistador/a. Além de auxiliar a vítima a se ambientar ao espaço, tópicos neutros também contribuem para que ela se sinta mais confortável e segura. O objetivo é que a vítima entenda que será ouvida adequadamente e que se acostume com a dinâmica de entrevista62. Entretanto, essa recomendação pode ter o efeito contrário se a vítima já inicia o contato buscando relatar o fato e o/a entrevistador/a a interrompe especificamente para falar sobre tópicos neutros.
Sabe-se que o tempo é um limitador do trabalho dos agentes devido a alta demanda de casos, assim como a falta de um ambiente adequado para a realização de entrevistas. Neste sentido, cabe estabelecer protocolos adaptados para diferentes profissionais que realizam a entrevista, incorporando os elementos de atenção mútua, positividade e coordenação. Por exemplo, orientar a vítima acerca dos processos e procedimentos, à medida que o/a profissional se apresenta, explica os direitos e detalhes do processo de entrevista. Estes cuidados podem auxiliar a diminuir a ansiedade e tensão da vítima e estabelecer a coordenação, ou seja, a compreensão compartilhada acerca do processo de investigação63. De maneira complementar, deve-se atentar à relevância de reconhecimento e legitimação das necessidades emocionais da entrevistada. Uma das formas para atender a estas necessidades é permitir que sejam feitas pausas quando os sentimentos se tornarem difíceis de administrar, e entendimento de expectativas de conduta e condução do caso atreladas ao gênero do entrevistador.
Uma vez estabelecidas técnicas e procedimentos determinantes para estabelecer o rapport, não há, com base na literatura científica, uma diferença de desempenho entre entrevistadores homens e mulheres ainda que a literatura sugira, em alguns momentos, que homens tendam a apresentar maior nível de concordância com o conteúdo dos mitos de estupro quando comparados com mulheres. Isso porque, apesar de diferenças significativamente estatísticas encontradas, também é sabido que mulheres não rejeitem completamente o seu conteúdo64 65.
Para os autores Lonsway e Archambault66, sempre que possível e por uma questão de política interna, qualquer vítima que solicite uma oficial mulher deveria ser respeitada em sua escolha, mesmo que homens e mulheres possam ser bem-sucedidos nesta interação. Para aquelas que não solicitam espontaneamente este contato, por sua vez, sugere-se seguir o atendimento com o/a profissional disponível no momento. Não apresentando, portanto, essa opção, na medida em que tal postura pode ser lida como rejeição ou uma tentativa de evitar o caso. Em suma, a competência e a empatia utilizados de maneira técnica por meio do rapport são muito mais importantes do que o gênero para determinar a eficácia de sua atuação.
Cabe considerar também que muitas agências de aplicação da lei sequer possuem um contingente de profissionais suficiente para implementar de forma realista uma política de atendimento realizada somente por profissionais mulheres. Além disso, algumas vítimas se sentem mais seguras e calmas na presença de profissionais do sexo masculino, b) outras sentem que é importante entrar em contato com uma figura masculina compassiva após a agressão sexual e, c) para muitas profissionais, o contato com vítimas serve como gatilho para suas próprias histórias de vitimização67. Por fim, Lonsway e Archambault68 indicam que as vítimas parecem responder melhor a profissionais que demonstram competência e empatia, independentemente do gênero. Sem treinamento eficaz, não há razão para acreditar que mulheres terão mais sucesso do que homens na investigação de agressão sexual. Por isso a importância de capacitação adequada e atualizada.
Estabelecer o rapport é fundamental para estabelecer confiança, construir um relacionamento profissional de respeito, auxiliar as testemunhas a lembrarem de mais informações, e aumentar a cooperação69. A ausência de rapport pode levar a relatos pouco detalhados e menor cooperação da vítima durante o restante do processo70 71. Estudos empíricos demonstram que o uso do rapport pode auxiliar para que entrevistas resultem em maior quantidade de informações fidedignas72 73. A qualidade da entrevista baseada em rapport é resultado da redução de sentimentos negativos, construção de uma relação de respeito e melhor uso de recursos cognitivos por parte das vítimas 74.
Para Lonsway75, relatos percebidos como falsos podem ser “fabricados” simplesmente como resultado de táticas de investigação enviesadas ou malconduzidas, como aquelas orientadas por mitos de estupro, e afetam a condução de uma entrevista76. Ainda que o relato represente uma experiência verídica de vitimização. O emprego de escuta ativa é um cuidado especial para que as perguntas realizadas não acabem por prejudicar a recordação de informações importantes para a elucidação do caso77.
Em suma, a percepção de altos níveis de concordância com diferentes mitos de estupro e a sequência de interações de tratamento insensível entre os/as envolvidos/as, contribuem para que vítimas se recusem a participar ou cooperar com a polícia78. Além disso, os mitos e o tratamento recebido podem comprometer o processo de recordação e relato do ocorrido. Assim, uma vez que sejam minimizados efeitos de vieses, e estabelecido um clima de cooperação por meio do rapport, o/a entrevistador/a estará pronto para obter o relato da vítima.
3. Memória e Perguntas
O relato de uma vítima de violência sexual é resultado dos procedimentos utilizados para obtê-lo. Neste sentido, perguntas utilizadas de maneira inadequada podem limitar o relato, e até mesmo induzir falsas memórias79. Sendo a memória um indício/prova importante para entender o que ocorreu, os profissionais responsáveis por coletar e analisar esses relatos devem ter conhecimento acerca das propriedades desta memória, bem como os métodos adequados para coletá-la.
A memória é um processo no qual informações são codificadas, armazenadas e recordadas. A codificação se refere à percepção de uma informação por diferentes sentidos, como o rosto do agressor, sua voz, cheiros e sensações sentidas. O armazenamento é o processo em que esta informação codificada é registrada no cérebro após o crime, a qual se dá no intervalo entre o crime e prestar o depoimento. A recuperação, por sua vez, é o retorno dessa informação à consciência, que ocorre ao relatar o fato80.
Do ponto de vista cognitivo, recordar uma violência sexual, pode ser semelhante a passar pela experiência traumática novamente. Isso porque, a memória a ser acessada neste contexto, denominada memória episódica, atua como uma “viagem mental no tempo”, no qual as sinapses dos estímulos codificados durante o crime são ativadas, (e.g. sons, imagens, cheiros, entre outros). Assim, estas memórias estressantes podem ser relembradas de maneira muito vívida, com alta carga emocional (i.e., flashbulb memories81). Diferente das outras formas de memória, estas memórias são mais ricas em detalhes, no entanto, estão tão propensas a erros e processos reconstrutivos quanto recordações sem alta carga emocional.
Ainda que os efeitos deletérios da recordação de uma violência sexual possam ser amenizados por meio do rapport, o trauma ou estresse não garantem que toda a memória recordada seja verdadeira82. Embora memórias com alta carga emocional estejam menos propensas a serem esquecidas, elas não são imunes ao esquecimento de detalhes, ou da recordação de aspectos que não ocorreram83. Afinal, contrariando discursos de senso comum, a memória não é como uma ‘gravação de vídeo’, na qual é possível de ser assistida repetidamente e da exata maneira que foi filmada. A memória é, na verdade, a soma de impulsos elétricos no cérebro moldados para recordar informações a fim de possibilitar o aprendizado e sobrevivência. A memória é, portanto, maleável, e o armazenamento e recuperação de seu conteúdo são processos contínuos e passíveis de modificação84.
Em um estudo, Peace e colegas85 solicitaram que 44 mulheres vítimas de violência sexual com histórico documentado, relatassem memórias para três tipos de eventos: um evento emocional positivo, como a formatura e presentes inesperados; um trauma não sexual, como morte de um ente querido, acidente; e um abuso ou agressão sexual. As participantes deveriam relatar eventos que aconteceram na mesma faixa etária que a violência sexual, e para cada evento, foram convidadas a escrever tudo que pudessem se lembrar, com o máximo de detalhes. As memórias de traumas sexuais continham a maior quantidade de detalhes, mais componentes emocionais, um grau mais alto de vivacidade e informações sensoriais. Assim, tanto subjetiva quanto objetivamente, as memórias sexuais podem perdurar com qualidade anos ou décadas após o evento. Entretanto, o relato de violência sexual foi menos detalhado quando havia passado mais tempo. Por outro lado, memórias sexualmente traumáticas foram associadas às maiores taxas de problemas de memória autorrelatados e alegações de esquecimento, em relação a outros tipos de memória86
A recordação confiável de um evento traumático depende de diversos fatores. Por exemplo, em indivíduos saudáveis, as memórias de eventos traumáticos tendem a ser incompletas, fragmentadas e desorganizadas; enquanto indivíduos que não desenvolveram o transtorno tendem a apresentar narrativas mais lineares87. Em uma entrevista, as informações emocionais podem auxiliar na descrição, uma vez que as narrativas de trauma são frequentemente dominadas por detalhes emocionais e sensoriais88. Por outro lado, estas lembranças podem resultar em experiências de ansiedade que, por sua vez, limitam o relato89 90. Relatos de trauma diferem em sua quantidade de informações e linearidade, mas, contrariando o senso comum, isto não está relacionado com sua confiabilidade91 92.
Outro fator que deve ser levado em consideração ao entrevistar vítimas de violência sexual é a maleabilidade da memória. A cada tentativa de recuperar o seu registro inicial, a memória pode ser modificada (e.g., inserir novas informações). Isso significa que, embora para a memória seja tratada como uma prova repetível em contextos de Segurança e Justiça, do ponto de vista cognitivo, isto não se aplica inteiramente: sempre que uma vítima acessa a memória antiga, ela pode ser modificada e, da mesma forma, memórias de eventos que nunca ocorreram podem ser criadas93 94.
Um fator que influencia na alteração ou criação de novas memórias é a sugestionabilidade e o uso de perguntas sugestivas. Perguntas sugestivas são perguntas que possuem conteúdo não relatado anteriormente pela vítima ou que, de alguma maneira, sugerem a resposta esperada pelo entrevistador (e.g. “Sentiu dor quando ele passou a mão em você?”, “Ele estava com arma?”). Essas perguntas trazem uma indicação de resposta esperada e orientam para respostas de ‘sim ou não’, gerando efeitos negativos para o relato. Estas perguntas podem ainda direcionar o relato da pessoa entrevistada e, assim, resultar em informações limitadas e não confiáveis (e.g., passar a lembrar que o suspeito estava com arma). Mais ainda, a opção por perguntas sugestivas pode direcionar a vítima a uma postura de silêncio ou respostas incertas. Para além de prejudicar a entrevista, informações provindas de perguntas sugestivas podem contaminar a investigação e até mesmo tirar a credibilidade do relato da vítima95 96 97.
Em uma entrevista, as perguntas elaboradas devem ser abertas, a fim de possibilitar que o/a entrevistado/a forneça um relato livre, ou seja, descreva o máximo de informações possíveis em suas próprias palavras98. Ainda que haja o ensejo de pautar a entrevista por meio de quesitos específicos (e.g., houve penetração?), perguntas abertas resultam não apenas em informações mais confiáveis, mas também mais detalhadas. Sugere-se, então, o uso do relato livre, no qual a entrevistada é encorajada a relatar tudo que se recorda, sem interrupções, sugestões e/ou perguntas, baseando-se apenas em sua própria memória. Isto porque, as memórias mais fidedignas que alguém consegue relatar são aquelas descritas em suas próprias palavras e sem interrupções99. O relato livre pode ser incentivado por meio de ações verbais (e.g., “e o que mais?”) e não verbais, como assentir com a cabeça enquanto a vítima relata. Ao incentivar o relato livre e perguntas abertas, tende-se a obter as informações que seriam inicialmente estipuladas em quesitos derivados de perguntas fechadas100.
O uso de perguntas auxilia na obtenção de informações que não foram obtidas durante o relato livre, devendo ser priorizadas. Perguntas como “me conte mais sobre isso” ou “descreva” “você me disse que ele estava na cozinha quando você chegou, me conte mais sobre isso?” são exemplos eficientes de perguntas abertas. As perguntas abertas permitem que a entrevistada recorde informações da memória, enquanto outros tipos de perguntas geralmente oferecem a possibilidade de escolher um tópico ou uma sugestão do/a entrevistador/a. Em caso de alguma informação não ser obtida no relato livre e nas perguntas abertas, podem ser utilizadas perguntas específicas. Este tipo de pergunta busca obter uma informação específica como tempo e lugar, geralmente envolvendo “o quê”, “quem”, “onde”, “como”. Deve-se evitar começar a entrevista com esse tipo de questionamento, pois são obtidas menos informações da pessoa entrevistada, de modo que a resposta se limita somente o que foi perguntado. Assim, as perguntas específicas devem ocorrer somente ao fim do relato livre, e quando as perguntas abertas já foram utilizadas101 102.
Há também as perguntas fechadas, as quais devem ser utilizadas somente em situações já relatadas pela pessoa entrevistada. São perguntas para esclarecer alguma dúvida do/a entrevistador/a, como por exemplo “você me disse que ele te empurrou, isso foi antes ou depois de vocês discutirem?”. Após o uso de perguntas, é imprescindível que o/a entrevistador/a retome o estímulo ao relato livre. O uso das perguntas fechadas não deve ocorrer sobre tópicos não relatados anteriormente pela entrevistada, podendo resultar assim em informações errôneas e levar a pessoa a responder afirmativamente a perguntas sobre eventos não vivenciados 103 104.
Cabe salientar que embora seja popularizada a alegação de que é possível detectar mentiras por meio da observação do comportamento não verbal, há um grande número de evidências que demonstram não haver suporte para esta afirmativa105. Por isso, mesmo nos casos em que se acredita ter evidências de que o relato da vítima é falso, recomenda-se o uso do rapport, o relato livre e perguntas abertas. De um lado, porque à medida que a vítima é incentivada a detalhar informações de maneira aberta, podem-se obter informações provindas da memória episódica que auxiliam na verificação da confiabilidade do relato. De outro, porque relatos deliberadamente fabricados tendem a apresentar diferenças à medida em que é esperado que a pessoa tenha preparado alguma parte do relato, mas não totalmente106 107 108 109. Assim, ao estimular o relato livre e perguntas abertas, possibilita-se a verificação espontânea de contradições que não seriam identificadas através do uso de perguntas fechadas. O foco principal de uma entrevista não é a detecção de mentiras, mas sim a obtenção de relatos mais detalhados sobre fatos vividos.
Por fim, recomenda-se que o registro do relato ocorra em áudio e vídeo, visto que entrevistas reduzidas a um termo escrito apresentam limitações como: a) distorção ou omissão de informações mencionadas pela testemunha110, b) inviabilização da checagem do uso de técnicas inadequadas, e c) prejuízo na qualidade do relato pela redução de energia investida na manutenção do rapport111. O registro por outras vias, por outro lado, possibilita não apenas o registro completo das informações, mas também a avaliação crítica do uso de perguntas durante a entrevista. Permitindo, pois, que as partes, ou mesmo terceiros, possam avaliar uma eventual contaminação do depoimento (e.g., uso de perguntas sugestivas). Ademais, a gravação também possibilita que os profissionais possam ser supervisionados e, de modo último, aperfeiçoados em suas práticas112.
Argumenta-se, então, sobre a importância de que se preze para que as relações firmadas, as perguntas realizadas, e a interpretação dos fatos, ocorram de maneira a não contaminar, direcionar ou até mesmo impedir o relato da vítima. Afinal, o endosso a diferentes mitos de estupro, bem como interações desajustadas entre profissionais e vítimas contribuem não apenas para que elas se recusem a participar ou cooperar em um processo de investigação, mas também tem potencial para contaminar provas, gerar revitimização e dificultar o trabalho do sistema de justiça113 114 115.
Considerações Finais
Este artigo apresentou procedimentos a serem adotados em entrevistas realizadas com mulheres vítimas de violência sexual. Esta escolha se baseia no reconhecimento de como a natureza constitutiva de comportamentos considerados por uma dada sociedade como machistas se traduz na vitimização desproporcional de mulheres. Considerando, pois, o marcador gênero como uma variável de extrema relevância para a construção de soluções de prevenção, intervenção e cuidado.
Neste sentido, faz-se mister destacar que nenhum treinamento se propõe – ou deveria se propor – a eliminar práticas sexistas nos sistemas de segurança e justiça brasileiros; mas dirimir a interferência destes vieses através da aplicação de metodologias específicas de entrevista e acolhimento. Possibilitando, portanto, melhor qualidade e maior quantidade de informações do evento vivido, bem como a criação de um ambiente de escuta orientado por uma lógica de respeito e acolhimento.
As recomendações aqui apresentadas se alicerçam nas contribuições da literatura da Psicologia do Testemunho (i.e., área do saber que possui consolidação científica e replicação em diferentes países, por meio de protocolos de entrevista como o PEACE e NICHD116 117). E servem como diretrizes para a elaboração de protocolos mais estruturados e que incluam desde o planejamento e preparação mental do/a entrevistador/a, a consideração de variáveis cognitivas (e.g., vieses e mitos de estupro), a importância do clima de cooperação para com a vítima, até mesmo a natureza das perguntas que podem auxiliar a verificar a veracidade dos alegados fatos. Reduzindo, pois, a ocorrência e impacto de falsas memórias.
Como já ocorre no Brasil com a entrevista com crianças vítimas e testemunhas de violência, argumenta-se que o estabelecimento de diretrizes técnicas contribui para a coleta de informações confiáveis. Neste sentido, o artigo visou contribuir com técnicas que podem auxiliar no estabelecimento de um protocolo que também auxilie para que o/a profissional evite manifestação sobre circunstâncias alheias aos fatos de apuração nos autos, e a utilização de linguagem, informações ou materiais que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas. Auxiliando, de modo último, na aplicação da lei n° 14.245.
Em acordo com o exposto, reforçamos reconhecendo que o processo de relato de uma experiência de vitimização sexual é um desafio importante para todos os envolvidos. Sejam eles vítimas, suspeitos, testemunhas (quando existem) e/ou profissionais. Por isso, a atenção aos métodos utilizados para obtenção de dados é basilar a importância de protocolos e programas de treinamento para policiais, defensores, promotores e juízes, com mecanismos de avaliação não pode ser negligenciada. Por meio de recomendações baseadas em evidência, apresentamos, então, a Psicologia do Testemunho como um recurso auxiliar no processo da obtenção relatos detalhados sobre os eventos, redução de ocorrências de revitimização e preservação os registros da memória.
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A identificação feminina com uma cultura que expressa a crença de que os homens têm direito a uma posição dominante se traduz ora com uma atribuição equânime de responsabilidade à vítima, ora diferenciada (CHAPLEAU, K. M.; OSWALD, D. L. A system justification view of sexual violence: Legitimizing gender inequality and reduced moral outrage are connected to greater rape myth acceptance. Journal of Trauma & Dissociation, v. 15, n. 2, p. 204-218, 2014). Resultados de Grubb e Harrower (GRUBB, A.; HARROWER, J. Attribution of blame in cases of rape: An analysis of participant gender, type of rape and perceived similarity to the victim. Aggression and violent behavior, v. 13, n. 5, p. 396-405, 2008), por exemplo, sugerem que mulheres tendem a atribuir menos culpa à vítima do que os homens. Scarpati (SCARPATI, Arielle Sagrillo. Os mitos de estupro e a (im) parcialidade jurídica: a percepção de estudantes de direito sobre mulheres vítimas de violência sexual. (Dissertação de Mestrado em Psicologia), Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. 2013), por sua vez, não encontrou diferenças estatisticamente significativas para essa dimensão.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Nov 2023 -
Data do Fascículo
Sep-Dec 2023
Histórico
-
Recebido
18 Abr 2023 -
Revisado
04 Maio 2023 -
Revisado
21 Maio 2023 -
Revisado
30 Maio 2023 -
Revisado
05 Jun 2023 -
Revisado
22 Jun 2023 -
Revisado
18 Jul 2023 -
Aceito
11 Ago 2023