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Adaptação transcultural e validade de conteúdo do Activity Card Sort ao português brasileiro

Resumo

Introdução

As ocupações são o domínio principal da terapia ocupacional. Elas dão valor e significado à vida das pessoas e são influenciadas pelas características individuais e pela cultura. As ocupações nas quais as pessoas se engajam em um momento específico compõem seu repertório ocupacional. Atualmente, nenhum instrumento no Brasil registra a gama de ocupações em que os idosos participam.

Objetivo

Descrever o processo de adaptação transcultural e a validade de conteúdo do Activity Card Sort (ACS) para o português do Brasil.

Método

Na primeira etapa, três pesquisadores independentes bilíngues traduziram o ACS. A retrotradução foi realizada e sintetizada por duas americanas com fluência no português do Brasil, criando a versão brasileira. Quatro especialistas e 20 idosos analisaram a relevância das atividades e a clareza das fotografias do ACS. Os dados da avaliação foram sintetizados e foram realizadas as análises descritivas e teste de Kappa de Fleiss para análise das equivalências.

Resultados

O ACS-Brasil é composto por 83 atividades, divididas nas áreas de atividades instrumentais, sociais, de lazer de alta demanda e lazer de baixa demanda. Adaptações culturais e semânticas foram feitas nas fotografias para refletir o contexto brasileiro.

Conclusão

O ACS-Brasil é uma ferramenta capaz de capturar o repertório ocupacional de idosos brasileiros. Pode ajudar na intervenção do terapeuta ocupacional, guiando-o por meio de uma abordagem baseada na ocupação e centrada no cliente.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; Idoso; Participação Social; Estudos de Validação

Abstract

Introduction

Occupations are the core domain of occupational therapy. They give value and meaning to one's life, and they are influenced by individual characteristics and by the culture. The occupations people are engaged in at a specific point in time compose their occupational repertoire. Nowadays, no measure in Brazil can capture the breadth of occupation in which older adults participate.

Objective

To describe the process of transcultural adaptation and face validity of the Activity Card Sort (ACS) for Brazilian Portuguese.

Method

In first-stage, three bilingual independent researchers translated the ACS; the back translation was performed by two Americans fluent in Portuguese and synthesized, creating the Brazilian version. Four experts and 20 older adults analyzed the relevance of the activities and the clearness of the ACS photographs. Descriptive analyses were performed, Fleiss Kappa analyzed agreement between the older adults, and the assessment data were organized and analyzed.

Results

The ACS-Brazil is composed of 83 activities. Comparing to the original ACS, it is divided into the areas of instrumental, social, high-demand leisure, and low-demand leisure activities. Cultural and semantics adjustments were made to the photographs to reflect the Brazilian environment.

Conclusion

The ACS-Brazil is a tool that can access the Brazilian older adults' occupational repertoire. It can help occupational therapist's intervention, guiding them through an occupation-based, client-centered approach.

Keywords:
Occupational Therapy; Aged; Social Participation; Validation Studies

1 Introdução

As ocupações nas quais as pessoas se envolvem no dia a dia dão significado e propósito às suas vidas (Fox et al., 2017Fox, K., Morrow-Howell, N., Herbers, S., Battista, P., & Baum, C. M. (2017). Activity disengagement: understanding challenges and opportunities for reengagement. Occupational Therapy International, 2017, 1983414. http://dx.doi.org/10.1155/2017/1983414.
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), pois refletem os valores e as influências de um grupo social e de uma cultura, o que favorece a construção ou afirmação da sua identidade (Polatajko et al., 2013aPolatajko, H. L., Molke, D., Baptiste, S., Doble, S., Santha, J. C., Kirsh, B., Beagan, B., Kumas-Tan, D., Iwama, M., Rudman, D. L., Thibeault, R., & Stadnyk, R. (2013a). Occupational science: imperatives for occupational therapy. In H. J. Townsend & E. Polatajko (Eds.), Enabling occupation II: advancing an Occupational Therapy vision for health, well-being, and justice through occupation (pp. 63-82). Toronto: CAOT.). As ocupações também possuem o potencial para influenciar a saúde e o bem-estar, sendo o engajamento e o desempenho em ocupações considerados o objetivo central da terapia ocupacional (Polatajko et al., 2013bPolatajko, H. J., Davis, J., Stewart, D., Cantin, N., Amoroso, B., Purdie, L., & Zimmerman, D. (2013b). Specifying the domain of concern: occupation as core. In H. J. Townsend & E. Polatajko (Eds.), Enabling occupation II: advancing an occupational therapy vision for health, well-being, and justice through occupation (pp. 13-36). Toronto: CAOT.).

É importante ressaltar que essa construção e modificação do repertório ocupacional, no decorrer da vida, é influenciada pelos fatores pessoais, ambientais e pelas características e funções das ocupações (Baum et al., 2005Baum, C. M., Bass-Haugen, J., & Christiansen, C. H. (2005). Person-Environment-Occupation-Performance: a model for planning interventions for individuals and organizations. In C. H. Christiansen & C. M. Baum (Eds.), Occupational therapy: performance, participation, and well-being (pp. 372-395). Thorofare: Slack Incorporated.). Assim, ao considerar a natureza dinâmica dessa tríade (pessoa-ambiente-ocupação), é importante analisar todas as dimensões que possam predizer sobre a capacidade para desempenhar as atividades, engajar-se em ocupações e participar da vida social (Engel-Yeger & Rosenblum, 2017Engel-Yeger, B., & Rosenblum, S. (2017). The relationship between sensory-processing patterns and occupational engagement among older persons. Canadian Journal of Occupational Therapy, 84(1), 10-21. http://dx.doi.org/10.1177/0008417417690415.
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). Para tanto, terapeutas ocupacionais optam por utilizar diferentes instrumentos de avaliação para guiar a sua análise sobre os elementos envolvidos na ocupação humana.

Dentre as medidas existentes, destaca-se o Activity Card Sort (ACS), que é um instrumento baseado na ocupação (aqui entendido como a participação em um conjunto de atividades que compõem o repertório ocupacional do indivíduo) e centrado no cliente. Essa ferramenta foi originalmente desenvolvida por Carolyn Baum e Dorothy Edwards, nos Estados Unidos, para medir o engajamento nas atividades do cotidiano por idosos com deficit cognitivos (Baum & Edwards, 2001Baum, C. M., & Edwards, D. (2001). Activity card sort. St. Louis: University at St. Louis.). O instrumento está em sua segunda edição (Baum & Edwards, 2008Baum, C. M., & Edwards, D. (2008). Activity Card Sort: Test manual. Bethesda: AOTA Press.) e tem sido utilizado não somente com a população com demência, mas também com indivíduos saudáveis (Hamed et al., 2011Hamed, R., Alheresh, R., Dahab, S. A., Collins, B., Fryer, J., & Holm, M. B. (2011). Development of the Arab heritage Activity Card Sort. International Journal of Rehabilitation Research, 34(4), 299-306. http://dx.doi.org/10.1097/MRR.0b013e32834afc58.
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), pessoas com Parkinson (Poerbodipoero et al., 2016Poerbodipoero, S. J., Sturkenboom, I. H., Van Hartingsveldt, M. J., Nijhuis-Van Der Sanden, M. W. G., & Graff, M. J. (2016). The construct validity of the Dutch version of the Activity Card Sort. Disability and Rehabilitation, 38(19), 1943-1951. http://dx.doi.org/10.3109/09638288.2015.1107779.
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), com limitações sensoriais (Roets-Merken et al., 2013Roets-Merken, L. M., Graff, M. J. L., Zuidema, S. U., Hermsen, P. G. J. M., Teerenstra, S., Kempen, G. I. J. M., & Vernooij-Dassen, M. J. F. J. (2013). Effectiveness of a self-management program for dual sensory impaired seniors in aged care settings: study protocol for a cluster randomized controlled trial. Trials, 14(1), 321-329. http://dx.doi.org/10.1186/1745-6215-14-321.
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; Engel-Yeger & Rosenblum, 2017Engel-Yeger, B., & Rosenblum, S. (2017). The relationship between sensory-processing patterns and occupational engagement among older persons. Canadian Journal of Occupational Therapy, 84(1), 10-21. http://dx.doi.org/10.1177/0008417417690415.
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), esclerose múltipla (Orellano et al., 2012Orellano, E. M., Ito, M., Dorne, R., Irizarry, D., & Dávila, R. (2012). Occupational participation of older adults: reliability and validity of the Activity Card Sort-Puerto Rican Version. OTJR, 32(1), 266-272. http://dx.doi.org/10.3928/15394492-20110708-01.
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), pós-acidente vascular encefálico (Spitzer et al., 2011Spitzer, J., Tse, T., Baum, C. M., & Carey, L. M. (2011). Mild impairment of cognition impacts on activity participation after stroke in a community-dwelling Australian cohort. OTJR, 31(1), S8-S15. http://dx.doi.org/10.3928/15394492-20101108-03.
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), entre outros.

Nessa avaliação, é possível identificar, com base no autorrelato, dados relacionados à participação – atual e prévia – do idoso em atividades instrumentais da vida diária, de lazer (alta e baixa demanda) e atividades sociais (Chan et al., 2006Chan, V. W. L., Chung, J. C. C., & Packer, T. L. (2006). Validity and reliability of the activity card sort-Hong Kong Chinese version. OTJR, 26(1), 152-158. http://dx.doi.org/10.1177/153944920602600405.
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).

Diferente dos instrumentos de avaliação existentes, o ACS utiliza fotografias que representam os idosos em diferentes atividades (Baum & Edwards, 2008Baum, C. M., & Edwards, D. (2008). Activity Card Sort: Test manual. Bethesda: AOTA Press.). Existem três versões do ACS que variam com o contexto, ou seja, formatos de avaliação direcionada àqueles que estão institucionalizados (forma A), em reabilitação (forma B) ou para os que residem na comunidade (forma C). Os indivíduos avaliados informam, como categorias de respostas, se nunca participaram da atividade, se participam menos, se continuam engajados ou se desistiram de realizá-las atualmente (comparando a um passado ou após um evento) (Kniepmann & Cupler, 2014Kniepmann, K., & Cupler, M. H. (2014). Occupational changes in caregivers for spouses with stroke and aphasia. British Journal of Occupational Therapy, 77(1), 10-18.). Dessa forma, é possível determinar o nível de participação, por meio da porcentagem de atividades que estão preservadas, comparadas a uma situação prévia (antes da doença, da internação ou de determinado tempo, por exemplo) (Orellano et al., 2014Orellano, E. M., Mountain, G., Varas, N., & Labault, N. (2014). Occupational competence strategies in old age: a mixed-methods comparison between Hispanic women with different levels of daily participation. OTJR, 34(1), 32-40. http://dx.doi.org/10.3928/15394492-20131205-01.
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).

Clinicamente, o ACS tem sido utilizado durante a avaliação inicial, como base para o desenvolvimento de um plano de tratamento adequado ao indivíduo e/ou como medida de resultado dos programas de intervenção em terapia ocupacional (Sabari et al., 2015Sabari, J. S., Ortiz, D., Pallatto, K., Yagerman, J., Glazman, S., & Bodis-Wollner, I. (2015). Activity engagement and health quality of life in people with Parkinson’s disease. Disability and Rehabilitation, 37(16), 1411-1415. http://dx.doi.org/10.3109/09638288.2014.972588.
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). Essa ferramenta de avaliação apresenta boa aceitabilidade, usabilidade, confiabilidade e validade nos diferentes países que a utilizam (Engel-Yeger & Rosenblum, 2017Engel-Yeger, B., & Rosenblum, S. (2017). The relationship between sensory-processing patterns and occupational engagement among older persons. Canadian Journal of Occupational Therapy, 84(1), 10-21. http://dx.doi.org/10.1177/0008417417690415.
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), o que justifica a importância em desenvolver a versão ACS para a cultura brasileira. Além disso, o instrumento contempla a maioria (Baum & Edwards, 2008Baum, C. M., & Edwards, D. (2008). Activity Card Sort: Test manual. Bethesda: AOTA Press.) dos domínios de atividade e participação previstos na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), da Organização Mundial de Saúde (2003Organização Mundial de Saúde – OMS. (2003). Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.).

Considerando a grande relevância do uso de um instrumento capaz de avaliar a participação e engajamento em atividades e a escassez de instrumentos específicos da terapia ocupacional para mensurar a participação do idoso em ocupações no Brasil, o objetivo do estudo foi descrever o processo de adaptação transcultural e validação de conteúdo do Activity Card Sort ao português do Brasil.

2 Método

2.1 Desenho do estudo e considerações éticas

Foi feito um estudo metodológico com delineamento transversal, em que foi realizada a adaptação transcultural do Activity Card Sort (ACS). O desenvolvimento da versão brasileira do ACS foi autorizado pela Terapeuta Ocupacional Professora Doutora Carolyn M. Baum, detentora dos direitos autorais.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme previsto na Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 (Brasil, 2012Brasil. (2012, 12 de dezembro). Resolução nº 466 de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Plenário do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Brasília, 240ª reunião ordinária. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p. 59. Recuperado em 2 de fevereiro de 2019, de https://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
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), sob parecer nº 2.773.267. A participação foi voluntária e os idosos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. Para assegurar o anonimato, cada participante da pesquisa recebeu um código numérico.

2.2 Procedimentos

O processo de adaptação transcultural seguiu as recomendações de Beaton et al. (2000)Beaton, D. E., Bombardier, C., Guillemin, F., & Ferraz, M. B. (2000). Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine, 25(24), 3186-3191. http://dx.doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014.
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e ocorreu em cinco etapas. Na primeira etapa, foi realizada a tradução do ACS para o português do Brasil, e participaram, de forma independente, três tradutores bilíngues. Na segunda etapa, os pesquisadores confrontaram as versões traduzidas e fizeram a síntese da tradução, produzindo uma única versão da tradução do ACS brasileiro.

Na terceira etapa, foi realizada a retrotradução, de forma independente, com dois profissionais cuja língua-nativa era o inglês e que possuíam fluência no português do Brasil. Estes não tiveram contato com o instrumento de avaliação original. Nessa etapa, confrontou-se a retrotradução com a versão original do ACS e foi produzida a síntese da retrotradução. Com esses dados, os pesquisadores criaram a primeira versão do instrumento ACS para o contexto brasileiro.

A quarta etapa correspondeu à análise do instrumento pelo comitê de especialistas, que analisaram a clareza, pertinência e equivalência entre as versões traduzidas (1ª versão) e a original. O comitê era composto por quatro terapeutas ocupacionais, com doutorado e experiência superior há cinco anos na área da terapia ocupacional gerontológica. Cada especialista recebeu o manual com as instruções de como aplicar o instrumento, a primeira versão brasileira do ACS e um formulário para avaliação das equivalências. Foram considerados como itens equivalentes aqueles que obtiveram 75% de concordância entre os especialistas. Nesses casos, os itens foram modificados, excluídos, adaptados ou mantidos, de acordo com as sugestões propostas pelo comitê e que serão apresentados nos resultados. Esse processo resultou na versão brasileira do ACS, a qual foi submetida aos idosos.

Para analisar a compreensão do instrumento e eliminar itens não compreendidos, a avaliação produzida pelos especialistas foi aplicada em 20 idosos que residiam na comunidade (quinta etapa – pré-teste). A escolha por esse número de idosos foi baseada no teste de confiabilidade do ACS original (Baum & Edwards, 2001Baum, C. M., & Edwards, D. (2001). Activity card sort. St. Louis: University at St. Louis.). A amostra de idosos foi selecionada por conveniência, pois os idosos frequentavam os projetos voltados para a longevidade na instituição de ensino em que foi desenvolvida esta pesquisa. Todos os idosos residiam em suas comunidades, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Para caracterização da amostra, foram coletados dados relacionados à idade, ao gênero e à escolaridade. De forma complementar, foi feito um rastreamento da função cognitiva, por meio do Mini-Exame do Estado Mental – MEEM, 2ª edição (Spedo et al., 2018Spedo, C. T., Pereira, D. A., Foss, M. P., & Barreira, A. A. (2018). Adaptação brasileira do Mini-Mental State Examination: guia portátil e tabela de normas. São Paulo: Hogrefe.).

Para a análise da validade de conteúdo, o ACS traduzido para o português do Brasil foi apresentado aos idosos e estes responderam a uma escala Likert de 04 pontos para informar sobre a representatividade das imagens e relevância das atividades descritas no instrumento. Os participantes optavam por um valor mínimo de 1 ponto, ao informar que “não está clara a representação da imagem com a descrição da ação” ou “não é relevante essa atividade para o contexto brasileiro”; o valor de 2 pontos, para as respostas que informavam que está “pouco clara ou relevante”; 3 pontos para “parcialmente clara ou relevante; até um valor máximo de 4 para aqueles cartões em que estava “muito clara a representação da imagem” ou por ser “muito relevante a atividade”. Os pesquisadores e dois membros do comitê de especialistas analisaram os resultados dos idosos e adotaram a mesma recomendação feita ao comitê de especialistas para a análise das equivalências. Foram mantidas as atividades nas quais ao menos 50% dos participantes concordaram como relevantes, conforme o estudo feito no Reino Unido (Laver-Fawcett & Mallinson, 2013Laver-Fawcett, A. J., & Mallinson, S. H. (2013). Development of the Activity Card Sort - United Kingdom version (ACS-UK). OTJR, 33(3), 134-145. http://dx.doi.org/10.3928/15394492-20130614-02.
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).

Após todas as fases do processo de adaptação transcultural e validade de conteúdo, foi produzida uma versão brasileira do ACS, que foi enviada para a autora do instrumento, a qual aprovou o ACS – Brasil.

2.3 Análise dos dados

Os dados foram armazenados em uma planilha do programa Microsoft Excel® e posteriormente transportados e analisados em um banco de dados no SPSS (Statistical Package for Social Sciences) para Windows, versão 21.0.

Na caracterização dos participantes idosos, utilizou-se a estatística descritiva, incluindo índices de tendência central (média) e de dispersão (desvio padrão) para a idade dos participantes. Para cálculo do Z escore e percentil do teste de rastreamento cognitivo, foram considerados os dados normativos da 2ª edição do Mini-Mental de Spedo et al. (2018)Spedo, C. T., Pereira, D. A., Foss, M. P., & Barreira, A. A. (2018). Adaptação brasileira do Mini-Mental State Examination: guia portátil e tabela de normas. São Paulo: Hogrefe.. Assim, os participantes que apresentassem até -1,5 desvio-padrão não apresentavam redução significativa nos valores que pudessem sugerir declínio cognitivo.

As médias e desvio-padrão foram calculadas em todos os itens do instrumento de avaliação para determinar as atividades comumente desempenhadas pelos idosos no pré-teste. O teste de Kappa de Fleiss foi usado para medir a concordância entre idosos quanto à relevância do item.

Além das questões estruturadas, no questionário havia um campo no qual os participantes poderiam sugerir modificações nas fotografias, inserções e exclusões de atividades. Esses dados foram compilados e analisados pelos primeiro, terceiro, quarto e quinto autores.

3 Resultados

A Tabela 1 apresenta as áreas e exemplos de algumas atividades da primeira versão brasileira do instrumento de avaliação. OACS foi traduzido por três profissionais brasileiros com fluência no inglês. Todos eram terapeutas ocupacionais com mais de cinco anos de experiência. Por sua vez, a retrotradução foi realizada por duas americanas com fluência no português, sendo que uma possuía formação na área da saúde e outra na área de humanas.

Tabela 1
Tradução do Activity Card Sort (exemplos).

No processo de tradução, oito itens do ACS original passaram por adequações na linguagem para melhorar a compreensão das ações descritas nos cartões. Assim, foram inseridas expressões verbais (jogar ou fazer, por exemplo) nas traduções. Por sua vez, a síntese da retrotradução foi comparada à versão original do ACS e 14 itens apresentaram diferenças nas expressões em inglês, mas sem alteração no sentido ou conteúdo das ações descritas, pois as palavras em inglês eram sinônimas às palavras que estavam nos cartões originais. Após análise, foi formada a primeira versão brasileira do ACS.

Na construção da primeira versão brasileira, nos cartões em que as atividades eram separadas por “barra - /”, os pesquisadores optaram por inserir a expressão “ou” para esclarecer que o avaliado poderia realizar uma das tarefas ou um dos exemplos inseridos em cada cartão. Essa versão foi submetida ao comitê de especialistas e ao pré-teste com os idosos a fim de realizar as equivalências semânticas, idiomáticas e conceitual.

Por sua vez, os idosos que participaram da 5ª etapa – pré-teste – possuíam idade igual ou superior a 60 anos e residiam na cidade do Rio de Janeiro. Os idosos eram ativos e frequentavam as atividades voltadas para o envelhecimento ativo que eram oferecidas na instituição de ensino na qual a primeira autora está vinculada.

Para esses participantes, foi aplicada a Forma C da primeira versão brasileira do Activity Card Sort, ou seja, a versão do ACS feita para idosos que residem na comunidade.

No que tange à caracterização dos idosos da etapa do pré-teste, participaram 20 pessoas, sendo 14 do sexo feminino (70%) e 06 do sexo masculino(30%), com média da idade de 68,1 anos (DP = ±7,14). O grau de escolaridade dos participantes variou entre oito e 12 anos, sendo 8 anos de estudo (n=01,5%), 11 anos de estudos (n= 08, 40%) ou acima de 12 anos de estudo (n= 11, 55%).

Pela análise do MEEM, nenhum participante apresentou pontuação que sugerisse declínio cognitivo. Mesmo aqueles que tiveram pontuação abaixo do limite inferior esperado para a idade e escolaridade, esse valor não foi significativo, ou seja, não era sugestivo de declínio nas funções cognitivas avaliadas pelo instrumento. Esses dados asseguram que os participantes compreenderiam os questionamentos feitos no pré-teste (Tabela 2).

Tabela 2
Caracterização da função cognitiva dos participantes do pré-teste.

Na análise do comitê de especialistas, sobre as 89 imagens que representam as atividades do ACS, as terapeutas ocupacionais concordaram totalmente (100%) com a relevância das atividades em 46 (51,68%) cartões e em uma atividade (1,1%), todas concordaram que não era relevante (idosos brasileiros indo ao cassino). Em mais 18 (20, 22%) cartões, a concordância foi de 75% entre as juízas. Nas 24 atividades restantes, a concordância entre os especialistas foi entre 25 até 75%. Seguindo o preconizado por estudos de validação do ACS realizados no Reino Unido, foram mantidas as atividades nas quais ao menos 50% dos participantes concordaram como relevantes (Laver-Fawcett & Mallinson, 2013Laver-Fawcett, A. J., & Mallinson, S. H. (2013). Development of the Activity Card Sort - United Kingdom version (ACS-UK). OTJR, 33(3), 134-145. http://dx.doi.org/10.3928/15394492-20130614-02.
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).

Por sua vez, os idosos que participaram da equivalência semântica e cultural consideraram que todas as atividades dos cartões representavam atividades descritas, tendo apenas dois idosos indicado que a atividade de cuidar de crianças não estava bem representada. O teste Kappa de Fleiss foi utilizado para comparar a concordância da amostra de 20 idosos quanto à relevância dos itens do ACS-Brasil. A classificação sugerida para os intervalos de valores do coeficiente seguiu a interpretação do estudo de Altman (1999)Altman, D. G. (1999). Practical statistics for medical research. New York: Chapman & Hall/CRC Press.. O teste indicou a concordância razoável entre a avaliação dos idosos, k=0.317 (95% IC, 0.302 a 0.332), p<0.001.

Após a 4ª e 5ª etapas, durante análise dos dados qualitativos das entrevistas, os participantes sugeriram a retirada de cartões, adequação de ambientes e objetos nas fotografias, modificações dos termos utilizados, separação de cartões e inserção de novas atividades. A Tabela 3 descreve as sugestões de inserções e retiradas de cartões pelos experts e idosos.

Tabela 3
Sugestões para o Activity Card Sort - Brasil.

Nas atividades instrumentais, a maioria das especialistas sugeriu substituir o cartão “cozinhar o jantar” (cartão nº 07) por “cozinhar”, sob justificativa de que muitas pessoas podem cozinhar no horário do almoço ou do jantar. Para este instrumento de avaliação, importa verificar o engajamento nessa ocupação independente do período de tempo em que essa atividade é feita; sendo assim, o cartão foi alterado. Por sua vez, especialistas e idosos sugeriram retirar o cartão “abastecer” o carro (cartão nº 11) porque, no Brasil, essa atividade é feita por terceiros.

Para complementar o rol de atividades instrumentais, as especialistas sugeriram a inserção dos cartões “cuidados com a medicação” e “usar transporte público ou particular (táxi ou aplicativo móvel de transporte)”, atividades comumente desempenhadas na cultura brasileira e que foram inseridas na versão final do ACS–Brasil.

Nas atividades de lazer de baixa demanda, idosos e especialistas não consideraram úteis os cartões “escrever cartas” (cartão nº 43) e “ir ao cassino” (cartão nº 48), pois foram associadas a atividades atualmente não usual ou proibida no país, respectivamente. Por sua vez, nos cartões “trabalhos manuais” (cartão nº 25) e “jogar cartas” (cartão nº 31), foram sugeridas a retirada dos exemplos “quilting” e “bridge” descritos nos cartões, respectivamente, por não se tratar de atividades usualmente realizadas por brasileiros. Permaneceram “tricô ou bordado” para exemplificar os trabalhos manuais com agulhas, assim como “paciência ou pôquer” para o cartão que representa jogos de cartas.

No cartão “jogos de tabuleiro” (cartão nº 27) foi inserida a expressão “xadrez” junto ao exemplo já existente “dama”, assim como a expressão “jogos no computador” (cartão nº 29) foi ampliada para “jogos no computador, celular ou tablet”, a fim de contemplar aqueles que se engajam em jogos, mas utilizam outros dispositivos tecnológicos.

Para o lazer de alta demanda, a maioria dos especialistas e idosos apontou que “jogar golfe” (cartão nº 60), “jogos de jardim” (cartão nº 68), “acampar” (cartão nº 69) e “canoagem/andar de barco/velejar” (cartão nº 70) não eram atividades representativas do contexto brasileiro. Apesar de reconhecerem que existem essas atividades no Brasil – com exceção de jogos de jardim –, as atividades anteriormente mencionadas foram associadas a um público com situação econômica muito privilegiada (como jogar golfe e velejar, por exemplo) ou por serem atividades que não são muito realizadas pelo público idoso no Brasil (acampar, por exemplo). De forma complementar, a maioria dos especialistas (75%) ainda avaliou que a atividade “jogar tênis ou outro esporte com raquete” não era comumente realizada no país, em geral, devido ao alto custo necessário para a prática desse esporte (cartão nº 65). Assim, foram acatadas as sugestões de retirada de tais itens do instrumento de avaliação.

Por outro lado, todos os itens presentes nas atividades sociais foram considerados úteis. No entanto, por sugestão dos idosos, o cartão “namorar/passar tempo com os amigos” (cartão nº 88) recebeu a sugestão para ser desmembrado em “passar tempo com os amigos” e a atividade “namorar” seria englobada no cartão “estar com cônjuge ou parceiro” (cartão nº 87).

Os especialistas e idosos também sugeriram modificações nas imagens fotográficas para contemplar objetos que são utilizados mais recentemente e adequar os ambientes para o contexto brasileiro. Para exemplificar, no cartão sobre a prática de esportes em equipe, a sugestão era retirar a imagem dos idosos jogando baseball para inserir uma imagem de um jogo de futebol. Em outras imagens, foram feitas sugestões para inserir objetos mais modernos, como modelos atuais de televisão ou o uso do celular para fazer fotografias, por exemplo. Assim, todas as fotografias foram refeitas por um fotógrafo profissional e, posteriormente, aprovadas pela Terapeuta Ocupacional Professora Doutora Carolyn Baum, autora da versão original do ACS.

O comitê de especialistas, ainda, sugeriu adequar as categorias de respostas do instrumento ACS, substituindo as expressões “doença/lesão” por “problema de saúde/adoecimento”, bem como o termo “admissão” ser trocado por “internação/início do tratamento”. Na versão C do ACS-Brasil também foi sugerida a inserção da categoria de resposta “nova atividade” para captar o engajamento em ocupações que não faziam parte do repertório dos idosos anteriormente e que fazem parte do repertório atual. Ademais, os pesquisadores, após aplicar o pré-teste, decidiram ampliar o cartão “não faz desde os 60” para “não faz desde os 60 anos ou nunca feito”, pois assim evitava a dúvida de qual categoria de resposta seria escolhida caso nunca tivesse se engajado na atividade. O processo de adaptação transcultural foi concluído, sendo o instrumento de avaliação denominado ACS-Brasil. A versão foi enviada para a autora do instrumento, a qual aprovou todo o processo de adaptação transcultural. Essa ferramenta resultou em uma lista de 83 atividades, divididas em quatro áreas distintas: atividades instrumentais, de lazer de baixa demanda, de lazer de alta demanda e as atividades sociais, exemplificadas na Tabela 4.

Tabela 4
Exemplo de atividades da versão Final do Activity Card Sort - Brasil.

Por fim, a Tabela 5 apresenta as categorias de respostas investigadas de acordo com as formas A (para institucionalização), B (para pessoas em recuperação decorrente de um problema de saúde/adoecimento) ou C (para pessoas vivendo na comunidade) que podem ser utilizadas no instrumento ACS-Brasil.

Tabela 5
Categorias de respostas de acordo com as Formas A, B ou C do ACS-Brasil.

4 Discussão

No processo de terapia ocupacional, as avaliações constituem os recursos legítimos que auxiliam na tomada de decisões durante a elaboração de planos terapêuticos, além de servir para mensurar os efeitos das intervenções (Katz & Baum, 2012Katz, N., & Baum, C. M. (2012). A importância da Terapia Ocupacional na reabilitação neuropsicológica. In J. Abrisqueta-Gomez (Ed.), Reabilitação neuropsicológica: abordagem interdisciplinar e modelos conceituais na prática clínica (pp. 207-222). Porto Alegre: Artmed.; Sabari et al., 2015Sabari, J. S., Ortiz, D., Pallatto, K., Yagerman, J., Glazman, S., & Bodis-Wollner, I. (2015). Activity engagement and health quality of life in people with Parkinson’s disease. Disability and Rehabilitation, 37(16), 1411-1415. http://dx.doi.org/10.3109/09638288.2014.972588.
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), demonstrar parte da identidade profissional e, consequentemente, fornecer dados para que a categoria profissional informe sobre a necessidade de criação e organização da oferta de seus serviços para a população (Law et al., 2005Law, M., Baum, C. M., & Dunn, W. (2005). Occupational performance assessment. In C. H. Christiansen, J. D. Bass & C. M. Baum (Eds.), Occupational therapy: performance, participation, and well-being (pp. 338-371). Thorofare: Slack Incorporated.; Fox et al., 2017Fox, K., Morrow-Howell, N., Herbers, S., Battista, P., & Baum, C. M. (2017). Activity disengagement: understanding challenges and opportunities for reengagement. Occupational Therapy International, 2017, 1983414. http://dx.doi.org/10.1155/2017/1983414.
http://dx.doi.org/10.1155/2017/1983414...
).

Na avaliação, optar pelo uso de instrumentos padronizados parece aumentar a confiabilidade e o rigor para a identificação das variáveis que essas ferramentas se propõem a analisar. Essas medidas, além de possuírem o padrão para sua administração e pontuação, conferem informações sobre a confiabilidade e validade, dados estes fundamentais para a interpretação dos resultados (Unsworth, 2000Unsworth, C. (2000). Measuring the outcomes of occupational therapy: tools and resources. Australian Occupational Therapy Journal, 47(4), 147-158. http://dx.doi.org/10.1046/j.1440-1630.2000.00239.x.
http://dx.doi.org/10.1046/j.1440-1630.20...
).

O Activity Card Sort, instrumento traduzido e adaptado para português no presente estudo, foi, também, traduzido, validado e adaptado em inúmeros países, como Espanha, Porto Rico, Reino Unido, Israel, Hong Kong, Jordânia, Singapura, Holanda, Coréia do Sul e Austrália (Alegre-Muelas et al., 2019Alegre-Muelas, C., Alegre-Ayala, J., Huertas-Hoyas, E., Martínez-Piédrola, M. R., Pérez-Corrales, J., Máximo-Bocanegra, N., Sánchez-Camarero, C., & Pérez-de-Heredia-Torres, M. (2019). Spanish Transcultural Adaptation of the Activity Card Sort. Occupational Therapy International, 10(1), 1-9. http://dx.doi.org/10.1155/2019/4175184.
http://dx.doi.org/10.1155/2019/4175184...
; Gustafsson et al., 2017Gustafsson, L., Hung, I. H. M., & Liddle, J. (2017). Test–Retest reliability and internal consistency of the Activity Card Sort–Australia (18-64). OTJR, 37(1), 50-56. http://dx.doi.org/10.1177/1539449216681277.
http://dx.doi.org/10.1177/15394492166812...
). Ele ainda está em processo de adaptação transcultural e validação na Alemanha, Bélgica e Áustria. Os estudos apontam para boa a excelente validade, consistência interna e confiabilidade (Katz et al., 2003Katz, N., Karpin, H., Lak, A., Furman, T., & Hartman-Maeir, A. (2003). Participation in occupational performance: reliability and validity of the activity card sort. OTJR: Occupation, Participation and Health, 23(1), 10-17. http://dx.doi.org/10.1177/153944920302300102.
http://dx.doi.org/10.1177/15394492030230...
; Poerbodipoero et al., 2016Poerbodipoero, S. J., Sturkenboom, I. H., Van Hartingsveldt, M. J., Nijhuis-Van Der Sanden, M. W. G., & Graff, M. J. (2016). The construct validity of the Dutch version of the Activity Card Sort. Disability and Rehabilitation, 38(19), 1943-1951. http://dx.doi.org/10.3109/09638288.2015.1107779.
http://dx.doi.org/10.3109/09638288.2015....
; Gustafsson et al., 2017Gustafsson, L., Hung, I. H. M., & Liddle, J. (2017). Test–Retest reliability and internal consistency of the Activity Card Sort–Australia (18-64). OTJR, 37(1), 50-56. http://dx.doi.org/10.1177/1539449216681277.
http://dx.doi.org/10.1177/15394492166812...
).

Por considerar que o instrumento apresenta boas propriedades psicométricas e por saber que a sua validade e utilidade são culturalmente dependentes (Engel-Yeger & Rosenblum, 2017Engel-Yeger, B., & Rosenblum, S. (2017). The relationship between sensory-processing patterns and occupational engagement among older persons. Canadian Journal of Occupational Therapy, 84(1), 10-21. http://dx.doi.org/10.1177/0008417417690415.
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), foi de singular importância a pesquisa de adaptação transcultural do ACS para o contexto brasileiro.

A implementação da versão brasileira do Activity Card Sort (ACS – Brasil) na prática clínica pode facilitar a relação entre terapeuta ocupacional e o seu cliente, pois o instrumento de avaliação contribuirá para um vasto conhecimento do repertório ocupacional do indivíduo, do seu nível de engajamento (atual e prévio) e da participação em atividades instrumentais, de lazer e sociais (McNamara et al., 2016McNamara, B., Rosenwax, L., Lee, E. A., & Same, A. (2016). Evaluation of a healthy ageing intervention for frail older people living in the community. Australasian Journal on Ageing, 35(1), 30-35. http://dx.doi.org/10.1111/ajag.12196.
http://dx.doi.org/10.1111/ajag.12196...
; Fox et al., 2017Fox, K., Morrow-Howell, N., Herbers, S., Battista, P., & Baum, C. M. (2017). Activity disengagement: understanding challenges and opportunities for reengagement. Occupational Therapy International, 2017, 1983414. http://dx.doi.org/10.1155/2017/1983414.
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; Tsé et al., 2017Tsé, T., Douglas, J., Lentin, P., Lindén, T., Churilov, L., Ma, H., Davis, S., Donnan, G., & Carey, L. M. (2017). Reduction in retained activity participation is associated with depressive symptoms 3 months after mild stroke: an observational cohort study. Journal of Rehabilitation Medicine, 49(2), 120-127. http://dx.doi.org/10.2340/16501977-2184.
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). Acresce a isso o fato de o instrumento considerar as atividades que são mais significativas para aquele indivíduo, o que favorece a implementação de uma intervenção que valoriza o processo colaborativo entre os idosos, seus cuidadores/familiares e terapeutas ocupacionais (Nielsen et al., 2019Nielsen, T. L., Andersen, N. T., Petersen, K. S., Polatajko, H., & Nielsen, C. V. (2019). Intensive client-centred occupational therapy in the home improves older adults’ occupational performance: results from a Danish randomized controlled trial. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, 26(5), 325-342. http://dx.doi.org/10.1080/11038128.2018.1424236.
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).

No cenário mundial, a participação tem sido conceito amplamente discutido pela CIF como fundamental para apoiar a saúde (Organização Mundial de Saúde, 2003Organização Mundial de Saúde – OMS. (2003). Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo.) e que, de forma plena, embasa-se no engajamento em ocupações. Assim, o ACS pode ser uma ferramenta em que os terapeutas ocupacionais podem utilizar para compreender a tríade pessoa-ocupação-ambiente e entender como a saúde pode ser mantida, promovida ou melhorada por meio do engajamento em ocupação.

O processo de tradução e adaptação seguiu o referencial de Beaton et al. (2000)Beaton, D. E., Bombardier, C., Guillemin, F., & Ferraz, M. B. (2000). Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine, 25(24), 3186-3191. http://dx.doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014.
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e o preconizado pelos autores da versão original do ACS (Baum & Edwards, 2008Baum, C. M., & Edwards, D. (2008). Activity Card Sort: Test manual. Bethesda: AOTA Press.). Das 89 atividades que compunham a versão original da avaliação, oito foram retiradas devido às sugestões dos especialistas e dos idosos. Para maioria dos itens retirados, a relevância cultural foi o motivo central da sugestão. Atividades como jogar golfe ou praticar canoagem, apesar de desempenhadas no Brasil, são pouco frequentes. Um estudo realizado no Brasil com a versão pediátrica do ACS (PACS) também mostrou que a prática desses esportes não é relevante na população brasileira (Pontes et al., 2016Pontes, T. B., Silva, B. M., Sousa, J. G., Almeida, P. H. T. Q., Davis, J., & Polatajko, H. J. (2016). Measuring children activity repertoire: is the paediatric activity card sort a good tool for Brazilian therapists? Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(3), 435-445. http://dx.doi.org/10.4322/0104-4931.ctoAO0754.
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).

Durante o processo de tradução e adaptação, a retirada de itens foi comum a outras versões, assim como na brasileira. Na versão israelense do ACS, foram retiradas duas atividades, caçar e jogar boliche (Katz et al., 2003Katz, N., Karpin, H., Lak, A., Furman, T., & Hartman-Maeir, A. (2003). Participation in occupational performance: reliability and validity of the activity card sort. OTJR: Occupation, Participation and Health, 23(1), 10-17. http://dx.doi.org/10.1177/153944920302300102.
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). Já na versão de Hong Kong, atividades como escrever cartas, andar de bicicletas e costurar colcha de retalho foram retiradas (Chan et al., 2006Chan, V. W. L., Chung, J. C. C., & Packer, T. L. (2006). Validity and reliability of the activity card sort-Hong Kong Chinese version. OTJR, 26(1), 152-158. http://dx.doi.org/10.1177/153944920602600405.
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). Na versão do ACS desenvolvida em Porto Rico (Orellano et al., 2012Orellano, E. M., Ito, M., Dorne, R., Irizarry, D., & Dávila, R. (2012). Occupational participation of older adults: reliability and validity of the Activity Card Sort-Puerto Rican Version. OTJR, 32(1), 266-272. http://dx.doi.org/10.3928/15394492-20110708-01.
http://dx.doi.org/10.3928/15394492-20110...
), seis atividades foram retiradas (entre elas, caçar, jogos de jardim, observar pássaros e fazer trilha), enquanto na versão árabe aspectos religiosos influenciaram a retirada de alguns itens, como apostar ou ir a cassinos (Hamed et al., 2011Hamed, R., Alheresh, R., Dahab, S. A., Collins, B., Fryer, J., & Holm, M. B. (2011). Development of the Arab heritage Activity Card Sort. International Journal of Rehabilitation Research, 34(4), 299-306. http://dx.doi.org/10.1097/MRR.0b013e32834afc58.
http://dx.doi.org/10.1097/MRR.0b013e3283...
).

Em contrapartida, durante o processo de tradução/criação, a inclusão de novos itens foi realizada em todas as versões da avaliação. No ACS australiano, 12 itens foram incluídos, como bingo, navegar na internet, jogar bocha, ou fazer uma viagem de um dia (Gustafsson et al., 2017Gustafsson, L., Hung, I. H. M., & Liddle, J. (2017). Test–Retest reliability and internal consistency of the Activity Card Sort–Australia (18-64). OTJR, 37(1), 50-56. http://dx.doi.org/10.1177/1539449216681277.
http://dx.doi.org/10.1177/15394492166812...
). No ACS versão árabe, 19 itens foram incluídos, seis destes relacionados a atividades de cunho religioso, como ir a mesquita (Hamed et al., 2011Hamed, R., Alheresh, R., Dahab, S. A., Collins, B., Fryer, J., & Holm, M. B. (2011). Development of the Arab heritage Activity Card Sort. International Journal of Rehabilitation Research, 34(4), 299-306. http://dx.doi.org/10.1097/MRR.0b013e32834afc58.
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). A versão do ACS do Reino Unido incluiu sete novos itens, que não estavam presentes em nenhuma versão desenvolvida anteriormente, como votar, meditar e participar de aulas noturnas, por exemplo (Laver-Fawcett & Mallinson, 2013Laver-Fawcett, A. J., & Mallinson, S. H. (2013). Development of the Activity Card Sort - United Kingdom version (ACS-UK). OTJR, 33(3), 134-145. http://dx.doi.org/10.3928/15394492-20130614-02.
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). A versão espanhola também apresentou itens não incluídos em outras versões, como sair para beber, cochilar e procurar emprego (Alegre-Muelas et al., 2019Alegre-Muelas, C., Alegre-Ayala, J., Huertas-Hoyas, E., Martínez-Piédrola, M. R., Pérez-Corrales, J., Máximo-Bocanegra, N., Sánchez-Camarero, C., & Pérez-de-Heredia-Torres, M. (2019). Spanish Transcultural Adaptation of the Activity Card Sort. Occupational Therapy International, 10(1), 1-9. http://dx.doi.org/10.1155/2019/4175184.
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). Os achados são condizentes com os encontrados no ACS-Brasil, que incluiu duas atividades, sendo uma inédita se comparado às outras versões (cuidados com a medicação).

Quanto ao número de itens da avaliação, a versão brasileira possui 83 itens, número semelhante à versão original (89 itens), à versão australiana (82 itens), à versão israelense (88 itens), versão porto-riquenha (82 itens) e à versão espanhola (79 itens). O maior número de atividades foi encontrado no ACS do Reino Unido (91 itens), enquanto o menor número foi identificado no ACS de Hong Kong, com apenas 65 itens. Novamente, o fator cultural influenciou no número de atividades. Uma vez que o Reino Unido é composto por quatro países, foi necessário um número maior de atividades, a fim de elencar o repertório ocupacional da população a ser avaliada.

Tendo em vista o processo de adaptação e validação, novos estudos são necessários de forma a analisar as características psicométricas do ACS-Brasil, verificando sua validade convergente, divergente e discriminativa, entretanto, as etapas realizadas têm mostrado que a avaliação pode se configurar como um bom instrumento para mensurar o repertório de ocupações de idosos brasileiros.

5 Considerações Finais

O processo de adaptação transcultural do Activity Card Sort ajustou de forma que a avaliação representasse as atividades nas quais os idosos participam inseridos na cultura brasileira. Essa ferramenta pode contribuir para a melhoria da prestação de serviços de terapia ocupacional no país, à medida que este instrumento se propõe a compreender o domínio central dessa profissão: o engajamento e a participação dos indivíduos em ocupações. Além disso, o ACS-Brasil servirá para comparar o repertório ocupacional dos idosos dentro do próprio território nacional e entre estudos internacionais, assim como pode ser útil para delinear o plano de tratamento ou para avaliar os programas de intervenção, ao longo do tempo.

Agradecimentos

Agradecemos às agências de fomento IFRJ e CNPQ, que foram essenciais para a execução desta pesquisa; aos tradutores, retrotradutores, ao comitê de especialistas e idosos que foram essenciais em cada etapa desta tarefa tão complexa, que é a adaptação transcultural de um instrumento padronizado de avaliação; e o apoio e orientação da Prof. Dra. Carolyn M. Baum, que autorizou essa pesquisa.

  • Como citar: Bernardo, L. D., Pontes, T. B., Souza, K. I., Santos, S. G., Deodoro, T. M. S., & Almeida, P. H. T. Q. (2020). Adaptação transcultural e validade de conteúdo do activity card sort ao português brasileiro. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. Ahead of Print. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO2051
  • Fonte de Financiamento
  • CNPq e IFRJ.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    21 Jan 2020
  • Revisado
    07 Jul 2020
  • Aceito
    29 Jul 2020
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