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Atuação profissional de terapeutas ocupacionais em países latino-americanos: o que caracteriza uma ação territorial-comunitária?

Resumo

O estudo objetivou identificar como os conceitos território e comunidade se expressam na prática do terapeuta ocupacional e quais dimensões caracterizam uma ação territorial e comunitária nos países Argentina, Brasil, Chile e Colômbia. Os termos território e comunidade se inserem nas relações políticas, econômicas e sociais estabelecidas no modelo capitalista de produção. Na terapia ocupacional, foram incorporados em decorrência de eventos políticos, sociais e econômicos nos diferentes países, como uma forma de unir a crítica sobre a realidade social às práticas profissionais. O presente artigo traz parte dos resultados de uma pesquisa doutoral, em que foram realizados quatro estudos de caso social, utilizando observação participante e entrevistas semiestruturadas com atores sociais das experiências acompanhadas, nos quatro países investigados. Os resultados destacaram cinco estratégias que caracterizam ação territorial-comunitária na terapia ocupacional latino-americana: a atuação implicada no coletivo e nas relações sociais; a tessitura de redes formais e informais; a construção de vínculos através do uso das atividades; a horizontalidade e disponibilidade nas relações; e as estratégias para lidar com a vulnerabilidade social nos âmbitos micro e macrossocial. Conclui-se que os termos território e comunidade são utilizados de forma articulada nas práticas profissionais, o que pressupõe a reflexão sobre os modos de vida dos sujeitos e as relações que eles estabelecem com seus espaços de vida, tendo a tessitura de redes de solidariedade nos lugares como uma das finalidades da ação técnica.

Palavras-chave:
Terapia Ocupacional; América Latina; Formação de Conceito; Território; Comunidade; Vulnerabilidade Social

Abstract

This study aimed to identify how the concepts of territory and community are expressed in the practice of occupational therapists in Latin America and which dimensions characterize their territorial-community action in Argentina, Brazil, Chile, and Colombia. The terms territory and community are included in the political, economic and social relations established in the capitalist model of production. In occupational therapy, they have been incorporated as a result of political, social and economic events in different countries as a way to combine critique on social reality with professional practice. This study presents part of the results of a doctoral dissertation. Four social case studies were carried out using participant observation and semi-structured interviews with the social actors of the experiences followed up in the four countries investigated. The results highlighted five strategies that characterize territorial-community action in Latin American occupational therapy: the practice involved in the collectives and social relations, the weaving of formal and informal networks, the building of ties through activities, horizontality and availability in relationships, and the strategies to deal with social vulnerability at the micro- and macro-spheres. In conclusion, the terms territory and community are used in a combined way in professional practice, which presupposes reflection on the individuals’ ways of life and the relationships they establish with their living spaces, with weaving of solidarity networks in the places as one of the purposes of professional action.

Keywords:
Occupational Therapy; Latin America; Concept Formation; Territory; Community; Social Vulnerability

Resumen

El estudio tuvo como objetivo identificar cómo los conceptos territorio y comunidad se expresan en la práctica del terapeuta ocupacional y qué dimensiones caracterizan una acción territorial y comunitaria en los países Argentina, Brasil, Chile y Colombia. Los términos territorio y comunidad se insertan en las relaciones políticas, económicas y sociales que se establecen en el modo de producción capitalista. En terapia ocupacional, se han incorporado como resultado de los acontecimientos políticos, sociales y económicos en diferentes países, como una forma de combinar la crítica sobre la realidad social con las prácticas profesionales. Este artículo aporta parte de los resultados de una investigación de doctorado que realizó cuatro estudios de casos sociales, mediante observación participante y entrevistas semiestructuradas con los actores sociales de las experiencias acompañadas, en los cuatro países investigados. Los resultados destacaron cinco estrategias que caracterizan la acción territorial-comunitaria en la terapia ocupacional latinoamericana: la actuación involucrado en lo colectivo y en las relaciones sociales; el tejido de redes formales e informales; la construcción de vínculos mediante el uso de actividades; horizontalidad y disponibilidad en las relaciones; y estrategias para enfrentar la vulnerabilidad social a nivel micro y macrosocial. Se concluye que los términos territorio y comunidad se utilizan de manera articulada en las prácticas profesionales, lo que presupone una reflexión sobre los modos de vida de los sujetos y las relaciones que establecen con sus espacios de vida, teniendo el tejido de redes de solidaridad en los lugares como uno de los fines de la acción técnica.

Palabras-clave:
Terapia ocupacional; América Latina; Formación de Conceptos; Territorio; Comunidad; Vulnerabilidad social

Introdução

Território e comunidade são conceitos frequentemente utilizados no campo da terapia ocupacional em países latino-americanos. Para além de representar espaços geográficos de intervenção, são utilizados para denominar um tipo de atuação, que se diferencia daquelas realizadas intramuros institucionais, baseada no envolvimento no contexto e nas dimensões coletivas daquele local. Contudo, suas definições ainda carecem de maior explicitação para assinalar as especificidades quando realizadas em terapia ocupacional. Afinal, o que caracteriza uma ação territorial e comunitária na terapia ocupacional? Quais estratégias podem ser apontadas como predicados dessas ações?

O presente estudo compreende que América Latina se refere à região do continente americano que inclui os países de origem latina localizados abaixo da linha do Rio Bravo, que separa os Estados Unidos do México. Os países possuem características históricas, socioeconômicas, políticas e culturais semelhantes (Araújo, 2006Araújo, M. C. (2006) Prospectos da democracia na América Latina em 2006. Rio de Janeiro: FGV.), que influenciaram a institucionalização e o desenvolvimento da terapia ocupacional, cada qual relativas às suas especificidades históricas locais (Monzeli, 2021Monzeli, G. A. (2021). Histórias da terapia ocupacional na América Latina: a criação dos primeiros programas de formação profissional. João Pessoa: Editora UFPB.). Todos esses países possuem consequências econômicas, políticas e culturais decorrentes do processo de colonização e, ainda hoje, são caracterizados pela exploração econômica e enormes patamares de desigualdades sociais (Araújo, 2006Araújo, M. C. (2006) Prospectos da democracia na América Latina em 2006. Rio de Janeiro: FGV.).

Pesquisas indicam que terapeutas ocupacionais de países latinos como Argentina, Brasil, Chile e Colômbia desenvolvem ações junto às comunidades, sob uma perspectiva territorial, intersetorial e associada às problemáticas sociais locais desde as décadas de 1980 e 1990 (Trujillo, 2002Trujillo, A. T. (2002). Terapia ocupacional: conocimiento y práctica en Colombia. Bogotá: Universidad Nacional de Colombia.; Barros et al., 2007Barros, D. D., Lopes, R. E., & Galheigo, S. M. (2007). Novos espaços, novos sujeitos: a terapia ocupacional no trabalho territorial e comunitário. In A. Cavalcanti & C. Galvão (Orgs.), Terapia ocupacional: fundamentação e prática (pp.354-363). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.; Oyarzún et al., 2012Oyarzún, N., Zolezzi, R., & Palacios, M. (2012). Hacia la construcción de las prácticas comunitarias de terapeutas ocupacionales: desde una mirada socio-histórica en Chile. Berlín: Editorial Académica Española.; Bianchi & Malfitano, 2017Bianchi, P. C., & Malfitano, A. P. S. (2017). Formación en terapia ocupacional en América Latina: ¿avanzamos hacia la cuestión social? WFOT Bulletin, 73(1), 15-23.; Ortiz & Satizabal, 2019Ortiz, D. M., & Satizabal, M. (2019). Terapia ocupacional en comunidad: complejidades, acciones y contextos. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 27(1), 197-207. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoRE1715.
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; Vinzón et al., 2020Vinzón, V., Allegretti, M., & Magalhães, L. (2020). Um panorama das práticas comunitárias da terapia ocupacional na América Latina. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(2), 600-620. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAR1891.
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). Segundo Navarrete et al. (2015)Navarrete, E., Garlito, P. A. C., Córdoba, A. G., Prado, R. S., & Miralles, P. M. (2015). Terapia ocupacional y exclusión social: hacia una praxis basada en los derechos humanos. Santiago: Editorial Segismundo Spa., a terapia ocupacional na região avançou para o plano sociocomunitário através de ações iniciadas na área da saúde mental e na Atenção Primária à Saúde (APS), as quais foram expandidas por meio da implementação de políticas sociais. A ida aos territórios também extrapolou os espaços de atuação da saúde e ampliou a possibilidade de operar em outros âmbitos, como o social, a educação, a justiça e a gestão de políticas. Os autores indicam inclusive que a constituição dessa dimensão da prática profissional tem gerado um esforço por parte dos profissionais para sistematizar e desenvolver outras formas de atuação, desde a definição de seu papel até a preocupação com o compromisso técnico com as atuais mudanças sociais (Navarrete et al., 2015Navarrete, E., Garlito, P. A. C., Córdoba, A. G., Prado, R. S., & Miralles, P. M. (2015). Terapia ocupacional y exclusión social: hacia una praxis basada en los derechos humanos. Santiago: Editorial Segismundo Spa.).

Em revisões conceituais da literatura (Bianchi & Malfitano, 2020Bianchi, P. C., & Malfitano, A. P. S. (2020). Território e comunidade na terapia ocupacional brasileira: uma revisão conceitual. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 28(2), 621-639. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAR1772.
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, 2021Bianchi, P. C., & Malfitano, A. P. S. (2021). Occupational therapy in Latin America: Conceptual discussions on territory and community. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, Ahead of print. http://dx.doi.org/10.1080/11038128.2020.1842492.
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), realizadas durante a primeira fase desta pesquisa, foi identificado que terapeutas ocupacionais de países latino-americanos se ancoravam em conceituações de território e comunidade de outras áreas de saberes para elaboração e análise de seus estudos e práticas profissionais. Desta forma, como embasamento teórico-metodológico para a leitura das práticas territoriais e comunitárias em terapia ocupacional, o presente estudo se apoia em concepções teorizadas por áreas de conhecimento engajadas na produção de reflexões e análises sobre estes conceitos e muito utilizadas no campo da terapia ocupacional: a geografia crítica e a psicologia comunitária.

Segundo o geógrafo brasileiro Santos (2006)Santos, M. (2006). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP., território deve ser entendido como território usado: um espaço geográfico conformado pela historicidade, pelas relações sociais e materiais e pelo uso que as pessoas fazem dele em seu cotidiano. A compreensão do território usado exige uma leitura para além da materialidade. É preciso captar o seu movimento (Santos & Silveira, 2006Santos, M., & Silveira, M. L. (2006). O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Record.). Para elucidar e determinar os possíveis usos do território, o autor elaborou algumas chaves de leitura com intuito de colocar em relevo as composições que o produzem e as características que revelam seus predicados e desigualdades socioespaciais, como fixos e fluxos, verticalidades e horizontalidades, luminosidade e opacidade, rugosidades, rapidez e lentidão dos sujeitos que os vivem (Santos & Silveira, 2006Santos, M., & Silveira, M. L. (2006). O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Editora Record.). Em síntese, Santos elaborou um conceito de território que expressa a relação e os impactos dos poderes da macroestrutura social à dimensão microestrutural dos lugares, considerando as solidariedades e as ações humanas em seus espaços de vida.

comunidade, seguindo a proposição da psicologia comunitária, define-se como um grupo social histórico em constante transformação e evolução, interligado pelo sentido de pertencimento e identidade social, com interesses, necessidades e organização em comum (Montero, 2004Montero, M. (2004). Introducción a la psicología comunitaria: desarrollo, conceptos y procesos. Buenos Aires: Editorial Paidós.). Segundo a psicóloga venezuelana Maritza Montero (2004)Montero, M. (2004). Introducción a la psicología comunitaria: desarrollo, conceptos y procesos. Buenos Aires: Editorial Paidós., o modo de vida comunitário pressupõe a presença de alguns processos: a participação, processo coletivo e livre que compartilha interesses e objetivos; a consciência, que permite superar formas equivocadas de entendimento como a alienação e a ideologização; o exercício do controle e do poder, como o espaço assegurado à participação e manifestação de decisões; a politização, considerada como a ocupação do espaço público e a compreensão dos direitos e deveres inerentes à cidadania; a autogestão, que supõe a influência direta das comunidades em seus processos de transformação; o compromisso, que imprime na ação comunitária o respeito pelos demais; o crescimento individual, uma vez que ao estimular suas próprias capacidades os sujeitos adquirem novas funções que beneficiam o espaço coletivo; o fortalecimento, desenvolvimento em conjunto das capacidades e recursos para lograr as mudanças aspiradas pelo grupo; e, finalmente, a identidade social ou comunitária, noção que outorga sentidos de caráter individual, como segurança, pertencimento e inclusão, e também coletivo, como compartilhamento, compromisso e estabilidade (Montero, 2004Montero, M. (2004). Introducción a la psicología comunitaria: desarrollo, conceptos y procesos. Buenos Aires: Editorial Paidós.).

Partindo do apoio de referenciais teóricos que contribuem informando a terapia ocupacional, o presente estudo traçou como objetivo identificar como os conceitos de território e comunidade se expressam na prática do terapeuta ocupacional e quais estratégias caracterizam e apoiam a ação territorial e comunitária na Argentina, Brasil, Chile e Colômbia.

Procedimentos Metodológicos

O presente artigo traz parte dos resultados da pesquisa doutoral Terapia Ocupacional, Território e Comunidade: desvelando teorias e práticas a partir de um diálogo latino-americano (Bianchi, 2019Bianchi, P. C. (2019). Terapia Ocupacional, Território e Comunidade: desvelando teorias e práticas a partir de um diálogo latino-americano (Tese de Doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Paulo.), que analisou quatro estudos de caso social, cada qual referente a um dos países investigados, sobre a atuação profissional de terapeutas ocupacionais nos territórios e com as comunidades.

O estudo de caso social é um método de pesquisa que permite a investigação de coletividades, instituições e/ou práticas coletivas e contribui para a compreensão de fenômenos sociais complexos, nos quais os sujeitos e grupos são pensados em sua condição na sociedade (Becker, 1997Becker, H. S. (1997). Métodos de pesquisa em ciências sociais. São Paulo: Editora Hucitec.). Segundo Yin (2001)Yin, R. K. (2001). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman., os estudos de caso social são elegidos quando o pesquisador possui pouco controle sobre os eventos e o foco do estudo se debruça sobre fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto de vida real.

Foi utilizado o estudo de caso múltiplo, seguindo a estratégia da replicação literal: aplicação dos mesmos procedimentos de coleta e de análise, de modo a prever resultados semelhantes (Yin, 2001Yin, R. K. (2001). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.). Permite que as experiências sejam apresentadas individualmente e analisadas e generalizadas à luz do mesmo referencial teórico, prevendo que os casos múltiplos sejam apresentados individualmente, à luz da mesma teoria de análise. Após esta apresentação, realiza-se uma análise conjunta, visando à generalização teórica da problemática estudada (Yin, 2001Yin, R. K. (2001). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman.).

Para a coleta de dados, utilizou-se ainda a combinação de outros dois métodos: a observação participante e a entrevista semiestruturada. Na busca de compreender as práticas de terapeutas ocupacionais nos distintos países observados, optou-se por acompanhar presencialmente o contexto em análise lançando mão da descrição da vivência materializada na escrita do diário de campo.

O primeiro desafio consistiu em identificar profissionais e práticas territoriais e comunitárias para a observação participante. Para tanto, na primeira fase da pesquisa doutoral, foram realizadas revisão conceitual da literatura e entrevistas semiestruturadas com as duas autoras mais recorrentes nas publicações de cada país (Bianchi & Malfitano, 2021Bianchi, P. C., & Malfitano, A. P. S. (2021). Occupational therapy in Latin America: Conceptual discussions on territory and community. Scandinavian Journal of Occupational Therapy, Ahead of print. http://dx.doi.org/10.1080/11038128.2020.1842492.
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). Nas entrevistas, foi solicitada às autoras a indicação de práticas e/ou terapeutas ocupacionais que considerassem, em seu entendimento, bons exemplos de atuação territorial e comunitária. Obtivemos cerca de três indicações em cada país participante, doze no total, dentre as quais foram priorizadas aquelas que haviam sido sugeridas pelas duas entrevistadas e que contemplassem experiências em áreas e contextos distintos entre si.

Após a seleção do local e prática, seguimos o mesmo procedimento para os quatro cenários: contatamos as terapeutas ocupacionais indicadas através de correios eletrônicos para convidá-las a participar do estudo e verificar a viabilidade da observação de forma presencial. Finalizado o contato e a confirmação da participação, enviamos a documentação necessária para a autorização institucional, solicitada nos serviços da Argentina, Brasil e Colômbia. Todos os procedimentos éticos em pesquisa foram seguidos, sendo que os atores envolvidos na coleta de dados assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da universidade que o sedia (nº 2.182.203 e CAAE nº 66233717.3.0000.5504).

As observações aconteceram entre março e setembro de 2018 e se pautaram no acompanhamento de uma semana típica de trabalho, somando cerca de 40 horas de observação em cada país. Em cada local, também foram realizadas entrevistas com as profissionais de referência e com atores sociais indicados por elas, como participantes das ações, ou colegas de trabalho. Seguimos dois roteiros de entrevistas distintos: um se trata de um guia para a conversa com as terapeutas ocupacionais, contemplando questões sobre os conceitos de território e comunidade e sua atuação profissional; já o outro, foca nos demais atores, abordando histórias e características do território, informações sobre o serviço e as percepções a respeito do trabalho das terapeutas ocupacionais.

Na Argentina, a prática indicada pelas duas autoras foi o empreendimento social Ceibo1 1 Todos os nomes de serviços e equipamentos acompanhados no estudo são fictícios. Escolhemos flores típicas de cada país para representar sua identidade e preservar o sigilo das participantes envolvidas. , desenvolvido desde a década de 1990 na cidade de Buenos Aires e coordenado por três terapeutas ocupacionais. Foram realizadas cinco entrevistas, contemplando duas terapeutas ocupacionais e três trabalhadores do local.

No Brasil, foi selecionado o Centro de Convivência Ypê Amarelo, localizado no interior do estado de São Paulo. O equipamento conta com duas terapeutas ocupacionais em sua equipe, sendo uma delas a coordenadora. Foram entrevistadas as duas terapeutas ocupacionais, a auxiliar de limpeza do serviço e um usuário que o frequenta diariamente.

No Chile, foi escolhida uma prática que se distinguia das demais subáreas de atuação em terapia ocupacional: o Programa de Cuidadoras Comunitárias promovido pela organização não governamental Copihue, na cidade de Santiago. Foram entrevistadas duas terapeutas ocupacionais, a coordenadora da ONG, a docente que realiza atividades do curso de graduação em terapia ocupacional em parceria com Copihue e, em uma entrevista coletiva, conversamos com quatro cuidadoras comunitárias.

Na Colômbia, observamos o estágio profissional da área comunitária ofertado pela Universidade Orquídea, na qual acompanhamos a docente responsável pelo estágio, uma terapeuta ocupacional da universidade e três estudantes do último ano de graduação. As entrevistas contemplaram: duas estudantes, a docente do estágio, um colega de trabalho e professor do curso de fisioterapia da universidade, e uma moradora daquela comunidade participante de um dos grupos promovidos pelo estágio.

Para as análises, seguindo as proposições dos estudos de caso múltiplos, foram apresentadas as experiências de cada país de forma homogênea, na forma de suas descrições, mesmo conscientes das diferenças históricas e políticas de cada país e das distinções no desenvolvimento da terapia ocupacional, tanto nos âmbitos acadêmico quanto prático. Houve cuidado para não traçar dados comparativos entre as experiências, mas sim buscar as similaridades nas ações e nos usos dos termos na prática profissional. Finalmente, o conjunto de informações obtidas nos estudos de caso social foi analisado à luz dos referenciais teóricos apresentados, com base na geografia crítica e psicologia comunitária. Lançou-se mão das chaves de leitura e características complementares aos conceitos de território e comunidade para identificação de elementos característicos de ambos os termos nas práticas profissionais acompanhadas. Nesse sentido, a proposta foi tecida no intuito de conjugar a linguagem da experiência com a linguagem da teoria: o estar e vivenciar o trabalho prático somado aos referenciais teóricos e elaborações conceituais para, então, analisar e categorizar as informações reunidas (Caria, 2003Caria, T. (2003). A construção etnográfica do conhecimento em ciências sociais: reflexividade e fronteira. In T. Caria (Org.), Experiência etnográfica em ciências sociais (pp. 9-20). Porto: Afrontamento.).

Por fim, como pontua Yin (2001)Yin, R. K. (2001). Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman., a análise tecida pelo mesmo referencial teórico age como o fio condutor da discussão e conclusão comum sobre as diferentes situações apresentadas. No item Resultados, são apresentadas quatro categorias, cada qual correspondendo a um país investigado; e, no item Discussão, a partir do intercruzamento das informações encontradas e dos temas emergidos nas observações, são apresentadas duas categorias. São elas: Intersecções entre território e comunidade: a força do lugar e da solidariedade na prática profissional e Cinco dimensões da ação territorial-comunitária na terapia ocupacional em países latino-americanos.

Resultados

Os resultados estão apresentados por país, buscando destacar algumas de suas singularidades. Optou-se por fazer a leitura das quatro realidades estudadas à luz dos conceitos território e comunidade escolhidos neste estudo, especificamente a partir da geografia e da psicologia comunitária.

Território e comunidade na ação da Terapia Ocupacional no Empreendimento Social Ceibo - Argentina

O Empreendimento Social Ceibo é um serviço de saúde e inclusão social coordenado por três terapeutas ocupacionais e ofertado em um grande hospital psiquiátrico do sistema público de saúde da Cidade Autônoma de Buenos Aires. Com fins terapêuticos e também laborais, o empreendimento atua como forma de integrar e disponibilizar um serviço de atenção alternativo ao modelo manicomial, ainda que dentro do hospital. O grupo, composto por pacientes do hospital e membros da comunidade em situação de desemprego, desenvolve a criação, produção e comercialização de materiais de papelaria artesanal. O empreendimento assume uma organização inspirada no cooperativismo, na proposição de relações horizontais e na ativa participação dos integrantes na dinâmica da unidade produtiva, como compra de insumos, confecção dos produtos, estabelecimento de preços e participação em feiras.

No tocante à atuação das terapeutas ocupacionais, as funções são distribuídas entre as tarefas de coordenação da atividade produtiva e de viés terapêutico. Na coordenação, as atribuições assumidas pelas profissionais abarcam a realização de atividades administrativas e econômicas, como a organização e execução do processo produtivo e a participação em reuniões para comercialização de produtos. Já as ações de cunho terapêutico se referem ao cuidado em saúde mental, como a sustentação dos integrantes no grupo, a mediação de conflitos e dos relacionamentos entre os integrantes e a construção conjunta de projetos de vida.

Na observação, notou-se que o conceito de território não se relaciona com a localização geográfica. Pelo contrário, a dimensão espacial é uma questão que atravessa o processo de trabalho, uma vez que ele se dá dentro de um hospital, abordando o que Santos (2006)Santos, M. (2006). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP. denomina de verticalidade na leitura espacial. Ou seja, ainda que não detenha a hegemonia econômica do local, o hospital promove intensa circulação e modifica as relações socioespaciais naquele território. A verticalidade observada se subscreve por atributos como a imposição de uma lógica espacial específica a despeito dos interesses e demandas do lugar, ao entorno e à população que ali vive e circula. A proposição do empreendimento, nesse sentido, visa à minimização das relações verticalizadas estabelecidas desde o hospital, proporcionando uma porta aberta aos participantes que saem para comercialização dos produtos, aos sujeitos que buscam ingresso ao mercado de trabalho e também aos consumidores que adentram o hospital para comprar produtos.

Outra leitura sobre território foi a circulação social dos participantes em circuitos de produção alternativos ao modo capitalista e, por isso, mais inclusivo à população que tem dificuldades na integração social. Santos (1986)Santos, M. (1986). Circuitos espaciais de produção: um comentário. In M. A. Souza & M. Santos (Orgs.), A construção do espaço (pp. 121-134). São Paulo: Nobel. identifica os circuitos produtivos dos territórios como espaços de produção, circulação e consumo. O autor propõe a análise daqueles espaços classificando-os em circuitos superiores, relativos aos agentes e elementos que utilizam alto grau de tecnologia, capital e organização; e circuitos inferiores, formados por agentes e elementos que utilizam baixo nível de tecnologia e capital e promovem relações horizontais.

Observou-se que o Empreendimento Social Ceibo integra e se fortalece nos espaços de produtivos dos circuitos inferiores, como eventos e feiras de artesanatos. A participação no circuito propicia também recursos à construção da circulação social, do estabelecimento de novas relações e da apropriação de lugares diferentes aos participantes. Acompanhamos um exemplo: o grupo se preparava para participação em evento de uma cidade vizinha, dois integrantes se organizavam para irem sozinhos de transporte público, onde levariam os produtos e o dinheiro, organizariam a exposição e seriam responsáveis pelas vendas; além disso, durante o evento, eles participariam também de uma roda de conversa, na qual fariam uma apresentação sobre o Ceibo, experiência que nunca tinham vivenciado. Assim, notou-se que a construção de um lugar pelos circuitos inferiores favorece o protagonismo dos sujeitos, uma vez que não se constituem como espaços competitivos, hierárquicos e de representação apenas institucional. A identificação ainda coaduna com outro aspecto abordado por Santos (1986)Santos, M. (1986). Circuitos espaciais de produção: um comentário. In M. A. Souza & M. Santos (Orgs.), A construção do espaço (pp. 121-134). São Paulo: Nobel. referente à composição de solidariedades orgânicas e horizontais, em detrimento de uma solidariedade organizacional imperada no interior de firmas e instituições produtivas.

Com base em Santos (1986)Santos, M. (1986). Circuitos espaciais de produção: um comentário. In M. A. Souza & M. Santos (Orgs.), A construção do espaço (pp. 121-134). São Paulo: Nobel., é possível reconhecer que o trabalho das terapeutas ocupacionais não modifica a macroestrutura ou conquista novas oportunidades de trabalho nos circuitos produtivos superiores, mas desenvolve alternativas nos circuitos inferiores, as quais modificam o cotidiano dos participantes do empreendimento e criam novas chances de vida.

Adentramos então à representação do conceito de comunidade demonstrado pela noção de autogestão comunitária. De acordo com Montero (2004)Montero, M. (2004). Introducción a la psicología comunitaria: desarrollo, conceptos y procesos. Buenos Aires: Editorial Paidós., a autogestão, caraterística de práticas comunitárias, se expressa na autonomia das ações e da tomada de decisão relativas aos processos de um grupo, sem a necessidade de uma iniciativa ou posicionamento verticalizado em relação às negociações e acordos. A autogestão, através do movimento coletivo de gerenciamento de tarefas, fomenta a confiança, o compromisso e a segurança entre os membros do grupo.

Durante o acompanhamento, algumas cenas ilustraram a autogestão. Uma delas é comum no cotidiano do empreendimento: depois de um tempo de trabalho conjunto, uma participante e uma terapeuta ocupacional apresentaram ao grupo um novo modelo de capa para cadernos. Os participantes pararam suas atividades e observaram a nova proposta. Após uma breve circulação do produto e da conferência dos integrantes, que possuem maior domínio da técnica, a profissional perguntou o que achavam e se estavam de acordo em incluí-lo no catálogo de vendas. A pergunta foi seguida por uma discussão, na qual algumas ressalvas foram apontadas e houve consenso sobre a confecção do produto.

Na situação apresentada, foi possível identificar que os processos de organização e gerenciamento do empreendimento se dão de maneira democrática e coletiva, através do diálogo e da opinião expressa pelos participantes. Ficou perceptível também a sutileza das ações. Na experiência, não visualizamos relações hierárquicas no modo de organização; pelo contrário, a autogestão compõe de forma natural a convivência cotidiana do grupo. O que se observou foi a construção diária de uma conduta entre e com os participantes que visa promover uma apropriação dos processos produtivos para além de si e do seu fazer individual e, com isso, o fortalecimento do coletivo como um lugar e um modo de agir entre o grupo.

No Empreendimento Social Ceibo, foi possível reconhecer que o termo comunidade reflete também uma estratégia na condução da prática profissional, um modo de organização e um orientador da perspectiva adotada. Isto é, a atuação não foi proposta pela comunidade ou possui uma relação estreita com a organização da vida extramuros. No entanto, guia-se pela construção e fortalecimento de elementos que constituem o modo de vida comunitário como a autogestão, a participação, o compromisso e o pertencimento na composição do grupo.

Território e comunidade na ação da Terapia Ocupacional no Centro de Convivência Ypê Amarelo - Brasil

O Centro de Convivência (Ceco) Ypê Amarelo é um equipamento de promoção de convivência e cuidado em saúde mental em munícipio no interior do estado de São Paulo. No cenário atual brasileiro, não existem políticas públicas oficiais de financiamento e implementação de Centros de Convivência, sendo encontrados em poucos locais. No entanto, na Portaria n.3088/2011, que oficializa a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para o cuidado dos sujeitos em sofrimento psíquico, os Cecos são apontados como equipamentos da Atenção Básica em Saúde que podem compor a RAPS nas ações de inclusão social (Brasil, 2011Brasil. (2011, 23 de dezembro). Portaria Nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, seção 1, p. 37-38.). Portanto, o Ceco Ypê Amarelo compõe a RAPS, atuando em conjunto com outros serviços como os Centros de Saúde, Centro de Atenção Psicossocial III (CAPS III), Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPS i) e Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD).

O serviço oferece grupos e atividades, tais como: oficinas de expressão corporal, vivências com as artes, oficinas de cuidado e produção de alimentos e grupos voltados à elaboração de escritos como cartas e biografias. No momento da visita, a equipe era composta por duas terapeutas ocupacionais – sendo uma a gestora do serviço –, uma psicóloga, uma oficineira, uma auxiliar administrativa e uma auxiliar de limpeza. O fluxo de pessoas que circulam pelo Ceco Ypê Amarelo é alto, com grupos distintos, como: moradores do bairro, usuários de CAPS III, pessoas com deficiências e adolescentes abrigados em equipamento da região.

Sobre as ações das terapeutas ocupacionais, existem algumas distinções entre a profissional gestora do Ceco e a técnica que atua em contato direto com os usuários. No âmbito da gestão, a terapeuta ocupacional 1 possui atribuições de coordenação, além da participação em fóruns e reuniões da rede municipal de saúde e atividades econômicas, como a negociação de recursos financeiros e manutenção do serviço. Já as ações desempenhadas pela terapeuta ocupacional 2 se voltam ao planejamento, preparação e realização das oficinas, promoção de espaços livres de interação e convivência, organização de passeios, viagens e eventos no serviço, mediação do convívio entre os usuários e interlocução com profissionais de outros serviços para o desenvolvimento de atividades conjuntas.

As expressões do conceito de território no trabalho do Ceco Ypê Amarelo derivam da costura entre os âmbitos micro e macrossocial, isto é, entre as ações na vida cotidiana e as intervenções voltadas à conscientização e minimização das relações de poder que impactam diretamente o modo de vida dos sujeitos acompanhados. Um exemplo foi a construção e efetivação das articulações em rede. Durante todo o período de observação, acompanhamos o trânsito e a circulação tanto de profissionais quanto de usuários de outros serviços nas atividades oferecidas pelo Ceco. De acordo com as profissionais, a ação territorial se dá na promoção de espaços de trocas com a população, com as universidades (recebimento de estagiárias e residentes) e com outros serviços.

Para Santos (2006)Santos, M. (2006). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP., o período técnico-científico-informacional demarca a evolução no uso das redes, sendo que o suporte das redes se encontra no território, seja na força abstrata que conecta as relações entre os sujeitos ou nos desígnios da técnica, como a conectividade proporcionada pelos computadores, por exemplo. Através das redes, é possível reconhecer três níveis de solidariedade: mundial, espaço geográfico e o local. No cenário atual, o mundo é tido ao alcance das mãos por meio da conexão com as redes, o que produz uma ideia de totalidade que se faz não apenas de maneira concreta, mas também empírica. O segundo nível se refere ao espaço geográfico de um país ou de um Estado e da conformação das redes como forma de regulação e/ou de controle. O lugar é o terceiro nível; ele corresponde à dimensão na qual a rede adquire forma socialmente concreta, fruto da diversidade e de um acontecer repetitivo (Santos, 2006Santos, M. (2006). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP.).

Dessa forma, a concepção de território nessa experiência foi expressa pela tessitura de redes, tanto no nível do espaço geográfico quanto no âmbito dos lugares. Sobre o nível do espaço, foi possível identificar que as profissionais visam à construção de redes intersetoriais de apoio e comunicação entre diferentes serviços, compondo estratégias da política nacional para a atenção à saúde mental. Já no nível local, as terapeutas ocupacionais atuavam na mediação das relações no âmbito microssocial, tecendo aproximações entre os participantes para constituição de redes sociais e de suporte entre eles.

Já o conceito de comunidade se constitui como uma estratégia da ação profissional na promoção de ações coletivas e participativas entre os usuários. As profissionais não lidavam com a comunidade externa ao serviço ou estabeleciam relações com líderes comunitários para fortalecer o território no qual o Ypê Amarelo se localizava, características da ação comunitária. No entanto, buscavam constituir ações para estimular os laços comunitários dentro do Ceco e, de certa forma, atribuindo nas relações dentro do próprio serviço os sentidos de comunidade.

A terapeuta ocupacional 2 cita, em sua entrevista, a organização de assembleia com os frequentadores do Ceco como uma ação de cunho comunitário em seu escopo profissional. As assembleias são grupos democráticos, no qual o exercício da fala, do debate e do consenso se conformam como instrumentos fundamentais (Kinoshita, 2009Kinoshita, R. T. (2009). Saúde mental e a antipsiquiatria em Santos: vinte anos depois. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, 1(1), 1-8.). Busca favorecer a participação social dos usuários nas decisões coletivas, pressupondo relações de horizontalidade e cogestão.

Eu estava falando de uma assembleia que a gente fez quando estávamos com um corte muito grande de gastos. A gente resolveu fazer uma assembleia para comunicar os frequentadores do Ceco, porque a gente pensou que precisava compartilhar isso com eles (...). Fizemos essa conversa preocupados, mas foi surpreendente porque muitas pessoas começaram a dar ideias pra gente arrecadar dinheiro, sugerir de trazer lanche quando tem os grupos. Isso pra mim deu um sentido de comunidade muito forte, de que as pessoas vêm aqui porque elas acreditam que esse espaço é um espaço comunitário e aí não ficou cada um pensando “ah, não vou vir mais”, ficou uma coisa coletiva mesmo: “vamos pensar juntos o que fazer”. E acho que é interessante fortalecer esses espaços de conversa, porque surge esse sentido de união (Terapeuta ocupacional 2 – Brasil).

A discussão sobre comunidade é composta também pela participação comunitária. De acordo com Barros et al. (2007Barros, D. D., Lopes, R. E., & Galheigo, S. M. (2007). Novos espaços, novos sujeitos: a terapia ocupacional no trabalho territorial e comunitário. In A. Cavalcanti & C. Galvão (Orgs.), Terapia ocupacional: fundamentação e prática (pp.354-363). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan., p. 356), a participação comunitária se fundamenta em princípios, como: “a importância atribuída à proximidade do cotidiano concretamente vivido, o envolvimento da participação da população na resolução de seus problemas e a conquista da emancipação social e política dessa mesma população”. A ação das terapeutas ocupacionais visou proporcionar um espaço seguro para participação comunitária, através da mediação das relações entre os usuários, da promoção de trocas e diálogos de forma horizontal e democrática e do cuidado para não suprimir o protagonismo dos participantes nas experiências. No entanto, as intervenções remetem apenas aos dois primeiros princípios de participação comunitária trazidos pelas autoras, sendo a emancipação social e política ainda como um desafio a ser trabalhado.

Território e comunidade na ação da Terapia Ocupacional na Organização Copihue - Chile

A Copihue é uma organização não-governamental (ONG) feminista que teve início nos anos 1930. Marcante na história chilena, foi expoente na luta pelo sufrágio feminino e pela defesa das mulheres no período ditatorial no país. Após a redemocratização, a ONG definiu que a nova etapa teria como missão a manutenção e o fortalecimento do movimento de mulheres e sua readequação ao processo político que se iniciava. Para tanto, a ênfase principal foi pautada no trabalho com mulheres de setores populares e vulneráveis, a fim de impulsionar o desenvolvimento pessoal e a conscientização dos direitos, como um caminho para fomentar o exercício da cidadania, fortalecer lideranças e impulsionar a autonomia social e econômica (Pastor & Valenzuela, 2017Pastor, S. M. O., & Valenzuela, J. Z. (2017). La voz del mujerío chileno: crónicas sobre la construcción del movimiento femenino de los últimos 40 años (Tesis pregrado). Universidad de Chile, Santiago.). Assim, iniciou-se o Programa de Assistentes Comunitárias, uma ação com objetivo de articular uma rede de cuidados de saúde domiciliares para idosos em situação de vulnerabilidade, ofertado por mulheres “donas de casa” que tinham dificuldade em ingressar no mercado de trabalho. O Programa outorga o reconhecimento social do cuidado, uma tarefa historicamente desenvolvida por mulheres, através do ofício remunerado (Weber, 2016Weber, P. (2016). Programa de cuidados domiciliarios de caráter comunitarios, ejecutado por MEMCH en la zona norte de la Región Metropolitana. In A. Guajardo, D. Albuquerque & M. Díaz (Eds.), Diálogos colectivos en torno a la autonomía de personas en situación de dependencia (pp. 221-231). Santiago: Editorial USACH.). No ano de 2016, inspirado na Copihue, o governo federal chileno implantou o Programa Chile Cuida, ampliando a capacitação de mulheres e o cuidado aos idosos vulneráveis em todo o país (Chile, 2016Chile. (2016). Programa Chile Cuida: derechos, protección social, cuidados, familia, género, trabajo y territorio.Direción SOCIOCULTURAL, Chile.). Assim, a ONG continuou realizando suas ações, contemplada pelo financiamento oriundo do programa federal. A nova fonte de financiamento possibilitou a contratação de duas terapeutas ocupacionais para compor a equipe do programa em 2017.

No período de nossa observação, a ONG era composta apenas por mulheres, divididas em duas subequipes. A primeira miniequipe se dedicava à coordenação administrativa e contava com a diretora, uma advogada, uma auxiliar administrativa e duas coordenadoras do Programa Chile Cuida. Já a miniequipe profissional se vinculava ao trabalho próximo às assistentes comunitárias e aos idosos acompanhados, formada por uma enfermeira, uma psicóloga e duas terapeutas ocupacionais.

Nos caminhos e trajetos que fizemos pelas ruas do território, não encontramos movimentações de pessoas, transportes públicos ou carros. Eram, na grande maioria, lugares de vida silenciosos e vagarosos em seu cotidiano. Acreditamos que isso se deve ao fato de que os moradores que permaneciam no território estavam em situação de desemprego ou praticavam atividades informais, como as mulheres “donas de casa”.

Associamos essa identificação do território à ideia de tempos e “homens lentos”, conforme as palavras de Milton Santos. Os tempos lentos se referem às dinâmicas do espaço produzidas pelos sujeitos lentos, aqueles que estão alheios à velocidade dos processos hegemônicos (econômicos, sociais, políticos) e, por isso, não se enquadram nos tempos formais e acelerados das atividades comerciais (Santos, 2006Santos, M. (2006). A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP.). De acordo com essa leitura, os “homens lentos” vivenciam mais o território pela sua própria condição de sobrevivência e, devido a isso, podem descobrir recursos e oportunidades nos lugares menos previsíveis, criando novas normas para a vida.

Seguindo tal análise, é possível inferir que, naquela experiência, os homens lentos eram, na realidade, mulheres lentas2 2 Reconhecemos que, à época dos escritos de Milton Santos, era comum a utilização de “homens” para generalizar a condição humana. Na atualidade, o uso do termo é questionado e problematizado por sua insuficiência em contemplar a complexidade da condição humana e, em especial, as especificidades da condição das mulheres na sociedade, debatida pelo movimento feminista. Assim, no sentido de levantar uma provocação sobre a temática, elegemos pontuar e destacar o perfil feminino da experiência chilena. . Elas que, por diversos fatores (questões de gênero, classe e do próprio território), foram atravessadas por processos de exclusão laboral e não conseguiram se adequar, mesmo que de maneira subordinada, ao mercado de trabalho, mas encontraram uma forma de atuação envolvendo seu próprio ofício de doméstica e cuidadora. Assim, por vivenciarem os tempos lentos do espaço onde moram e trabalham, as assistentes comunitárias desempenham o papel de interlocutoras entre a equipe profissional da Copihue e as demandas, relações e contradições dos territórios. Ao mesmo tempo em que a equipe, com destaque às terapeutas ocupacionais, atua na manutenção e fortalecimento dessa alternativa de trabalho às mulheres lentas, constituindo um processo de trabalho pautado no intercâmbio e no diálogo entre ambos os grupos.

Adentrando à atuação em terapia ocupacional, as profissionais dispõem de duas frentes distintas: o acompanhamento do trabalho e oferta de capacitações para as assistentes comunitárias; e a aplicação de avaliações e elaboração de plano de intervenção para os idosos acompanhados no programa. As cenas acompanhadas são passíveis de análise sob as concepções de trabalho comunitário e intervenção comunitária (Oyarzún et al., 2012Oyarzún, N., Zolezzi, R., & Palacios, M. (2012). Hacia la construcción de las prácticas comunitarias de terapeutas ocupacionales: desde una mirada socio-histórica en Chile. Berlín: Editorial Académica Española.).

O trabalho comunitário é definido como um trabalho coletivo, no qual a própria comunidade se constitui como o sujeito central da ação. Destaca-se o fomento à participação ativa de seus membros, ao apoio às suas qualidades e à valorização de suas capacidades como grupo, além do intuito ao fortalecimento de sujeitos e grupos para que eles próprios conquistem as transformações necessárias ao coletivo ao qual pertencem. Na terapia ocupacional chilena, o trabalho comunitário era muito visualizado nos períodos anteriores e durante a ditadura militar, nos quais as comunidades possuíam organização coletiva e se engajavam nos processos de reconstrução do tecido social (Oyarzún et al., 2012Oyarzún, N., Zolezzi, R., & Palacios, M. (2012). Hacia la construcción de las prácticas comunitarias de terapeutas ocupacionales: desde una mirada socio-histórica en Chile. Berlín: Editorial Académica Española.).

Na observação, visualizaram-se iniciativas congruentes ao trabalho comunitário nas práticas vinculadas às assistentes comunitárias. Nas capacitações, elencaram-se aspectos como a valorização do diálogo e da participação das assistentes comunitárias nas trocas de saberes. A terapeuta ocupacional assumiu um papel horizontal de mediadora das relações e facilitadora do processo grupal. Em sua entrevista, destaca a importância das trocas com as assistentes como uma forma de compreender os movimentos do cotidiano e a expressão da cultura na vida das pessoas da comunidade e na dinâmica do território.

Os saberes populares [aparecem] nos momentos de encontro com as assistentes comunitárias (...). O espaço de compartilhamento é algo presente nas assistentes comunitárias, o dialogar, e sempre emergem os saberes populares nesses encontros. (...) [São] os saberes populares desses territórios mesmo, o que acontece também a partir do cotidiano, da experiência delas (...) eu me distancio porque não moro nessas comunidades, elas se identificam com o que dizem, são super espontâneas como assistentes e como mulheres, todo o seu conhecimento, suas emoções, os transmitem (Terapeuta ocupacional 1 – Chile, tradução nossa).

A outra concepção é a intervenção comunitária. De acordo com Sánchez (1991)Sánchez, V. A. (1991). Psicología comunitaria: bases conceptuales y operativas: métodos de intervención. Barcelona: PPU., a intervenção comunitária diz respeito à criação de recursos comunitários para resolução de problemáticas a partir de agentes externos à comunidade. Isto é, as profissionais dirigem suas ações para o território e realizam suas práticas na comunidade, não necessariamente com a comunidade, em uma iniciativa de favorecer ao desenvolvimento humano e social do local. Na terapia ocupacional chilena, o desenvolvimento de intervenções comunitárias se deu após a violenta ditadura vivenciada e a implantação de políticas públicas que, embora tenham legitimado a criação de serviços territoriais e comunitários, trouxeram implicações como a instrumentalização das práticas, a implantação de guias e modelos e a indicação das problemáticas específicas com as quais o profissional deve lidar (Oyarzún et al., 2012Oyarzún, N., Zolezzi, R., & Palacios, M. (2012). Hacia la construcción de las prácticas comunitarias de terapeutas ocupacionales: desde una mirada socio-histórica en Chile. Berlín: Editorial Académica Española.).

Nesse sentido, a outra frente de atuação das terapeutas ocupacionais, junto aos idosos assistidos pelo programa, enquadra-se na concepção de intervenção comunitária. As ações das profissionais correspondem às prerrogativas do programa, nas quais são consideradas as necessidades pré-determinadas dos idosos, como a dependência e o índice socioeconômico, e são construídas intervenções com base em suas características individuais, não tendo como vislumbre, por exemplo, a realização de grupos ou atividades coletivas.

Sob essa leitura, inclusive, nota-se que território se associa ao palco da intervenção, isto é, ao espaço material, físico e estático em que se localiza a ação. Embora as profissionais circulassem pelas ruas, havia pouca interlocução com a dinâmica social que acontecia no território e que impactava as condições de vida das assistentes e a saúde dos idosos; as ações tampouco conseguiam tecer diálogos no âmbito macrossocial para efetivar a construção de redes de assistência.

Por fim, o que se identificou é que a prática profissional correspondeu aos movimentos sociopolíticos vivenciados pelo país: uma tentativa em se resguardar as características dos movimentos comunitários através do fortalecimento e da manutenção da coesão entre o grupo de assistentes comunitárias, as mulheres lentas; ao passo que se visualiza um enrijecimento da ação técnica em decorrência das políticas públicas que colocam a cargo das profissionais demandas mais próximas ao controle e ao cuidado especializado do que à conscientização e a participação ativa.

Território e comunidade na ação da Terapia Ocupacional na Universidade Orquídea - Colômbia

O curso de graduação em terapia ocupacional na Universidade Orquídea teve início em 1986 e foi o primeiro em sua região. O estágio profissional em terapia ocupacional comunitária foi inserido em 2007, após uma reforma na sua grade curricular. Ao chegar ao oitavo semestre, as alunas passam por uma rotação em cinco cenários de prática: saúde mental, saúde física, educação, trabalho e área comunitária. Já no último semestre da graduação, as estudantes vivenciam um período de aprofundamento do conteúdo, no qual elegem um dos cenários para acompanhar e elaborar um projeto final. Desta maneira, a área comunitária recebe alunas na prática profissional rotativa e no período final.

O estágio na área comunitária se divide em dois cenários: o rural e o urbano, cada qual com frentes de trabalho distintas. As ações na área rural contemplam atividades em um posto de saúde e na escola pública, equipamentos centrais da região, responsáveis por agregar crianças e adolescentes e de aproximar pais e familiares em espaços de diálogos sobre as dinâmicas e necessidades do bairro. Na área urbana, as intervenções acontecem em dois bairros vulneráveis socialmente na periferia da cidade. Neles, as atividades do estágio consistiam no acompanhamento da terapeuta ocupacional que compunha a equipe de Reabilitação Baseada na Comunidade (RBC) de um serviço de Atenção Primária em Saúde; e na realização de três grupos em um parque público, articulados em conjunto com docentes de outros cursos da universidade. Os grupos contemplavam ações no âmbito da saúde mental, infância e maternidade e gerontologia.

No cenário rural, em decorrência da distância da área urbana, o bairro se constituía como eixo central da produção material e dos laços sociais e de convivência, conformando em um espaço muitas vezes alheio às influências e modificações de agentes externos, principalmente àqueles vindos da cidade. A leitura dessa organização social, baseada na compreensão do espaço como abrigo, trabalho e ordenador das próprias relações, nos remete ao conceito de lugar, um componente da dimensão territorial.

O lugar é o espaço que guarda o cotidiano e as convivências banais entre as pessoas, cuja construção é tecida pelas relações sociais no espaço e pela dimensão histórica e cultural que dão forma às relações e aos modos de vida. O lugar se configura como a dimensão espacial do cotidiano, produtora de identidade e pertencimento àqueles que compartilham da vida no mesmo espaço (Santos, 2000Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record.), entendimento que oferta também um ambiente concreto à comunidade e às relações comunitárias.

Com base nessa compreensão, as ações das terapeutas ocupacionais na área rural se conectam ao lugar, principalmente no que se refere à reconstrução das memórias e dos aspectos culturais da região. Acompanhamos cenas da prática que servem de ilustração à esta análise. Uma delas foi a participação em uma reunião da equipe de terapeutas ocupacionais com a enfermeira do posto de saúde para organização de um encontro de comemoração ao dia dos idosos. A proposta do evento era reunir idosos e alunos da escola local para trocarem experiências, histórias e memórias sobre o bairro: como a região foi formada, as primeiras famílias e como eram os cultivos agrícolas antigamente, em um diálogo intergeracional. Na reunião e divulgação, as estudantes sugeriam que os idosos levassem objetos que ativassem suas memórias, como fotos, documentos e objetos antigos.

Nos bairros rurais, devido às proximidades das relações e da experimentação de tempos lentos, torna-se mais evidente a percepção do avanço das tecnologias, como aparelhos de televisão e computadores, e o distanciamento das crianças e jovens dos antigos modos de vida rurais. Nesse sentido, aponta-se essa atividade de contextualizar as histórias e memórias em diálogos intergeracionais como uma estratégia para a manutenção das identidades que dão forma e reconhecimento ao lugar e à comunidade.

Sobre o cenário urbano, identificou-se que ações de promoção à circulação pelo bairro e ao fortalecimento dos vínculos e redes de apoio se conectavam aos conceitos de território e comunidade. Algumas cenas acompanhadas ilustram a identificação. Uma delas, relatada pelas estudantes, foi a realização da cartografia social com o grupo de idosos. A atividade consistiu na construção de um mapa do bairro ilustrando os pontos importantes do território, as casas das participantes do grupo e por quais espaços elas circulavam, abordando no encontro as marcas afetivas e os usos que os idosos faziam do território. Além disso, a atividade tinha como objetivo aproximar as participantes do grupo e fortalecer as relações entre elas.

A cartografia social pode ser definida como uma estratégia de ação política e de análise crítica que visa acompanhar e descrever relações, trajetórias, composições e organizações dos espaços, apontando linhas de convivência, rupturas e resistências. Assim, diferente da topografia e do desenho de um mapa tradicional, a estratégia se pauta na ilustração de desenhos que demonstrem as dinâmicas, os poderes, as densidades e os lugares em movimentos (Prado Filho & Teti, 2013). Apontamos a cartografia social como um recurso potente ao trabalho do terapeuta ocupacional nos territórios e junto às comunidades, uma vez que é uma estratégia que visa discutir a apropriação que a população faz de seus espaços de vida e de circulação e analisar as formas de vida e os laços sociais e coletivos dos lugares.

Discussão

A discussão sintetiza reflexões referentes aos intercruzamentos das informações encontradas e dos temas emergidos das práticas profissionais, identificados por meio das entrevistas e observações participantes. Dentre os achados, destacam-se o conceito de lugar e a busca pela construção da solidariedade como objetivos da ação e cinco estratégias comuns a todos os cenários acompanhados, identificadas como características da ação territorial-comunitária na terapia ocupacional.

Intersecções entre território e comunidade: a força do lugar e da solidariedade na prática profissional

Território e comunidade são conceitos frequentemente utilizados de maneira conjunta e articulada no campo da terapia ocupacional. Nas quatro experiências acompanhadas, foi possível identificar que os elementos que caracterizam os conceitos estão, de fato, intercruzados, compondo uma ação territorial-comunitária que se encontra e/ou se efetiva em um espaço-tempo relacional: o lugar.

O lugar é o espaço vivido onde a grande riqueza é o acontecer solidário e a proximidade com as ações ordinárias e corriqueiras do dia a dia (Santos, 2000Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record.). Pode ser compreendido também como a porção do espaço passível de ser visualizada, tocada e apropriada através dos corpos. Um bairro ou uma rua podem ser considerados como lugar, pois se constituem como os espaços imediatos das relações banais, de vizinhança e dos laços de identidade entre os habitantes (Carlos, 2007Carlos, A. F. A. (2007). O lugar no/do mundo. São Paulo: FFLCH.).

O conceito de lugar ainda resgata e traz de novo à cena uma concepção antiga, historicamente vinculada às noções de caridade e benevolência, mas que endossa a importância da tessitura das relações no âmbito coletivo: a solidariedade. Solidariedade é vista aqui não como um valor moral e fraterno, mas como uma forma específica de vínculo social que se constitui com base na ideia de reciprocidade entre os membros de um grupo, no nosso caso, de uma comunidade.

Para Freire & Oliveira (2014)Freire, P., & Oliveira, W. F. (2014). Solidariedade e esperança como sonhos políticos. In P. Freire, N. Freire & W. F. Oliveira (Orgs.), Pedagogia da Solidariedade (pp. 70-110). São Paulo: Paz e Terra., solidariedade é a antítese do individualismo. A maneira mais coerente de se construir uma sociedade justa, democrática e solidária é voltando-se à ideia de comunidade. A retomada de um espírito de comunidade, em que se incluem o respeito e a preocupação com o outro, são fundamentais para o reestabelecimento de vínculos fortes na sociedade atual. Assim, na elaboração dos autores, solidariedade é compreendida como uma força de coesão que facilita o funcionamento comunitário e a vida social, como uma linha que conecta as pessoas que compartilham dos mesmos sonhos, entre eles, os sonhos políticos de luta contra as estruturas de opressão (Freire & Oliveira, 2014Freire, P., & Oliveira, W. F. (2014). Solidariedade e esperança como sonhos políticos. In P. Freire, N. Freire & W. F. Oliveira (Orgs.), Pedagogia da Solidariedade (pp. 70-110). São Paulo: Paz e Terra.).

O cenário contemporâneo, no entanto, produz relações cada vez mais individualistas e competitivas, dificultando a construção de redes de solidariedade que antes eram mais presentes nas comunidades (Castel, 1998Castel, R. (1998). As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Editora Vozes.; Santos, 2000Santos, M. (2000). Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record.; Freire & Oliveira, 2014Freire, P., & Oliveira, W. F. (2014). Solidariedade e esperança como sonhos políticos. In P. Freire, N. Freire & W. F. Oliveira (Orgs.), Pedagogia da Solidariedade (pp. 70-110). São Paulo: Paz e Terra.). Têm-se assim a crise do mundo do trabalho (Castel, 1998Castel, R. (1998). As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Editora Vozes.), juntamente à globalização perversa e à construção de vínculos superficiais, temporários e mediados pelo mercado e pelo consumo produzem cidadãos alheios e, muitas vezes, não disponíveis às trocas e à diminuição de liberdades que são condicionantes à vida comunitária.

A conversão desse cenário somente será possível com a criação de recursos que auxiliem na tessitura de redes de solidariedade e no fortalecimento dos lugares. Assim, é necessário elaborar ações, muitas vezes mediadas por técnicos, que intencionem provocar o entendimento dos problemas comuns e a criação de estratégias coletivas para suas resoluções (Freire & Oliveira, 2014Freire, P., & Oliveira, W. F. (2014). Solidariedade e esperança como sonhos políticos. In P. Freire, N. Freire & W. F. Oliveira (Orgs.), Pedagogia da Solidariedade (pp. 70-110). São Paulo: Paz e Terra.). O que vemos é: se, antes, a atuação dos técnicos enfocava a demanda levantada pela comunidade, na atualidade, o trabalho tem sido anterior a isso, isto é, o auxílio na reconstituição das comunidades.

Nesse sentido, reconhece-se que a reconstrução da noção ética e política da solidariedade se torna uma questão importante para os/as técnicos/as, como as terapeutas ocupacionais, que atuam nos lugares, principalmente em contextos de pobreza e vulnerabilidade social, os mais afetados pelos vetores da globalização perversa. Freire & Oliveira (2014)Freire, P., & Oliveira, W. F. (2014). Solidariedade e esperança como sonhos políticos. In P. Freire, N. Freire & W. F. Oliveira (Orgs.), Pedagogia da Solidariedade (pp. 70-110). São Paulo: Paz e Terra. ainda acrescentam que, para além de um valor político, a solidariedade corresponde ou deveria corresponder também a questões metodológicas dos educadores e técnicos que intervém nesses cenários.

Eu sempre penso em solidariedade, porque somos uma equipe de mulheres, trabalhamos com mulheres, todas as mulheres, e o ponto de conexão é a solidariedade, isto é, do entendimento mútuo e não de uma hierarquia, não é porque eu tenho o título de terapeuta ocupacional, isso não me faz necessariamente me posicionar sobre elas porque elas não têm um título. E o mesmo entre nós na equipe, da diretora para baixo, ela diz: "Eu não sou chefe de ninguém aqui". É uma lógica de confiança e de respeito e que eu acho que isso ajuda muito a equipe a aprender a não controlar (...). Acredito que essa tenha sido uma nova maneira de se relacionar em equipes, não por competição, por punição, por controle, mas sim pela compreensão, pela confiança e pela honestidade (Terapeuta ocupacional 1 – Chile, tradução nossa).

Ramirez & Schliebener (2014)Ramirez, R., & Schliebener, M. (2014). Manifiesto latinoamericano de terapia ocupacional y ocupación. TOG (A Coruña), 11(19), 1-18., em seu manifesto contra a colonização dos saberes na terapia ocupacional, indicam que é imperativo ao campo na América Latina o desenvolvimento de conhecimentos e atuações adequados ao contexto local, utilizando a reconstrução das memórias, das histórias e das características que singularizam o povo latino, como a alegria, a luta e a solidariedade. Em nosso estudo, identificamos que a atuação territorial-comunitária está implicada na análise e resgate de singularidades da região latino-americana, principalmente, quando propostas em torno das memórias, das vivências e dos conflitos sociopolíticos experimentados na vida cotidiana dos territórios e de suas comunidades.

Em síntese, o estudo apontou que características da ação territorial-comunitária desenvolvida pelas terapeutas ocupacionais tiveram como propósito a tessitura de relações solidárias, o que nos indica que o campo da terapia ocupacional na América Latina tem se preocupado com a questão da solidariedade, inclusive a assumindo como pressuposto ético e político e como uma finalidade da atuação profissional.

Cinco estratégias da ação territorial-comunitária na terapia ocupacional em países latino-americanos

As ações territoriais-comunitárias realizadas pelas terapeutas ocupacionais lançavam mão de composições consideradas banais ao nível da técnica profissional. As profissionais não utilizavam modelos, avaliações ou protocolos pré-estabelecidos; pelo contrário, as estratégias comuns às ações territoriais-comunitárias eram aparentemente “simples”; no entanto, elas se davam com uma complexa dimensão técnica colocada para o seu desenvolvimento. Nesse sentido, aponta-se como necessária a constante elaboração de reflexões teóricas e metodológicas que discutam e nomeiem as variadas estratégias utilizadas por terapeutas ocupacionais em seus cenários de práticas, estas que muitas vezes ficam subsumidas no processo de trabalho.

Além disso, é importante ressaltar que, apesar de as práticas observadas estarem fora do escopo de atuação da terapia ocupacional social brasileira, as estratégias encontradas coadunam e são similares aos princípios da participação comunitária elaborados pela área, como a importância e proximidade aos cotidianos dos sujeitos, o envolvimento da população na resolução de seus problemas e a ação coletiva (Barros et al., 2007Barros, D. D., Lopes, R. E., & Galheigo, S. M. (2007). Novos espaços, novos sujeitos: a terapia ocupacional no trabalho territorial e comunitário. In A. Cavalcanti & C. Galvão (Orgs.), Terapia ocupacional: fundamentação e prática (pp.354-363). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.). Além dessas similaridades, os estudos desenvolvidos pela terapia ocupacional social brasileira também apontam a indissociabilidade entre os termos território e comunidade no âmbito da prática profissional e a solidariedade e protagonismo dos sujeitos como motes para a atuação técnico-profissional (Barros et al., 2007Barros, D. D., Lopes, R. E., & Galheigo, S. M. (2007). Novos espaços, novos sujeitos: a terapia ocupacional no trabalho territorial e comunitário. In A. Cavalcanti & C. Galvão (Orgs.), Terapia ocupacional: fundamentação e prática (pp.354-363). Rio de Janeiro: Guanabara Koogan.; Lopes & Malfitano, 2016Lopes, R. E., & Malfitano, A. P. S. (2016). Terapia Ocupacional Social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EdUFSCar.).

Dentre as estratégias visualizadas neste estudo, nomeamos as cinco que mais se destacaram: a atuação implicada no coletivo e nas relações sociais; a tessitura de redes formais e informais; a construção de vínculos através do uso das atividades; a horizontalidade e disponibilidade nas relações; e as estratégias para lidar com a vulnerabilidade social nos âmbitos micro e macrossocial.

A atuação implicada no coletivo e nas relações sociais. Em todos os cenários observados, as terapeutas ocupacionais organizavam e coordenavam iniciativas implicadas tanto em ações nos coletivos, geralmente efetivadas por meio de estratégias grupais, como no desenvolvimento de atividades que aproximassem e constituíssem relações coletivas, com e entre os sujeitos acompanhados. Um exemplo foi o grupo de idosas que acompanhamos na experiência colombiana. O grupo foi constituído há cerca de cinco anos por docentes do curso de fisioterapia da Universidade Orquídea e tinha como objetivo a prática de atividades físicas para promoção de um envelhecimento ativo das participantes. As ações permaneceram nesse formato até a entrada da equipe de terapeutas ocupacionais. Reconhecendo os vínculos frágeis das participantes, as profissionais propuseram atividades que facilitassem a constituição de uma coletividade, por exemplo, a inclusão de momentos de diálogos visando ao fortalecimento das relações e vínculos entre elas. Como resultado, o grupo passou a ter um nome, um logotipo, uma camiseta e a inclusão de novas atividades, como passeios pela cidade, ampliando a circulação e a possibilidade de vivência compartilhada daquela fase da vida. Visualizamos ainda que o acompanhamento longitudinal e processual favoreceu a construção de relações mais sólidas, com a promoção da grupalidade, a partilha das vivências e a busca de novas possibilidades.

A tessitura e a articulação de redes formais e informais. Com relação às redes formais, referimo-nos à ação vinculada às políticas públicas e à articulação de diálogos intersetoriais para fortalecimento do acesso e cuidado aos sujeitos assistidos. Para Castel (1998)Castel, R. (1998). As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Editora Vozes., seriam as redes de sociabilidade secundária. Por exemplo, podemos citar as experiências das terapeutas ocupacionais do Centro de Convivência Ypê Amarelo no Brasil. As profissionais do Ceco incluíam em sua atuação a participação em reuniões e atividades com outros equipamentos da mesma região, como reunião de apoio ao trabalho em Unidades Básicas de Saúde e a oferta de oficinas em conjunto com profissionais de outros serviços. A estratégia visava ampliar as ações institucionais para além daquele local, com o intuito de promover maior efetividade nas intervenções quando realizadas conjuntamente, ou ao menos na partilha de informações acerca do cuidado ofertado.

As redes informais dizem respeito às mediações estabelecidas pelas terapeutas ocupacionais nas relações microssociais, ou seja, na aproximação com os sujeitos acompanhados para a constituição de redes de suporte e de solidariedade entre eles. O que podemos associar às proposições de uma rede de suporte primária, na teoria de Castel (1998)Castel, R. (1998). As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis: Editora Vozes.. Como exemplo, a terapeuta ocupacional argentina nos relata que os participantes do Empreendimento Ceibo tinham muita dificuldade em organizar atividades de lazer em seus tempos livres e que, em princípio, as profissionais se sentiam “em dívida” com esta demanda. No entanto, no decorrer do acompanhamento, elas identificaram que a construção e articulação de relações e apoios entre os participantes para os momentos extra serviço seria mais efetiva do que a organização de passeios pontuais, por exemplo, ainda que demandasse mais estratégias e tempo de elaboração.

O uso das atividades e o fazer junto como estratégias para a aproximação dos sujeitos e construção de vínculos entre eles foi também uma estratégia muito visualizada. Em todos os cenários, a proposição de dinâmicas interativas ou a realização de atividade manuais ou corporais estiveram presentes. As atividades, assim como outros elementos presentes na dinâmica do trabalho territorial-comunitário, podem ser lidas como componentes de uma ritualidade, na oferta dos grupos e na forma de sua condução. Isto porque garantiam aos participantes um espaço seguro e regular para sua participação, promoviam a vinculação entre eles e, ainda, facilitavam a coesão e a cooperação nas ações realizadas. Segundo Sennett (2013)Sennett, R. (2013). Juntos: os rituais, os prazeres e a política da cooperação. Rio de Janeiro: Editorada Record., os momentos ritualizados dentro de um grupo ou uma comunidade são elementos que confluem tanto para a celebração da diferença e valorização de cada membro do grupo, como para a diminuição dos atos comparativos e promoção de relações cooperativas.

Horizontalidade e disponibilidade nas relações. Outra estratégia que se destacou nas experiências acompanhadas nos quatro países foi o estabelecimento de relações horizontais, empáticas e menos hierárquicas entre profissionais e sujeitos acompanhados. Para que as intervenções nos territórios e com as comunidades estejam adequadas às realidades e aos modos de vida daquela população, é necessário que os técnicos partam da análise de como o sujeito compreende sua realidade e suas necessidades e não daquelas preestabelecidas pela instituição ou por modelos específicos. Como nos indica Freire (2007Freire, P. (2007). Pacientes impacientes. Brasília: Ministério da Saúde., p. 36), “estar com os outros significa respeitar nos outros o direito de dizer a sua palavra”. A atuação territorial-comunitária da terapia ocupacional pressupõe o reconhecimento das reais necessidades e dos saberes dos sujeitos/comunidades e a composição, somando seus saberes técnicos, de recursos para o fortalecimento dos coletivos e dos lugares. Assim, a abertura e disponibilidade da profissional é necessária para a construção de um processo dialógico, aberto e horizontal.

Estratégias para lidar com a vulnerabilidade social nos âmbitos micro e macrossocial. Por fim, a última estratégia identificada foi a elaboração de estratégias e/ou reflexões referentes às condições sociais. As profissionais que acompanhamos demonstraram que as situações de pobreza e vulnerabilidade vivenciadas pelos sujeitos e grupos não diziam respeito às suas características ou responsabilidades individuais. As histórias e a organização dos territórios se constituem como representantes de situações macrossociais, reflexões dos entraves do sistema capitalista e da implantação de políticas neoliberais nos países. Assim, eram comuns as atividades que valorizavam o diálogo e a construção de reflexões a respeito das condições socioeconômicas dos países e de como movimentos políticos impactavam nas vidas cotidianas, por exemplo, na venda e circulação dos produtos elaborados pelo Empreendimento Ceibo. O diálogo e a valorização dos espaços de trocas são recursos que auxiliam na formação de sujeitos críticos e conscientes de sua realidade social (Freire, 2018Freire, P. (2018). Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra.). O entendimento das relações de poder que se dão nos cotidianos é de grande importância, tanto para que os sujeitos compreendam as violências aos quais são submetidos arbitrariamente quanto para a tessitura de ações cooperativas, solidárias e transformadoras de suas realidades (Lane, 1996Lane, S. T. M. (1996). Histórico e fundamentos da psicologia comunitária no Brasil. In R. H. F. Campos (Org.), Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia (pp. 17-34). Petrópolis: Editora Vozes.). Este aspecto esteve presente tanto no âmbito discursivo quanto nas observações das ações das terapeutas ocupacionais.

Conclusão

Na elaboração teórico-prática dos termos, assinalamos que território diz respeito àquilo que nossos olhos conseguem alcançar: a materialidade expressa nas construções, ruas, árvores, praças, carros e pessoas circulando; inclui-se ainda aquilo que não conseguimos ver: a história que permeia as edificações e as vidas ali construídas, as relações estabelecidas entre as pessoas, a cotidianidade que impõe maneiras de conduzir os tempos, os poderes que se dão para além das negociações face a face e implicam na condução das vidas. As terapeutas ocupacionais das práticas estudadas desenvolvem ações que interligam e conectam de forma dialética os dois eixos que sintetizam o termo território: o micro e o macrossocial.

comunidade, para a terapia ocupacional nos países latino-americanos, traz a ideia de democracia, coletividade e a produção de redes, de pertencimento e de identidade. Comunidade corresponde às pessoas que habitam os territórios e/ou participam de grupos organizados e se identificam entre si, seja pela localização e cotidiano que compartilham, pelos apoios mútuos ou pela compreensão das condições de vida similares que experimentam vivendo no mesmo espaço. No âmbito prático, são ações que se dão no âmbito coletivo, envolvem as pessoas e seus modos de vida e visam construir espaços para a participação, o diálogo e a autonomia dos coletivos.

Embora utilizados de maneira separada, o que concluímos é que a prática profissional se refere a uma ação territorial-comunitária. Ou seja, falar dos termos em conjunto e de forma dialética é apontar à proposição de uma ação que compreenda os modos de vida dos sujeitos, as relações que eles estabelecem com seus espaços de vida e a tessitura da solidariedade nos lugares como uma finalidade da ação técnica. Trata-se, portanto, da composição de elementos dos conceitos de território e de comunidade que constituem as possibilidades das ações terapêutico-ocupacionais neste âmbito.

Ressaltamos ainda a necessidade de superação do uso de território e comunidade apenas como indicação de cenários e espaços físicos da atuação, na medida em que a discussão aqui trazida apresenta e comprova outras dimensões que constituem características próprias para o que se define como ações territoriais-comunitárias, que se distinguem sobremaneira de “apenas” modificar o cenário de intervenção.

Ademais, apontamos que a ação territorial-comunitária da terapia ocupacional não se restringe apenas a uma área de atuação. No estudo, acompanhamos uma diversidade de experiências e demandas: um empreendimento social ligado à saúde mental, uma ONG com ação social, um equipamento de convivência e cultura ligado à saúde mental, um serviço de reabilitação via projeto de extensão universitária; e, em todas elas, os princípios levantados como características da ação territorial-comunitárias estiveram presentes, cada qual aplicado às necessidades específicas de suas áreas. Além delas, vale ressaltar também que a terapia ocupacional social brasileira tem desenvolvido de forma pioneira estudos e produções a respeito da ação territorial-comunitária em suas vertentes de atuação.

Em suma, como profissionais que possuem a oportunidade de agir nos territórios e em conjunto com as comunidades, a terapia ocupacional na América Latina pode atuar como mediadora na construção de coletivos e de redes de solidariedade que sirvam ao apoio e à sustentação das vidas comuns. Assim, falar da ação territorial-comunitária não diz respeito a apenas promover deslocamentos de espaços físicos para intervenção técnico-profissional, mas sim problematizar e refletir sobre quem está naquele espaço e como as relações acontecem nele, apreender quais os modos de vida estão sendo produzidos e criar mecanismos para apoiar, potencializar ou construir relações solidárias que fortaleçam o suporte para o cotidiano da vida e quiçá se desdobrem em elementos que possibilitem uma consciência sobre o lugar social ocupado e as questões macrossociais que atravessam as vidas.

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    Todos os nomes de serviços e equipamentos acompanhados no estudo são fictícios. Escolhemos flores típicas de cada país para representar sua identidade e preservar o sigilo das participantes envolvidas.
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    Reconhecemos que, à época dos escritos de Milton Santos, era comum a utilização de “homens” para generalizar a condição humana. Na atualidade, o uso do termo é questionado e problematizado por sua insuficiência em contemplar a complexidade da condição humana e, em especial, as especificidades da condição das mulheres na sociedade, debatida pelo movimento feminista. Assim, no sentido de levantar uma provocação sobre a temática, elegemos pontuar e destacar o perfil feminino da experiência chilena.
  • Fonte de Financiamento

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

Editora de seção

Profa. Dra. Adriana Miranda Pimentel

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2021
  • Revisado
    15 Ago 2021
  • Aceito
    15 Set 2021
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