RESUMO
Objetivo: Identificar o perfil epidemiológico de candidatos ao transplante de fígado e as complicações que ocorreram até o sexto mês do ingresso em lista de espera.
Método: Estudo descritivo-exploratório, conduzido em programa de transplante de fígado, localizado em cidade do interior do estado de São Paulo. Os candidatos com idade ? 18 anos, de ambos os sexos, que ingressaram na lista de espera entre 1º de janeiro de 2018 até 28 de fevereiro de 2019 compuseram a amostra do estudo, totalizando 51 pacientes. A análise dos dados foi por meio de estatística descritiva.
Resultados: A média de idade dos participantes foi 52,7 anos, sendo a maioria do sexo masculino (60,8%), com ensino fundamental incompleto (58,8%). A hipertensão arterial foi a comorbidade mais frequente (51,4%). A maioria dos participantes era do tipo sanguíneo O (58,8%). A média do Índice de Massa Corporal foi 28,8 Kg/m² (sobrepeso). A cirrose alcoólica foi a indicação para o transplante de frequência maior (31,4%). As médias do escore MELD no ingresso em lista de espera e seis meses após foram 17,9 pontos. A classe B do escore Child-Pugh foi a que obteve maior frequência tanto no ingresso do paciente quanto no primeiro retorno. A ascite foi a complicação mais frequente (56,9%), seguida da hipertensão portal (52,9%) e encefalopatia hepática (33,3%). Ao final do estudo, 29 pacientes permaneceram em lista de espera (56,9%), dez pacientes foram transplantados (19,6%) e 12 evoluíram para óbito (23,5%).
Conclusão: Quanto ao perfil epidemiológico, os resultados do estudo demostraram consonância com outras pesquisas, ou seja, participantes com predomínio do sexo biológico masculino, faixa etária mais frequente de 50 a 59 anos e nível de escolaridade baixo. Com relação às complicações identificadas, a ascite foi a mais frequente e, entre os participantes que não permaneceram em lista de espera, o número de óbitos foi maior que o de transplante realizado, evidências divergentes de outros estudos.
Palavras-chave Transplante de Fígado; Perfil de Saúde; Equipe de Assistência ao Paciente; Enfermagem Perioperatória; Doença Hepática Terminal; Hepatopatias
ABSTRACT
Objective: To identify the epidemiological profile of candidates for liver transplantation and the complications that occurred up to the sixth month of admission to the waiting list. Method: Descriptive-exploratory study conducted in a liver transplant program located in a city in the interior of the state of São Paulo. Candidates aged ? 18 of both genders who entered the waiting list between January 1, 2018, and February 28, 2019, made up the study sample, totaling 51 patients. Data analysis was performed using descriptive statistics.
Results: The average age of the participants was 52.7 years, most male (60.8%) with incomplete primary education (58.8%). Arterial hypertension was the most frequent comorbidity (51.4%). Most participants had blood type O (58.8%). The average Body Mass Index was 28.8 Kg/m² (overweight). Alcoholic cirrhosis was the most frequent indication for transplantation (31.4%). The average MELD score when joining the waiting list and six months later was 17.9 points. Class B of the Child-Pugh score had the highest frequency at the patient’s admission and the first follow-up. Ascites were the most frequent complication (56.9%), followed by portal hypertension (52.9%) and hepatic encephalopathy (33.3%). At the end of the study, 29 patients remained on the waiting list (56.9%), ten patients were transplanted (19.6%), and 12 died (23.5%).
Conclusion: As for the epidemiological profile, the study’s results were in line with other studies, that is, participants with a predominance of male biological sex, most frequent age group of 50 to 59 years and low level of education. Concerning the identified complications, ascites were the most frequent. Among participants who did not remain on the waiting list, the number of deaths was more significant than the number of transplants performed, evidence that differs from other studies.
Keywords Liver transplant; Health Profile; Patient Assistance Team; Perioperative Nursing;; Terminal Liver Disease; Liver diseases
INTRODUÇÃO
Considerado o maior órgão sólido do corpo humano, o fígado é regenerável e trabalha constantemente na manutenção da homeostase corporal, tendo peso que pode chegar até 2% do total do corpo.1 Além de implicações em outros sistemas do organismo humano, o sistema hepático realiza funções de armazenar sangue, vitaminas e ferro; formar a bile; metabolizar gorduras, hormônios, proteínas e agentes químicos; e sintetizar fatores de coagulação do sangue.2
O transplante de fígado apresenta avanços de maneira que, atualmente, a taxa de sobrevivência no primeiro ano após a cirurgia é de 85%, além deste procedimento também ser realizado intervivos.3 É indicado para o tratamento de pacientes de todas as faixas etárias, com doença hepática crônica irreversível, na ausência de outra opção terapêutica.4
Mais de dez mil transplantes de fígado são feitos por ano em todo o mundo.5 O Brasil, com o maior sistema público de transplantes de órgãos, é uma referência mundial na realização de transplantes.4 Além disso, ocupou, em 2021, o quarto lugar entre os países que mais realizam transplante hepático, estando atrás dos Estados Unidos, China e Índia.6
A lista de espera para o transplante de fígado é organizada por meio do escore Model for End-Stage Liver Disease (MELD), o qual possui pontuação de 6 a 40 pontos. Para determinar a pontuação, exames laboratoriais são realizados, com a quantificação dos níveis de creatinina, bilirrubina e a Relação Normalizada Internacional (avaliação das condições do fígado em relação à produção de fatores de coagulação, por meio das funções da protrombina).7 No Brasil, observa-se taxa elevada de mortalidade de pacientes no pré-transplante, pelas pontuações altas no MELD, variando entre 20 e 38%. O paciente com pontuação alta no MELD apresenta urgência na realização do transplante por conta da gravidade da doença de base, além disso, devido à demanda crescente, não existem órgãos para atender a todos, o que eleva a taxa de mortalidade dos pacientes em lista de espera.1,7 Assim, por meio do escore MELD, pode-se selecionar os pacientes que se encontram em condições mais graves, e, portanto, com risco maior de mortalidade.8
Os pacientes com doença hepática terminal em lista de espera para o transplante hepático apresentam diferentes complicações durante o período que aguardam a cirurgia, tais como: ascite, encefalopatia hepática, síndrome hepatorrenal e peritonite bacteriana espontânea.3 A idade também pode contribuir para aumentar as complicações. As piores evoluções estão relacionadas com os pacientes de idade mais avançada, notadamente quando associado aos pacientes que desenvolveram diabetes mellitus ou que precisaram de ventilação mecânica.9
É importante ressaltar que no pré-transplante, quando o paciente é acometido por complicações, ocorre elevação da pontuação do escore MELD, indicando a gravidade de tal situação. Portanto, o paciente com complicações que acarretam à falência multissistêmica dos órgãos torna-se muito vulnerável para o transplante, sendo contra-indicada a sua realização.3
Muitas vezes, os pacientes em lista de espera desenvolvem ou recuperam comportamentos que tendem a piorar o quadro da doença de base, por exemplo, a ingestão de bebidas alcoólicas.1 Neste contexto, os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, considerados elo entre equipes, devem desenvolver habilidades e competências frente à complexidade do procedimento em suas diferentes etapas (período pré-operatório, intraoperatório e pós-operatório), para que, com o domínio de todas as etapas do transplante, a assistência prestada possa preparar o paciente para a cirurgia, buscando a efetividade da terapêutica.4,8
Considerando que o quantitativo de pacientes em lista de espera para o transplante hepático é elevado, a assistência à saúde prestada pela equipe multidisciplinar exige manejo constante da evolução da condição do candidato, com ênfase para o trabalho da equipe de enfermagem, a qual está presente no planejamento e implementação de cuidados desde o diagnóstico principal para a indicação ao transplante até o restabelecimento do paciente após a cirurgia. Assim, a investigação do perfil epidemiológico oferece subsídios para a compreensão do quadro crônico da doença hepática, bem como das necessidades desta população, contribuindo para identificar precocemente as possíveis complicações. Ressalta-se ainda a escassez de estudos na literatura sobre a problemática, assim, os resultados da pesquisa podem contribuir com a comunidade científica e incentivar a condução de novas pesquisas.
OBJETIVO
O objetivo do estudo foi identificar o perfil epidemiológico de candidatos ao transplante de fígado e as complicações que ocorreram até o sexto mês do ingresso em lista de espera.
MÉTODO
Trata-se de estudo descritivo-exploratório. A pesquisa foi conduzida em hospital geral, público localizado em município do estado de São Paulo, com programa de transplante de fígado credenciado junto ao Sistema Nacional de Transplantes.
A população-alvo consistiu em participantes com idade = 18 anos, de ambos os sexos, que ingressaram na lista de espera no período de 1° de janeiro de 2018 até 28 de fevereiro de 2019.
O presente estudo é subprojeto de projeto amplo, o qual investigou os fatores de risco para a mortalidade de candidatos ao transplante de fígado em lista de espera. O produto final do projeto amplo foi uma tese de doutorado e duas pesquisas de iniciação científica (IC). Salienta-se que o presente estudo consiste no produto final das pesquisas de IC. Elaborou-se roteiro único para a coleta de dados dos subprojetos. O roteiro de coleta de dados foi dividido em três seções: 1) componentes do perfil epidemiológico; 2) variáveis sobre a indicação do transplante de fígado; 3) variáveis clínicas em lista de espera.
Para o alcance do objetivo do estudo, as seguintes informações foram coletadas: características demográficas (sexo biológico, idade, escolaridade e estado de procedência) e clínicas (diagnóstico para o transplante de fígado, Índice de Massa Corporal, presença de doenças crônicas, tipo sanguíneo e os escores MELD, MELD corrigido e Child-Pugh). Tais escores foram coletados no momento do ingresso do paciente na lista de espera e no primeiro retorno (seis meses após o ingresso do paciente em lista de espera). As complicações foram registradas no primeiro retorno.
Os dados foram coletados dos prontuários eletrônicos do hospital nos meses de março e abril de 2021. Os dados coletados sobre as complicações foram relativos ao período de 1º de julho de 2018 a 30 de junho de 2019.
As informações foram coletadas na plataforma REDCap,10 e exportadas em planilha eletrônica do Microsoft Excel. A apresentação dos dados foi de acordo com a natureza das variáveis, sendo que as variáveis qualitativas foram descritas pela frequência de distribuição dos participantes entre as categorias delimitadas, e as variáveis quantitativas foram avaliadas quanto à medida de posição (média) e dispersão (desvio-padrão). O software Statistical Package Social Sciences foi adotado para análise dos dados.
O projeto amplo foi aprovado pelo Comitê de Ética.
RESULTADOS
No período delimitado para a condução do estudo, 83 inscrições em lista de espera foram realizadas. Do total, 32 inscrições foram excluídas, sendo que 51 participantes compuseram a amostra desta pesquisa. A seguir, os motivos de exclusão da lista de espera:
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Treze pacientes foram removidos pela equipe multidisciplinar por razões não registradas nos prontuários eletrônicos;
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Nove ingressaram na lista pela segunda vez;
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Cinco, o escore MELD tinha mais que 90 dias;
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Dois pacientes com diagnóstico de hepatite aguda fulminante;
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Um paciente com MELD vencido;
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Um, removido sem condições clínicas;
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Um, devido à suspensão (> 365 dias).
Na Tabela 1, a caracterização demográfica da amostra foi apresentada. A maioria dos participantes era do sexo masculino, com procedência do estado de São Paulo. A média de idade foi de 52,7 anos, sendo a variação com frequência maior de 50 a 59 anos. Em relação à escolaridade, a maioria dos participantes tinha o ensino fundamental incompleto e, apenas quatro participantes, o ensino superior completo.
Distribuição de candidatos em lista de espera para transplante de fígado, segundo dados demográficos.
A cirrose hepática alcoólica apresentou uma frequência maior como indicação do transplante de fígado. Dos 51 participantes, 37 tinham comorbidades, sendo que a hipertensão arterial apresentou frequência maior, seguida pelo diabetes mellitus (Tabela 2).
Distribuição de candidatos em lista de espera para transplante de fígado, segundo o diagnóstico principal e comorbidades.
A média do Índice de Massa Corporal da amostra foi 28,8 Kg/m2 (sobrepeso), sendo a frequência maior no intervalo de 25,0 – 29,9 Kg/m2, também indicando sobrepeso. Quanto ao tipo sanguíneo, a maioria dos participantes era do tipo O. A média do escore MELD foi de 17,9 pontos, no ingresso na lista de espera. Dos 17 pacientes com MELD corrigido, apenas um apresentou a pontuação no prontuário (20 pontos). Dos 16 pacientes restantes, os dados não estavam registrados nos prontuários, uma vez que nesta situação, existe um prazo de noventa dias para os candidatos realizarem os exames necessários para o cálculo dos pontos de exceção. Com relação ao escore Child-Pugh, a classificação B foi a que obteve frequência maior. É importante ressaltar que houve a perda de um valor do escore em questão (Tabela 3).
Distribuição de candidatos em lista de espera para transplante de fígado, segundo dados clínicos (ingresso).
Foram apresentados na tabela 4 dados clínicos e as complicações de candidatos ao transplante de fígado, no primeiro retorno. As médias dos escores MELD e MELD corrigidos foram 17,9 e 24,3 pontos, respectivamente. Quanto ao escore de Child-Pugh, a categoria B também foi a que obteve maior frequência.
Distribuição de candidatos em lista de espera para transplante de fígado, segundo dados clínicos e complicações referentes a seis meses de lista de espera.
Com relação às complicações de candidatos ao transplante de fígado em lista de espera, a ascite apresentou a frequência maior, seguida da hipertensão portal.
Quanto à necessidade de hemodiálise, apenas um paciente teve indicação desta terapêutica. Na amostra, a média da albumina sérica foi de 3,1 g/dL, a média de sódio foi de 137,3 mmol/L e a mediana de plaquetas foi de 66 plaquetas/mm.3
Dos 51 participantes, 24 (47%) foram internados, sendo 19 exclusivamente em enfermaria, e cinco, em UTI e enfermaria. Com relação ao tempo de internação, a maioria dos participantes ficou de um a vinte dias (n=21, 87,5%) (dados não apresentados em tabela).
Ao final do estudo, a maioria dos pacientes permaneceu em lista de espera (n=29, 56,9%). A realização do transplante de fígado ocorreu em dez pacientes (19,6%) e o óbito acometeu 12 indivíduos (23,5%), devido às seguintes causas: choque séptico – três, hemorragia digestiva alta varicosa – dois, encefalopatia hepática grau 4 – um, não determinada – seis (óbito extra-hospitalar sem registro da causa no prontuário).
DISCUSSÃO
Na literatura existem evidências de que os homens apresentam quantitativo maior de doenças hepáticas em comparação com as mulheres. Em estudo retrospectivo, conduzido em Unidade de Transplante de Órgãos do Hospital Israelita Albert Einstein, no Brasil, em 2005, os resultados evidenciaram que, dos 35 participantes selecionados para a pesquisa, 22 eram do sexo masculino (62,7%).11 Tal dado corrobora com os resultados do presente estudo, uma vez que a maioria dos pacientes era do sexo masculino.
Quanto à idade, em revisão de literatura, foi evidenciado que a idade avançada (≥ 65 anos) pode estar associada ao incremento de riscos de complicações em lista de espera, uma vez que a pessoa se torna mais vulnerável.9 Nesta pesquisa, 35,3% dos participantes (n=18) tinham idade maior que sessenta anos.
A escolaridade é considerada aspecto importante na construção do planejamento da assistência de candidatos ao transplante de fígado, já que este dado indica o nível de formação da pessoa, auxiliando os profissionais de saúde no processo de ensino-aprendizagem dos cuidados necessários do candidato em lista de espera. Nesta pesquisa, a maioria dos participantes não tinha o ensino fundamental completo. Em estudo transversal, realizado na Universidade da Califórnia (EUA), 303 receptores de transplante de fígado foram incluídos na amostra. Na análise dos fatores socioeconômicos e demográficos, um dos resultados evidenciados foi que quanto mais alto o nível de escolaridade, melhor a evolução dos indivíduos após o transplante.12
Em estudo retrospectivo, conduzido no Serviço de Transplante Hepático, no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, 152 transplantes de fígado foram incluídos na amostra, sendo que vinte tiveram a indicação por cirrose alcoólica e 19 eram do sexo masculino.13 Esses resultados corroboram dados de revisão de literatura, na qual foi apontado que homens são propensos ao consumo maior de álcool, elevando o risco de desenvolvimento de doenças hepáticas.14
Em outra revisão de literatura, os autores indicaram que os pacientes com o diagnóstico de cirrose apresentam chances maiores de complicações, bem como redução da expectativa de vida. Além disso, a ascite é uma complicação recorrente em pacientes com cirrose, sendo muitas vezes a causa de internação desses indivíduos.15
Em estudo retrospectivo, realizado na Alemanha, com a participação de 481 pacientes adultos em lista de espera para transplante hepático, os resultados evidenciaram que as comorbidades cardiovasculares foram comuns entre os pacientes (n=225, 46,8%), sendo que a hipertensão arterial foi a mais frequente (26%) e, 115 pacientes (23,9%) apresentavam diabetes mellitus.16
Frente ao exposto, os dados dos estudos mencionados estão de acordo com os resultados da presente pesquisa, ou seja, o sexo masculino foi o mais frequente; hipertensão arterial e o diabetes mellitus, as comorbidades mais comuns; a cirrose alcoólica foi o diagnóstico principal indicador para o transplante e a ascite, a complicação de frequência maior.
Com relação ao IMC, a média da amostra foi de 28,81 Kg/m2, indicando sobrepeso. Em revisão da literatura, a obesidade é indicada como fator de risco para a realização de transplante de fígado. Porém, por si só não pode ser considerada como contraindicação, mas fator de risco para o desenvolvimento de complicações respiratórias e infecciosas no perioperatório. O manejo de paciente com obesidade é necessário, por meio da implementação de estratégias preventivas ou de controle por parte dos profissionais de saúde.17 Vale ressaltar que a obesidade não aumenta necessariamente os riscos de mortalidade durante a cirurgia, porém, aumenta a chance de desenvolvimento de tromboembolismo, deiscência de parede e redução da expectativa de vida, assim como em outros procedimentos cirúrgicos.18
Em estudo retrospectivo realizado no Espírito Santo, Brasil, foi abordado a respeito do tipo sanguíneo mais frequente em uma amostra de 244 pacientes em lista de espera para transplante de fígado. O resultado da pesquisa demonstrou que 43,8% da amostra apresentava tipo sanguíneo O, seguido do A, com 41,8% da amostra.19 Enquanto em outro estudo retrospectivo realizado em São Paulo, Brasil, no qual a temática também foi abordada, utilizando-se de uma amostra de 24 pessoas, 79% dos participantes apresentavam tipo sanguíneo O, seguido do tipo A, representando 17% dos participantes.20 Sendo o tipo sanguíneo O mais frequente, em ambos estudos mencionados, tais dados vão de encontro com os resultados da presente pesquisa.
O escore MELD foi adotado na lista de espera para melhorar a distribuição de órgãos. Os indicadores de falhas hepáticas e preditores de mortalidade de pessoas com doenças hepáticas crônicas puderam ser considerados, ou seja, existe também a avaliação do risco de morte, e, não somente, o tempo de espera em lista. Assim, quanto maior o valor do escore MELD, maior o risco de mortalidade a que o paciente está exposto.21 Geralmente, os pacientes com escore MELD igual ou maior a 15 são indicados para a lista de espera para o transplante hepático.
Em revisão integrativa, realizada no Brasil, o objetivo delimitado foi analisar o conhecimento produzido sobre o MELD e a relação com a sobrevida após o transplante de fígado, sendo oito estudos incluídos. Os dados indicaram que o período em lista de espera aumentou o MELD, acarretando incremento no risco de complicações durante a cirurgia.22 Assim, o manejo dos pacientes em lista de espera deve ser realizado criteriosamente, contribuindo para o sucesso do transplante de fígado.23 Na presente pesquisa, as médias dos escores MELD, no ingresso do paciente e no primeiro retorno, foram iguais.
Na literatura existe discussão se o escore Child-Pugh é fator preditor de mortalidade ou complicações em candidatos em lista de espera, assim como o escore MELD ser um fator preditor melhor de mortalidade independente que o Child-Pugh. O escore MELD tem vantagens em relação ao escore Child-Pugh, principalmente, na comparação entre populações, porém, ao se tratar do cuidado individual, o escore Child-Pugh indica resultados interessantes quando combinados a outras informações clínicas.24
Em estudo de coorte retrospectivo, conduzido na Alemanha, com a participação de 481 pacientes em lista de espera para o transplante de fígado, os resultados evidenciaram que a ascite (n=256;53,2%) e encefalopatia (n=156;32,4%) foram as complicações mais frequentes, advindas dos últimos estágios das doenças hepáticas.16 Esses dados corroboram com os resultados desta pesquisa.
Em estudo quase experimental, realizado no estado de São Paulo, 55 candidatos ao transplante de fígado foram incluídos. Os resultados demonstraram que as varizes esofágicas estavam presentes em 81,82% da amostra, ascite em 58,2% e encefalopatia hepática em 50,9%.3 Na presente pesquisa, as varizes esofágicas foram identificadas em 31,4% da amostra (n=16).
Em estudo transversal, também conduzido no estado de São Paulo, a amostra foi composta de 103 candidatos ao transplante de fígado. Os resultados apontaram que as três principais complicações foram varizes esofágicas em 59 pacientes (57,3%), ascite em 54 (52,4%) e hipertensão portal em 49 (47,6%).25
Em estudo de coorte retrospectivo, conduzido na Holanda, foram incluídos 327 pacientes em lista de espera para o transplante de fígado. Os resultados indicaram que 144 candidatos tiveram pelo menos uma infecção. Tal situação pode ter como consequência o aumento do período em lista de espera, sendo a mediana de duração em lista, para aqueles com infecção de 381 dias e para os candidatos sem infecção de 163 dias. Além disso, no total ocorreram 318 infecções, sendo a colangite, peritonite bacteriana espontânea e infecção do trato urinário, as que obtiveram as seguintes frequências: 24%, 18% e 12%, respectivamente.26 No presente estudo, 11 pacientes (21,6%) apresentaram infecção como complicação e a peritonite bacteriana espontânea foi registrada em separado, ocorrendo em três pacientes (5,9%). Os dados apresentados justificam a necessidade de implementação de medidas direcionadas para a prevenção e controle de infecção pela equipe multidisciplinar.
Em revisão sistemática com metanálise, os autores afirmaram que, na indicação para transplante de fígado em paciente com doença hepática em fase terminal, a insuficiência renal deve ser considerada como fator de risco importante. Nos períodos pré e intraoperatório, a hemodiálise é uma alternativa de tratamento para o estabelecimento do equilíbrio eletrolítico.27 Na presente pesquisa, dos 51 pacientes, apenas um precisou de tal terapêutica.
Em estudo retrospectivo, conduzido no estado do Ceará, foram incluídos 85 prontuários de candidatos ao transplante de fígado e/ou transplantados, no período de 2010 a 2014. Os resultados demonstraram que, durante a espera para o transplante (pré-operatório), 10% dos pacientes apresentaram alguma intercorrência que acarretou internação. Além disso, apenas houve um óbito entre os pacientes inscritos em lista de espera.7 Na pesquisa em discussão, 24 pacientes (47,1%) foram internados em enfermaria, e, desses, cinco evoluíram com indicação de UTI. Com relação ao óbito, dos 51 participantes, 12 (23,5%) tiveram esse desfecho.
Em estudo de coorte retrospectivo, conduzido na Turquia, foram incluídos 266 candidatos ao transplante de fígado. Os resultados indicaram que 119 (44,7%) foram submetidos ao transplante, 103 faleceram (38,7%), 40 (15%) permaneceram em lista de espera, enquanto quatro pacientes tiveram mudanças de localização na lista de espera. Os valores do escore MELD dos pacientes que faleceram foram consideravelmente altos, enquanto os valores do escore MELD, no pré-operatório, daqueles que realizaram o transplante, não demonstraram consequências na sobrevida desses pacientes.28 Na comparação dos dados mencionados com os resultados do presente estudo, os percentuais de óbitos e de pacientes que realizaram o transplante foram menores. Em contrapartida, o percentual foi maior de pacientes que permaneceram na lista de espera.
CONCLUSÃO
Quanto ao perfil epidemiológico, os resultados do estudo demostraram consonância com outras pesquisas, ou seja, participantes com predomínio do sexo biológico masculino, faixa etária mais frequente de 50 a 59 anos e nível de escolaridade baixo. A cirrose alcoólica foi a indicação mais frequente para o transplante e, a hipertensão arterial, a comorbidade mais comum. Com relação às complicações identificadas, a ascite foi a mais frequente e, entre os participantes que não permaneceram em lista de espera, o número de óbitos foi maior que o de transplante realizado, evidências divergentes de outros estudos.
Portanto, a condução do estudo gerou corpo de evidências sobre o perfil epidemiológico e identificou complicações de candidatos para o transplante de fígado em lista de espera, o qual oferece subsídios para a tomada de decisão da equipe multidisciplinar, para o planejamento e implementação de intervenções efetivas direcionadas para o sucesso da cirurgia.
AGRADECIMENTOS
Não aplicável.
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Como citar: Siqueira LR, Siqueira LR, Mendes KDS, Galvão CM. Perfil Epidemiológico e Complicações de Pacientes em Fila de Espera para Transplante de Fígado. BJT. 2023.26 (01):e1923. https://doi.org/10.53855/bjt.v26i1.508_PT
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FINANCIAMENTO
Programa Unificado de bolsas de estudo para apoio e formação de estudantes de graduação da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo.
DISPONIBILIDADE DE DADOS DE PESQUISA
Todos os dados foram gerados ou analisados neste estudo
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Editado por
-
Editora de seção: Ilka de Fátima Santana F. Boin https://orcid.org/0000-0002-1165-2149
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
13 Set 2024 -
Data do Fascículo
2023
Histórico
-
Recebido
22 Mar 2023 -
Aceito
22 Maio 2023