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GeoDesp: uma Base de Dados que Identifica o Local onde Candidatos Realizam suas Despesas de Campanha* * A nota técnica teve o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro E-26/201.119/2022.

Geodesp: Une Base de Données qui Identifie le Lieu où les Candidats Réalisent leurs Dépenses de Campagne

GeoDesp: una Base de Datos que Identifica dónde los Candidatos Hacen sus Gastos de Campaña

Resumo

Nesta nota técnica; apresentamos uma base de dados inédita que soluciona um grande problema no estudo das estratégias eleitorais: a ausência de dados que permitam identificar onde; quando e como os candidatos realizam atividades durante a campanha eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) disponibilizou os registros de receitas e gastos realizados durante a campanha de cada candidato. Dentre as muitas informações contidas ali; coletamos o número do banco e da agência do beneficiário das transações indicadas pelos candidatos e cruzamos com uma lista com endereço das agências bancárias no Brasil. A partir desses cruzamentos; pudemos georreferenciar os gastos dos candidatos ao legislativo nacional para todo o país e assim construir uma proxy das estratégias de campanha na disputa eleitoral. Esta base de dados inédita permitirá que consigamos avançar na compreensão de como a campanha eleitoral é construída; quais estratégias são empregadas e também como se dá a relação entre representantes e cidadãos; uma vez que será possível dissociarmos os esforços de campanha do resultado da eleição

estratégias eleitorais; despesas de campanha; geografia eleitoral; eleições 2018

Résumé

Dans cette note technique, nous introduisons une base de données innovante qui résout une lacune importante dans l’étude des stratégies électorales : l’absence de données permettant d’identifier où, quand et comment les candidats réalisent des activités pendant la campagne électorale. Le Tribunal Supérieur Électoral (TSE) a rendu disponibles les enregistrements des revenus et des dépenses de chaque candidat pendant la campagne. Parmi les nombreuses informations contenues, nous avons collecté le numéro de la banque et de l’agence du bénéficiaire des transactions indiquées par les candidats et les avons croisés avec une liste d’adresses des agences bancaires au Brésil. Grâce à ces croisements, nous avons pu géoréférencer les dépenses des candidats au législatif national pour tout le pays et ainsi construire une proxy des stratégies de campagne dans la compétition électorale. Cette nouvelle base de données nous permettra de mieux comprendre comment se structurent les campagnes électorales, les stratégies adoptées, et la relation entre les représentants et les citoyens, en permettant de dissocier les efforts de campagne des résultats électoraux.

stratégies électorales; dépenses de campagne; géographie électorale; élections 2018

Resumen

En esta nota técnica, presentamos una base de datos sin precedentes que soluciona un gran problema en el estudio de las estrategias electorales: la falta de datos que permitan identificar dónde, cuándo y cómo los candidatos realizan actividades durante la campaña electoral. El Tribunal Supremo Electoral (TSE) ha puesto a disposición de los ciudadanos los registros de ingresos y gastos durante la campaña de cada candidato. Entre las muchas informaciones que contienen, recogimos los números de banco y de sucursal de los beneficiarios de las transacciones indicadas por los candidatos y los cruzamos con una lista de direcciones de sucursales bancarias en Brasil. A partir de estas referencias cruzadas, pudimos georreferenciar los gastos de los candidatos a las legislativas nacionales para todo el país y construir así un proxy de las estrategias de campaña en la contienda electoral. Esta base de datos sin precedentes nos permitirá avanzar en la comprensión de cómo se construye la campaña electoral, qué estrategias se emplean y también cómo se produce la relación entre representantes y ciudadanos, ya que será posible disociar los esfuerzos de campaña del resultado de las elecciones.

estrategias electorales; gasto de campaña; geografía electoral; elecciones 2018

Abstract

In this technical note, we present an unprecedented database that solves a major problem in the study of electoral strategies: The lack of data to identify where, when, and how candidates carry out activities during the electoral campaign. The Superior Electoral Court (TSE) has made available the records of income and spending during each candidate’s campaign. Among the many pieces of information contained therein, we collected the bank and branch numbers of the beneficiaries of the transactions indicated by the candidates and cross-referenced them with a list of bank branch addresses in Brazil. From these cross-references, we were able to georeference the spending of candidates for the national legislature for the whole country and thus build a proxy of campaign strategies in the electoral contest. This unprecedented database will allow us to advance our understanding of how electoral campaigns are designed, what strategies are employed, and how the relationship between representatives and citizens takes place, since it will be possible to dissociate campaign efforts from the outcome of the election.

electoral strategies; campaign spending; electoral geography; 2018 elections

Introdução

O resultado de uma eleição decorre de uma série de fatores. Dentre os mais fundamentais, estão os esforços de campanha dos candidatos envolvidos. As estratégias de divulgação da plataforma de cada um levam informação ao eleitorado de maneira heterogênea, seja em razão das estratégias adotadas, dos recursos disponíveis às campanhas, das características pessoais dos candidatos e até do ambiente geográfico e social por onde a mensagem circula. A partir da interação entre essas muitas condicionantes, as informações chegam às eleitoras e estas decidirão em quem depositar seu voto (como em Johnston et al., 2016; Lau, Redlawsk, 2006; Oscarsson, Rosema, 2019). Assim, observar as estratégias de campanha é fundamental para a compreensão do resultado de uma disputa eleitoral.

Usualmente, a literatura que estuda o caso brasileiro assume que os locais nos quais cada candidato recebeu votos decorrem da intenção direta do indivíduo, tomando, por exemplo, os mapas de dispersão de votos como um indicativo da representação política em um distrito eleitoral (p. ex., Ames, 2001). Porém, isso é parcialmente correto, já que não só não considera a interação das ações dos diversos candidatos (implicitamente tomando como efetiva a sua estratégia de convencimento do eleitor), como negligencia o efeito heterogêneo da dispersão da informação sobre o território e, assim, qual eleitor é atingido pela mensagem de um político qualquer (p.ex., Guarnieri, Silva, 2022). Ou seja, as decisões estratégicas de regionalizar ou não uma campanha não resultarão em um efeito determinado a priori sobre a dispersão da votação que observaremos dos candidatos em conjunto ao final do pleito.

Neste trabalho, apresentamos uma base de dados inédita que nos auxilia a dirimir problemas desse tipo. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) disponibilizou, em seu sítio de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br), os registros de receitas e gastos realizados durante a campanha de cada candidato. Dentre as muitas informações contidas ali, coletamos o número do banco e da agência do beneficiário das transações indicadas pelos candidatos e cruzamos com uma lista com endereço das agências bancárias no Brasil disponíveis no sítio do Banco Central do Brasil (https://www.bcb.gov.br/fis/info/agencias.asp?frame=1), com o objetivo de associar o gasto de campanha às regiões do distrito. Também associamos esses dados aos gastos declarados dos candidatos, a fim de avaliarmos inicialmente a natureza dos dispêndios realizados. A partir desses cruzamentos, pudemos georreferenciar os gastos dos candidatos ao legislativo nacional para todo o país e assim construir uma proxy da regionalização da campanha na disputa eleitoral.

Esta base de dados inédita permitirá que consigamos avançar na compreensão de como a campanha eleitoral é construída, quais estratégias são empregadas e também como se dá a relação entre representantes e cidadãos, uma vez que será possível dissociarmos os esforços de campanha do resultado da eleição. Este último é a conclusão de um processo extenso de interação entre candidatas e destas com as eleitoras. Desta maneira, uma eleição não depende apenas das ações intencionais das primeiras, mas, como dito, de uma série de fatores interconectados que afetam como um cidadão decide seu voto. Assim, a Ciência Política terá condições de avançar teoricamente a respeito de uma característica essencial das eleições e também empiricamente a respeito do caso nacional. Além desta introdução, este texto divide-se em uma seção que apresenta a base de dados e uma outra, exemplos de como ela permite responder a uma série de questões substantivas, analisando as informações para o estado de São Paulo. Encerramos com algumas considerações finais.

Dados

Os dados disponibilizados pelo TSE e seu georreferenciamento a partir do cruzamento com dados do Banco Central possibilitaram construirmos uma base que informa o município onde cada candidato a deputado federal nas eleições de 20181 1 . Estamos trabalhando na construção de bases similares para as eleições de 2014, 2016 e 2020. , que declarou suas despesas, efetuou esta despesa. Como para as eleições legislativas nacional e estadual no Brasil o distrito é o estado, construímos para cada um deles uma base com informações sobre o candidato, a despesa e o município onde ela foi feita. Como exemplo do uso dessa base, faremos uma análise das estratégias de campanha no estado de São Paulo. As variáveis disponíveis para esse estado estão também disponíveis para todos os outros estados.

Exemplo: Estratégias Eleitorais em São Paulo

As disputas por uma vaga na Câmara dos Deputados em São Paulo, em 2018, contaram com 1.686 candidaturas, das quais 1.483 foram deferidas (176 foram indeferidas e houve 27 renúncias). Todas as candidaturas, deferidas ou não, constam da base de dados do TSE. Toda a movimentação financeira de uma campanha deve ser feita por meio de contas bancárias abertas pela candidata e estas são posteriormente publicizadas.

Das 1.483 candidaturas deferidas, conseguimos informações de 1.229 com alguma movimentação financeira. Estas incluíam, além de pagamentos de despesas de campanha, aplicações financeiras, pagamentos de taxas, tarifas, estornos etc., transferências para outras contas de campanha. Dessas movimentações, selecionamos os cheques, depósitos, pagamentos e transferências como identificadores de despesas diretas de campanha com fornecedores de serviços como gastos que nos permitiriam evidenciar os esforços regionais empreendidos pelos candidatos.

O primeiro passo para associar a campanha ao território está em vincular os gastos realizados com as localidades do distrito. Para essa etapa, coletamos o número do banco e da agência do beneficiário de cada transação declarada - um pagamento, emissão de cheque, depósito ou transferência - e cruzamos com uma lista com endereço das agências bancárias no Brasil disponíveis no sítio do Banco Central do Brasil. Alguns municípios não puderam ser identificados, pois o número da agência não constava da lista e tampouco do site da instituição bancária. Esse procedimento permite que saibamos as cidades em que os beneficiários de cada gasto de um candidato se localizavam e, assim, nos possibilita vislumbrar as regiões que os políticos percorreram ao longo de suas campanhas.

Dos candidatos deferidos que movimentaram a conta da campanha e que realizaram alguma das transações selecionadas, conseguimos identificar o município dessas movimentações de 1.187 candidatos, 70% dos que competiram nas eleições para a Câmara dos Deputados em São Paulo e 80% das candidaturas deferidas, conforme a Tabela 1.

Tabela 1
: Número de candidatos na base

Os dados do extrato bancário das contas dos candidatos possuem originalmente 30 variáveis. Dentre estas, há informações sobre quem é o candidato que presta conta, com seu respectivo partido de afiliação; informações sobre a transação, como data, tipo de lançamento, dados bancários - banco, agência e conta -, tanto do político, quanto do prestador de serviço; dados sobre o prestador de serviço e a fonte de recursos utilizada na transação - se fundo especial de campanha, fundo partidário ou outros. Essa base foi cruzada com as informações dos candidatos, resultando na base de interesse. Dessa forma, a estrutura final da base para o estado de São Paulo, após remover as transações para as quais não identificamos o município, conta com 78.161 observações (movimentações financeiras) e 15 variáveis relevantes descritas na Tabela 2.

Tabela 2
: Descrição das variáveis na base

Movimentações Financeiras dos Candidatos

A maior parte das 78.161 movimentações nas contas de campanha dos candidatos a deputado federal foi feita por meio de cheques (quase 60% - o tipo mais comum de meio de transação) e movimentou cerca de 28,5% dos valores gastos (atrás apenas de DOCs e TEDs, que atingiram 30,1%). O valor médio dessas transações por cheque foi de R$ 3.144,10 e o mediano de R$ 632,20.

A Figura 1 mostra a distribuição de frequência das movimentações financeiras conforme a situação pós-eleitoral dos candidatos.

Figura 1
: Distribuição do número de movimentações financeiras conforme a situação do candidato

QP: Quociente Partidário.


Apesar de os eleitos por quociente partidário formarem apenas 4% da base, eles respondem por mais de 30% das movimentações totais. Já os não eleitos, 33% da base, realizaram apenas 8% das movimentações. Essa diferença sugere uma correlação (não explorada aqui) entre a quantidade de transações e a probabilidade de ser eleito, isto é, a quantidade de serviços contratados parece ser um bom preditor para o resultado da eleição.

A figura abaixo mostra que o valor médio gasto não varia com a situação de candidatos. Isso está de acordo com a correlação encontrada por outros autores entre gasto de campanha e probabilidade de se eleger (Figueiredo Filho, 2005; Pereira, Rennó, 2007; Peixoto, 2012Peixoto, Vitor. (2012), "Impacto dos Gastos de Campanhas nas Eleições Legislativas de 2010: Uma Análise Quantitativa." Anais do 8 Encontro ABCP. Gramado, Associação Brasileira de Ciência Política.; Speck, Cervi, 2016). O interessante aqui é que nossos dados permitem explorar um mecanismo pelo qual o dinheiro impactaria no voto: a diferença estaria nos tipos de gastos feitos e não em seu valor total.

Também utilizamos os CNPJ/CPF dos candidatos e beneficiários para realizar cruzamentos com a base de gastos de campanha disponibilizada pelo TSE. A partir desse cruzamento, vemos que eleitos gastaram em média valores mais altos em rubricas que sugerem preocupação maior com a presença local de sua campanha (como, gastos com comícios, aquisição/doação de bens móveis e imóveis, pré-instalação física de comitê de campanha), bem como com a ampliação da divulgação de suas propostas (com gastos, como produção de jingles, impulsionamento de conteúdos e propagandas em jornais, revistas e televisão), conforme a Figura 2.

Figura 2
: Valor médio das transações dos candidatos por situação eleitoral

QP: Quociente Partidário.


Distribuição Espacial das Transações por Candidato

A avaliação apenas dos gastos médios pode camuflar as diferenças entre perfis de políticos, considerações regionais e as diferentes estratégias. Nesse sentido, outra possibilidade de avaliação dos gastos está na sua espacialização no território.

Metade dos candidatos (50%) pagou por bens e serviços em quatro ou menos municípios, 75% em sete ou menos, o que mostra a grande concentração regional desses gastos. Mesmo quando os pagamentos foram feitos em mais de uma cidade, as transações no município onde elas ocorreram com maior frequência correspondem a mais de 50% do total de movimentações, conforme a Figura 3.

Figura 3
: Distribuição da proporção de transações efetuadas no município dominante, isto é, aquele onde a candidata realizou a maior parte de suas transações

No total, foram registradas transações em 887 municípios, mais do que as 645 cidades paulistas. Não investigaremos aqui a razão de candidatos a deputado federal por São Paulo contratarem serviços em locais distantes, como Porto Alegre e Manaus. Vamos nos ater à distribuição espacial das despesas no estado, onde ocorreram movimentações em 494 municípios. A Figura 4 abaixo mostra a dispersão regional dos recursos pelo estado.

Figura 4
: Distribuição e valor (em log10) das movimentações dos candidatos a deputado federal em São Paulo

A Figura 5 mostra que há diferença na distribuição espacial das despesas entre as diversas situações pós-pleito dos candidatos. Candidatos eleitos por quociente partidário fizeram transações em mais cidades que os eleitos por média que, por sua vez, fizeram transações em mais municípios que os suplentes e estes mais do que os não eleitos.

Figura 5
: Distribuição do número de municípios onde os candidatos realizaram transações por situação pós-eleitoral

Mais uma vez esses dados sugerem um mecanismo a ser investigado que explicaria a relação entre gastos eleitorais e eleição: quanto maior o número de municípios onde há transações financeiras maior a probabilidade de um político se eleger (relação essa que exploramos mais a fundo em outro texto).

Embora seja clara a relação entre o número de municípios em que um candidato realizou despesas e a sua situação pós-eleitoral, há muita heterogeneidade na dispersão regional dos gastos entre candidatos de uma mesma categoria. Podemos explorar essas diferenças, criando mapas a partir do código do IBGE do município.

Os mapas, na Figura 6, mostram a distribuição espacial dos três candidatos eleitos mais votados em 2018 no estado. Enquanto Eduardo Bolsonaro (PSL) e Joice Hasselmann (PSL) concentraram seus gastos na região metropolitana de São Paulo (RMSP), Celso Russomano (PRB) dispersou mais suas despesas, embora seja possível discernir um certo padrão com alguma concentração no litoral sul.

Figura 6
: Dispersão de despesas dos três candidatos a deputado federal eleitos pelo quociente partidário mais votados em São Paulo em 2018

A mesma heterogeneidade encontrada entre os eleitos por quociente partidário é encontrada entre os políticos eleitos por média (aqueles ‘puxados’ pela votação do partido ou coligação). David Bezerra (DEM) concentrou suas despesas majoritariamente na RMSP. Eduardo Cury (PSDB) concentrou na RMSP e em parte do Vale do Paraíba. Miguel Lombardi (PR) apresentou maior dispersão cobrindo as regiões de Piracicaba e Campinas. Os mapas, na Figura 7, mostram esses resultados.

Figura 7
: Dispersão de despesas dos três candidatos a deputado federal eleitos por média mais votados em São Paulo em 2018

Os suplentes mais votados apresentam padrão de distribuição espacial de despesas similar ao dos eleitos. Os resultados exibidos na Figura 8 apresentam alguma dispersão, mas estão mais restritos a certa região. Miguel Haddad (PSDB) concentrou suas despesas na parte norte da RMSP. Arnaldo Faria de Sá (PP) concentrou quase todas as despesas no município de São Paulo e o Missionário José Olímpio (DEM), entre a RMSP e a região de Itapetininga. Esses resultados ficam evidentes nos mapas a seguir.

Figura 8
: Dispersão de despesas dos três candidatos a deputado federal suplentes mais votados em São Paulo em 2018

Distribuição Espacial das Transações por Partido

Além da dispersão dos gastos dos candidatos no território paulista, por sua situação eleitoral, nossa base permite observar a regionalização dos gastos dos candidatos por partidos, conforme a Figura 9. Houve 34 partidos com candidatos na base, e a movimentação entre eles foi bastante heterogênea. O PL se destaca com o maior número de municípios com movimentações (467), seguido pelo REPUBLICANOS (448), PSDB (420) e PT (335).

Figura 9
: Distribuição do número de transações por partido

Quando comparamos a dispersão de despesas dos candidatos eleitos de um mesmo partido, vemos algo interessante e que exploramos melhor em outro texto: os partidos evitam sobreposição regional de despesas, corroborando os achados de Braga e Amaral sobre as estratégias de montagem de listas de candidatos em São Paulo (Braga, Amaral, 2013). O caso do PR, o partido cujos candidatos realizaram despesas no maior número de municípios, ilustra bem esta situação.

A Figura 10 mostra que, enquanto os dois candidatos eleitos mais votados dessa legenda (Tiririca e Policial Katia Sastre) concentraram suas despesas na capital, Capitão Augusto concentrou as suas na região de Marília e Presidente Prudente, Marcio Alvino, no Vale do Paraíba e em São José do Rio Preto, Miguel Lombardi, na região de Piracicaba e Luiz Carlos Motta, em Bauru e Araraquara. O primeiro suplente, Milton Monti, concentrou suas despesas nas regiões de Itapetininga, Assis e Bauru. O único candidato eleito com despesas por todo o território paulista foi Paulo Freire Costa, líder da Assembleia de Deus Ministério do Belém.

Figura 10
: Dispersão das despesas de cinco candidatos a deputado federal eleitos do PR em 2018 e seu primeiro suplente

O PSDB também evitou sobreposição de despesas entre os candidatos que conseguiram se eleger, conforme a Figura 11. Bruna Furlan concentrou suas despesas na RMSP, Carlos Sampaio, na região de Campinas, Vitor Lipi, entre a RMSP e a região de Itapetininga, Samuel Moreira, nos Vales do Ribeira e do Paraíba, Vanderlei Macris, em Piracicaba e Araraquara, e Eduardo Cury, na parte leste da RMSP.

Figura 11
: Dispersão das despesas de seis candidatos a deputado federal eleitos pelo PSDB em 2018

O PT se diferencia quanto à dispersão de despesas. A Figura 12 mostra que, entre os seis deputados eleitos pelo partido, Rui Falcão, Alexandre Padilha, Carlos Zaratini e Nilton Tatto concentraram despesas na RMSP. Os dois últimos tiveram alguma concentração na região de Piracicaba e Araraquara, mas a maior parte das movimentações ocorreu em torno da capital. Já Arlindo Chinaglia e Paulo Teixeira dispersaram mais as despesas, com alguma concentração nas regiões de Araçatuba, Marília e Bauru, no primeiro caso.

Figura 12
: Dispersão das despesas de seis candidatos a deputado federal eleitos pelo PT em 2018

Relação entre a Distribuição de Transações e Voto

Uma questão relevante é se há correlação entre o padrão espacial de distribuição de transações e o voto no candidato. É sabido desde Cox (1968)Cox, Kevin. (1968), "Suburbia and Voting Behavior in the London Metropolitan Area." Annals of the Association of American Geographers, v. 58, n. 1, pp. 111-27. que a proporção de votos que um candidato recebe diminui conforme a distância em relação à sua base de atuação. Johnston et al. (2016) argumentam que candidatos recebem um número inflacionado de votos em regiões contíguas à sua base, o chamado efeito “vizinhança”. Seguindo essa teoria, seria de se esperar que os candidatos paulistas recebessem uma maior proporção de seus votos nos locais onde realizaram transações.

Como nossa base traz apenas a votação dos candidatos nos municípios das transações identificadas, podemos apenas comparar o total de votos nos municípios onde houve transações com o total de votos do candidato. A Figura 13 mostra a dispersão da razão entre essas duas quantidades para todos os candidatos.

Figura 13
: Distribuição da razão entre os votos nos municípios com transações identificadas sobre o total de votos dos candidatos

Vemos que a mediana é de 60% do total de gastos vindo de municípios onde os candidatos realizaram transações. Apenas 25% dos candidatos obtiveram menos de 45% de seus votos nesses municípios. Há uma clara relação entre concentração de transações e voto. A literatura sobre a relação entre gastos de campanha e voto, discutida na introdução, sempre inverteu a análise. Inferia-se a estratégia de campanha a partir da concentração do voto. Se o voto era concentrado, a estratégia deveria ser concentrada. Nossa base permite fazer a inferência da maneira correta: dada a estratégia eleitoral, segue o resultado em votos. Isto permite examinar um fato interessante: dois terços dos candidatos obtiveram pelo menos 30% de sua votação onde não fizeram transações. Um cruzamento com a base de votações, utilizando o número do candidato ou seu CPF/CNPJ, permitiria explorar melhor esta e inúmeras outras questões.

Considerações finais

Esse artigo teve a intenção de apresentar uma nova base de dados que, ao identificar o local das despesas dos candidatos a deputado federal, permite uma análise mais precisa das estratégias de campanha. Uma breve análise sobre o caso de São Paulo mostrou alguns dos usos possíveis. Mostramos como identificar as estratégias de campanha, sejam individuais, sejam partidárias; a efetividade do gasto e seu impacto sobre o resultado da eleição; e a regionalização do gasto e seu efeito potencial sobre a votação obtida nas diferentes áreas do estado.

Até o momento, as pesquisas sobre o impacto das estratégias de campanha no voto dos deputados federais obtiveram avanços, mas foram limitadas por lacunas importantes, sendo a principal a dificuldade em observar empiricamente aquelas estratégias. A base de dados ora discutida permite que se evidenciem dinâmicas de campanha que elucidam questionamentos teóricos relevantes. Esperamos que, ao disponibilizar esses dados, pesquisadores sejam estimulados a se juntar a este esforço em entender melhor a dinâmica da competição política nas disputas para o legislativo brasileiro.

Referências

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Nota

  • 1
    . Estamos trabalhando na construção de bases similares para as eleições de 2014, 2016 e 2020.
  • *
    A nota técnica teve o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro E-26/201.119/2022.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Nov 2024
  • Data do Fascículo
    Ago 2025

Histórico

  • Recebido
    8 Mar 2023
  • Revisado
    4 Jul 2023
  • Aceito
    29 Ago 2023
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