Resumo
A pandemia da COVID-19 é um problema de saúde pública global que imprimiu uma nova dinâmica à economia mundial. A rápida propagação da doença e o uso do distanciamento como forma de prevenção expuseram as desigualdades sociais e urbanas das cidades capitalistas. No Brasil, como em outros países, o isolamento social promoveu rápidas mudanças no mercado de trabalho, com impactos mais severos para 37,3 milhões de pessoas que vivem na informalidade, já que elas não têm direitos como Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e seguro-desemprego. Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), as primeiras demissões estão ocorrendo entre aqueles que vivem do trabalho precário, como terceirizados, balconistas, garçons, funcionários de cozinha, diaristas, manipuladores de bagagem e produtos de limpeza. Assim, faremos uma breve síntese das consequências que a crise sanitária vem promovendo para os trabalhadores brasileiros, bem como proporemos medidas de enfrentamento que não se limitem aos auxílios emergenciais. A recuperação e a criação de ocupações dependerão, entre outros fatores, da retomada dos gastos com programas sociais e econômicos que reduziram as desigualdades sociais no início deste século, como o Programa de Aceleração do Crescimento em Favelas (PAC-Favelas); o Programa Minha Casa, Minha Vida; o Programa Bolsa Família (PBF); e o Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger) com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Esses programas podem e devem ser ampliados a fim de fazer com a que a economia retome o crescimento em longo prazo.
Palavras-chave:
COVID-19; crise econômica; trabalho informal; desemprego; políticas públicas
Resumen
La pandemia de COVID-19 es un problema de salud pública global que ha dado una nueva dinámica a la economía mundial. La rápida propagación de la enfermedad y el uso de la distancia como un medio de prevención expusieron las desigualdades sociales y urbanas de las ciudades capitalistas. En Brasil, como en otros países, el aislamiento social promovió cambios rápidos en el mercado laboral con impactos más severos para 37,3 millones de personas que viven en la informalidad, ya que no tienen derechos como el Fondo de Garantía por Tiempo de Trabajo y seguro de desempleo. Para la Organización Internacional del Trabajo, los primeros despidos ocurren entre quienes viven del trabajo precario, tales como: trabajadores subcontratados, vendedores de mostrador, camareros, personal de cocina, jornaleros, manipuladores de equipaje y productos de limpieza. Por lo tanto, haremos una breve síntesis de las consecuencias que la crisis sanitaria está promoviendo para los trabajadores brasileños, y propondremos medidas de afrontamiento que no se limiten a las ayudas de emergencia. La recuperación y la creación de ocupaciones dependerán, entre otros factores, de la reanudación de los gastos en programas sociales y económicos que redujeron las desigualdades sociales a principios de este siglo, como el Programa de Aceleración del Crecimiento (PAC Favelas); el “Programa Minha Casa, Minha Vida”; el “Programa Bolsa Família” y el Programa Fondo de Amparo al Trabajador (FAT). Esos programas pueden y deben expandirse para que la economía vuelva a crecer a largo plazo.
Palabras clave:
COVID-19; crisis económica; trabajo informal; desempleo; políticas públicas
Abstrac
The COVID-19 pandemic is a global public health problem that has given new dynamics to the world economy. The rapid spread of the disease and the use of social distancing as a form of prevention exposed the social and urban inequalities of capitalist cities. In Brazil, as in other countries, social distancing has promoted rapid changes in the labor market with more severe impacts for 37.3 million people living in the informal sector, as they do not have rights to, for example, the severance pay indemnity fund (FGTS) and unemployment benefit. According to the International Labour Organization, the first layoffs are occurring among those who live off precarious work, such as: outsourced workers, clerks, waiters, kitchen workers, day laborers, baggage handlers, and cleaners. We show a brief synthesis of the consequences that the health crisis has brought to Brazilian workers and propose coping measures that are not limited to emergency aid. The recovery and creation of occupations will depend, among other factors, on the resumption of spending on social and economic programs that were able to reduce social inequalities at the beginning of this century, such as PAC-favelas; Minha Casa, Minha Vida Program; Bolsa Família Program and the FAT Employment and Income Generation Program. These programs can and must be expanded to bring the economy back to growth in the long run.
Keywords:
COVID-19; economic crisis; informal work; unemployment; public policy
1. INTRODUÇÃO
No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que estava em curso uma pandemia denominada COVID-19. O vírus rapidamente se expandiu pelo mundo, com impactos profundos na saúde pública e choques sem precedentes nas economias e nos mercados de trabalho. A avaliação preliminar da Organização Internacional do Trabalho (OIT), datada de 3 de abril de 2020, mostra que mais de 1 milhão de pessoas foram infectadas e que mais de 50 mil já perderam a vida. No caso do Brasil, as estatísticas do Ministério da Saúde (MS) contabilizam que, até o dia 02 de julho, o país contava com 1.496.858 casos confirmados, sendo que 61.884 pessoas haviam ido a óbito.1 1 Recuperado de https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/47157-coronavirus-852-816-pessoas-estao-curadas-em-todo-o-brasil
As medidas de bloqueio total ou parcial, realizadas por vários países para retardar a disseminação da doença, afetaram quase 2,7 bilhões de trabalhadores, representando cerca de 81% da força de trabalho mundial (OIT, 2020). Nos Estados Unidos, por exemplo, no início de abril, 6,6 milhões de trabalhadores solicitaram o pedido de auxílio-desemprego. A velocidade e a escala das perdas de empregos não têm precedentes, pois em apenas duas semanas a pandemia deixou quase 10 milhões de americanos desempregados (Casselman & Cohen, 2020Casselman, B., & Cohen, P. (2020, 02 de abril). A widening toll on jobs: this thing is going to come for us all. The New York Times. Recuperado dehttps://www.nytimes.com/2020/04/02/business/economy/coronavirus-unemployment-claims.html
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).
O desafio que se apresenta para os países exige uma estratégia que vai muito além da injeção de liquidez na economia e da ajuda emergencial de recursos monetários aos mais vulneráveis, em curto prazo. A situação requer a formulação e a execução de uma política de desenvolvimento econômico voltada ao pós-pandemia, ou seja, em longo prazo. A crise revelou as fragilidades da economia brasileira, que se baseia na austeridade, na desindustrialização, no trabalho informal, na especialização da produção de bens primários para exportação, e que tem como principal comprador de commodities a China, onde se iniciou a epidemia.
Além dessa dependência econômica externa, o governo brasileiro tem uma forte barreira para melhorar o sistema de saúde: a promulgação da Emenda Constitucional nº 95, de 2016, que congela por 20 anos os gastos públicos. Dessa forma, os custos com saúde não têm sido capazes de manter a rede de serviços nem permitir investimentos para sua melhoria. Além disso, foi feita a desmontagem de programas como Mais Médicos, Farmácia Popular, distribuição de medicamentos para pacientes crônicos, entre outros. Num contexto de crise sanitária, verifica-se que o país não dispõe de recursos suficientes para atender aos pacientes diagnosticados com a COVID-19, pois falta equipamento de proteção como máscaras, luvas, avental ou óculos de proteção. Os leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e os respiradores também não são sufientes para atender a toda a população.
Com o orçamento congelado por 20 anos, o prejuízo ao Sistema Único de Saúde (SUS) pode ultrapassar os R$ 400 bilhões, afirma o presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS), Fernando Pigatto, com base num estudo elaborado pela Comissão Intersetorial de Orçamento e Financiamento (Cofin) do CNS. O SUS, que sempre foi subfinanciado, agora enfrenta um quadro ainda pior, o de desfinanciamento, algo que poderá causar grave impacto à vida e à saúde da população brasileira (CNS, 2020Conselho Nacional de Saúde. (2020, 28 de fevereiro). Saúde perdeu R$ 20 bilhões em 2019 por causa da EC 95/2016. Brasília, DF: Ministério da Saúde. Recuperado de https://conselho.saude.gov.br/ultimas-noticias-cns/1044-saude-perdeu-r-20-bilhoes-em-2019-por-causa-da-ec-95-2016
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).
O congelamento dos gastos, portanto, já estava comprometendo a oferta dos serviços de saúde pública antes da pandemia. Com a paralisação das atividades produtivas, o cenário tende a se agravar, tanto pelo aumento da demanda por novos leitos hospitalares para o tratamento do coronavírus quanto pelo aumento do desemprego. Isso se dá porque os trabalhadores demitidos, ao perderem seus rendimentos, podem ficar inadimplentes e ter seus contratos cancelados pelos planos de saúde, sobrecarregando o SUS.
Diante dessas considerações, o objetivo deste trabalho é apresentar brevemente as consequências da COVID-19 para o mercado de trabalho brasileiro, destacando os impactos que a crise promove aos trabalhadores que vivem da informalidade, os quais não têm auxílio-doença, aposentadoria nem outros benefícios que os protejam em situações de paralisação das atividades produtivas. Em seguida, apresentaremos alguns programas sociais que o governo pode utilizar para apoiar os menos favorecidos com geração de emprego e renda, bem como melhorar as condições sociais e de habitabilidade da população que vive em assentamentos precários. O momento atual exige a adoção de políticas públicas que conduzam à efetivação do direito à saúde e ao trabalho.
2. IMPACTOS DA PANDEMIA SOBRE O MERCADO DE TRABALHO BRASILEIRO
A partir de 1990, com a perda do dinamismo da economia nacional, o nível de informalidade do mercado de trabalho brasileiro se elevou. Para Targino e Vasconcelos (2015Vasconcelos, E. A. S. de, & Targino, I. (2015, janeiro/junho). Informalidade no mercado de trabalho brasileiro (1993-2013). Revista da Abet, 14(1), 141-161. Recuperado de https://periodicos.ufpb.br/index.php/abet/article/view/25705/13881
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), o setor formal do mercado de trabalho é aquele em que existe algum tipo de contrato entre empregador e empregado. Esse contrato pode ser firmado por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) ou do Estatuto do Servidor Público. Já o setor informal diz respeito aos trabalhadores que são privados de condições básicas ou mínimas de trabalho e proteção social (ver Quadro 1).
A pandemia, nesse contexto, atinge com maior intensidade a população que vive na informalidade e reside em áreas precárias, ou seja, que tem rendimentos baixos e irregulares, sem acesso a água potável, moradia digna, sistemas privados de saúde e sistema de proteção social vinculado à carteira de trabalho assinada, como férias, salário mínimo, 13º salário, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), licença-maternidade, licença médica e seguro-desemprego. Esses trabalhadores cumprem extensas jornadas de trabalho e dificilmente conseguem acessar linhas de financiamentos para o exercício legal da atividade (Krein & Proni, 2010Krein, J. D., & Proni, M. W. (2010). Economia informal: aspectos conceituais e teóricos. Brasília, DF, OIT.). Em 2009, a informalidade no Brasil ultrapassava os 50%. Em 2017, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGEInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2018). Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira (Estudos e pesquisas. Informação demográfica e socioeconômica, n. 39). Rio de Janeiro, RJ: Autor. Recuperado de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101629.pdf
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), estava em torno de 40,8% (ver Tabela 1).
Nesse contexto, além da crise sanitária, uma das consequências da pandemia é o aumento do desemprego e, portanto, a elevação da informalização do trabalho, dos terceirizados, dos subcontratados, dos flexibilizados, dos trabalhadores em tempo parcial e do subproletariado. Essa população precisará ser assistida com políticas voltadas a protegê-la da fome e da pobreza, ou seja, necessitará ser inserida numa rede de proteção social. O desafio é fenomenal, tendo em vista que uma das marcas do capitalismo globalizado e liberal - e que vem sendo seguida pela equipe econômica do governo Bolsonaro - é a crescente informalização do trabalho, conforme nos explica Antunes (2009Antunes, R. (2009). Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a formação e a negação do trabalho. São Paulo, SP: Boitempo.).
Em plena era da informatização do trabalho, do mundo maquinal e digital, estamos conhecendo a informalização do trabalho, dos terceirizados, dos precarizados, dos subcontratados, dos flexibilizados, dos trabalhadores em tempo parcial e do subproletariado. Se no passado recente a classe trabalhadora apresentava níveis de informalidade apenas marginalmente, hoje mais de 50% dela se encontra nessa condição - aqui, a informalidade é concebida em sentido amplo -, desprovida de direitos, fora da rede de proteção social e sem carteira de trabalho. Desemprego ampliado, precarização exacerbada, rebaixamento salarial acentuado, perda crescente de direitos - esse é o desenho mais frequente da classe trabalhadora.
De acordo com a OIT (2020), o impacto nas atividades geradoras de renda é especialmente severo para os trabalhadores desprotegidos e para os grupos mais vulneráveis e que estão na economia informal. O que se verifica em muitos países, além de demissões, é a redução na jornada de trabalho. No Brasil, como o enfrentamento do problema, por parte do poder público, tem sido bastante tímido, os noticiários revelam o crescimento no número de demissões em vários setores, com destaque para os serviços, como hotelaria, bares e restaurantes (ver Quadro 2).
Como forma de enfrentar a crise, o governo brasileiro criou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, por meio da Medida Provisória nº 936, de 2020, apostando na “redução da jornada de trabalho e, proporcionalmente, do salário, mediante acordo individual escrito ou negociação coletiva e com duração máxima de 90 dias”. Contudo, o programa, além de tornar precárias as relações trabalhistas, é voltado apenas para os trabalhadores formais do setor privado e terá um impacto negativo sobre a massa de salários pagos nesse setor, em decorrência da perda do rendimento salarial individual. Assim, “a taxa de reposição dos salários só é integral para o salário mínimo, ficando entre 90% e 70% para salários até 3 SM” (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos [Dieese], 2020Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. (2020, 03 de abril). O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda diante dos impactos da Covid-19. Nota Técnica, 232, 1-13. Recuperado de https://www.dieese.org.br/notatecnica/2020/notaTec232ProgramaEmergencialGoverno/index.html?page=1
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). Por outro lado, “a garantia de emprego só é válida para os trabalhadores diretamente afetados pela redução da jornada ou pela suspensão do contrato de trabalho. Os demais trabalhadores da empresa podem ser dispensados” (Dieese, 2020Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. (2020, 03 de abril). O Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda diante dos impactos da Covid-19. Nota Técnica, 232, 1-13. Recuperado de https://www.dieese.org.br/notatecnica/2020/notaTec232ProgramaEmergencialGoverno/index.html?page=1
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).
Conforme previsão da OIT, no Brasil, os setores mais afetados pela crise do coronavírus têm sido aqueles que operam no comércio varejista, serviços de acomodação e alimentos e manufatura. Para reverter esse quadro e superar os desafios futuros, é preciso fazer uma revisão tanto da Emenda Constitucional nº 95, que instituiu o teto dos gastos, quanto da Reforma Trabalhista, a fim evitar o crescimento da precarização. A reforma piorou a vida do trabalhador e elevou o número de contratos precários, bem como a insegurança, tornando-os mais dependentes dos programas sociais do governo.
A reforma instituiu um cardápio de contratos de trabalho precários, seja pela insuficiência de horas trabalhadas, seja pela possibilidade de redução de direitos; alterou a extensão da jornada de trabalho por meio de diversos mecanismos, inclusive de negociação individual; reduziu garantias relativas ao salário, às férias, à isonomia salarial e proteção às mulheres lactantes; incluiu medidas que facilitam a demissão e reduzem a possibilidade de o trabalhador reclamar seus direitos trabalhistas na Justiça do Trabalho. Além disso, aprovou pontos com repercussão negativa na organização sindical e no processo de negociação coletiva (Dieese, 2019Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. (2019 novembro). O novo desmonte dos direitos trabalhistas. Nota Técnica, 215, 1-10. Recuperado de https://www.dieese.org.br/notatecnica/2019/notaTec215MP905.html
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).
3. PANDEMIA E DESEMPREGO: PROPOSTAS DE ENFRENTAMENTO
Conforme abordamos anteriormente, a crise econômica decorrente do coronavírus vem destruindo vários postos de trabalhos no Brasil e no exterior. A urgência da situação requer a adoção de políticas públicas de emprego e transferência de renda para proteger os trabalhadores que vivem na informalidade enquanto as atividades estiverem paralisadas. No longo prazo, porém, o país precisa de uma política de desenvolvimento que implique o abandono da austeridade fiscal e o aumento dos gastos em programas sociais já existentes, no sentido de proteger milhões de trabalhadores que vivem na informalidade e residem em comunidades ou assentamentos precários, sem falar na população de rua.
A pandemia mostrou, por exemplo, dois problemas graves que impedem o combate da doença nas favelas brasileiras: a ausência de saneamento básico e a alta densidade de seres humanos por metro quadrado. Assim, direcionar recursos para a saúde e os setores apontados como gargalos é essencial para dinamizar a economia com a geração de empregos formais. De fato, a crise trouxe uma sinalização importante para o setor público e privado no que diz respeito às decisões de investimento em ampliação da capacidade produtiva.
Nesse contexto, é preciso elevar os investimentos públicos e privados na área da saúde, no saneamento básico, na habitação popular e na infraestrutura urbana. Segundo o Banco Mundial (2018Banco Mundial. (2018, 23 de agosto). Notas de políticas públicas - Por um ajuste justo com crescimento compartilhado. INFORMATIVO| 23 de agosto de 2018. Recuperado de https://www.worldbank.org/pt/country/brazil/brief/brazil-policy-notes
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), “o Brasil tem investido cerca de 2% do PIB em infraestrutura, muito menos do que países semelhantes em todo o mundo, e nem mesmo suficiente para cobrir a depreciação. Um enfoque crescente deve ser dado para melhorar a qualidade e a sustentabilidade da infraestrutura”. Além de criar postos de trabalhos, as ações realizadas nessa área poderão reduzir os riscos e as ameaças relacionados a padrões mínimos de higiene e salubridade nas comunidades carentes. Isso é importante porque, num país onde não se universalizou o saneamento básico, fica difícil exigir o isolamento social a uma extensa população que não tem água encanada nem recursos financeiros para comprar sabão e álcool gel. Como os assentamentos precários precisam de urbanização e a população residente necessita de emprego, uma medida de enfrentamento da crise é elevar os recursos para investimento em habitação de interesse social por meio dos bancos de desenvolvimento.
A crise chama o Estado para a realização de políticas setoriais, principalmente em infraestrutura social e urbana, como a retomada de obras no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento em Favelas (PAC-Favelas). Os gastos nesse setor são os principais responsáveis por promover um crescimento sustentável da economia, além de gerar externalidades positivas, que permitem elevar a produtividade de outros investimentos e agregar ganhos de escala e escopo a várias atividades. De fato, os gastos públicos em infraestrutura funcionam como fator de redução na desigualdade social e urbana, bem como contribuem para melhorias na saúde preventiva da população. Além disso, a construção civil é capaz de dinamizar diversos outros setores econômicos.
A construção civil, ou construbusiness, não se resume somente a construtoras e incorporadoras; ela é muito mais ampla. Começando no trabalho de estudos e viabilidades de um empreendimento, abrange serviços diversos, engenheiros, arquitetos, pessoas responsáveis pela aprovação dos projetos nos órgãos públicos, gesseiros, entre outros. Passando pelos trabalhadores do setor, estende-se a imobiliárias, corretores, e reúne os fornecedores de materiais (indústria) Empregados com carteira e outros setores, como o automobilístico, o de móveis, o de eletroeletrônicos e o de segurança (Oliveira, 2019Oliveira, F. Filho. (2019, 01 de dezembro). Construção civil, a locomotiva da economia. Campinas, SP: Documento AcidadeOn. Recuperado de https://www.acidadeon.com/campinas/docon/artigos/NOT,0,0,1464132,construcao+civil+a+locomotiva+da+economia.aspx
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). Além dos investimentos em infraestrutura urbana e social, no contexto de pós-COVID-19, o governo precisará elevar os gastos com programas sociais e políticas de transferências de renda, que serão imprescindíveis ao enfrentamento da pobreza e à garantia na alocação intertemporal de consumo por meio do ciclo de vida, funcionando como um seguro social. Isso, todavia, é um desafio para um governo que tem como prioridade reduzir o tamanho do Estado na economia. Em seu primeiro ano de governo, por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro aumentou os gastos com investimentos e custeio da máquina para a área de defesa, ao passo que reduziu as despesas para educação, saúde e segurança. Com a crise em curso, as prioridades do governo precisam ser revistas.
Segundo a Revista FórumRevista Fórum. (2019, 03 de setembro). Com corte de recursos, Bolsonaro inicia desmonte de Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida e Fies. Recuperado de https://revistaforum.com.br/politica/bolsonaro/com-corte-de-recursos-bolsonaro-incia-desmonte-do-bolsa-familia-minha-casa-minha-vida-e-fies/
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, os programas sociais não são considerados prioridade no governo Bolsonaro, haja vista que, no fim de 2019, houve reduções no orçamento tanto no Programa Habitacional Minha Casa, Minha Vida quanto no Programa Bolsa Família (PBF). A média de recursos destinada ao programa habitacional era de R$ 11,3 bilhões por ano entre os anos de 2009 e 2018. Até julho de 2019, no entanto, o Minha Casa havia recebido R$ 2,6 bilhões do Tesouro. Já os R$ 30 bilhões destinados ao PBF em 2020 não sofreram alteração. Como não houve correção pela inflação, esses recursos deixarão de beneficiar as 13,8 milhões de famílias, reduzindo o benefício para apenas 13,2 milhões de famílias.
Em meio à crise da COVID-19, enquanto quase todos os países afetados pela epidemia estão ampliando as políticas sociais para enfrentar os reflexos da doença na economia, o governo Bolsonaro pretendia reduzir em março de 2020 os recursos destinados ao PBF, o mais eficiente programa de combate à pobreza. O Nordeste, uma das regiões menos desenvolvidas, seria a mais afetada - o governo pretendia reduzir 158 mil benefícios, totalizando 61,1% da região. Felizmente, essa decisão foi revista pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a suspensão dos cortes no PBF enquanto perdurar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia. Para o ministro Marco Aurélio, é preciso tratar todos os estados de forma isonômica: “Quando a situação estiver normalizada no país, a liberalização de recursos para novas inscrições no programa deverá ocorrer de forma uniforme entre os estados da Federação, sem qualquer tipo de discriminação” (Supremo Tribunal Federal, 2020Supremo Tribunal Federal. (2020, 23 de março). Ministro Marco Aurélio suspende cortes no Bolsa Família durante pandemia. Brasília, DF: Autor. Recuperado de http://stf.jus.br/portal/cms/vernoticiadetalhe.asp?Idconteudo=439926
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).
Por fim, o governo tem ao seu dispor vários programas voltados para o campo social e econômico que foram capazes de reduzir as desigualdades sociais no início deste século, como o PAC; o Programa Minha Casa, Minha Vida; o PBF e o Programa de Geração de Emprego e Renda (Proger), com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador.2 2 O Proger-FAT é um conjunto de linhas de financiamento criado com a finalidade de incrementar a política pública de combate ao desemprego, mediante financiamentos focados em empreendimentos de menor porte em diversos setores da economia, com destaque para os de turismo, exportação e inovação tecnológica. O programa também destina recursos para linhas destinadas à melhoria da qualidade de vida e da empregabilidade do trabalhador e para agricultura familiar. Esses programas podem e devem ser ampliados, a fim de fazer com a que a economia retome seu crescimento em longo prazo.
4. CONCLUSÃO
A presente pesquisa procurou mostrar, de maneira resumida, como o novo coronavírus produz impactos profundos na saúde pública e no mercado de trabalho brasileiro. Num contexto de paralisação das atividades produtivas, os trabalhadores informais perderam o sustento, e muitas empresas já começaram a demitir os empregados com carteira assinada. Com isso, é de se esperar um crescimento na taxa de informalidade da economia brasileira, a qual atualmente está em torno de 40,8%. Ademais, com a queda no emprego e o aumento da inadimplência, o posterior cancelamento dos planos de saúde tenderá a sobrecarregar o já deficiente SUS.
O governo brasileiro vem respondendo de forma muito tímida aos problemas decorrentes da crise e está indo num caminho que não contribui para uma rápida saída dela. Os trabalhadores formais e informais precisam de programas sociais que gerem emprego e renda, promovam uma melhoria nas condições de habitabilidade das comunidades e dos assentamentos precários, bem como necessitam de proteção social.
Nesse contexto atual, a saída da crise exige o abandono da austeridade e clama pela injeção de recursos para a saúde e os setores apontados como gargalos. Como os assentamentos precários precisam de urbanização e a população residente necessita de emprego, uma medida de enfrentamento da crise é elevar os recursos para investimento em habitação de interesse social por meio dos bancos de desenvolvimento. Tais medidas contribuem para melhorar a saúde e a qualidade vida da população mais carente, bem como alavanca diversos outros setores da economia, como o da construção civil.
Inevitavelmente, todos os recursos voltados ao financiamento desses programas ampliarão o déficit público. Mas em longo prazo, com a retomada do crescimento e dos empregos, haverá um aumento do PIB e uma ampliação da arrecadação. Do mesmo modo, muitas comunidades poderão ser beneficiadas com os projetos de urbanização e estarão mais preparadas para enfrentar crises epidêmicas como a que o mundo vive na atualidade. O tempo de permanência da crise, portanto, dependerá das escolhas políticas do atual governo.
REFERÊNCIAS
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O Proger-FAT é um conjunto de linhas de financiamento criado com a finalidade de incrementar a política pública de combate ao desemprego, mediante financiamentos focados em empreendimentos de menor porte em diversos setores da economia, com destaque para os de turismo, exportação e inovação tecnológica. O programa também destina recursos para linhas destinadas à melhoria da qualidade de vida e da empregabilidade do trabalhador e para agricultura familiar.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
28 Ago 2020 -
Data do Fascículo
Jul-Aug 2020
Histórico
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Recebido
14 Abr 2020 -
Aceito
25 Jun 2020