Impacto da tutoria remota no desempenho dos estudantes de Medicina durante a pandemia da Covid-19

Impact of remote tutoring on the performance of Medical students during the Covid-19 pandemic

Resumo:

Introdução:

Durante a pandemia da Covid-19, foi decretado, na maioria dos países do mundo, o fechamento de diversos setores da sociedade, inclusive das faculdades de Medicina, que passaram a ter aulas virtuais. Nesse sentido, o Cesupa adotou a estratégia de tutoria remota para dar continuidade ao semestre letivo. Tais mudanças trouxeram à tona as limitações do ensino remoto, que pode apresentar-se de distintas formas.

Objetivo:

Este estudo teve como objetivo identificar o impacto, na percepção dos alunos, da tutoria remota em relação à presencial quanto ao seu desempenho acadêmico, durante a pandemia da Covid-19.

Método:

Realizou-se um estudo transversal, descritivo e observacional com 250 alunos mediante a aplicação de questionários virtuais respondidos por discentes do quarto ao oitavo semestre do curso de Medicina do Cesupa, durante o período de fevereiro a dezembro de 2021. Os resultados encontrados foram considerados significativos se valor-p menor que 0,05.

Resultado:

Na pesquisa, notou-se que a tutoria remota demonstrou algumas desvantagens em relação à tutoria presencial, como maior dificuldade do aluno em se concentrar, sensação de estar menos preparado para a prova do módulo, maior dificuldade em sanar dúvidas, menor dedicação e menor motivação durante a tutoria remota. Entre os fatores que podem ser caracterizados pela associação a um pior desempenho acadêmico durante a tutoria remota comparando com a presencial, estão idade de até 20 anos, não ter outra formação complementar e estar no quarto ou quinto semestre do curso. Além disso, notou-se que o gênero não influenciou no desempenho acadêmico durante a tutoria remota.

Conclusão:

Diante disso, percebeu-se que os estudantes tiveram um pior desempenho acadêmico durante a tutoria remota quando comparada com a tutoria presencial, de acordo com a percepção dos participantes.

Palavras-chave:
Educação Médica; Tutoria; Covid-19; Desempenho Acadêmico

Abstract:

Introduction:

During the Covid-19 pandemic, most countries of the world decreed the closure of various sectors of society, including medical schools, which started to rely on virtual classes. CESUPA, therefore, adopted the remote tutoring strategy to continue the school semester. These changes brought to light the limitations of distance learning, which can be presented in different ways.

Objective:

To identify the impact on students’ perception of remote tutoring compared to face-to-face tutoring regarding their academic performance during the Covid-19 pandemic.

Method:

A cross-sectional, descriptive and observational study was conducted with 250 students through virtual questionnaires completed by students from the fourth to the eighth semester of the CESUPA Medicine course from February to December 2021. The results found were considered significant if the p-value was less than 0.05.

Results:

It can be noted that remote tutoring showed some disadvantages in relation to face-to-face tutoring, such as more difficulty in maintaining concentration, the feeling of being less prepared for the end of module test, more difficulty in resolving doubts, less dedication and less motivation during remote tutoring. Among the factors that can be characterized by the association with worse academic performance during remote tutoring compared to face-to-face tutoring are being aged up to 20 years, having no other additional training and being in the fourth or fifth semester of the course. Furthermore, it was noted that gender did not influence academic performance during remote tutoring.

Conclusion:

It was concluded that students reported a worse academic performance during remote tutoring when compared to face-to-face tutoring according to the perception of the participants.

Keywords:
Medical Education; Mentoring; Covid-19; Academic Performance

INTRODUÇÃO

O modelo de ensino predominante, denominado tradicional, caracterizado pela transmissão de conhecimentos e pela ênfase na memorização em detrimento da reflexão crítica, baseia-se, essencialmente, em aulas expositivas, nas quais o professor é o detentor de conhecimentos e protagonista. Nesse contexto, cabe aos estudantes repetir os conteúdos memorizados nas provas classificatórias¹.

A sociedade do conhecimento atual, altamente influenciada pelas tecnologias de informação e comunicação, pelo uso da internet e pela criação e circulação de um volume cada vez maior, e de velocidade extraordinária, de conhecimentos e informações, coloca em evidência a urgente superação desse modelo tradicional. Por conta disso, é imprescindível que a universidade invista em estratégias de desenvolvimento docente, a fim de capacitá-los para o manejo de diferentes tecnologias educacionais¹.

Nessa perspectiva, destaca-se o uso de metodologias ativas de aprendizagem. Essas metodologias inovadoras dão ênfase ao processo de ensino, aprendizagem e avaliação, ao privilegiarem o protagonismo aos estudantes, de modo a colocá-los como agentes proativos, estimulá-los a buscar respostas para problemas reais com liberdade e autonomia, e torná-los, assim, corresponsáveis pela tomada de decisão. Isso gera uma ruptura com a aprendizagem mecânica e conteudista¹.

O Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa) utiliza a metodologia ativa de Aprendizagem Baseada em Problemas, em que as tutorias presenciais são o centro do processo, as quais contêm cerca de dez alunos por turma e ocorrem durante dois dias na semana. O primeiro momento serve para exposição do problema e do conteúdo a ser estudado, com o intuito de gerar hipóteses e explorar o conhecimento prévio. O segundo momento, o qual ocorre após o estudo dirigido do aluno, serve para debater sobre o problema e sanar dúvidas.

Entretanto, em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde declarou a pandemia da Covid-19, caracterizando-a como doença de elevada gravidade clínica e de alta letalidade, cuja prevenção envolve distanciamento, isolamento social e interrupção de atividades coletivas. Assim, foi decretado, na maioria dos países do mundo, o fechamento de diversos setores da sociedade, o qual incluiu o ensino superior, como as faculdades de Medicina, e ocasionou graves problemas na educação médica.

A crise resultou no encerramento das aulas em escolas e em universidades, afetando mais de 90% dos estudantes do mundo, conforme documento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. Nesse sentido, os métodos pedagógicos utilizados historicamente na educação médica foram afetados pela interrupção do processo de ensino-aprendizagem presencial^2),(3.

Além disso, a pandemia também trouxe à tona as limitações do ensino remoto, que pode apresentar-se de distintas formas, como o ensino a distância (EaD) já bem estruturado e aulas on-line por correspondência, televisão ou videoconferências. Estudos que comparam o ensino em sala de sala com esses outros formatos, principalmente on-line, apresentam uma grande heterogeneidade⁴.

Diante disso, até o momento, muitas faculdades no Brasil não retomaram as atividades de ensino, e outras não definiram as melhores estratégias acadêmicas, o que demonstra que os desafios são complexos e exigem a produção de subsídios que contribuam para a manutenção da formação médica, de modo a minimizar os prejuízos causados pela pandemia⁵.

Quando se analisam as estratégias de autoaprendizagem utilizadas pelos alunos do curso de Medicina do Cesupa, constata-se que a grande maioria já utiliza as novas tecnologias de informação e comunicação, sendo a internet o principal meio de pesquisa dos objetivos⁶. Com a pandemia, o Cesupa teve que reformular as estratégias e práticas pedagógicas e desenvolver novas habilidades de ensino, adaptando as tecnologias da informação e comunicação a esse novo cenário. Dessa forma, adotou-se a tutoria remota a partir da plataforma do Google Meet, a qual permite a interação por vídeo e voz entre os alunos e o tutor.

Nessa perspectiva, o presente estudo tem o objetivo de identificar o impacto, na percepção dos alunos, da tutoria remota em relação à presencial quanto ao seu desempenho acadêmico, durante a pandemia da Covid-19.

MATERIAIS E MÉTODO

Trata-se de um estudo do tipo transversal, descritivo e observacional, realizado no Cesupa, localizado no estado do Pará, durante o período de fevereiro a dezembro de 2021. A população de estudo foi formada por 250 alunos matriculados do quarto ao oitavo semestre do curso de Medicina do Cesupa.

Adotaram-se os seguintes critérios de inclusão: participar da tutoria remota durante a pandemia da Covid-19, frequentar a tutoria presencial após liberação governamental, cursar do quarto ao oitavo semestre de Medicina do Cesupa e concordar com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Excluíram-se os alunos que não responderam à pesquisa completa e aqueles menores de 18 anos de idade.

A coleta dos dados foi realizada mediante um questionário via Google Forms, que continha perguntas sobre a percepção dos alunos sobre o desempenho acadêmico na tutoria remota durante a pandemia da Covid-19 em comparação com a tutoria presencial. Nesse questionário, abordaram-se os seguintes aspectos: motivação, concentração, dificuldade de sanar dúvidas, dedicação e resultados na prova do módulo. Além disso, havia três perguntas abertas para definir a percepção do aluno sobre a tutoria remota, a tutoria presencial e o sentimento em relação à pandemia. Esse questionário seguiu critérios da escala de Likert.

A metodologia de análise de dados foi descritiva, quantitativa e qualitativa. Organizaram-se os dados no programa Microsoft Excel 2010. Construíram-se os gráficos e as tabelas com as ferramentas disponíveis nos programas Microsoft Word, Excel e Bioestat 5.5. Todos os testes foram executados com o auxílio do software Bioestat 5.5. As variáveis quantitativas foram descritas por mínimo, máximo, média, mediana e desvio padrão; e as variáveis qualitativas, por frequência e percentagem. Para comparar uma variável numérica entre dois grupos, utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Para comparar uma variável numérica entre mais de dois grupos, adotou-se o teste de Kruskal-Wallis, e o resultado significativo foi detalhado por múltiplas comparações entre grupos tomados dois a dois, com ajuste do p-valor. Os resultados com p ≤ 0,05 (bilateral) foram considerados estatisticamente significativos. Para derivação do escore numérico relativo ao impacto negativo das atividades remotas, codificaram-se assim as alternativas: discordo totalmente = 1; discordo parcialmente = 2; indiferente = 3; concordo parcialmente = 4; concordo totalmente = 5. Para as perguntas com sentido favorável à tutoria remota, esses escores foram invertidos (discordo totalmente = 1; concordo totalmente = 1). Somaram-se então as pontuações, o que resultou num escore que poderia variar de 9 a 45 pontos; e quanto maior a pontuação, pior o impacto da tutoria remota. As questões invertidas foram: “Sente-se mais motivado com a tutoria remota”, “A tutoria remota é a melhor alternativa de ensino na impossibilidade do modelo presencial”, “As notas na tutoria remota foram melhores que na presencial” e “A prova do módulo foi melhor durante a tutoria remota”. Ademais, para a análise dos dados qualitativos, utilizou-se o gerador de nuvem de palavras do site Online-Toolz. A realização do trabalho ocorreu somente após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética do Cesupa. Além disso, coletaram-se os dados após os participantes assinarem o TCLE.

RESULTADOS

Caracterização dos estudantes

De 250 respondentes, foram incluídos somente 249, pois um não aceitou participar da pesquisa. Entre os participantes, mais da metade (59%) era do sexo feminino e 41% do sexo masculino. A maior parte (60,2%) tinha de 21 a 25 anos, e 58 (23,3%) tinham de 18 a 20 anos. As idades variaram de 18 a 53 anos, com média de 23 ± 4,5 anos. A maioria (87,1%) não tinha outra formação, e 12,9% sim. A distribuição dos discentes foi similar entre os semestres (Tabela 1).

Tabela 1
Características demográficas e estágio no curso dos estudantes de Medicina do Cesupa, avaliados de maio a novembro de 2021, Belém-Pará.

Variável	Frequência	Percentagem
Sexo
Feminino	147	59,0
Masculino	102	41,0
Idade
De 18 a 20 anos	58	23,3
De 21 a 25 anos	150	60,2
De 26 a 30 anos	22	8,8
De 31 a 40 anos	14	5,6
De 41 a 53 anos	3	1,2
Outra formação
Não	217	87,1
Sim	32	12,9
Semestre
Quarto	53	21,3
Quinto	39	15,7
Sexto	49	19,7
Sétimo	53	21,3
Oitavo	55	22,1

• Fonte: Elaborada pelos autores.

Percepção sobre o impacto da tutoria remota

O padrão das respostas relacionadas à tutoria remota é exibido na Figura 1. Dos participantes, 95 (38,2%) concordaram parcialmente que o desempenho acadêmico piorou com a tutoria remota. Além disso, 41,8% dos indivíduos afirmaram que não se sentiam mais motivados com a tutoria remota. Mais da metade (56,6%) mencionou que sentia mais dificuldade em concentrar-se durante a tutoria remota, e um quarto (24,1%) concordou parcialmente com essa afirmação. Ademais, 91 indivíduos (36,5%) afirmaram que se sentiam menos preparados para a prova do módulo com a tutoria remota. Por sua vez, 64 (25,7%) se mostraram indiferentes sobre ter dificuldade em sanar suas dúvidas com o tutor. Dos participantes, 44,6% mencionaram que a tutoria remota é a melhor alternativa de ensino na impossibilidade da presencial, e 34,1% concordavam parcialmente com isso. Dos indivíduos, 38,6% afirmaram que a dedicação diminui com a tutoria remota, e 32,9% concordaram parcialmente com isso. Dos participantes, 32,9% se mostraram indiferentes em relação ao fato de as notas na tutoria remota serem melhores que na presencial, e 24,1% concordaram parcialmente com isso. Por fim, 30,5% (76) se mostraram indiferentes ao fato de a prova do módulo ser melhor durante a tutoria remota, e 22,1% concordaram parcialmente com isso.

Figura 1
Padrão de respostas relativas à percepção do estudante sobre a tutoria remota.

Comparação dos escores numéricos de impacto da tutoria remota

Foi inserido um escore numérico com o objetivo de comparar grupos de estudantes quanto à percepção do impacto da tutoria remota. Esse escore poderia variar de 9 a 45 pontos, e quanto maior o escore, maior o impacto negativo da tutoria remota na percepção do estudante. No geral, os escores variaram de 11 a 45 pontos, sendo a média de 30,2 ± 6,9 pontos e a mediana de 31 pontos.

Quando se compararam os escores numéricos entre os sexos masculino e feminino, observou-se que foi similar a média de pontos entre os grupos: entre homens, houve média de 29,7 ± 6,7 pontos, e, entre mulheres, a média foi de 30,8 ± 7,2 pontos. Não houve diferença significativa entre esses dois grupos (p = 0,217).

Similarmente, os escores foram comparados entre estudantes de diferentes semestres. Nesse caso, observou-se uma maior média de escores no quinto semestre (32,9 ± 7,6 pontos) e uma menor média no oitavo semestre (27,9 ± 6,8 pontos). Na comparação pelo teste estatístico, o oitavo semestre teve escores significativamente menores em comparação ao quarto (p = 0,017) e quinto semestres (p = 0,006), enquanto a diferença não foi significativa entre os outros semestres.

O Gráfico 1 ilustra a comparação entre os semestres, demonstrando o maior impacto negativo no desempenho acadêmico da tutoria remota comparada com a presencial nos alunos do quinto semestre e o menor impacto nos alunos do oitavo semestre.

Gráfico 1
Comparação dos escores numéricos de impacto da tutoria remota entre os semestres de curso.

Além disso, os escores foram comparados entre estudantes de diferentes faixas etárias. Nesse caso, observou-se uma maior média de escores na faixa etária até 20 anos (32,6 ± 5,4 pontos), e os escores foram similares entre as idades de 21 a 25 anos e maior que 25 anos. Na comparação pelo teste estatístico, confirmaram-se maiores escores na faixa etária até 20 anos, em comparação às duas outras faixas etárias (p = 0,024 em ambas as comparações). Logo, houve maior impacto negativo no grupo de 18 a 20 anos quando comparado aos demais.

Os escores também foram comparados entre estudantes que possuíam ou não outra formação. Nesse caso, observou-se uma maior média de escores entre quem não tinha outra formação (30,5 ± 6,9 pontos). Na comparação pelo teste estatístico, confirmou-se a diferença significativa entre os dois grupos (p = 0,031).

Palavras definidoras dos sentimentos dos estudantes

A Figura 2 exibe as palavras citadas referentes aos sentimentos dos estudantes quanto à tutoria remota, e o maior tamanho da palavra é equivalente à maior frequência de citações feitas pelos participantes da pesquisa.

Figura 2
Nuvem de palavras em relação à tutoria remota.

A Figura 3 exibe as palavras mais citadas relativas aos sentimentos dos estudantes quanto à tutoria presencial, e o maior tamanho da palavra é equivalente à maior frequência de citações feitas pelos participantes da pesquisa.

Figura 3
Nuvem de palavras em relação à tutoria presencial.

Além disso, as palavras mais citadas relacionadas aos sentimentos dos estudantes quanto à pandemia da Covid-19 foram tristeza, ansiedade, medo, angústia e raiva.

DISCUSSÃO

Nesse contexto, notou-se que o desempenho acadêmico dos estudantes piorou durante a tutoria remota em comparação com a presencial, de acordo com a percepção dos participantes. Entretanto, percebe-se que, na literatura já existente, as informações são conflitantes sobre esse tema, além de não haver muitos estudos com amostras significativas para realizar essa comparação adequadamente.

Conforme outro estudo feito apenas com acadêmicos do primeiro ano do curso de Medicina, apesar de a tutoria ter sido realizada em um formato a distância, sem o contato físico previsto, ela não trouxe prejuízos para o processo ensino-aprendizagem, pois contribuiu para o desenvolvimento de habilidades pessoais, permitiu a criação de vínculo aluno-tutor, facilitou o processo de aprendizagem e foi capaz de levá-los a refletir sobre a prática e a buscar novos conhecimentos, proporcionando um aprendizado de qualidade e uma melhor experiência. Por fim, considera-se que a prática de tutoria on-line, com metodologia adequada, é capaz de render bons resultados na construção do conhecimento⁷.

Em contrapartida, na pesquisa de Kubrusly et al.⁸ sobre a eficácia da Aprendizagem Baseada em Problemas por meio do ensino remoto em comparação com o presencial, as respostas obtidas sinalizaram que 49,4% dos tutores discordaram ou discordaram totalmente. Além disso, observou-se que quase a metade dos tutores não conseguiu executar todos os passos como no formato presencial, com moderada dificuldade de adaptação.

De acordo com a pesquisa de Alves et al.⁹, 92 (40,2%) de 229 estudantes afirmaram que o isolamento social não afetou o desempenho acadêmico deles; 16 (7%) não responderam; e 121 (52,8%) disseram que foram afetados de alguma forma. As principais razões apontadas foram não acesso à internet, fechamento dos polos de apoio presencial, falta de concentração nos estudos por problemas financeiros, paralisação dos estágios e dificuldades em realizar o trabalho de conclusão de curso.

Outro estudo demonstrou que o distanciamento social interferiu no índice de aprendizagem, com 78,4% de respostas positivas contra 21,6% de negativas. Nesse sentido, com base na pesquisa realizada com os alunos, apesar de essa percepção ser prejudicada pela rapidez e necessidade da migração para o ensino de forma remota, podemos inferir que existe o reconhecimento de que os professores tiveram sua carga de trabalho aumentada, que a maioria admite que a qualidade e o rendimento no processo de aprendizagem se mantiveram, e que a conexão de internet atendeu de forma razoável às necessidades, no entanto a maioria dos discentes responderam que ainda preferem a forma de ensino presencial com os colegas e professores¹⁰.

Em 2021, uma pesquisa demonstrou fatores que influenciam no desempenho acadêmico dos estudantes durante o ensino remoto. Desse modo, o fator que recebeu mais respostas, apresentando 14%, foi a dificuldade com o estudo on-line, sobretudo do ponto de vista da concentração. Diante disso, identificaram-se alguns fatores que geraram prejuízo: o ambiente não adequado (casa), a falta de interação e a dificuldade com o modelo on-line. Já quando questionados sobre o fator que gerou um melhor desempenho acadêmico, obteve-se como resposta a dedicação/concentração pessoal. Paradoxalmente, nessa pesquisa, o fator que gerou maior prejuízo à aprendizagem foi o ambiente (casa = ambiente inadequado), embora este tenha sido apontado como a segunda maior vantagem do ensino on-line (casa = ambiente cômodo e seguro). Esse ambiente, apesar de ser confortável porque o estudante não precisa deslocar-se até a universidade, também é causador de distrações, pois prejudica o foco dos discentes durante as aulas on-line¹¹.

Outra análise realizada no presente estudo foi sobre a relação entre a idade e o gênero dos estudantes com o desempenho acadêmico na tutoria remota comparada com a tutoria presencial. Nesse sentido, notou-se que, nesta pesquisa, a idade de até 20 anos estava relacionada com um pior desempenho acadêmico no curso. Além disso, observou-se que não houve diferença estatisticamente significativa no desempenho acadêmico entre os diferentes gêneros. A relação entre as idades pode ser provavelmente justificada pela imaturidade dos indivíduos com até 20 anos.

Em relação ao gênero, os resultados do estudo de Rodrigues et al.¹² apontaram que os homens, na modalidade de EaD, tendem a ter desempenho superior ao das mulheres, na mesma modalidade, e que a idade não influencia o desempenho.

Entretanto, outro estudo mostrou que o gênero feminino estava associado a um melhor desempenho acadêmico, em comparação ao gênero masculino. As mulheres apresentam chances 40% e 36% menores do que os homens de ter insucesso no curso ou notas inferiores, respectivamente¹³.

Ademais, sobre a diferença nas idades, a pesquisa de Portella¹³ mostrou que a idade dos alunos influenciou o desempenho no curso, pois, à medida que a idade aumentava, as chances de insucesso e notas inferiores se tornavam maiores. Em se tratando da idade, observou-se que os alunos mais velhos apresentavam pior desempenho acadêmico, o que pode ser explicado, segundo o autor, em teoria, pela menor competência em trabalhar com as tecnologias da informação e comunicação utilizadas no processo de ensino-aprendizagem.

Quanto ao fato de os participantes com outra formação complementar terem sido menos afetados com a tutoria remota, considera-se a seguinte hipótese: por serem mais maduros e mais experientes, souberam lidar melhor com o novo formato de tutoria durante o período da pandemia da Covid-19, e, por conseguinte, o desempenho acadêmico foi menos impactado pela tutoria remota.

A análise sobre o impacto do desempenho acadêmico, conforme os semestres do curso, pode ser justificada pelo fato de os alunos que estão no oitavo semestre já estarem há mais tempo nesse método de aprendizagem ativa. Além disso, antes da pandemia da Covid-19, esses alunos já haviam tido quatro semestres de tutoria presencial e, por isso, estariam mais preparados para os desafios da tutoria e com o modo de estudar para as provas; logo, o desempenho acadêmico foi menos impactado com a tutoria remota, diferentemente dos alunos que cursam o quarto e quinto semestres, visto que o formato de tutoria remota começou enquanto eles estavam no primeiro e segundo semestres, respectivamente. Dessa forma, nota-se que os discentes não estariam tão preparados para utilizar o formato da metodologia ativa de ensino abordada na tutoria nem habituados com ele. Além disso, é preciso considerar que os estudantes dos semestres mais recentes são, normalmente, mais novos, e, de acordo com a análise de idades da pesquisa, os alunos de até 20 anos tiveram desempenho acadêmico mais afetado com a tutoria remota. Portanto, os estudantes do quarto e quinto semestres tiveram o seu desempenho acadêmico mais impactado com esse novo formato.

Quanto às palavras mais citadas sobre a tutoria remota, nota-se uma maior variedade. A maioria das palavras positivas estava ligada ao modo como o aluno se sentia durante a tutoria, sobretudo com relação à segurança, a qual melhorou com a tutoria remota. Entretanto, no que concerne ao aprendizado e desempenho, a maioria das palavras citadas estava associada a aspectos negativos, como desconcentração, desatenção e distração.

Em relação às palavras mais citadas sobre a tutoria presencial, percebe-se o inverso da tutoria remota, pois as quatro palavras mais citadas foram negativas e estavam ligadas ao sentimento do aluno durante a tutoria: ansiedade, cansaço, estresse e nervosismo. Já sobre o desempenho acadêmico, notaram-se palavras mais positivas quando comparadas com a tutoria remota, e as cinco mais citadas foram: aprendizado, foco, concentração, atenção e dedicação.

Sobre as palavras mais citadas em relação à pandemia, destacaram-se os termos negativos e com pouca variação, como tristeza e ansiedade, que definiram o período pandêmico para os discentes. Nesse sentido, o estudo de Barros et al.¹⁴ demonstrou que, de 45.161 brasileiros respondentes, durante a pandemia, 40,4% se sentiram frequentemente tristes ou deprimidos; 52,6% se perceberam frequentemente ansiosos ou nervosos; 43,5% relataram início de problemas de sono; e 48,0% mencionaram problema de sono preexistente agravado. Por isso, quando se considera que a pesquisa atual ocorreu durante a pandemia da Covid-19, não há como descartar um viés importante de que ela aumentou o nível de ansiedade e de sentimentos negativos em grande parte da população, podendo levar aos estudantes a associar erroneamente que a tutoria foi a causa do aumento desses sintomas.

CONCLUSÃO

Por meio desta pesquisa, pode-se notar que a tutoria remota foi uma alternativa extremamente necessária para os estudantes de Medicina durante a pandemia da Covid-19. Entretanto, quando se comparou esse método com a tutoria presencial, constataram-se algumas desvantagens, como maior dificuldade em se concentrar, sensação de estar menos preparado para a prova do módulo, maior dificuldade em sanar dúvidas, menor dedicação e menor motivação durante a tutoria remota. Diante disso, foi possível concluir que os estudantes tiveram um pior desempenho acadêmico durante a tutoria remota quando comparada com a tutoria presencial.

Entre os fatores que podem ser caracterizados pela associação a um pior desempenho acadêmico durante a tutoria remota em comparação com a presencial, estão a idade de até 20 anos, não ter outra formação complementar e estar no quarto ou quinto semestre do curso. Além disso, notou-se que o gênero não influenciou no desempenho acadêmico durante a tutoria remota.

Sobre os sentimentos dos estudantes em relação à tutoria remota, observou-se que há um sentimento mais positivo quando comparada com a tutoria presencial. Entretanto, em relação ao aprendizado nos diferentes modos de tutoria, percebeu-se que os alunos têm um sentimento mais negativo sobre a tutoria remota quando comparada com a presencial. Quanto às palavras mais citadas em relação à pandemia, a grande maioria denotou aspectos negativos, como tristeza e ansiedade.

REFERÊNCIAS

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• ¹⁴
  Barros MBA, Lima MG, Malta DC, Szwarcwald L, Azevedo CS, Romero D, et al. Relato de tristeza/depressão, nervosismo/ansiedade e problemas de sono na população adulta brasileira durante a pandemia de Covid-19. Epidemiol Serv Saúde. 2020;29(4):e2020427.

• 2
  Avaliado pelo processo de double blind review.

• FINANCIAMENTO

  Declaramos não haver financiamento.

Editado por

Editora-chefe: Rosiane Viana Zuza Diniz. Editora associada: Izabel Coelho.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  07 Ago 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  25 Fev 2023
• Aceito
  25 Jun 2023