Resumo
O recadastramento biométrico, considerado um custo adicional para a participação na eleição, pode representar um constrangimento no direito ao voto. Por outro lado, pode ter repercussões relevantes ao coibir a fraude nas eleições. Avaliamos o seu impacto na participação eleitoral com uma regressão de diferença em diferenças (DID), comparando municípios que aderiram antes ao recadastramento biométrico com municípios que aderiram depois ou nunca aderiram. Abordamos preocupações recentes na literatura com tratamentos escalonados e usamos métodos robustos às tendências não paralelas. Concluímos que o recadastramento biométrico foi bem-sucedido em reduzir o número de registros eleitorais sem afetar a participação de eleitores reais no processo, o que plausivelmente pode representar uma redução na quantidade de eleitores fantasmas nas eleições brasileiras.
Palavras-chave:
Eleições; Comparecimento; Participação política
Abstract
Biometric registration, being an additional cost to electoral participation, might represent a constraint on voting rights; on the other hand, it may have important effects in restraining electoral fraud. We evaluate its impact on political participation by a difference-in-differences regression, comparing municipalities that implemented the biometric registration early with those that joined later or never participated, and we correct for potential differential trends and staggered treatment. We find that biometric registration was successful in reducing (potentially fraudulent) voter registrations, without relevant effects on political participation of real voters.
Keywords:
Election; Turn-out; Enfranchisement
1. Introdução
A prevenção de fraudes no processo eleitoral é uma preocupação recorrente em democracias modernas, particularmente em países em desenvolvimento como o Brasil, onde as instituições ainda têm dificuldade em coibir a sua ocorrência. Por outro lado, a literatura em economia política mostra que o direito ao voto vai muito além do sufrágio universal formal, já que mesmo em democracias modernas eleitores mais pobres e com baixa escolaridade encontram dificuldades em participar efetivamente do processo político. Ainda mais importante, a participação política de estratos menos favorecidos tem se mostrado importante para gerar políticas públicas mais inclusivas (Cascio e Washington 2014Cascio, E. U. and E. Washington. 2014. “Valuing the vote: The redistribution of voting rights and state funds following the voting rights act of 1965.” The Quarterly Journal of Economics 129(1), 379-433.; Fujiwara 2015Fujiwara, Thomas. 2015. “Voting technology, political responsiveness, and infant health: Evidence from Brazil.” Econometrica 83(2), 423-464.; Miller 2008Miller, Grant. 2008. “Women’s suffrage, political responsiveness, and child survival in American history.” The Quarterly Journal of Economics 123(3), 1287-1327.; Naidu 2012Naidu, Suresh. 2012. “Suffrage, schooling, and sorting in the post-bellum US south.” Technical report, National Bureau of Economic Research.).
Assim, ao dificultar a participação de grupos vulneráveis, reformas que combatam fraudes exigindo ações adicionais por parte dos eleitores podem ter um efeito negativo no acesso ao voto, gerando um trade-off entre a lisura do processo e o sufrágio. Nesse sentido torna-se importante quantificar empiricamente esse dilema para que a sociedade possa escolher melhor informada o formato ótimo das instituições eleitorais.
Neste artigo, utilizamos o método de diferença em diferenças (DID) com tratamento único (comparando com o grupo de nunca tratados) e com tratamentos escalonados (Callaway e Sant’Anna 2021Callaway, B. and P. H. Sant’Anna. 2021. “Difference-in-differences with multiple time periods.” Journal of Econometrics 225(2), 200-230.). Estimamos o efeito da introdução do cadastro biométrico durante os anos de 2014 a 2018 na participação política em municípios brasileiros nas eleições entre 2002 e 2022. Analisamos a alteração no número de eleitores aptos a votar e no comparecimento eleitoral, comparando municípios afetados com os não afetados pela política. Como exercício de robustez, também utilizamos uma estimação mais crível de efeito de tratamento nos tratados que é robusta a formas específicas de tendências não-paralelas (Rambachan e Roth 2023Rambachan, A. and J. Roth. 2023. “A More Credible Approach to Parallel Trends.” The Review of Economic Studies. rdad018.).
Os resultados da regressão de diferença em diferenças para as eleições estaduais de 2018 (contra os nunca tratados) indicam uma queda de 7,4% na quantidade de eleitores aptos a votar com o recadastramento, o que corresponde a um aumento de 5 pontos percentuais na taxa de comparecimento como proporção do número de eleitores aptos. Por outro lado, não encontramos efeito algum sobre a quantidade de eleitores votantes como proporção da população total ou em número absoluto. Esse resultado é robusto ao considerar as eleições estaduais de 2014 ou municipais de 2016, além de ter o comportamento esperado em um teste de placebo.
No exercício de diferença em diferenças escalonado encontramos resultados parecidos, mas observamos além disso que o efeito se dissipa no tempo. Especificamente, para o grupo tratado antes da eleição de 2014, o recadastramento biométrico representa uma queda de 10% no número de eleitores aptos a votar naquela eleição, que se reduz a 3,7% na eleição seguinte e some em 2022. O comparecimento como proporção de eleitores aptos, de forma condizente, sobe 7.4 pontos percentuais na eleição de 2014, reduzindo para 4 p.p. e 2,8 p.p. nas eleições de 2018 e 2022, até oito e doze anos após o tratamento, respectivamente. Novamente, não encontramos efeito economicamente significante no comparecimento como proporção da população ou em números absolutos.
Em suma, pode-se argumentar que a política foi um sucesso ao reduzir a quantidade de registros eleitorais válidos, sem impedir o sufrágio eleitoral de facto das populações afetadas, o que indicaria plausivelmente que a redução se deu em eleitores fantasmas.
Sendo o método empírico uma regressão de diferença em diferenças, para identificarmos o efeito de tratamento médio nos tratados, a tendência contrafactual do grupo de tratamento, caso não houvesse sido tratado, deve ser paralela à tendência após tratamento do grupo de controle (ou seja, aquele que realmente não recebeu o tratamento durante o período). Essa hipótese (nunca testável) é conhecida como hipótese de tendências paralelas. Ela será inválida se o tratamento for correlacionado com variáveis não observáveis que se alteram no tempo, por exemplo, se municípios com tendência crescente de comparecimento fossem particularmente escolhidos para serem tratados.1 1 Um exemplo em que isso poderia ocorrer é se os municípios nos quais se previsse uma eleição mais contestada fossem alvo preferencial do recadastramento biométrico para evitar que fraudes alterassem o resultado do processo eleitoral (não encontramos evidência qualquer de que isso tenha de fato ocorrido).
Argumentamos na Seção 3 que de fato há indícios de que no início do processo, no fim dos anos 2000, a seleção de municípios para o recadastramento biométrico foi condicionada às alterações locais nas tendências de comparecimento, um indicativo possível de fraude. No entanto, no período analisado em nosso artigo, o Brasil vivenciou um processo de universalização do cadastro biométrico, sendo essas ameaças à identificação do modelo menos preocupantes. Ainda assim, e por mais que não encontremos empiricamente evidências fortes que rejeitem a hipótese de tendências paralelas, na Subseção 5.3 implementamos métodos que são robustos a algumas formas e magnitudes de violação daquela hipótese, encontrando resultados qualitativamente similares.
1.1 Fundamentação Teórica e Revisão Bibliográfica
Uma ampla literatura teórica estuda os determinantes da decisão de votar e as suas consequências no processo político. Essa literatura parte da constatação de que a chance de um eleitor individual ser pivotal, com o seu voto fazendo alguma diferença na eleição, é mínima (Feddersen 2004Feddersen, Timothy. 2004. “Rational choice theory and the paradox of not voting.” Journal of Economic Perspectives 18(1), 99-112.; Myerson 2000Myerson, Roger. 2000. “Large poisson games.” Journal of Economic Theory 94(1), 7-45.).2 2 Em ciência política, dizemos que um eleitor é pivotal se o seu voto impacta o resultado da eleição. Em eleições majoritárias, isso acontece se (e somente se) a diferença de votos entre os candidatos for no máximo um, uma ocorrência que se torna exponencialmente menos provável quanto maior for a população. Como um eleitor racional está (por suposição) apenas interessado no resultado da eleição, não há assim incentivo algum para o comparecimento, um problema que se tornou conhecido como o “paradoxo do voto”.
Essa discussão é relevante, pois o sistema eleitoral brasileiro pode ser classificado, para efeitos práticos, como sendo de voto não-obrigatório. Isso ocorre devido às brandas punições associadas ao descumprimento desse dever, bem como à facilidade relativa de justificar o não comparecimento nas eleições quando comparadas ao esforço de participação na eleição ou de comparecimento no cartório para fins de cadastro eleitoral. Uma vez que a realização do recadastramento envolve a locomoção do eleitor até o cartório ou seção de atendimento eleitoral, seguida de coleta de impressão digital, foto e assinatura do indivíduo, é plausível que ela represente um custo adicional ao qual os eleitores estão submetidos caso tenham interesse em votar. Ademais, especialmente os eleitores mais vulneráveis podem ter dificuldades em obter informações sobre a necessidade de recadastramento ou de entender as etapas envolvidas nesse processo. Dessa forma, o recadastramento pode ter levado alguns indivíduos, já indiferentes entre os custos e os benefícios associados ao ato de votar, a concluir que não fazia mais sentido participar do processo democrático (Riker e Ordeshook 1968Riker, W. H. and P. C. Ordeshook. 1968. “A theory of the calculus of voting.” American Political Science Review 62(1), 25-42.). Teorias que podem explicar a abstenção menor que a esperada em eleições majoritárias apontam a pressão social e a mobilização de grupos (Shachar e Nalebuff 1999Shachar, R. and B. Nalebuff. 1999. “Follow the leader: Theory and evidence on political participation.” American Economic Review 89(3), 525-547.; Uhlaner 1989Uhlaner, Carole. 1989. “’Relational goods and participation: Incorporating sociability into a theory of rational action.” Public choice 62(3), 253-285.), ou uma sensação de dever cívico do voto (Blais 2000Blais, André. 2000. To vote or not to vote? The merits and limits of rational choice theory. University of Pittsburgh Press.). De qualquer forma, todas estas teorias predizem que, a não ser que os custos do recadastramento sejam ínfimos ou a punição pela não atualização do cadastro seja significativa, haveria um efeito negativo no acesso efetivo no direito ao voto.
Há, todavia, outros aspectos que podem agir na direção contrária. Uma maior credibilidade do sistema eleitoral advinda do recadastramento pode fazer com que o valor cívico e de utilidade do voto aumente, assim como a pressão social e a mobilização de grupos. Dessa forma, a supressão da participação eleitoral decorrente dos custos adicionais associados ao cadastro biométrico poderia vir a ser contrabalanceada por um incentivo proveniente do aumento do desejo dos eleitores de participar do ato democrático (Franklin 1999Franklin, Mark. 1999. “Electoral engineering and cross-national turnout differences: what role for compulsory voting?” British Journal of Political Science 29(1), 205-216.; Lott 2006Lott, John. 2006. “Evidence of voter fraud and the impact that regulations to reduce fraud have on voter participation rates.” Available at SSRN 925611.). A existência de teorias com predições conflitantes torna impossível saber a priori qual é o efeito da reforma sobre o comparecimento eleitoral e motiva a nossa análise empírica.
A repercussão de leis eleitorais na participação democrática é um tópico relevante na literatura em economia política e ciência política em geral, demonstrando que barreiras não formais à participação eleitoral podem ter impactos significativos no comparecimento e na escolha de políticas públicas (Cobb, Greiner e Quinn 2010Cobb, R. V., D. J. Greiner, and K. M. Quinn. 2010. “Can voter id laws be administered in a race-neutral manner? evidence from the city of Boston in 2008.” Quarterly Journal of Political Science 7(1), 1-33.; Franklin 1999Franklin, Mark. 1999. “Electoral engineering and cross-national turnout differences: what role for compulsory voting?” British Journal of Political Science 29(1), 205-216.; Schneider 2020Schneider, R., D. Athias, and M. Bugarin. 2020. “Electronic voting and public spending: the impact of de facto enfranchisement on federal budget amendments in Brazil.” Journal of Applied Economics 23(1), 299-315.). Em um artigo seminal nessa literatura, Fujiwara (2015Fujiwara, Thomas. 2015. “Voting technology, political responsiveness, and infant health: Evidence from Brazil.” Econometrica 83(2), 423-464.) demonstrou que a introdução da urna eletrônica promoveu um aumento de fato no sufrágio eleitoral no Brasil, produzindo uma alteração dos gastos públicos na direção de políticas que favoreçam os mais pobres, como em saúde.
Para outros países, a literatura empírica tem enfatizado a importância de vários fatores na determinação da participação eleitoral, como a pressão social (DellaVigna et al. 2016DellaVigna, S., J. A. List, U. Malmendier, and G. Rao. 2016. “Voting to tell others.” The Review of Economic Studies 84(1), 143-181.), a mobilização por partidos (Huckfeldt e Sprague 1992Huckfeldt, R. and J. Sprague. 1992. “Political parties and electoral mobilization: Political structure, social structure, and the party canvass.” American Political Science Review 86(1), 70-86.), o custo de oportunidade no mercado de trabalho (Campante e Chor 2012Campante, F. R. and D. Chor. 2012. “Schooling, political participation, and the economy.” Review of Economics and Statistics 94(4), 841-859.), os custos informacionais e de deslocamento (Brady e McNulty 2011), assim como a formação de hábito (Fujiwara, Meng e Vogl 2016Fujiwara, T., K. Meng, and T. Vogl. 2016. “Habit formation in voting: Evidence from rainy elections.” American Economic Journal: Applied Economics 8(4), 160-188.).
Já em relação aos efeitos da participação política e do sufrágio na escolha de políticas públicas, a economia política prevê que um avanço no sufrágio para grupos menos favorecidos deveria alterar as políticas públicas em seu favor (Acemoglu e Robinson 2000Acemoglu, D. and J. A. Robinson. 2000. “Why did the west extend the franchise? democracy, inequality, and growth in historical perspective.” The Quarterly Journal of Economics 115(4), 1167-1199.). E ainda que a literatura não seja unânime a respeito, há ampla evidência de que isso de fato ocorre (Acemoglu et al. 2019; Aidt e Jensen 2009Aidt, T. S. and P. S. Jensen. 2009. “Tax structure, size of government, and the extension of the voting franchise in western europe, 1860-1938.” International Tax and Public Finance 16(3), 362-394.; Fujiwara 2015Fujiwara, Thomas. 2015. “Voting technology, political responsiveness, and infant health: Evidence from Brazil.” Econometrica 83(2), 423-464.; Miller 2008Miller, Grant. 2008. “Women’s suffrage, political responsiveness, and child survival in American history.” The Quarterly Journal of Economics 123(3), 1287-1327.; Naidu 2012Naidu, Suresh. 2012. “Suffrage, schooling, and sorting in the post-bellum US south.” Technical report, National Bureau of Economic Research.).3 3 Exemplos de artigos que vão na direção contrária são Hoffman, León, e Lombardi (2017) e Mulligan, Gil, e Sala-i Martin (2004). Nesse cenário, uma redução na participação eleitoral causada pelo recadastramento biométrico, especialmente se maior em grupos menos favorecidos, teria consequências relevantes (e negativas) para a definição de políticas públicas.
Nos Estados Unidos, leis de obrigatoriedade da apresentação de documentos com foto para a votação (conhecidas como voter identification laws), com o objetivo expresso de controle de fraudes, da mesma forma que o recadastramento biométrico podem ser utilizadas de maneira implícita para a limitação de acesso à participação política por parcelas específicas da população (Waldner e Lust 2018Waldner, D. and E. Lust. 2018. “Unwelcome change: Coming to terms with democratic backsliding.” Annual Review of Political Science 21, 93-113.).4 4 Vale notar que no Brasil a apresentação de documento com foto durante o voto não apenas é também necessária, como é um custo plausivelmente muito mais leve que o cadastro eleitoral com digital. E, de fato, a literatura empírica americana demonstra que a implementação de políticas desse tipo tem efeito desproporcional em minorias e famílias de baixa renda, deslocando o equilíbrio político para a direita (Barreto et al. 2019Barreto, M. A., S. Nuño, G. R. Sanchez, and H. L. Walker. 2019. “The racial implications of voter identification laws in America.” American Politics Research 47(2), 238-249.; Fraga e Miller 2022Fraga, B. L. and M. G. Miller. 2022. “Who do voter id laws keep from voting?” The Journal of Politics 84(2), 1091-1105.; Hajnal, Lajevardi e Nielson 2017Hajnal, Z., N. Lajevardi, and L. Nielson. 2017. “Voter identification laws and the suppression of minority votes.” The Journal of Politics 79(2), 363-379.).5 5 Para uma visão contrária, ver Grimmer et al. 2018.
Já em relação ao Brasil, há também uma longa literatura sobre a expansão da tecnologia de voto e como isso afetou a participação política de diferentes grupos, assim como as políticas públicas dela resultantes (Hidalgo 2012Hidalgo, Fernando. 2012. “Renovating democracy: The political consequences of election reforms in post-war Brazil.” Ph. D. thesis, UC Berkeley.; Schneider 2020Schneider, R., D. Athias, and M. Bugarin. 2020. “Electronic voting and public spending: the impact of de facto enfranchisement on federal budget amendments in Brazil.” Journal of Applied Economics 23(1), 299-315.; Schneider, Athias e Bugarin 2020; Schneider e Senters 2018).
Aqui, o trabalho mais próximo ao objetivo deste artigo é Coelho, Hott e Sakurai (2023Coelho, G. G. R., H. A. C. F. Hott, and S. N. Sakurai. 2023. “Fiscal impacts of electoral abstention: a study on the electorate biometric update in Brazilian municipalities.” Local Government Studies 0(0), 1-36.), que estudou o efeito do recadastramento biométrico, analisando o impacto da medida sobre as eleições de 2008 e 2012 em todo o Brasil. O período vivenciou o cadastramento completo de quatro unidades federativas, sendo elas Alagoas, Amapá, Distrito Federal e Sergipe. Os autores realizaram, então, uma análise de diferença em diferenças com variável instrumental correspondendo ao recadastramento biométrico, além de propensity-score matching. O grupo de tratamento inclui os municípios que realizaram o recadastramento biométrico no período de 2009 a 2012. Coelho, Hott e Sakurai (2023) conclui que o procedimento aumentou o comparecimento eleitoral entre 5,8 e 7,4 pontos percentuais, reduzindo os índices de abstenção pela metade.
Na nossa análise, ao contrário, encontramos tal aumento de participação apenas ao considerar o comparecimento como proporção de aptos (que é a medida que eles usam), resultado que advém de uma queda na quantidade de eleitores aptos a votar. A nossa contribuição em relação à tese supracitada é utilizar uma metodologia empírica mais moderna, com um método de diferença em diferenças com tratamento escalonado, e como exercício de robustez uma metodologia crível em relação à potencial existência de tendências pré-tratamento. Também, ao realizar esse exercício mais recentemente, temos a possibilidade de analisar o efeito da política em todos os estados da nação e em mais eleições.6 6 Como exposto na Seção 3, a maior parte dos municípios é tratada apenas após o término da base de dados dos autores, dificultando o seu exercício de estimação.
Ademais, o objetivo central da pesquisa é distinto, o que explica também a diferença metodológica. Coelho, Hott e Sakurai (2023Coelho, G. G. R., H. A. C. F. Hott, and S. N. Sakurai. 2023. “Fiscal impacts of electoral abstention: a study on the electorate biometric update in Brazilian municipalities.” Local Government Studies 0(0), 1-36.) busca entender o efeito de maior ou menor comparecimento eleitoral em variáveis fiscais, enquanto o nosso propósito é entender em que medida as políticas públicas de controle de fraude eleitoral podem alterar o sufrágio efetivo da população.
Assim, a nossa contribuição a essa literatura é prover evidência empírica de que tipos específicos de políticas antifraude eleitoral, ou quando elas ocorrem em cenários específicos, não necessariamente vêm acompanhadas de redução na participação eleitoral (especialmente de grupos fragilizados). Particularmente no caso brasileiro, contribuímos ao mostrar que a condução do recadastramento biométrico não teve impactos negativos na participação política, provendo subsídio para a manutenção e expansão dessa medida.
2. Ambiente Institucional
O Brasil opera em uma democracia representativa com três níveis federativos: federal, estadual e municipal. As eleições para o Executivo e Legislativo estaduais e federais ocorrem simultaneamente, enquanto as eleições municipais ocorrem separadamente no segundo ano da legislatura federal.
No Brasil, a participação nas eleições é obrigatória para indivíduos alfabetizados, entre 18 e 70 anos, conforme estabelecido na Lei nº 8.624/1993. Contudo, a punição por não comparecimento é uma multa de R$ 3,51 por turno não comparecido, uma quantia bem pequena mesmo para indivíduos de baixa renda.7 7 Esse valor representa 0,25% do salário mínimo mensal de 2023. Já a penalidade pelo não comparecimento à eleição e o não pagamento de multa ou justificativa da ausência é o cancelamento do título eleitoral.
A falta de registro eleitoral válido impossibilita a renovação do passaporte, a participação em concursos públicos, o recebimento de proventos como funcionário público, a inscrição em estabelecimento de Ensino Superior oficial, assim como a obtenção de empréstimos de autarquias e sociedades de renda mista. Mas é passível de debate até que ponto essas consequências têm efeito prático sobre a maioria da população. A conjunção desses fatores contribui para que o Brasil possua um dos menores índices de participação política dentre os países com voto obrigatório, na faixa dos 70%.
O país historicamente convive com elevado grau de fraude eleitoral (Casa Civil 2009). Durante o Império, as manipulações ocorriam principalmente em razão da ausência de critérios de reconhecimento dos eleitores (Ferreira 2001Ferreira, Manoel Rodrigues. 2001. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. Senado Federal.). Posteriormente, durante a República Velha, as adulterações foram executadas pela mão de elites locais, por meio do controle dos votos emitidos publicamente (Leal 2012Leal, Victor. 2012. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime representativo no Brasil. Companhia das Letras.). Mais recentemente, e antes da adoção do voto eletrônico, a introdução de cédulas adicionais nas urnas de forma ilegal e a interpretação enviesada pelos apuradores de voto de cédulas mal preenchidas eram os métodos de falsificação mais comuns (Tribunal Superior Eleitoral 2021).
Além disso, o Brasil sofre com índices de confiança eleitoral relativamente baixos, fato compreensível dada a sua história de manipulações ilícitas das eleições. O índice de confiança eleitoral se manteve constantemente abaixo de 40% desde o início da série histórica, em 2012 (Latin American Public Opinion Project 2022), o que plausivelmente contribui para a já citada alta abstenção no país (Power e Roberts 1995Power, T. J. and J. T. Roberts. 1995. “Compulsory voting, invalid ballots, and abstention in Brazil.” Political Research Quarterly 48(4), 795-826.).
Embora a aprovação do voto secreto tenha eliminado grande parte dessas fraudes, manteve-se o risco gerado pela distribuição indevida de títulos de eleitor ilegais (Schneider 2020Schneider, R., D. Athias, and M. Bugarin. 2020. “Electronic voting and public spending: the impact of de facto enfranchisement on federal budget amendments in Brazil.” Journal of Applied Economics 23(1), 299-315.). Para combatê-las, foi implementada na Lei nº 12.034/2009 a iniciativa de atrelar cada voto emitido a um registro biométrico único, a ser coletado por meio da realização do recadastramento biométrico.
A execução da proposta teve início no Brasil no ano de 2006, a partir do qual todas as urnas eletrônicas adquiridas foram equipadas com sensores de biometria. Em 2009, as urnas passaram a ser enviadas para municípios sujeitos à revisão ou correição das zonas eleitorais, dotados de características que evidenciam uma maior chance da existência de fraude, segundo critérios estabelecidos no artigo 92 da Lei Eleitoral de 1997, abaixo reproduzidos:
Art. 92. [...]:
I - O total de transferências de eleitores ocorridas no ano em curso seja dez por cento superior ao do ano anterior;
II - O eleitorado for superior ao dobro da população entre dez e quinze anos, somada à de idade superior a setenta anos do território daquele Município;
III - O eleitorado for superior a sessenta e cinco por cento da população projetada para aquele ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE (Brasil 1997).
O recadastramento biométrico no Brasil foi implementado com um teste inicial em 2008, nos municípios de Colorado do Oeste (RO), Fátima do Sul (MS) e São João Batista (SC). Tendo os testes sido bem-sucedidos, o recadastramento foi iniciado de fato, em 50 municípios em 2009, 15 em 2010, 208 em 2011, 21 em 2012, 398 em 2013, 0 em 2014, 715 em 2015, 44 em 2016, 1131 em 2017, 209 em 2018, 1611 em 2019 e 6 em 2020.
Em 2020, houve uma pausa no recadastramento em decorrência da pandemia da covid-19, com previsão de retorno a partir de 2023. Os municípios que já haviam sido recadastrados até esse anúncio foram operados normalmente, com o cancelamento dos títulos de indivíduos que não compareceram para o recadastramento. No entanto, eleitores dos outros municípios com previsão para realização de recadastramento em 2020 não tiveram seus títulos cancelados nem foram impedidos de votar sem a biometria. Complementarmente, eleitores em todos os municípios estão livres para realizar o recadastramento por iniciativa própria desde 2014, embora a falha em fazê-lo não os sujeite ao cancelamento do título de eleitor.
3. Dados
Obtivemos a quantidade de eleitores aptos a votar e a quantidade de votos emitidos em cada eleição no conjunto “Eleições Brasileiras”, da Base dos Dados (2022), que disponibiliza informações do Tribunal Superior Eleitoral. No presente artigo, restringimos atenção às eleições ordinárias de primeiro turno para prefeito e governador, a partir de 2002.
A data de recadastramento de cada município foi obtida na tabela “Histórico das Revisões a partir de 2008”, do Tribunal Superior Eleitoral (2023). Os municípios não mencionados foram categorizados como observações de controle nunca tratados. A população dos municípios, por sua vez, foi obtida do Censo de 2010 e considerada constante.
As observações foram agrupadas considerando todos os municípios que foram recadastrados no intervalo entre duas eleições do mesmo tipo. Assim sendo, um município que terminou o recadastramento em janeiro de 2011 apareceria como sendo parte do grupo de 2012, para eleições municipais, e de 2014, para as eleições estaduais. Aquele que terminou o recadastramento em novembro de 2014, por sua vez, apareceria no grupo de 2016, para as eleições municipais, e 2018, para as eleições estaduais. Dessa forma, para as eleições estaduais, observamos que 60 municípios foram recadastrados para as eleições de 2010, seguidos de 635 para 2014, 1976 para 2018 e 1740 para 2022. Para as eleições municipais, o tamanho dos grupos recadastrados é de 3 para 2008, 291 para 2012, 1156 para 2016 e 2961 para 2020. Em ambos os casos, existem 1026 municípios nunca tratados.
Como citado na Seção 2, o recadastramento biométrico foi paralisado após abril de 2020, devido à deterioração da pandemia da covid-19, não sendo reiniciado até a eleição de 2022. Para a análise empírica, desconsideramos as eleições de 2008 e 2010, devido à baixa quantidade de observações nelas contidas. O foco da análise foi no período de 2014-2018, por ser o intervalo com maior quantidade de variáveis tratadas para as eleições estaduais.
Na Figura 1 abaixo, apresentamos a tendência histórica do número de eleitores aptos a votar e do comparecimento eleitoral, para diferentes grupos de tratamento, ao longo de nossa amostra para todo o Brasil. A Figura 1 exibe vários fatos úteis. Ao longo das últimas duas décadas, o número de eleitores aptos a votar exibe clara tendência de aumento, assim como o comparecimento eleitoral.
Também observamos que o grupo de nunca tratados (nosso grupo de controle por excelência) é diferente em nível dos grupos tratados, sendo consideravelmente maior tanto em comparecimento quanto em número de eleitores aptos a votar. Vale adiantar que essa diferença não gera problemas para a nossa identificação. O que gerariam dificuldades são tendências temporais diferentes, o que não fica evidente no gráfico (e que será investigado de forma mais rigorosa na análise empírica).
A fim de averiguar o efeito da política, analisamos quatro variáveis dependentes de interesse: (i) o logaritmo da quantidade de eleitores aptos a votar no município; (ii) a quantidade de votos como proporção dos aptos a votar; (iii) o logaritmo da quantidade de votos emitidos nos municípios (comparecimento); e (iv) a quantidade de votos como proporção da população. Dessa forma, podemos avaliar o resultado da política de recadastramento sobre a participação política no município, tanto na dimensão de comparecimento eleitoral quanto na de número de eleitores aptos. Ademais, ao comparar a diferença do efeito no comparecimento como proporção do número de eleitores aptos a votar e como proporção da população, podemos diferenciar o efeito mecânico da eliminação de títulos de eleitores com uma redução efetiva do sufrágio.
A Tabela 1 abaixo exibe algumas estatísticas descritivas referentes aos dados utilizados. Vemos que nas eleições brasileiras analisadas, a taxa de comparecimento é relativamente alta, com média de 80% do número de eleitores aptos a votar, e 62% da população do município.8 8 Para alguns poucos municípios, o comparecimento na eleição é maior que a quantidade de habitantes calculada no Censo. Isso é possível, por exemplo, se a população cresceu entre o Censo e a realização da eleição.
4. Estratégia Empírica
O objetivo deste artigo é examinar o efeito da adoção do cadastro biométrico na participação política dos eleitores afetados, em particular na proporção de eleitores aptos a votar no município e no comparecimento eleitoral. O nosso propósito é comparar as variáveis dependentes de interesse em municípios que aderiram ao recadastramento biométrico com municípios que ainda não haviam aderido naquela eleição, ao longo do processo de adoção da biometria.
Uma comparação ingênua desse tipo utilizando uma regressão de efeitos fixos em duas dimensões tem problemas já bem estabelecidos na literatura (Borusyak, Jaravel e Spiess 2021Borusyak, K., X. Jaravel, and J. Spiess. 2021. “Revisiting event study designs: Robust and efficient estimation.” arXiv preprint arXiv:2108.12419.; Callaway e Sant’Anna 2021Callaway, B. and P. H. Sant’Anna. 2021. “Difference-in-differences with multiple time periods.” Journal of Econometrics 225(2), 200-230.; De Chaisemartin e d’Haultfoeuille 2020De Chaisemartin, C. and X. d’Haultfoeuille. 2020. “Two-way fixed effects estimators with heterogeneous treatment effects.” American Economic Review 110(9), 2964-96.). Em particular, De Chaisemartin e d’Haultfoeuille (2020) e Goodman-Bacon (2021Goodman-Bacon, Andrew. 2021. “Difference-in-differences with variation in treatment timing.” Journal of Econometrics 225(2), 254-277.) mostram que com múltiplos tratamentos em diferentes períodos, a regressão de efeitos fixos em duas dimensões captura uma média ponderada desses diferentes efeitos médios de tratamento por grupo de tratamento, mas com pesos que podem ser negativos. Esse problema de pesos negativos faz com que, por exemplo, seja possível que todas as comparações de diferença em diferenças dois a dois tenham efeitos positivos, mas que a média ponderada deles (o estimador do efeito de tratamento médio) não seja.
Para lidar com essas dificuldades utilizamos duas estratégias. Primeiro, para os municípios tratados nos quatro anos antes das eleições de 2014 e 2018,9 9 Como estamos analisando eleições e separando-as entre estaduais e municipais, a nossa unidade básica de tempo é o período entre cada eleição (quatro anos). no caso das eleições estaduais, e da eleição de 2016, no caso das eleições municipais (estas são as eleições com maior número de unidades tratadas), comparamos estes municípios (grupo de tratamento) com municípios que nunca foram tratados até 2022, em um estimador de diferença em diferenças com apenas uma intervenção.10 10 A regressão de efeitos fixos em duas dimensões não encontra dificuldades quando analisando apenas uma intervenção e comparando com unidades nunca tratadas (Callaway e Sant’Anna 2021). Segundo, utilizamos o método de estimação de diferença em diferenças com tratamentos escalonados de Callaway e Sant’Anna (2021Callaway, B. and P. H. Sant’Anna. 2021. “Difference-in-differences with multiple time periods.” Journal of Econometrics 225(2), 200-230.).
No primeiro caso, estimamos o seguinte modelo:
no qual é o nosso resultado de interesse (medidas da quantidade de eleitores aptos a votar e comparecimento), j representa o município e t a eleição. Assim, a regressão envolve efeitos fixos de município e efeitos fixos de eleição (ou seja, é um modelo de diferença em diferenças estimado por uma regressão de efeitos fixos em duas dimensões). O coeficiente de interesse aqui é então β, que determina o efeito de tratamento médio nos tratados (ATT) do recadastramento biométrico. Nesta regressão, estamos comparando um grupo de tratamento em cada estimação (2014 e 2018, para eleições estaduais, e 2016, para eleições municipais), sempre contra o grupo nunca tratado (durante o período de nossa amostra, isto é, até a eleição de 2022).
Também estimamos uma versão dinâmica desse modelo para o tratamento em 2018:11 11 O tratamento em 2018 foi escolhido como benchmark para o artigo por ter o maior número de unidades tratadas dentre as eleições que permitem tendências pós-tratamento. Mas os resultados são quantitativamente similares para todos os grupos. Ver Tabela 2.
O objetivo aqui é analisar como evoluem as tendências pré-tratamento e pós-tratamento entre os grupos de tratados e controle. Para evitar singularidade da matriz de covariadas, a eleição de 2014 foi definida como base, tal que .
Embora a análise de diferença em diferenças contra o grupo de nunca tratados seja sempre bem identificada, ela ignora a informação contida na comparação entre grupos tratados em momentos diferentes. Para utilizarmos essa informação de forma correta, entretanto, não podemos mais simplesmente estimar um modelo de efeitos fixos em duas dimensões. Utilizamos então o método de Callaway e Sant’Anna (2021Callaway, B. and P. H. Sant’Anna. 2021. “Difference-in-differences with multiple time periods.” Journal of Econometrics 225(2), 200-230.), definindo como objeto de interesse o group-time average treatment effect:
onde é o resultado de um indivíduo no período quando ele é tratado e quando não é tratado, e a esperança é tomada condicional ao indivíduo fazer parte do grupo .
Nesse arcabouço, o objeto final de interesse, o efeito de tratamento médio nos tratados, ATT, se apresenta como uma média ponderada dos tratamentos médios em cada grupo e tempo, isto é,, onde são os grupos de tratamento, os períodos de tratamento e uma função de pesos. Como é bem sabido, o ATT calculado pelo estimador de efeitos fixos de duas dimensões gera pesos com pouca interpretação causal, e em particular, potencialmente negativos (Goodman-Bacon 2021Goodman-Bacon, Andrew. 2021. “Difference-in-differences with variation in treatment timing.” Journal of Econometrics 225(2), 254-277.; Sun e Abraham 2021Sun, L. and S. Abraham. 2021. “Estimating dynamic treatment effects in event studies with heterogeneous treatment effects.” Journal of Econometrics 225(2), 175-199.). Neste artigo, foram utilizados os pesos de agregação desses efeitos médios de tratamento por grupo e tempo propostos por Callaway e Sant’Anna (2021Callaway, B. and P. H. Sant’Anna. 2021. “Difference-in-differences with multiple time periods.” Journal of Econometrics 225(2), 200-230.).
Um último comentário em relação ao nível de cluster dos erros-padrões. Na primeira estratégia empírica, na Subseção 5.1, estimamos o erro-padrão do estimador permitindo correlação intragrupo ao nível do estado da federação e eleição. Como eleições estaduais (nosso principal objeto de interesse) têm os mesmos candidatos concorrendo em diferentes municípios do mesmo estado, isso pode gerar correlação dos erros ao nível estadual. Fora isso, há uma preocupação de autocorrelação espacial dos resíduos. Ambos os argumentos apontam para cluster a nível do estado ser uma alternativa mais robusta de estimação. Por outro lado, entretanto, como temos apenas 26 grupos (estados), este agrupamento é demandante em termos de inferência (alta variância), e quando dividimos em grupos e agregamos diferentes tratamentos em subgrupos, na Subseção 5.2, utilizamos agrupamento ao nível de município e eleição, obtendo variância menor do estimador ao custo de menor robustez.
5. Resultados
Como apresentado na Seção 4, implementamos duas estratégias empíricas para a análise do impacto do recadastramento biométrico nos resultados eleitorais. A primeira é uma regressão de diferença em diferenças com um grupo de tratamento versus o grupo nunca tratado. Como discutido, esta estratégia sempre identifica um efeito de tratamento médio sobre os tratados. A segunda estratégia é uma regressão de diferença em diferenças com tratamento escalonado, utilizando o método de Callaway e Sant’Anna (2021Callaway, B. and P. H. Sant’Anna. 2021. “Difference-in-differences with multiple time periods.” Journal of Econometrics 225(2), 200-230.).
Como veremos, e de forma bastante animadora, os resultados encontrados em todas as diversas estratégias empíricas e especificações são sempre muito similares, tanto qualitativamente quanto quantitativamente.
5.1. Diferença em diferenças por grupo de tratamento
O primeiro exercício, como citado anteriormente, é a comparação de grupos de tratamento (2014, 2016, e 2018) com o grupo nunca tratado. Vale ressaltar que utilizamos em cada especificação todas as eleições, entre 2002 e 2022, que sejam do tipo de eleição sendo considerada (estadual ou municipal). A data de tratamento se refere, ao contrário, à data do recadastramento biométrico naquele município. Os resultados deste exercício estão exibidos na Tabela 2, abaixo.
Como descrito na Seção 3, as nossas variáveis dependentes são o logaritmo natural do número de eleitores aptos a votar (coluna 1), o comparecimento eleitoral como proporção do número de eleitores aptos (coluna 2), o comparecimento eleitoral como proporção da população em 2010 (coluna 3) e o logaritmo do comparecimento eleitoral (coluna 4).
No Painel A, analisamos o nosso benchmark, que é o efeito de tratamento médio nos municípios tratados antes da eleição de 2018.12 12 Como previamente citado, a eleição de 2018 é o benchmark deste artigo por conter o maior número de unidades tratadas, descontando as eleições demasiadamente recentes. Observamos que o número de eleitores aptos a votar cai 6% (coluna 1).13 13 Como ser do grupo tratado pós-tratamento adiciona -0,062 no logaritmo natural do número de eleitores aptos a votar, isso é equivalente a multiplicar este número por e −0.062 = 0.939. Isso resulta em um aumento de 5 pontos percentuais na taxa de comparecimento como proporção do número de eleitores aptos (já que o denominador diminuiu), o que pode ser visto na coluna 2.
Mas esse efeito poderia conter uma redução no sufrágio efetivo de eleitores reais, que deixariam de se registrar para o voto.14 14 Também seria possível, ainda que talvez menos provável, que o recadastramento biométrico aumentasse a participação eleitoral, ao aumentar a confiança no sistema. Isso porque o voto gera um benefício baixo (há uma chance pequena do eleitor ser pivotal), e agora ele envolveria um custo adicional significativo advindo do recadastramento. Esse efeito é investigado nas colunas 3 e 4.
A coluna 3 analisa o efeito sobre o comparecimento como proporção da população (no Censo de 2010), sendo uma medida do efeito do recadastramento na participação eleitoral desconsiderando o seu efeito sobre o número de aptos a votar. Aqui, o efeito é tanto econômico quanto estatisticamente insignificante, indicando que todo o efeito do tratamento sobre o comparecimento como proporção dos aptos na coluna 2 advém da redução no número de aptos. A análise do log do comparecimento eleitoral, na coluna 4, fornece resultados similares e corrobora essa conclusão.
No Painel B, realizamos o mesmo exercício para municípios tratados antes da eleição de 2014, encontrando resultados qualitativamente similares, ainda que um pouco menores: uma queda de 4,4% no número de eleitores aptos, que se reflete em um crescimento de 3,9 pontos percentuais na taxa de comparecimento como proporção dos eleitores aptos, mas ainda sem efeito algum em medidas absolutas de comparecimento ou proporcionais à população.15 15 Nesta tabela, a redução na quantidade de unidades tratadas gera um aumento no desvio-padrão do estimador, que faz com que os resultados sejam, ainda que numericamente parecidos, estatisticamente menos significantes. Aqui vale ressaltar que o uso de cluster ao nível de estado da federação (26 grupos) é bastante demandante em termos da nossa inferência.
No Painel C, analisamos não mais eleições estaduais, mas municipais. Preferimos especificações com eleições estaduais, em que diferentes municípios votam sobre os mesmos candidatos, reduzindo o ruído da regressão. Ainda assim, nas eleições municipais encontramos resultados quase idênticos. O número de eleitores aptos a votar diminui 4,7%, gerando uma elevação de 5,9 pontos percentuais no comparecimento de eleitores aptos, ainda que o comparecimento em si não tenha se alterado de forma estatisticamente significante.16 16 Ao contrário dos painéis A e B, em que o efeito sobre comparecimento tem estimativa muito próxima de zero, nesta regressão, este efeito já é economicamente razoável. O comparecimento como proporção da população, por exemplo, tem estimativa de cerca de 1/4 do tamanho do comparecimento como proporção dos aptos. Não obstante, a falta de robustez desse resultado em outras regressões, somada ao fato da estatística não ser significante nem a 10%, nos levam a crer que esse valor relativamente alto ocorre por chance. O fato dos resultados encontrados serem bastante similares, mesmo alterando ao longo dos painéis o tipo de eleição e os grupos de tratamento, nos dá confiança da boa identificação do nosso exercício empírico.
Finalmente, no Painel D, realizamos um teste de placebo, em que estimamos o efeito de ser tratado entre 2014 e 2018 no comparecimento e no número de eleitores aptos nas eleições de 2010 e 2014 (versus as eleições de 2002 e 2006). Como esperado, dado que as unidades do “grupo de tratamento” não foram efetivamente tratadas, as estimativas são todas pequenas e estatisticamente insignificantes.17 17 Naturalmente, tal exercício nos obriga a descartar 1/3 de nossas observações (duas eleições em seis), o que reduz a precisão de nossas estimativas. Mas note que por usarmos o grupo com maior número de unidades tratadas, o Painel D tem mais observações que o Painel C, e quase o mesmo número do Painel B. Esse exercício é importante, pois nos dá maior confiança de que nossa estratégia empírica não está capturando algum tipo de efeito espúrio.
Como citado na Seção 4, para os municípios tratados entre as eleições de 2014 e 2018, e em relação a eleições estaduais, realizamos também a regressão de diferença em diferenças dinâmica, estimando coeficientes de 2002 a 2010 (pré-tratamento), e de 2018 a 2022 (pós-tratamento, apontando efeitos dinâmicos).18 18 O coeficiente para 2014 é normalizado para zero, para evitar colinearidade perfeita. Apresentamos esses coeficientes βτ estimados da Regressão 2, na Figura 2, abaixo.
Para o efeito do recadastramento biométrico no logaritmo natural do número de eleitores aptos a votar, Painel A, observamos antes do tratamento estimativas bem centradas no zero, e com intervalos de confiança (de 95%) sempre interceptando a abscissa. Já no pós-tratamento, são altamente significantes, tanto econômica quanto estatisticamente. De fato, encontramos uma queda de 8,2% no número de eleitores aptos a votar no primeiro período após o tratamento, queda que se reduz para 4,1% na eleição subsequente, mas ainda assim é altamente significante.
Já para o comparecimento como proporção do número de eleitores aptos, no Painel C, os pequenos intervalos de confiança rejeitam a hipótese de tendências não paralelas (pré-tratamento), a nível de 5%, em 2002, e 10%, em 2010. Mas vale ressaltar que essas diferenças são quantitativamente bem pequenas (voltaremos a esse ponto na Subseção 5.3.). Ao contrário, vemos um aumento substancial pós-tratamento de 7,6 pontos percentuais no comparecimento como proporção dos aptos (decorrente de uma queda no denominador), um efeito de quase 10% da média de comparecimento dos eleitores aptos nas eleições no período. Ainda assim, e de forma inteiramente congruente com a dinâmica do número de eleitores aptos, esse efeito cai para 3,6 pontos percentuais no período seguinte.
Finalmente, os efeitos dinâmicos dos tratamentos no logaritmo do comparecimento eleitoral, no Painel B, e no comparecimento como proporção da população, no Painel D, são regressões que, na Tabela 2, têm coeficientes quase nulos e estatisticamente não significantes. Coerentemente com aquele resultado, a regressão de diferença em diferenças dinâmica exibe efeitos quantitativamente pequenos e cujos intervalos de confiança de 95% frequentemente interceptam o zero, tanto antes quanto depois do tratamento.19 19 Ainda que estatisticamente o Painel D aponte um efeito positivo e estatisticamente significante do recadastramento biométrico no comparecimento como proporção da população, esse efeito é estimado em 0,6 pontos percentuais, menos que 1% da média da variável dependente. (Ver Tabela 1).
Vale ressaltar que nos painéis B e D os resultados não apontam clara diferença entre antes e depois do tratamento, exatamente porque não há efeito claramente discernível a ser identificado.20 20 Colocamos os gráficos dos painéis A e B, que estão em logaritmo, e dos painéis C e D, que são proporções, na mesma escala, para ressaltar a diferença de magnitude das estimativas. (Isto é, argumentamos que o efeito de tratamento sobre comparecimento em termos absolutos ou proporcionais à população é nulo.) Ainda assim, o fato de haver estimativas estatisticamente significantes (ao menos a 95%) no pré-tratamento, em algumas especificações, gera preocupação a respeito da identificação do modelo de diferença em diferenças frente às possíveis tendências não paralelas. Abordaremos essa preocupação em um exercício de robustez na Subseção 5.3.
Efeitos dinâmicos de diferença em diferenças para a adoção do cadastro biométrico na eleição de 2018
5.2. Diferença em diferenças escalonado
A segunda estratégia empírica que utilizamos é a regressão de diferença em diferenças com tratamento escalonado, utilizando o método proposto por Callaway and Sant’Anna (2021Callaway, B. and P. H. Sant’Anna. 2021. “Difference-in-differences with multiple time periods.” Journal of Econometrics 225(2), 200-230.), e restringindo a análise às eleições estaduais. Consideramos os grupos de tratamento de 2014, 2018 e 2022 conjuntamente.21 21 Embora o recadastramento tenha começado em 2008, poucos municípios o haviam realizado até a eleição de 2010, e preferimos desconsiderar este grupo. (Ver Seção 3).
Na Figura 3, apresentamos o efeito estimado da diferença entre grupo de tratamento e controle antes (em vermelho e círculos) e depois (em azul e triângulos) do cadastro biométrico, estimado separadamente por grupo de tratamento escalonado (group-time average treatment effect).
Diferenças entre tratamento e controle antes e depois do recadastramento para cada grupo de tratamento
Encontramos resultados bastante similares aos encontrados no primeiro exercício, apenas com impactos um pouco mais expressivos. Para o grupo de tratamento em 2014, há uma queda de 10% no número de eleitores aptos na primeira eleição de tratamento, que cai para 3,7%, em 2018, e desaparece duas eleições depois. Já o comparecimento como proporção dos aptos sobe 7,4 pontos percentuais na primeira eleição, 4 p.p. na segunda, mantendo ainda um efeito de 2,8 p.p. três eleições (até doze anos) após a intervenção.
O efeito é bastante parecido para o grupo de 2018, com aumentos no comparecimento como proporção de aptos de 8 pontos percentuais naquela eleição e 4,3 p.p. quatro anos depois, resultado de uma queda de 8,9% no número de eleitores aptos logo após o tratamento e 3,7% na eleição seguinte. De resto, como antes, não observamos nenhum efeito discernível no logaritmo do comparecimento ou na sua quantidade como proporção da população municipal.22 22 Trazemos atenção ao fato de que, ao contrário da Figura 2, fizemos o cluster dos erros-padrão apenas a nível de município (e eleição), e não a nível do estado da federação, o que leva a intervalos de confiança significativamente menores.
O efeito de tratamento médio nos tratados, objeto de interesse deste artigo, será então uma média ponderada desses efeitos de tratamento para cada grupo e período. Ao calculá-lo, encontramos uma queda de 3,8% a 4,6% no número de eleitores aptos a votar, o que gera um aumento de 4,3 a 4,6 pontos percentuais no comparecimento (intervalos de confiança a 95%). O ATT para comparecimento como proporção da população é estimado entre 0,5 e 1,1 pontos percentuais, e sobre o comparecimento em número absoluto entre 0,9% e 1,8% (novamente, intervalos de confiança de 95%).
Mas, talvez, seja mais interessante calcular o efeito ao longo do tempo depois do tratamento.23 23 Por exemplo, a média simples acima dá sobrepeso a unidades tratadas mais cedo no tempo, já que as observamos mais vezes no grupo de tratamento. Esse efeito médio dinâmico, ponderando o efeito do tratamento entre grupos e ao longo do tempo pelo tamanho de cada grupo naquele momento, é exposto na Figura 4, abaixo.
A Figura 4 corrobora e conclui os resultados de todos os exercícios anteriores. O efeito de tratamento médio nos municípios tratados da adoção do recadastramento biométrico é identificado, então, como sendo uma redução significativa no número de eleitores aptos a votar, de 5%, mas que parece cair com o tempo, reduzindo-se a 3,7% na eleição seguinte e a um efeito nulo 8 anos depois.24 24 Note que, na Figura 4, o efeito de tratamento médio nos tratados para o período duas eleições após o tratamento tem desvio-padrão sempre muito maior, pois apenas pode utilizar os dados do grupo tratado em 2014, enquanto os outros períodos usam ambos os grupos de tratamento.
Essa queda no número de eleitores aptos a votar tem um efeito mecânico de aumentar o comparecimento como proporção de eleitores aptos, ao reduzir o denominador, mas não encontramos em nenhuma de nossas especificações evidência forte de efeito economicamente significante sobre o comparecimento em termos absolutos ou como proporção da população. Muito pelo contrário, na Figura 4, os efeitos nos painéis B e D são sempre quantitativamente pequenos e seguem de forma similar as tendências pré-tratamento.
Assim, ainda que não seja possível rejeitar a possibilidade de um efeito positivo do recadastramento biométrico no comparecimento eleitoral nesse exercício (embora não tenha sido encontrada evidência alguma nesse sentido no exercício anterior), podemos afirmar que ele é no máximo de pequena magnitude.
Ademais, como nesse exercício estimamos a variância de nossos estimadores permitindo correlação apenas entre observações no mesmo município, algumas estimativas para coeficientes de efeito pré-tratamento são significativas. Por mais que não acreditemos que esse fato sinaliza uma violação da hipótese de tendências paralelas em nosso cenário, dados os resultados da subseção anterior, isso motiva o uso de métodos robustos a desvios nas tendências paralelas, que realizamos como exercício de robustez na Subseção 5.3, a seguir.
5.3. Teste de robustez a violações da hipótese de tendências paralelas
Nesta subseção, apresentamos como teste de robustez uma análise de diferença em diferenças, tal como o benchmark da Subseção 5.1, mas honesta em relação a potenciais falhas na hipótese de tendências paralelas. Para isso, utilizamos o método proposto por Rambachan e Roth (2023Rambachan, A. and J. Roth. 2023. “A More Credible Approach to Parallel Trends.” The Review of Economic Studies. rdad018.).
Como discutido anteriormente, não acreditamos que os resultados encontrados apontem para uma falha nas tendências paralelas em nosso exercício empírico. Embora ao assumir cluster dos erros-padrões ao nível de município os coeficientes pré-tratamento sejam estatisticamente significativos, eles são sempre pequenos em magnitude, especialmente comparados aos resultados encontrados pós-tratamento. Ademais, como vimos na Subseção 5.1, as estimativas para o pré-tratamento deixam de ser estatisticamente significantes quando permitimos autocorrelação dentro do mesmo estado da federação (enquanto os nossos resultados principais ainda o são). Não obstante, o fato de que em alguns momentos obtivemos efeitos significativos anteriores ao tratamento reforça a importância da questão de quão robusta é a nossa análise ante uma violação da hipótese de tendências paralelas.25 25 Vale notar que tendências paralelas não são uma hipótese testável empiricamente. Assim, mesmo que as tendências paralelas não sejam rejeitadas nos dados pré-tratamento, potenciais desvios no contrafactual não podem ser descartados. Por essa razão, Rambachan and Roth (2023) chamam essa abordagem de mais crível ou honesta.
Para formalizar esse argumento, estimamos o efeito de tratamento médio nos tratados por um modelo de diferença em diferenças, estimado com uma regressão de efeitos fixos em duas dimensões, mas sob a hipótese de identificação de que a tendência contrafactual do grupo de tratamento, caso não houvesse sido tratado, e do grupo de controle não diferem demasiadamente das diferenças entre tratamento e controle observadas antes do tratamento (ao contrário do estimador de diferença em diferenças usual, que assume que a tendência contrafactual do grupo de tratamento, se não houvesse sido tratado, e a tendência do grupo de controle são exatamente iguais.) Assim, utilizamos uma abordagem mais crível de identificação em conjunto que, ao invés de fazer hipóteses fortes sobre a tendência contrafactual do grupo de tratamento em relação ao controle, é mais conservadora ao impor apenas limites na forma e extensão em que elas podem diferir uma da outra (Rambachan e Roth 2023Rambachan, A. and J. Roth. 2023. “A More Credible Approach to Parallel Trends.” The Review of Economic Studies. rdad018.).
Em particular, assumimos que os parâmetros βτ, da Equação 2, são da forma:
na qual τ post é o efeito de tratamento médio nos tratados e δ são as tendências diferentes entre tratamento e controle (não relacionadas ao tratamento). Rambachan e Roth (2023Rambachan, A. and J. Roth. 2023. “A More Credible Approach to Parallel Trends.” The Review of Economic Studies. rdad018.) mostram que podemos assumir apenas que δ pre , δ post ∆, ou seja, que apenas pertencem a um conjunto em comum ∆, sem restringir que sejam iguais entre si e iguais a zero.
Neste artigo, utilizamos a forma mais simples de robustez a tendências não paralelas, assumindo apenas que as assimetrias pós-tratamento entre o grupo de controle e o grupo de tratamento, caso ele não houvesse sido tratado, δ post , não diferem mais de vezes a diferença observada empiricamente pré-tratamento (δ pre ).26 26 Note que, como a diferença entre grupo de tratamento e controle no pós-tratamento é δ post + τ post , então a diferença de tendências relevante à hipótese de tendências paralelas (δ post ) é a diferença contrafactual (e, portanto, nunca testável) entre o grupo de controle e o grupo de tratamento, se este não houvesse sido tratado (isto é, com τ post = 0). Especificamente, assumimos que eles pertencem a ∆RM tal que:
Isto é, permitimos que as tendências pós-tratamento entre o grupo de tratamento (contrafactual) e o grupo de controle difiram, mas não excedendo vezes o máximo que foi observado no período pré-tratamento.
Esta estimação está exposta na Figura 5 (acima), na qual é exibido o intervalo de confiança de 95% para o estimador crível, que identifica em conjunto o efeito de tratamento médio nos tratados, dada uma tendência contrafactual no máximo vezes maior que a observada no pré-tratamento. A primeira estimativa, em azul, representa a estimativa usual de diferença em diferenças, que assume que = 0 (isto é, para todo maior que zero, , ou seja, a hipótese de tendências paralelas vale exatamente), e cada intervalo em vermelho representa desvios de maior magnitude (em termos de em relação à hipótese de tendências paralelas.
Essa análise de identificação em conjunto apenas reforça a nossa observação visual da Figura 2: no Painel A, como o efeito sobre o número de eleitores aptos a votar não possui tendências pré-tratamento, o estimador robusto é quase exatamente igual ao de diferença em diferenças, variando apenas para altos (e sempre altamente significativo). Assim como no Painel C, no qual o efeito sobre o comparecimento como proporção de aptos é econômico e estatisticamente significativo, mesmo a valores bastante conservadores de , como consequência do efeito de tratamento extremo em relação à tendência pré-tratamento observada.27 27 No caso do Painel (c), os intervalos de confiança aumentam significativamente na medida que aumentamos M¯, já que há evidências contra a hipótese de tendências paralelas, ao contrário do Painel A. (Ver Figura 2).
Por outro lado, nos painéis B e D, por mais que a análise com cluster por municípios gere coeficientes estatisticamente significantes para o logaritmo do comparecimento e o comparecimento como proporção da população (ainda que quantitativamente pequenos, como discutido anteriormente), vemos que esses resultados não são mais significantes a 95%, dada a possibilidade de tendências não paralelas no pós-tratamento que sejam de magnitude igual ao observado antes do tratamento (isto é, = 1).
6. Conclusão
Neste artigo, analisamos a adoção do recadastramento biométrico no comportamento dos eleitores, estimando o seu efeito sobre o número de eleitores aptos a votar e no comparecimento eleitoral. Encontramos um efeito forte e robusto de redução no número de eleitores aptos, no montante de 7,4% em nossa especificação favorita. Esse é um efeito bastante relevante, já que reduz em quase um décimo o número de eleitores cadastrados no município. Observamos, entretanto, que esse efeito se dissipa no tempo, caindo pela metade já na próxima eleição.
Por outro lado, e igualmente importante, não encontramos em qualquer estratégia empírica ou especificação evidência alguma de redução no comparecimento eleitoral,28 28 Em algumas especificações, há evidências de efeitos positivos sobre o comparecimento, como discutido adiante. seja em valor absoluto (logaritmo), seja em proporção da população municipal. Isso indica que ou essa redução no número de eleitores aptos se deu inteiramente por uma eliminação de eleitores fantasmas (seja por fraude, eleitores já falecidos, emigrantes, dentre outras causas possíveis), ou a eliminação de eleitores dissuadidos a participar do processo eleitoral foi inteiramente compensada pela maior participação de outros, que tiveram um aumento em seu sentimento de dever cívico, utilidade do voto ou pressão social, decorrente de uma maior credibilidade do processo eleitoral.29 29 Vale notar que o fato da redução no número de eleitores aptos a votar se dissipar no tempo tende a ir contrário à tese de que seriam eleitores fantasmas. Os resultados da Subseção 5.3, honestos aos desvios na hipótese de tendências paralelas, corroboram as conclusões centrais deste artigo.
Por outro lado, em algumas especificações encontramos resultados positivos do recadastramento em comparecimento eleitoral em logaritmo ou como proporção da população. A nossa visão é que estes resultados são: (i) quantitativamente pequenos, sendo no máximo um efeito economicamente insignificante, mesmo que aceitemos ser positivo; (ii) não são robustos, tanto a diferentes formas de estimação da matriz de variância do estimador, quanto a desvios da hipótese de tendências paralelas. Assim, embora não possamos rejeitar um efeito positivo do recadastramento no comparecimento eleitoral, podemos afirmar que ele é no máximo quantitativamente pequeno.
Em relação à literatura prévia, o nosso artigo vai de encontro à maior parte dos achados anteriores. Como descrito na Introdução, a literatura em economia política enfatiza que barreiras não formais à participação eleitoral como as voter id laws podem ter efeitos importantes no sufrágio efetivo. Se um custo plausivelmente muito mais significativo, como a necessidade de recadastramento biométrico no Brasil, não tem efeitos relevantes no comparecimento eleitoral, é importante entender que especificidades do caso americano fazem com que a necessidade de porte de identidade com foto gere efeitos tão deletérios na participação política. Conjecturamos que pode ser uma diferença na cultura do voto, a não obrigatoriedade do mesmo naquele país30 30 Embora, como discutido na Seção 2, no Brasil a obrigatoriedade do voto tenha um caráter muito mais de jure que de facto. ou a forma como as medidas costumam ser apresentadas no debate público.30
De qualquer forma, em termos de avaliação de políticas públicas, é possível dizer que o recadastramento biométrico no Brasil foi eficaz em seus propósitos, ao reduzir o número de eleitores aptos a votar. Com efeito, uma forma historicamente importante de fraude eleitoral são “eleitores fantasmas”, registros eleitorais fabricados ou de pessoas não mais aptas a votar que não são devidamente cancelados e que podem ser utilizados para que o fraudante emita mais de um voto. Nesse sentido, uma política que reduza o número de eleitores registrados reduz o escopo para esse tipo de fraude, aumentando a segurança do processo eleitoral.
Também parece ter sido uma política eficiente, e de bom resultado em termos de bem-estar, já que não encontramos evidência qualquer de um impacto negativo da política naquela que seria a principal preocupação: a participação política. Ainda assim, é claro que uma avaliação completa do impacto em bem-estar da política teria que quantificar os custos privados de deslocamento e de oportunidade da realização do recadastramento biométrico e comparar com os ganhos públicos de um processo eleitoral mais confiável.
Contribuições significativas poderão ser dadas por pesquisas futuras que investiguem o efeito da adoção do cadastro biométrico nas características dos políticos eleitos e nas políticas públicas implementadas pelos representantes escolhidos. Esse tipo de pesquisa também seria útil ao identificar se há alguma alteração na composição do eleitorado advinda dessa política. Fora a sua importância intrínseca, essa resposta ajudaria a discernir entre os dois motivos possíveis para o efeito nulo do recadastramento no comparecimento descrito no parágrafo anterior.
Também seria interessante melhor discriminar em que medida essa redução no número de eleitores aptos a votar se reverteu de fato na redução de casos de fraude eleitoral, o que foge ao escopo deste estudo. Finalmente, como citado acima, encontramos evidências iniciais de que a redução no número de eleitores aptos decai com o tempo. Entender esse fenômeno, o que ele implica e quais as suas razões seria outro caminho interessante para a pesquisa futura.
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Agradecemos a dois pareceristas pelos ótimos comentários, que melhoram muito o texto.Também agradecemos aos editores responsáveis pelas várias e ótimas sugestões. Este artigo é uma versão consideravelmente expandida da monografia de conclusão de curso de Pedro Rodrigues, " O efeito do recadastramento biométrico sobre as eleições brasileiras", que conquistou o 3º lugar no Prêmio de Monografias do Departamento de Economia da FEA/USP em 2022. Agradecemos aos financiadores do prêmio.
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JEL Classification
D72; D7; C23.
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1
Um exemplo em que isso poderia ocorrer é se os municípios nos quais se previsse uma eleição mais contestada fossem alvo preferencial do recadastramento biométrico para evitar que fraudes alterassem o resultado do processo eleitoral (não encontramos evidência qualquer de que isso tenha de fato ocorrido).
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2
Em ciência política, dizemos que um eleitor é pivotal se o seu voto impacta o resultado da eleição. Em eleições majoritárias, isso acontece se (e somente se) a diferença de votos entre os candidatos for no máximo um, uma ocorrência que se torna exponencialmente menos provável quanto maior for a população.
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3
Exemplos de artigos que vão na direção contrária são Hoffman, León, e Lombardi (2017Hoffman, M., G. León, and M. Lombardi. 2017. “Compulsory voting, turnout, and government spending: Evidence from Austria.” Journal of Public Economics 145, 103-115.) e Mulligan, Gil, e Sala-i Martin (2004Mulligan, C. B., R. Gil, and X. Sala-i Martin. 2004. “Do democracies have different public policies than nondemocracies?” Journal of Economic Perspectives 18(1), 51-74.).
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4
Vale notar que no Brasil a apresentação de documento com foto durante o voto não apenas é também necessária, como é um custo plausivelmente muito mais leve que o cadastro eleitoral com digital.
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5
Para uma visão contrária, ver Grimmer et al. 2018Grimmer, J., E. Hersh, M. Meredith, J. Mummolo, and C. Nall. 2018. “Obstacles to estimating voter id laws’ effect on turnout.” The Journal of Politics 80(3), 1045-1051..
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6
Como exposto na Seção 3, a maior parte dos municípios é tratada apenas após o término da base de dados dos autores, dificultando o seu exercício de estimação.
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7
Esse valor representa 0,25% do salário mínimo mensal de 2023.
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8
Para alguns poucos municípios, o comparecimento na eleição é maior que a quantidade de habitantes calculada no Censo. Isso é possível, por exemplo, se a população cresceu entre o Censo e a realização da eleição.
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9
Como estamos analisando eleições e separando-as entre estaduais e municipais, a nossa unidade básica de tempo é o período entre cada eleição (quatro anos).
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10
A regressão de efeitos fixos em duas dimensões não encontra dificuldades quando analisando apenas uma intervenção e comparando com unidades nunca tratadas (Callaway e Sant’Anna 2021Callaway, B. and P. H. Sant’Anna. 2021. “Difference-in-differences with multiple time periods.” Journal of Econometrics 225(2), 200-230.).
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11
O tratamento em 2018 foi escolhido como benchmark para o artigo por ter o maior número de unidades tratadas dentre as eleições que permitem tendências pós-tratamento. Mas os resultados são quantitativamente similares para todos os grupos. Ver Tabela 2.
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12
Como previamente citado, a eleição de 2018 é o benchmark deste artigo por conter o maior número de unidades tratadas, descontando as eleições demasiadamente recentes.
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13
Como ser do grupo tratado pós-tratamento adiciona -0,062 no logaritmo natural do número de eleitores aptos a votar, isso é equivalente a multiplicar este número por e −0.062 = 0.939.
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14
Também seria possível, ainda que talvez menos provável, que o recadastramento biométrico aumentasse a participação eleitoral, ao aumentar a confiança no sistema.
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15
Nesta tabela, a redução na quantidade de unidades tratadas gera um aumento no desvio-padrão do estimador, que faz com que os resultados sejam, ainda que numericamente parecidos, estatisticamente menos significantes. Aqui vale ressaltar que o uso de cluster ao nível de estado da federação (26 grupos) é bastante demandante em termos da nossa inferência.
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16
Ao contrário dos painéis A e B, em que o efeito sobre comparecimento tem estimativa muito próxima de zero, nesta regressão, este efeito já é economicamente razoável. O comparecimento como proporção da população, por exemplo, tem estimativa de cerca de 1/4 do tamanho do comparecimento como proporção dos aptos. Não obstante, a falta de robustez desse resultado em outras regressões, somada ao fato da estatística não ser significante nem a 10%, nos levam a crer que esse valor relativamente alto ocorre por chance.
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17
Naturalmente, tal exercício nos obriga a descartar 1/3 de nossas observações (duas eleições em seis), o que reduz a precisão de nossas estimativas. Mas note que por usarmos o grupo com maior número de unidades tratadas, o Painel D tem mais observações que o Painel C, e quase o mesmo número do Painel B.
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18
O coeficiente para 2014 é normalizado para zero, para evitar colinearidade perfeita.
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19
Ainda que estatisticamente o Painel D aponte um efeito positivo e estatisticamente significante do recadastramento biométrico no comparecimento como proporção da população, esse efeito é estimado em 0,6 pontos percentuais, menos que 1% da média da variável dependente. (Ver Tabela 1).
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20
Colocamos os gráficos dos painéis A e B, que estão em logaritmo, e dos painéis C e D, que são proporções, na mesma escala, para ressaltar a diferença de magnitude das estimativas.
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21
Embora o recadastramento tenha começado em 2008, poucos municípios o haviam realizado até a eleição de 2010, e preferimos desconsiderar este grupo. (Ver Seção 3).
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22
Trazemos atenção ao fato de que, ao contrário da Figura 2, fizemos o cluster dos erros-padrão apenas a nível de município (e eleição), e não a nível do estado da federação, o que leva a intervalos de confiança significativamente menores.
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23
Por exemplo, a média simples acima dá sobrepeso a unidades tratadas mais cedo no tempo, já que as observamos mais vezes no grupo de tratamento.
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24
Note que, na Figura 4, o efeito de tratamento médio nos tratados para o período duas eleições após o tratamento tem desvio-padrão sempre muito maior, pois apenas pode utilizar os dados do grupo tratado em 2014, enquanto os outros períodos usam ambos os grupos de tratamento.
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25
Vale notar que tendências paralelas não são uma hipótese testável empiricamente. Assim, mesmo que as tendências paralelas não sejam rejeitadas nos dados pré-tratamento, potenciais desvios no contrafactual não podem ser descartados. Por essa razão, Rambachan and Roth (2023Rambachan, A. and J. Roth. 2023. “A More Credible Approach to Parallel Trends.” The Review of Economic Studies. rdad018.) chamam essa abordagem de mais crível ou honesta.
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26
Note que, como a diferença entre grupo de tratamento e controle no pós-tratamento é δ post + τ post , então a diferença de tendências relevante à hipótese de tendências paralelas (δ post ) é a diferença contrafactual (e, portanto, nunca testável) entre o grupo de controle e o grupo de tratamento, se este não houvesse sido tratado (isto é, com τ post = 0).
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27
No caso do Painel (c), os intervalos de confiança aumentam significativamente na medida que aumentamos , já que há evidências contra a hipótese de tendências paralelas, ao contrário do Painel A. (Ver Figura 2).
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28
Em algumas especificações, há evidências de efeitos positivos sobre o comparecimento, como discutido adiante.
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29
Vale notar que o fato da redução no número de eleitores aptos a votar se dissipar no tempo tende a ir contrário à tese de que seriam eleitores fantasmas.
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30
Embora, como discutido na Seção 2, no Brasil a obrigatoriedade do voto tenha um caráter muito mais de jure que de facto.
Editor Responsável:
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Out 2023 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 2023
Histórico
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Recebido
29 Ago 2022 -
Aceito
06 Jul 2023