Open-access Realismo crítico e economia: pós-keynesianismo e a ontologia no método de Kregel

Critical realism and economics: post-keynesianism and ontology in Kregel's method

Resumo

Partindo de uma perspectiva realista da dinâmica econômica da sociedade capitalista, apresenta-se, após uma análise das teses do realismo crítico na ciência, especialmente nos trabalhos de Roy Bhaskar e Tony Lawson, o argumento de que dentro do pensamento heterodoxo pós-keynesiano há um retorno à ontologia, o que permite traçar um quadro teórico mais condizente com a realidade do ambiente econômico. Para ilustrar, trazemos à tona a contribuição de Jan Kregel, que evidencia certa aproximação com a proposta metodológica do realismo crítico, especialmente no que se refere às ideas sobre mudanças de trajetória, causação cumulativa, subjetividade, incerteza e a imprevisibilidade econômica.

Palavras-chave: Realismo crítico; Bhaskar, Lawson; Pós-keynesiano; Kregel

Abstract

Starting from a realistic perspective of the economic dynamics of capitalist society, after an analysis of the theses of critical realism in science, especially in the works of Roy Bhaskar and Tony Lawson, the argument that within post-Keynesian heterodox thinking there is a return to ontology, which makes it possible to draw a theoretical framework that is more consistent with the reality of the economic environment. To illustrate, we bring to light the contribution of Jan Kregel, which shows a certain approximation with the methodological proposal of critical realism, especially with regard to ideas about changes in trajectory, cumulative causation, subjectivity, uncertainty and economic unpredictability.

Keywords: Critical realism; Bhaskar, Lawson; Post-Keynesian; kregel

Introdução

Na ciência econômica, a pluralidade de correntes teóricas é expressão da ampliação do seu objeto de estudo e da evolução desta no campo das ciências sociais. A dicotomia entre ortodoxia e heterodoxia, ou o corte demarcatório entre essas duas vertentes do pensamento econômico, ponto que analisaremos detidamente mais adiante neste trabalho, no mesmo sentido de Arienti (2009), não se restringe simplesmente ao objeto de estudo, tratando-se em nossa opinião, de uma questão metodológica e ontológica.1

Ainda que existam marcantes diferenças dentro de cada uma dessas vertentes, é possível delinear certa reorientação da epistemologia para a ontologia. Ou, como afirma Cerqueira (2002, 56), em artigo no qual se propõe a analisar o desenvolvimento do pensamento evolucionista em economia, ao citar o físico austríaco Fritjof Capra, que a ciência vem passando por uma dramática mudança paradigmática, ou seja, de uma visão mecanicista do mundo para outra, holística ou sistêmica. Para o campo da economia, tal discussão torna-se bastante procedente, haja vista a necessidade de se avançar no debate teórico dessa ciência, a qual continua fortemente arraigada às mesmas teorias e aos mesmos métodos de ensino e interpretação adotados há cinco ou seis décadas passadas.

Seja no aspecto ontológico, seja no método de abordagem e objetivos buscados, tem-se tornado comum a identificação das correntes consideradas heterodoxas com um compromisso de abordagem mais realista do mundo. Desenvolvendo um quadro analítico que busca entender a dinâmica sócio-econômica a partir de uma visão crítica, daremos destaque nesse trabalho a um desses esforços, produzido pela chamada escola pós-keynesiana, mais especificamente, a partir da contribuição de Jan Kregel, um de seus principais expoentes, em trabalho onde o autor analisa a importância da incerteza para a metodologia da economia.

Imprevisibilidade, incerteza, irregularidades, não-ergodicidade são características da realidade econômica e que estão presentes no método utilizado por Kregel (1976, 1985), motivo pelo qual buscamos uma ligação, ou certa sintonia, desta abordagem pós-keynesiana com o realismo crítico, que Tony Lawson, ao investigar a filosofia crítico-realista, de Roy Bhaskar, mais especificamente, sob influência das três primeiras obras deste autor, escritas ao longo das décadas de 1970 e 1980,2 trouxe para dentro da ciência econômica.

Dessa forma, o presente artigo se estrutura da seguinte forma. Na primeira seção buscaremos apresentar a maneira pela qual o realismo filosófico vem sendo tratado na filosofia da ciência. Os esforços teóricos se concentrarão, especialmente, nos trabalhos de Bhaskar (1977, 1989, 1998) e Lawson (1997, 1999, 2003), buscando trazer a discussão para as ciências econômicas. Na segunda seção, após delimitar nosso entendimento sobre heterodoxia e ortodoxia econômica, apresentaremos uma breve análise da proposta de Keynes e da chamada escola pós-keynesiana, na tentativa de mostrar uma aproximação ontológica mais estreita desta com os pressupostos filosóficos presentes na proposta do realismo crítico. Na terceira seção, analisaremos os trabalhos de Kregel (1976, 1985) fazendo uma análise do método por ele empregado e sua possível aproximação com o projeto de pesquisa crítico-realista a partir de elementos pontuais. Por último, serão apresentadas algumas notas conclusivas.

1. Um pouco de realidade

Em meados da década de 1970, após o trabalho seminal do filósofo britânico, Roy Bhaskar, A realist theory of sciency, um novo campo de pesquisa começou a despontar na filosofia da ciência, o realismo, ou melhor especificado, o realismo crítico. Originariamente pensado para as ciências da natureza, rapidamente essa corrente migrou para o campo das ciências sociais, especialmente, para a economia, por intermédio do trabalho de leitura e interpretação de Lawson (1997).

Acreditamos, assim como Duayer, Medeiros e Painceira (2001, 725), e mesmo Lawson (1997), que um tipo de mainstrean popperiano, aliado a uma dosagem cavalar de instrumentalismo, parece dominar a ciência econômica. Pelo menos aquela praticada pela tradição ortodoxa/ neoclássica. A consistência do falsificacionismo de Popper clama por um conjunto de regras e controles metodológicos que visam evitar a adoção de recursos convencionalistas (Duayer, Medeiros e Painceira 2001, 746). Chamamos de recursos convencionalistas as hipóteses ad hoc e outros estratagemas que visem defender uma teoria a qualquer custo diante de uma possível refutação, burlando, assim, os testes empíricos. E, como na filosofia, o instrumentalismo, o relativismo e o pós-modernismo desfrutam de prestígio acadêmico, assim, acabam por se apresentarem como pretensos porta-vozes para exercer desse controle exigido pela visão popperiana (Duayer, Medeiros e Panceira 2001, 732).

Dada a crença, herdada do positivismo, de que a verdade é ininteligível, impossível de ser alcançada e entendida, logo, para os instrumentalistas, a ciência não deveria pretender explicar a essência que se esconde por detrás da manifestação fenomênica das coisas. O cientista deve racionalizar a sua prática científica a partir de uma perspectiva pragmática instrumentalista. Calcado nos critérios de explicação e previsão, a ciência funcionaria, com base nessa visão, a partir da criação de modelos e teorias capazes de gerar previsões empiricamente testáveis, seguida da corroboração dos dados fornecidos por eventos selecionados. Melhor teoria então seria aquela que apresentasse a maior eficácia preditiva comprovada.

Popper (1994) já considerava o instrumentalismo uma concepção mais modesta e mais simples que o essencialismo, pois ao contrário desta última, não levava em conta o universo da realidade essencial. Contentando-se apenas com o universo dos fenômenos observáveis e com o universo da linguagem que descreve e representa simbolicamente as coisas concretas, o instrumentalismo se preocuparia em explicar os eventos de tipo conhecido. Logo, seria inapropriado para desempenhar uma das funções mais importantes da ciência, qual seja, a criação de novas situações para novos tipos e testes, como também a descoberta de novos eventos. Assim, o instrumentalismo busca uma adequação empírica crescente da realidade, o que acaba por permitir a utilização de dados previamente selecionados para comprovar resultados já conhecidos a priori. Nesse sentido, aproxima-se de uma autolegitimação, onde os testes acabam sendo comportados e trabalhados para referendarem uma ideia inicial já pré-concebida.

Para Lawson (1997, 15), apesar de Popper reivindicar para si a responsabilidade por ter enterrado o positivismo lógico do Círculo de Viena, o golpe de morte decisivo nesse tipo de abordagem nunca chegou de fato a ser dado, pois o positivismo, e em especial, o positivismo lógico, continua repousando em duas hipóteses fundamentais. A de que o desenvolvimento da ciência se dá de forma monística e a de que a ciência é dedutiva em sua estrutura. Apesar de a primeira estar mais enfraquecida, um programa falsificacionista dedutivista ao estilo de Popper persiste dentro do mainstream nas ciências econômicas, cujos economistas constantemente reivindicam a autoridade de Popper para aquilo que estão fazendo. E estes o fazem, por vezes, indevidamente, ao desconsiderar a importância da indução para a ciência segundo Popper (1994).

Sem pretender nos aprofundar demasiadamente no assunto, faz-se necessária uma perscrutação pela área da filosofia da ciência, para entendermos como o realismo crítico nela adentra, ganha espaço e se desenvolve, para então podermos fazer um paralelo entre a concepção de método presente nessa corrente da filosofia da ciência e o trabalho teórico desenvolvido pela escola heterodoxa pós-keynesiana, em especial, pautando-nos no trabalho de Kregel e sua influência vinda de Keynes.

1.1. Filosofia da ciência e realismo

Toda e qualquer ação do indivíduo, enquanto ser social, repercute nas suas relações materiais com a natureza e nas relações sociais com outros atores e com as estruturas sociais, bem como na dimensão da linguagem praticada ou mesmo na própria personalidade do ator em si. Logo, tratar a realidade concreta a partir de uma visão realista é aceitar que a sociedade é composta por seres humanos, e não agentes econômicos, e que como tal, sentem, falam, atuam, interpretam, analisam, escolhem certas condições, livremente ou não, isolados ou conjuntamente, dentro de um mundo que, apesar das várias interpretações que a ciência possa dele ter, trata-se de um único mundo. E que tal existência concreta da realidade, com seu dinamismo e transformações incessantes, dá-se de forma independente do conhecimento do homem.

Contudo, se o mundo, formado por todas as suas estruturas naturais e materiais, existe independentemente da concepção que nós, seres humanos, possamos ter acerca de tudo o que nele acontece (Bhaskar, 1977), por sua vez, as estruturas sociais são transitórias e dependentes dos conceitos e ações dos indivíduos.

As sociedades, seus arranjos e instituições podem se modificar por vontade e ação humanas. Existe, assim, um limite ontológico ao tratamento dos fenômenos sociais e humanos. O realismo crítico exige uma ontologia, uma determinada visão de mundo e do papel do ser humano que servem de pano de fundo para a interpretação dos fenômenos reais, sejam eles naturais ou sociais.

É por isso que Bhaskar (1977, 17-21) usa o termo transitivo para designar aquela parte do mundo ou da realidade que, formada pelos objetos transitivos, pelo conhecimento, pela ciência e as práticas sociais, nos permite afetar, influenciar, modificar, negociar a realidade. A dimensão transitiva é a dimensão epistemológica. Ao mesmo tempo, ele reconhece uma segunda dimensão, a intransitiva, onde estão os objetos que agem independentemente das condições epistêmicas.

O ineditismo e a atualidade do realismo crítico estão nessa segunda esfera, a dos objetos estruturados e intransitivos. Estruturados, portanto incapazes de se submeterem à experimentação, e intransitivos, pois existem e agem independentemente da identificação que possamos deles fazer. Esta visão, Bhaskar vai buscar na filosofia kantiana. Mas, diferentemente do idealismo transcendental de Kant, Bhaskar propõe um realismo transcendental. Na esfera intransitiva operam as forças reais, as estruturas, os mecanismos de poder que representam e movem os processos e as transformações que percebemos no mundo transitivo, e não apenas o conjunto ideal. Nessa esfera, as coisas acontecem e agem de forma não necessariamente redutível ao conhecimento humano, mas pertencentes a um domínio da ontologia e da metafísica. Consequentemente, não se pode esperar obter o conhecimento das causas dos eventos de posse de uma visão tradicionalista da ciência, baseada no determinismo presente no realismo empiricista.

Segundo Fucidji (2006, 2), a discussão sobre o realismo teórico resulta da crise da epistemologia popperiana na década de 1960, crítica iniciada, principalmente com Kuhn e Lakatos, mas que avança na década seguinte com os trabalhos de Laudan, e, em outra vertente, com o relativismo de Feyerabend e o pragmatismo de Rorty. Para Fucidji (2006, 3), houve ainda o desenvolvimento da abordagem realista, baseada em Boyd, Cartwright, Sellars e Harré. Para esse autor, o realismo filosófico se inicia a partir de dois desconfortos surgidos no seio da comunidade científica, quais sejam, os itens não observáveis, porém cruciais para a explanação, presentes nas teorias científicas; e, em segundo lugar, mas não menos importante, entender o que gabaritava a ciência de se contrastar com o senso comum, em uma época onde a filosofia da ciência passava por um intenso debate metodológico e de crítica ao positivismo.

É nessa linha realista que podemos inserir a contribuição pioneira de Bhaskar (1977, 1989, 1998) e sua filosofia crítico-realista. Conforme Prado (2007, 4), para entender o propósito de Bhaskar é necessário começar pelo espanto do ainda jovem estudante de pós-graduação que desejava contribuir de forma prática para a solução de alguns problemas do mundo real. Ao perceber uma realidade social dilacerada, incomodou-se com o discurso vindo da filosofia, isto é, intrincado e refinado, porém, que permanecia apenas ao nível do discurso.

Bhaskar (1977, 6) inicia sua obra afirmando que “tem sido frequentemente postulada, e mais frequentemente ainda aceita, a ideia de que os problemas da filosofia foram resolvidos”. No entanto ele completa: “mas, o espectro do determinismo continua assombrando muitas das ciências” (tradução nossa). Para Bhaskar (1977, 9), a filosofia de nossa era perdeu aquele vínculo estreito que estabelecia com a ciência na antiguidade grega e na Europa renascentista. E conclui que é mera ilusão dos cientistas acreditarem na onisciência sobre a natureza e o homem. Por isso ele se propunha a apresentar uma alternativa contra a usurpação do título de ciência provocada pelo positivismo.

De acordo com Bhaskar (1977, 10), muito se tem afirmado que uma conjunção de eventos não é condição suficiente para o estabelecimento de leis científicas. No entanto ele acrescenta que tal conjunção deveria ser tratada não apenas como condição não suficiente, mas sim, como condição não necessária para tal. O observador de um experimento vê, ou observa, a sequência de eventos em si, mas não a lei que causa os eventos observados, pois há uma distinção ontológica entre uma lei científica e um determinado padrão de eventos. Uma lei científica possui um corpo teórico que serve de pano de fundo e que a embasa. E no núcleo dessa teoria, há, além de elementos metafísicos, mecanismos naturais, estruturas operantes que agem de forma real, independentemente de provocar ou não uma manifestação observável.

Em outras palavras, os eventos ocorrem independentemente das experiências, pois as forças estruturais atuantes continuam a agir fora do controle do experimentador. Trata-se aqui dos chamados sistemas abertos, propostos por Bhaskar (1977, 13), onde as causas reais, ou mecanismos de poder, agem simultaneamente e não há conjunções, associações ou conexões constantes de eventos que possam ser sustentadas. Diferente dos sistemas fechados, base do argumento humano, onde uma conjunção constante de eventos ocorre sob o controle estrito do observador, que o isola extrínseca e intrinsecamente de influências, ou seja, a estrutura interna do sistema a ser observado torna-se neutra às forças externas e internas ficando, dessa forma, apto a receber a força desejada ou controlada pelo cientista ou observador. Para Bhaskar, somente se soubermos diferenciar entre esses dois sistemas é que a atividade experimental poderá vir a fazer algum sentido.

Assim, Bhaskar apresenta uma forma revolucionária de se vislumbrar o mundo e a ciência. Diferentemente do realismo empírico, Bhaskar (1989, 37-39) rejeita a ideia de que a inteligibilidade se reduz aos fenômenos regulares, portanto contra o instrumentalismo, que reduz as teorias científicas a meros instrumentos de ação e predição, e o empiricismo. Afirmando que o real é em virtude do que o mundo é, posiciona-se contrário ao relativismo e, ao mesmo tempo, contra o idealismo de Kant, pois considera cognoscíveis as propriedades essenciais dos objetos.

Para Bhaskar, o real é mais espesso. Não é apenas a camada fina e transparente da observação empírica. Ele propõe três domínios, ou dimensões da realidade, “empirical, actual and real” (com tradução livre, empírico, efetivo ou factual e real) (Bhaskar 1977, 17). A primeira é apenas a percepção sensorial dos fenômenos. A segunda, o espaço onde os fenômenos e eventos ocorrem, resultado do encontro de forças e tendências, independente de serem transparentes, isto é, visíveis ou não. Mas, essas forças tendenciais, que provocam e movimentam a natureza ou a sociedade para que o evento se revele na dimensão empírica, não estão nesta dimensão nem na segunda, a factual. Devem sim ser procuradas na terceira dimensão, a real, mais profunda, na essência das coisas, onde mecanismos e estruturas geradoras de poder atuam dinamicamente, sem no entanto dependerem do conhecimento ou da percepção do homem. Agem antes do homem, podendo até ser resultado de práticas e do cotidiano de influências do homem sobre as coisas, mas que independem dele.

Assim, segundo Rodriguez (2020, 23-24), as preocupações de Bhaskar voltam-se para uma visão de mundo na qual a atividade prática dos cientistas é sustentada por uma filosofia da ciência consistente lógica e ontologicamente”. Por isso, em sua primeira obra, o principal objetivo de Bhaskar foi o de desenvolver uma explicação alternativa para a ciência, especialmente ao positivismo. O resultado que alcançou foi o da construção de um modelo que “quebra as dicotomias entre as ciências sociais e naturais, um modelo transformacional de ação social”. Bhaskar formulou “princípios ontológicos que oferecem considerações sobre o conhecimento e sua inteligibilidade no caso dos objetos sociais”, propondo uma “concepção de totalidade parcial, aberta e incompleta”. O realismo crítico, para Rodriguez (2020, 26) se apresenta, então, como uma abordagem alternativa, tanto para quem rejeita as teses empiristas e positivistas, quanto para aqueles que descartam o relativismo, aspecto que levou essa corrente filosófica a tornar-se, na ciência econômica, “uma espécie de berço para uma pluralidade heterodoxa, abrangendo pós-keynesianos, marxistas, austríacos e institucionalistas”.

Fazendo uma crítica às ciências humanas contemporâneas, apesar de se manter inicialmente apenas nas ciências da natureza, Bhaskar amplia seu inconformismo para além desse campo, indo penetrar as ciências sociais nos anos 1980. Prado (2007, 7) sugere que a análise de Bhaskar acaba por se aproximar bastante da interpretação marxiana acerca da existência da essência e da aparência. Uma diferenciação entre o que é e o que se manifesta. Pois para o realismo, em termos analíticos, o mundo pode ser decomposto em duas partes, duas dimensões do real: um mundo natural, independente do homem, de sua consciência e de seu conhecimento científico; e um mundo social, que depende da atividade social humana. Portanto, passível de mudança e interferência prática, há espaço para uma práxis revolucionária no argumento realista.

Assim, o método realista questiona profundamente o método dedutivo nomológico de Hempel, cuja sequência pode ser assim enunciada: observação da realidade empírica - regularidade dos fenômenos - proposição de observação - leis científicas ubíquas e dedutivismo (Arienti 2009, 4-6). Por esse caminho, a realidade inteligível, ou cognoscível é apenas aquela cuja regularidade ocorre no universo concreto. Mas e as ocorrências irregulares, contingenciais? Como entendê-las, especialmente no caso onde o objeto de estudo é a sociedade, mais especificamente, a produção material na sociedade real?

A sugestão de Bhaskar é que tratemos da realidade inteligível sem depender das possíveis correlações regulares, mas sim pelas tendências que podem emergir das forças estruturais que agem na dimensão real. Como as regularidades não são necessárias para o desenvolvimento da ciência, esta deve estar preocupada em explicar as causas que emergem dos fenômenos e, desta forma, tentar entender as estruturas e forças que transcendem esta manifestação empírica (Arienti 2009, 10-13).

Para isso, propõe um tipo de método denominado de retrodução, ao invés de indução e dedução (Arienti 2009, 8), que consiste num movimento retrodutivo. Dado o realizado, isto é, aquilo que ou se manifesta na dimensão empírica, ou existe na dimensão factual, parte-se daí para retornar à dimensão real, mais profunda, procurando as forças que se combinaram, se negaram, agiram, que operaram como tendências capazes de chegarem a se manifestar daquela forma determinada. Logo, a ciência não deve tentar predizer, pois num mundo onde os eventos não são regulares, o exercício de predição torna-se uma falácia epistêmica. Bastaria à ciência explicar e entender as forças tendenciais que produziram um determinado desfecho, sem tentar predizer o futuro. Distintamente do positivismo, não se deve pensar em simetria entre explicação e predição, pois na verdade, a predição não é possível pela ótica realista.

Ora, tal constatação obriga-nos, minimamente, aceitar que um tratamento metodológico distinto deve ser pensado e empregado, especialmente em se tratando das ciências sociais. A confirmação empírica de um fenômeno concreto que se dê no nível da estrutura social só poderá ser percebido por meio de seus resultados, pois o constructo social não é perceptível por meio da observação, em outras palavras, as formações sociais não são tangíveis. Não podemos, por exemplo, visualizar a informação ou a política, mas percebemos e medimos, na dimensão aparente, seus resultados, por exemplo, a inflação, o desemprego, a concentração de renda. Assim, a partir do fenômeno, buscamos as forças, estruturas e mecanismos de poder que agiram no sentido de produzi-lo e, de tal forma veremos que, na economia real, eventos como inflação, deflação, ciclos e crises, crescimento e desenvolvimento, desemprego serão entendidos, pela ótica realista, por meio da retrodução como fenômenos únicos, cada qual com sua dimensão real a servir de pano de fundo, cada qual com uma estrutura que, uma vez agindo na esfera real, foi capaz de produzir, como tendência, um dado resultado.

Além disso, a vida social impede que isolemos o experimento num ambiente fechado, o que significa ser obrigado a tratar os casos como se eles estivessem sob a influência de várias forças atuantes e contra-atuantes. Prova disso, não raras vezes, o economista fazer uso abusivo das cláusulas ceteris paribus. E, nesse caso, com um agravante ainda maior, que é o de fazê-lo sem qualquer controle sobre as consequências que tais hipóteses simplificadoras podem provocar quando expostas num ambiente aberto, ou seja, na vida real.

As ciências sociais, pela abordagem crítico-realista, são intrinsecamente críticas. Ao partirem do pressuposto de que não existe observação neutra, nem descrição ou proposição de observação sem um conhecimento, impressão ou idéia que o anteceda, os realistas vêem um mundo colorido de crenças, valores, julgamentos, juízos morais e éticos e que, sob nenhuma hipótese podem ser desconsiderados em nome de uma ciência puramente neutra. Lutam, portanto, contra a presunção de uma estrutura dedutivista da ciência (Lawson 1997).

1.2. Lawson e o realismo crítico 3

Nas últimas décadas, o realismo tem se apresentado como alternativa científica. Com base em um projeto ontológico distinto e rival daquele presente seja na tradição positivista, seja na idealista, tal perspectiva acredita ser necessário tratar da verdade e buscá-la. Diferentemente das teorias relativistas e pós-modernistas, para os realistas, deve-se buscar o conhecimento objetivo na realidade (Fucidji 2006, 13). Só assim a emancipação humana torna-se capaz e novas estruturas sociais podem ser erguidas.

Tendo adentrado a economia pela porta da matemática, Lawson (1997, 10) afirma que aquilo que mais o impressionou foi a forma generalizada e totalmente acrítica com que os modelos e sistemas formalizados eram empregados nas situações e fenômenos para os quais eles eram visivelmente inadequados. Decidido a conhecer profundamente as idéias dos principais economistas, não tardou em perceber que as contribuições mais apropriadas, ao seu ver, para explicar a realidade social, não vinham da economia tradicionalmente aceita nos altos círculos da ciência, mas sim, naqueles “economistas fora do mainstrean”, ou heterodoxos. Voltando então sua atenção para a filosofia formal, em especial para questões de cunho ontológico e metafísico, além de se preocupar com as discussões metodológicas, Lawson percebeu que estava em curso uma verdadeira onda de instrumentalismo com a finalidade de se aceitar ou rejeitar teorias, um tipo de avaliação epistêmica.

A experiência, ou o realismo empirista é incapaz de esgotar todo o conhecimento da realidade, pensamento herdado, segundo Lawson (1997), de Bhaskar. Partindo em busca da realidade objetiva, o realismo crítico procura estabelecer que mesmo que disparados pela ação de forças que atuam na estrutura real, os mecanismos geradores de determinada tendência somente se transmutarão de potência em realidade em consequência da estrutura na qual se inserem (Vasconcelos, Strachman e Fucidji 1999, 427-28). E, no caso das ciências sociais, dependendo dos arranjos sócio-institucionais construídos pela sociedade. Nessa concepção, a sociedade é tanto condição como resultado da ação coletiva dos indivíduos que a reproduzem e a transformam. No entanto, segundo Bhaskar (1998), há uma assimetria que altera completamente esse sentido, ou seja, a sociedade passa a ser dada para o indivíduo, que, por seu turno, nunca a cria, apenas a reproduz e muito pouco a transforma. Em suma, a ação humana perde a grande chance que a realidade lhe dá. E acaba por aceitar e reproduzir um dado estado supostamente tido como permanente e imutável.

Lawson (1999), ao responder a uma série de críticas que negavam qualquer semelhança ou associação entre as teses pós-keynesianas e o projeto filosófico do realismo crítico, assevera que há um completo envolvimento entre os dois e que o projeto filosófico empreendido pelo realismo crítico fornece a base para a coerência das ideias e dos argumentos presentes na corrente pós-keynesiana. Exemplo, a ideia de dependência de trajetória, causação cumulativa, além da subjetividade e incerteza, estas últimas tratadas, segundo Lawson (1997, 135) já por Hayek nos anos de 1940.

A maior crítica de Lawson (1997) ao mainstream reside no fato desse grupo seleto de pesquisadores pautar seu método rigorosamente próximo às ciências da natureza, ou seja, a identidade e unidade do mainstream vêm da adoção quase completa de modelos matemáticos formais baseados no método dedutivo e na determinação probabilística. Segundo Lawson (apud Arienti 2009, 10), o problema não está no irrealismo dos axiomas, pressupostos e hipóteses, como no artigo clássico de Friedman (1953), mas, pelo contrário, no tipo de realismo empirista que está implícito nas teorias do mainstream. Por isso, para Lawson (2003), na ortodoxia, há a dominância de dois tipos de proposições científicas: aquelas pautadas na regularidade empírica e as tautológicas.

2. Heterodoxia e realismo: uma análise da tradição pós-keynesiana

Para efeitos deste trabalho, mas sem a intenção de estabelecer rótulos rígidos, consideraremos como ortodoxas aquelas escolas de economia que, tomando como influência as primeiras doutrinas associadas ao liberalismo econômico, incluindo os chamados autores clássicos, desenvolveram uma perspectiva metodológica, principalmente a partir da chamada revolução marginalista ocorrida nas últimas décadas do século XIX, que buscava trazer para os estudos econômicos uma forte base formal matemático-dedutiva, semelhante à utilizada nas ciências da natureza.

Entende-se a complexidade da tarefa quando o objetivo é o de definir ortodoxia e hetorodoxia na ciência econômica, uma vez que diferentes autores buscam depositar o argumento em aspectos distintos de cada abordagem. Assim, para Bhaskar, o ponto principal de tal distinção está na base ontológica, isto é, na visão do mundo e da sociedade a partir do indivíduo isolado, onde o todo é entendido apenas como a soma das partes, neste caso, dos indivíduos, pensamento central da economia ortodoxa. Por isso, em sua obra The possibility of naturalism, de 1979, Bhaskar faz uma crítica ao pensamento ortodoxo afirmando que o “individualismo metodológico é um erro, pois as proposições válidas para as sociedades não são apenas somatórios de proposições válidas para os indivíduos isolados, pois as próprias sociedades não são meras construções feitas em nossas mentes para simplificar as coisas, as sociedades são, na verdade, reais” (Bhaskar 1979, apudEhrbar 2005, 3). Enquanto isso, Lawson (2006), mantendo também a centralidade da questão na dimensão ontológica, deposita especial atenção em outro foco, na utilização de sistemas fechados ou abertos, ao ligar a ortodoxia aos primeiros.

Dequech (2007, 279-293), analisando a coexistência de diferentes escolas de pensamento na Ciência Econômica, afirma que a ortodoxia econômica é representada, na contemporaneidade, pela chamada economia neoclássica, ainda que considere esta última expressão um pouco mais controversa pois, segundo ele, desde sua fundação nos anos 1870, o termo “neoclássico” não é necessariamente usado com um mesmo sentido por todos. No entanto, assevera que a economia neoclássica pode ser identificada pela combinação dos seguintes aspectos: a ênfase na racionalidade e o uso da maximização da utilidade como critério de racionalidade; a ênfase no equilíbrio; a negligência de alguns fortes tipos de incerteza e mesmo da incerteza como fundamento (Dequech 2007, 280). Assim, a escola neoclássica advoga, principalmente, a tendência natural das economias a uma posição de equilíbrio e pleno emprego, onde exista somente desemprego voluntário; a dicotomia das variáveis, separando o lado real do nominal da economia, pressuposto que acaba por levar à tradicional tese da neutralidade da moeda; o ajuste natural do mercado, depositando na teoria do equilíbrio geral a base ideológica de seu pensamento, segundo a qual, sob condições perfeitas de funcionamento dos mercados, informações completas e livres, flexibilidade de preços e salários, e mobilidade perfeita dos fatores de produção, o sistema econômico encontraria sua máxima eficiência. Além disso, herdeira da Lei de Say, concorda que a oferta agregada da economia joga papel central na dinâmica do sistema econômico, dependendo dela os níveis de emprego, produto e renda da economia, ficando a demanda, como uma resposta à dominância da oferta.

No entanto, após o impacto do pensamento de Keynes para a ciência econômica, outra escola iria se juntar a ala da ortodoxia. Referimo-nos ao conjunto de economistas que tratou de elaborar uma estrutura analítica que adaptava as contribuições desse pensador para o corpo de teorias até então existente. Salvaguardando os princípios neoclássicos básicos, acabou por gerar a chamada síntese-neoclássica. Nesse grupo, incluímos Hicks, Samuelson, Solow, Modigliani, entre outros, que solidificaram a idéia presente no modelo IS-LM, a partir do qual as análises estáticas entre diferentes economias tornaram-se comuns, como também tornou-se comum a idéia de microfundamentar a macroeconomia, isto é, inserir nesta última modelos tipicamente utilizados na microeconomia, os quais partem de análises do comportamento de indivíduos ou agentes isolados, atomizados. Um caso exemplar é o da função de produção.

Aos poucos, a ortodoxia foi assim incorporando novas contribuições que, inicialmente, se desenvolviam fora do escopo de seu programa de pesquisa. Adaptando e tratando com modelos formais matemáticos as chamadas imperfeições de mercado, foram inseridas na modelagem as assimetrias de informação, os custos de menu, as externalidades, o risco moral, entre outras condições que, ao afetar a hipótese da rigidez de preços e salários, exigiam a atenção sobre novas variáveis, criando assim novos desdobramentos. Dessa forma, dadas as tentativas por parte das escolas novo-clássica e novo-keynesiana de ampliarem a microfundamentação da macroeconomia e de se manterem ainda dentro dos chamados modelos fechados, para efeitos deste artigo, consideraremos as mesmas como também pertencentes à ortodoxia do pensamento econômico.

A expressão heterodoxia econômica, por sua vez, dada a sua amplitude, refere-se, em nosso entendimento, a programas de pesquisa e metodologias bastante díspares, separados e, por que não dizer, distantes uns dos outros. Não obstante, diz respeito a autores que, de alguma forma, apresentam-se em desacordo com a ortodoxia. Partindo de críticas internas ao próprio pensamento neoclássico, como o foram Keynes, Kalecki, Sraffa, Joan Robinson, e de diferentes formas de interpretar a dinâmica do mercado e do crescimento econômico, como Schumpeter, Harrod, Kaldor, Domar e outros, desenvolveram ideias que, em maior ou menor medida, colocaram-se como críticas dos pressupostos que são caros à ortodoxia. Críticas essas que incluem a não neutralidade da moeda, a ausência de equilíbrio, a incerteza como fundamental, a presença de retornos crescentes de escala, a primazia da demanda agregada sobre a oferta no que diz respeito à dinâmica de crescimento e crise, a influência das estruturas sociais, a negação do homem-econômico, entre outras.

Assim, na heterodoxia econômica, colocamos o antigo institucionalismo, o estruturalismo, o keynesianismo, partes da escola regulacionista e da escola evolucionária, a escola schumpeteriana e também, numa perspectiva mais radical, a marxista. Além, é claro, daquela que se faz objeto de análise deste trabalho, a escola pós-keynesiana. Vale destacar que dada a abrangência do termo, muito se evita definir de forma precisa a heterodoxia na economia. De certo modo, e diante da variedade de correntes, métodos e ontologias, pode-se referir ao termo a partir do pluralismo metodológico o qual abarca. Neste trabalho, consideraremos heterodoxas as escolas que, em maior ou menor grau, fazem uma análise estrutural das economias em estudo e, nesse sentido, trabalham com as dimensões histórica, institucional, social, humana e psicológica.

Importante tratar também da expressão mainstream no campo da economia, que se refere, para nós, ao grupo de pesquisadores ou escolas que representam o pensamento dominante, ou a elite sociológica da comunidade científica, em determinado momento do desenvolvimento histórico da ciência econômica. Diz respeito àqueles pesquisadores cujas contribuições, embora exerçam influência momentânea nos círculos acadêmicos, não representam questionamento profundo à sociedade capitalista e à lógica de reprodução do capital. Dessa forma, apesar de perceptível domínio ortodoxo, podemos encontrar também pesquisadores heterodoxos compondo o chamado mainstream da economia.

Após demarcada, para fins deste trabalho, a dicotomia entre ortodoxia e heterodoxia, teceremos comentários sobre a corrente denominada pós-keynesiana e sua ligação com o pensamento de Keynes. Em seguida, apreciaremos o artigo de Kregel (1976), importante representante dessa corrente teórica, a partir de uma perspectiva realista. Este autor, ao considerar o método de pesquisa pós-keynesiano como uma extensão daquele utilizado por Keynes, acaba por se aproximar mais do mundo real, pois não despreza a incerteza, a não-neutralidade da moeda, a influência das crises para a dinâmica do crescimento, a importância das expectativas dos seres humanos sobre a demanda futura da economia, além de buscar uma interação entre curto e longo prazo. Logo, traremos constantemente, ao nível do debate, observações relativas ao pensamento e método de Keynes para fazermos um paralelo entre Keynes e os pós-keynesianos dentro da teoria econômica.

A chamada escola pós-keynesiana desenvolve-se a partir da retomada de importantes pontos da obra de Keynes que haviam sido obscurecidos e distorcidos pela chamada síntese neoclássica e seu modelo IS-LM. Tratando questões como o crescimento econômico, a distribuição de renda, a incerteza e sua influência sobre gastos agregados, as expectativas dos agentes, a não neutralidade da moeda, a possibilidade das economias experimentarem retornos crescentes e, especialmente, enfatizando o papel da demanda para a dinâmica capitalista, a escola pós- keynesiana fortaleceu-se dentro da vertente heterodoxa do pensamento econômico.

Para essa escola de pensamento econômico, o argumento central de Keynes repousa no princípio da demanda efetiva (Ferrari Filho 1991, 342). Ainda segundo esse autor, um dos principais objetivos da teoria pós-keynesiana é criticar e refutar o paradigma neoclássico, uma vez que, em sua opinião, os pós-keynesianos procuram dar maior ênfase às questões associadas à idéia de economia monetária contida em Keynes, por isso centram suas atenções majoritariamente no papel da incerteza, no caráter histórico do tempo, na influência da moeda e das instituições financeiras, entre outros.

Segundo Kregel (1985, 135), foi entre jovens economistas de Cambridge, no Reino Unido, que as ideias de Keynes ganharam em interesse. Economistas como Kahn, Joan e Austin Robinson, desenvolviam a crítica de Sraffa à teoria do valor marshalliana em direção à revolução causada pela chamada concorrência imperfeita. Além deles, outros teóricos desenvolviam trabalhos sobre crescimento econômico, a exemplo de Harrod, Kaldor e Kalecki. De uma forma ou outra, a temática envolvia crescimento e distribuição de renda. Referendando essa ideia, para Ferrari Filho (1991, 347), esses “keynesianos de Cambridge”, da Inglaterra, aos quais ele acrescenta Pasinetti, foram os primeiros a questionarem a chamada teoria ortodoxa keynesiana devido ao fato dos modelos neoclássicos de crescimento e distribuição de renda serem incompatíveis com a visão de Keynes acerca do capitalismo, além de inconsistentes logicamente e não realistas.

Outro grupo, separado deste no tempo e no espaço, desenvolve trabalhos nos Estados Unidos criticando, no início da década de 1970, a forma incorreta e/ou incompleta como a síntese neoclássica tomava de assalto a Teoria Geral de Keynes. Entre esses ‘keynesianos fundamentalistas” (Ferrari Filho 1991, 345) destacam-se Paul Davidson e Hyman Minsky, para quem o aspecto fundamental da obra de Keynes estaria na análise sobre os efeitos da incerteza não probabilística. Nesse contexto, duas outras frentes de pesquisa podem ser destacadas, quais sejam, a natureza da moeda e a instabilidade do sistema financeiro.

Desenvolvendo-se a partir dessas duas vertentes, podemos afirmar que a escola pós- keynesiana reconhece em Keynes uma nova visão de mundo, um objeto de estudo que, segundo ele próprio (Keynes 1973) referia-se a “monetary production economy”, portanto uma economia na qual a moeda, longe de ser neutra e de desempenhar apenas um elo entre as transações de mercadorias e ativos, desempenhava um papel próprio, central, afetando, portanto os motivos e decisões dos agentes e tornando inútil qualquer esforço de tentativa de previsão dos rumos dos eventos, caso não fosse conhecido o comportamento da moeda no transcorrer do período a ser analisado. Decisões como as de cunho financeiro ou relacionadas a investimento e poupança, por exemplo, deveriam ser analisadas levando-se em consideração o pensamento de Keynes, ou seja, patentemente identificado com o de uma economia monetária. E tanto para Keynes, como para os pós-keynesianos realistas, como o futuro é sempre incerto, por maiores que sejam as informações disponíveis, pessoas podem decidir, caso a incerteza quanto ao futuro aumente, por reter moeda, o que causaria graves problemas de demanda efetiva e desemprego.

Nesse sentido, digna de destaque dentro do pensamento pós-keynesiano é a construção da crítica ontológica e metodológica à economia ortodoxa dominante realizada por Lawson, especialmente a partir de 2009, após a sua chamada “virada ontológica”4 (Almeida, 2023, 37). No sentido de enfatizar o papel da moeda em economias monetárias, o autor debruça-se sobre a estrutura organizacional da sociedade. Em busca de uma ontologia social e munido do instrumental da heterodoxia econômica, Lawson parte do princípio de que a moeda é um item legalmente construído, portanto, dependente da confiança da comunidade para a manutenção de seu valor e para sua utilização como meio de pagamento (Almeida 2023, 63). Logo, fica claro que, para Lawson (2019), um item da realidade econômica e social, como a moeda, por exemplo, é uma combinação do universal e do particular, e cujo movimento dinâmico depende da aceitação dos indivíduos. A instabilidade, a incerteza, a possibilidade de crises são, portanto, horizontes factíveis que trazem o estudo científico da economia para mais próximo da realidade.

Assim, neste trabalho, consideramos como pós-keynesiana a vertente do pensamento econômico que mantém pressupostos como: i) a rejeição do conceito ortodoxo de equilíbrio, dada a incerteza que cerca o ambiente econômico e, assim sendo, rejeita também a ideia de um estado natural e permanente de pleno-emprego; ii) a não neutralidade da moeda e a importância das finanças para os níveis de renda e emprego de uma economia que é, por natureza, monetária; iii) o papel das expectativas, em especial, o fato de que elas podem não se realizar, ou serem desapontadas, e que, portanto, quando estudada a dinâmica do desenvolvimento e do crescimento econômico, deve-se levar em conta o caráter inseparável entre ciclos, eventos de curta duração, e tendências, que se referem ao longo prazo; iv) a preponderância da demanda agregada, sobre a oferta, na condução do crescimento do produto, da renda e do emprego; v) aceitação das possibilidades de mudanças de trajetória da variável analisada, o que torna os eventos passíveis de incerteza e imprevisibilidade. Todos estes pressupostos apresentam possibilidades de associação ao pensamento de Keynes, o que garante à teoria pós-keynesiana, segundo Kregel (1976, 216), o status de legítima extensão da metodologia e das idéias básicas apresentadas por Keynes na Teoria Geral, comungando, inclusive, de semelhante ontologia.

O mundo real, isto é, o sistema capitalista e seu caráter intrinsecamente instável, é, talvez, a aproximação mais revolucionária da obra de Keynes. Toda a defesa acerca da harmonia entre egoísmo e bem-estar resultante do ordenamento dado pelo livre mercado, pressuposto central da corrente ortodoxa, estava sendo profundamente questionada por ele. Pessoas e empresas, agindo a partir de seus próprios interesses, visando o ganho máximo, tendo um comportamento estritamente individual e racional, longe de levarem necessariamente ao equilíbrio, mostravam-se potenciais geradores de crises. Forças automáticas e mão-invisível operavam irrealisticamente como forças condutoras de uma realidade idealizada, mas não concreta. Keynes preconiza o lado da demanda.

A preocupação de Keynes, quando olhava a sociedade real em crise nos anos 1920 na Inglaterra, era a de buscar uma alternativa para tratar do desemprego que tomava grande parte das economias capitalistas já em 1932 (Keynes 1983, 27-29). Assim, podemos afirmar que, para ele, o mundo real não é um mundo perfeito, no qual todas as expectativas são realizadas e que possíveis erros de ação geram apenas desvios temporários. No futuro, nada garante que o sistema econômico reencontrará seu caminho rumo ao equilíbrio, a partir de um ajuste expectacional. Pelo contrário, no mundo real as pessoas agem com base em previsões, em ilusões formadas tendo-se em vista um mundo de incertezas.

Que o conjunto da economia caminhe para um estado em que as expectativas se ajustem de modo agregado, levando a um tipo de taxa de crescimento garantida, definindo uma trajetória de crescimento tal qual prevista não é um cenário impossível de ocorrer. Mas, essa é apenas uma das muitas hipóteses possíveis, dado o ambiente de incerteza que ronda o mundo real. Pois, do lado oposto, há outra hipótese, bem mais provável que esta, em que as previsões dos indivíduos não se realizam.

... na prática, concordamos, geralmente, em recorrer a um método que é, na verdade, uma convenção. A essência desta convenção, embora ela nem sempre funcione de uma forma tão simples, reside em supor que a situação existente dos negócios continuará da mesma forma por tempo indefinido, a não ser que tenhamos razões concretas para esperar uma mudança. Mas isto não quer dizer que, na realidade, acreditemos na duração indefinida do estado atual dos negócios. A vasta experiência ensina que tal hipótese é, na verdade, muito improvável. Os resultados reais de um investimento, no decorrer de vários anos, raras vezes coincidem com as previsões originais. (Keynes 1983, 112)

Em não havendo coincidência entre decisões tomadas ex-ante e resultados obtidos ex-post, a noção de equilíbrio passa a ser apenas uma alusão didática, pedagógica, na qual supomos que as expectativas de curto prazo não interferem nas trajetórias de longo prazo. Um método que se adequa para que, num ambiente isolado, compatível com o conjunto fechado aludido por Bhaskar e Lawson, possamos testar hipóteses desde que cientes do limite dessas assertivas bem como da impotência de previsões nelas baseadas.

Dessa forma simplista, e somente por meio dela, poderíamos então supor que, após um breve período de tempo, e após os homens de negócios persistirem em suas crenças, mesmo que equivocadas, ajustando-as por meio do método de tentativa e erro, o equilíbrio seria alcançado. Segundo Kregel (1976, 211-13), Keynes jamais esperou que tal processo acontecesse em um mundo real. A suposição de um tal estado de equilíbrio estacionário era apenas uma forma de dar total ênfase ao seu argumento do princípio da demanda efetiva, esse sim, foco da investigação primeira de Keynes. Pode-se dizer que ele adaptou esse modelo simplificado da realidade com o fito de mostrar que poderia haver desemprego indesejado na economia ainda que uma posição de equilíbrio entre oferta e demanda agregada fosse estabelecida.

Se tal estado da economia era possível em um mundo real, onde expectativas, tanto de curto como de longo prazos, são constantemente contrariadas e que, além disso, não há expectativa de longo prazo que independe daquela de curto prazo, pequenas ações presentes são capazes de causar uma mudança completa de trajetória no futuro. Presente e futuro só se ajustam de forma perfeita na cabeça do economista que, apoiado em modelos teóricos recheados de objeções e cláusulas ceteris paribus, estaria apenas presumidamente apto a fazer projeções futuras dentro de um escopo limitado de variáveis e valores numéricos admitidos.

Afirmamos assim que o método empregado por Keynes aponta para uma visão de mundo antes do método, uma ontologia. Nesse ponto, encontramos uma estreita relação com os realistas. Para Souza (2003, 153-54), o método em Keynes traz uma visão de mundo, e do papel ativo do ser humano, bastante distinta da positivista. Tratando a economia quase como uma ciência moral, pois voltada para a ação, e reconhecendo, acima de tudo, o comportamento dos indivíduos como tomado de incerteza, o método de Keynes não se refugia em sistemas fechados.

Ainda segundo Souza (2003, 162), “[...] parte daí o método próprio de Keynes, associado à sua concepção de probabilidade e de conhecimento limitado, e sua relatividade com o conhecimento em condição de incerteza da Teoria Geral.” Recheando a Teoria Geral de expressões tais como estado da expectativa, estado de confiança, psicologia dos negócios, entre outras, Keynes nos dá mostras de que toma suas análises quanto ao futuro como tendências, ou meras possibilidades, haja vista dependerem de ações de indivíduos que podem sofrer reações de forças contra-atuantes a qualquer momento, alterando radicalmente o estado esperado.

Qualquer posição de equilíbrio alcançada por algum empresário individualmente, nessa totalidade constantemente em movimento que é o mundo real, seria mera situação circunstancial, simples contingência. Além do que, não implicaria necessariamente qualquer condição de agregação, ou seja, a soma de vários equilíbrios individuais não constituiriam um equilíbrio geral. Para Keynes, as influências de esperanças e realidades se confundem e se sobrepõem, provocando revisões constantes nas expectativas que os agentes formam em relação ao futuro, um futuro incerto e mutável. Por isso, para Possas (1987), o equilíbrio macroeconômico keynesiano entre oferta e demanda globais apresenta-se como uma relação de igualdade, simples intersecção, entre funções de oferta e procura agregadas construídas a partir de decisões tomadas ex-ante, mas considerando-se uma dada renda agregada esperada para cada nível de emprego agregado, o que significa um tipo bastante peculiar de equilíbrio, radicalmente distinto daquele preconizado pela tradição neoclássica.

Kregel (1976, 219), ao se defender das críticas contra a utilização do conceito de equilíbrio característico da abordagem pós-keynesiana, afirma que Keynes utilizou o termo numa dimensão estática apenas como artifício metodológico para chegar às suas conclusões acerca do princípio da demanda efetiva, sem no entanto, esquecer-se de tratar a realidade material como um conjunto aberto, do tipo realista. Logo, a investigação não centra-se na ideia, ou na expressão, do equilíbrio. Utilizar um método que contemple o equilíbrio não necessariamente condena todas as perspectivas às mesmas conclusões e aceitações teóricas.

Tratar a economia dentro de uma concepção aproximada do real é, por exemplo, demarcar, a esfera da circulação como distinta da esfera da produção. Na perspectiva de Keynes, não se trata de separar essas duas dimensões apenas espacialmente, mas principalmente, em termos do tempo histórico, pois a produção é uma decisão ex-ante, tomada em um tempo anterior, enquanto a procura pelo que foi produzido e a contingência do consumo, etapa essencial para a sobrevivência do capitalismo, uma decisão ex-post, portanto à frente, temporalmente, do momento da produção. Assim, ao decidir produzir, o empresário alimenta apenas a expectativa da realização da venda do produto.

Que os gastos totais da economia se equiparem à renda gerada no ato da produção é uma hipótese, entre outras duas igualmente possíveis, a de que sejam inferiores ou superiores. No mundo real da economia, onde o lado monetário representa papel central, produtos constantemente faltam, sobram, são controlados visando elevação de preços, mas, raramente, se igualam à vontade dos consumidores e ofertantes. Pessoas gastam muito mais do que recebem por meio de crédito bancário. Empresários se endividam com base em ilusões formadas quanto ao futuro, ou seja, contam com a renda esperada no futuro e não com a renda atual.

Daí que, falar em equilíbrio nada mais é que usar um artifício analítico como o próprio Keynes o fez (Kregel 1976, 220). Tanto que, no modelo keynesiano de equilíbrio estático, onde as expectativas de curto e longo prazos são realizadas, não havendo surpresas e alterações inesperadas, ainda assim a igualdade entre oferta e demanda da economia pode ocorrer abaixo da posição de pleno emprego do trabalho. E este argumento pode ser considerado seu principal objetivo na Teoria Geral, mostrar a possibilidade do desemprego mesmo que houvesse equilíbrio entre oferta e demanda. Logo, a hipótese do equilíbrio mostra-se como sendo puro artifício metodológico.

Dessa forma, Keynes procurava pisar em solo concreto, assim como os pós-keynesianos, a exemplo de Kregel. Moeda que não é apenas instrumento de troca, expectativas não realizadas, decisões tomadas “no escuro”, desemprego do fator trabalho, necessidade de intervenção e regulamentação estatal, moeda que não retorna ao sistema econômico produtivo, um evento presente que influencia e modifica o futuro e outras alternativas tão comuns e reais da dinâmica sócio-econômica no capitalismo.

3. Kregel e uma proposta metodológica realista

Para Kregel (1976, 1985), frustrações de expectativas são o que normalmente ocorrem na vida real, onde a incerteza está sempre presente. E a vida real é a aproximação metodológica que mais diferencia os economistas heterodoxos da visão dominante do mainstream em sua busca para a causalidade dos fenômenos econômicos. Segundo Moretti e Lelis (2007, 80-81), se os pós- Keynesianos desejam que suas críticas possuam alguma validade cognitiva, então necessariamente eles têm de pretender que estas sejam mais realistas. Por isso, os autores propõem que o debate seja feito no nível ontológico, onde as propriedades dos sistemas econômicos, seus modos de ser e de se reproduzir, o papel da escolha e da ação humana, garantam que o objeto de estudo tenha existência objetiva, autônoma, independente das teorias que buscam sua apreensão.

Toda tradição teórica, ou escola de pensamento, pressupõe um determinado método de pesquisa, ainda que o método seja a falta de um, numa visão relativista da metodologia da ciência. Assim, os pesquisadores se norteiam, definem um rumo da pesquisa, propõemobservações, formatam leis científicas, definem seus postulados centrais, defendem suas teses. Destarte, em todo desenvolvimento teórico, há uma visão de mundo, características imputadas aos indivíduos, formas de agir e de fazer escolhas que são próprias e livremente escolhidas pelos pesquisadores. É por isso que, a partir de uma concepção ontológica distinta da que serve de base ao mainstream da economia, onde os erros de previsão afetam radicalmente as variáveis futuras, os mercados não se ajustam num mecanismo perfeito de market clearing, o desemprego involuntário se estabelece e a noção de equilíbrio torna-se dinâmica e móvel, Kregel (1976, 209) se propõe a extrair da Teoria Geral, de Keynes, um conjunto teórico composto de três modelos, numa ordem crescente de realismo.

O primeiro, mais simplista e didaticamente construído, prevê um mundo onde as expectativas individuais de curto prazo se realizam, assim como o estado geral das expectativas, no longo prazo, não se altera. Evidente, nesse caso, o caráter analítico e didático, pois num mundo onde os agentes não necessariamente maximizem vantagens a todo tempo, onde as expectativas mais se revertem do que se confirmam, havia a necessidade de demonstrar que ainda que o mundo fosse perfeitamente previsível, poderia haver desemprego e crise. Independente das expectativas se confirmarem ou não.

No segundo modelo, Kregel avança um pouco mais em termos de realidade, mas, apesar de supor que as expectativas de curto prazo podem ser desapontadas, elas são incapazes de afetar o estado geral das expectativas no longo prazo. Assim, ainda que pequenos ciclos ocorram, crises se estabeleçam por erro de estimativas dos agentes, a tendência da economia continua sendo a de retornar ao estado de equilíbrio. A este segundo modelo, Kregel chamou de modelo de equilíbrio estacionário (Kregel 1976)

Por último, a partir do chamado modelo de equilíbrio móvel, aquele que traz as hipóteses mais aproximadas do mundo real dentre os três modelos por ele apresentados, Kregel defende que a dinâmica da economia capitalista não nos permite separar ilusões de curto prazo daquelas de longo prazo. Erros de expectativas presentes afetam a trajetória futura e alteram as expectativas que tecemos em relação ao longo prazo, ao mexer no nosso estado de confiança, conceito que, segundo Keynes (1983), foi negligenciado pelos economistas que não perceberam a influência que o termo exerce sobre a chamada eficiência marginal do capital, representante matemática das expectativas futuras dos empresários capitalistas.

Segundo Kregel (1976, 217), Keynes acreditava existir uma linha divisória entre teoria de equilíbrio estacionário e teoria de equilíbrio móvel e que tal linha separava o mundo real do mundo idealizado. Os ganhos efetivos que esperamos obter, podem não ser exatamente aqueles que havíamos previsto. Salienta, portanto, a todo instante, que se faz necessário entender o método de Keynes para que não tiremos falsas conclusões apressadamente.

Para acentuar a ênfase sobre o problema de demanda efetiva nas sociedades regidas pelo modo de produção capitalista, Keynes, segundo Kregel (1985, 137), escolheu para sua análise uma hipótese de que as expectativas seriam realizadas. O que se difere completamente de outra hipótese que assegure a certeza e as informações perfeitas. Keynes tinha em mente um problema real mais urgente, que era o desemprego. Logo, sua atenção teórica se volta para esta problemática. Usar um modelo de equilíbrio estacionário para demonstrar sua ideia revolucionária foi apenas uma questão de método escolhido. Os desenvolvimentos posteriores dessa abordagem produzidos pela escola pós-keynesiana podem trazer implicações duradouras, sob uma ótica realista.

A existência de mecanismos que operam como forças atuantes numa dimensão intransitiva, cuja busca e interpretação cognitiva faz-se essencial para a apreensão da totalidade, permite aos teóricos dessa corrente de pensamento contribuir sobremaneira para o avanço das pesquisas sobre os sistemas econômicos. Exemplo disso, o desaparecimento de um corte teórico entre um lado real e outro monetário da economia. Num mundo imprevisível, a moeda pode significar segurança e reserva de valor. Uma política monetária mais expansiva pode fazer a riqueza fluir da esfera financeira para a real por meio de variações na taxa de juros e nos preços dos ativos.

Destarte, a proposta pós-keynesiana protege-se das irrealistas teses das regularidades empíricas que a tradição ortodoxa insiste em vislumbrar e mostra um forte vínculo com a filosofia crítico-realista de Lawson. Para Lee (2002, 3-4), a ontologia consistente com as proposições do senso comum da economia pós-keynesiana é o realismo crítico pois o mundo econômico consiste em eventos que são estruturados, pois são algo mais do que a experiência empírica, e são também intransitivos, na medida em que existem e ocorrem independemente de sua identificação. Por isso, segundo Lee (2002), pode-se afirmar que, após mais de quinze anos de intensos debates sobre os fundamentos da teoria pós-keynesiana, há certo consenso de que essa corrente teórica se baseia em grande medida na filosofia crítico-realista e que o método da teoria é consistente e se fundamenta no realismo crítico.

Num mundo não-ergódico, como assevera Davidson (2003), os eventos presentes e futuros não podem ser previstos em termos de probabilidade estatística. Tal proposta metodológica, ao trabalhar diante da incerteza, como afirmam Moreti e Lelis (2007, 90), coloca o futuro como algo aberto, onde várias possibilidades alternativas concorrem, portanto, devem ser vislumbradas como tendências derivadas de uma dada constituição estrutural da economia, para usar uma expressão característica dos teóricos do realismo crítico da ciência.

Além disso, Moreti e Lelis (2007, 92-93) asseveram que tanto Keynes quanto os pós-keynesianos fazem uso do chamado método da retrodução, pois partem da observação fenomênica de um determinado evento para tentarem apreender as condições que possibilitam a existência real de tais fenômenos. Logo, investigam os mecanismos, as forças atuantes e contra-atuantes, as estruturas e os mecanismos que existem na dimensão intransitiva, por detrás da manifestação real, e que dão origem às condições para que determinados comportamentos sejam observados. E nesse ponto, a tentativa de entender o comportamento dos agentes em uma economia monetária, a partir da aceitação da incerteza e da imprevisibilidade, constitui-se uma prática metodológica típica do realismo crítico.

Assim, por exemplo, dado que a moeda, para keynesianos e pós, desempenha um papel preponderante na escolha e na decisão dos agentes econômicos, como presente no pensamento de Kregel, cabe considerar na investigação científica quais os mecanismos operantes nesse tipo real de economia levam a um comportamento no qual as pessoas podem preferir reter moeda. Em outras palavras, qual o estado psicológico e o sentido de racionalidade podem daí ser capturados uma vez que tal comportamento repercute sobre o próprio sistema econômico.

Percebe-se uma estreita semelhança nessa forma de interpretação da realidade e o método da retrodução. Kregel (1976) utiliza um método que analisa os mecanismos de forças e suas tendências a partir de um cenário que vai se complexificando a cada rodada. De uma manifestação identificada por meio de diferentes e supostos tipos de equilíbrio, retorna ao mundo das expectativas que não se realizam para buscar entender por que o equilíbrio móvel torna-se o mais provável na realidade. Sua proposta ontológica, que considera as propriedades dos indivíduos e suas ações calcadas na dinâmica de incerteza do ambiente sócio-econômico, confirma o estreito laço filosófico-metodológico com o projeto desenvolvido no realismo crítico (Dow, 1999).

Portanto, podemos afirmar que a teoria pós-keynesiana busca uma visão realista do mundo econômico e social, uma vez que trabalha a partir de uma ontologia é um método que leva em conta os objetos estruturados e intransitivos. Para Lee (2002, 14-15),

Dado que o mundo econômico não é estático, uma abordagem teórica formal nunca está completa, pois sofre com modificações contínuas com dados cada vez mais recentes relativos a padrões emergentes ou configurações da realidade econômica. Por isso uma teoria econômica formal é empiricamente específica e historicamente contingente (Lee 2002, 15).5

Tal percepção leva Lee (2012, 6) a afirmar, numa clara crítica à economia neoclássica, que a teoria econômica heterodoxa não é uma doutrina pré-existente que se aplica, invariavelmente, a qualquer realidade econômica. Por se basear na integração entre o realismo crítico e o método de teoria fundamentada (method of grounded theory, ou GTM), a heterodoxia pós-keynesiana se fundamenta e se desenvolve a partir da combinação de eventos e situações reais do cotidiano, utilizando-se, para isso, do cruzamento de dados extraídos da realidade, estudos de caso, a utilização da estatística analítica, a econometria e a modelagem formal, assim como a teorização histórica. Para ele, com o intuito de firmar o pé na realidade, economistas heterodoxos estendem sua teoria para examinar questões associadas até mesmo ao processo de provisionamento social, como racismo, gênero, além de ideologias e mitos6 (Lee 2012, 4).

Para concluir, consideramos importante destacar que abordagens como as de Kregel, tratadas nesta seção, mostram a busca por uma teorização crítico-realística. Enquanto as teorias heterodoxas avançam no sentido de se aproximarem mais do mundo real e concreto, como a abordagem pós-keynesiana aqui elevada, a qual se apóia numa filosofia e numa ontologia realista, a tradição neoclássica, com seus pressupostos e fundamentos, persiste hermética a propostas mais realistas, o que se reflete nos currículos de economia, onde predomina a continuidade do caráter imutável da teoria ortodoxa dominante. Apesar dos avanços e dos importantes desdoramentos alcançados pelas vertentes heterodoxas do pensamento econômico na contemporaneidade, resta-nos questionar até quando o ensino dessa ciência continuará se pautando nas regularidades empíricas que a tradição ortodoxa insiste em vislumbrar.

Considerações finais

A realidade social necessita de uma interpretação que oblitere o caráter determinístico das visões dominantes na economia. Os momentos críticos que a economia capitalista vem apresentando de forma recorrente exigem um tratamento diferente daquele que tem sido realizado pelo mainstream dessa ciência. Problemas do cotidiano contemporâneo, como desemprego, a desigualdade social crescente, a concentração da renda e da riqueza, as instabilidades e crises do sistema mundial, e mesmo questões que envolvem intensa participação social, como o racismo, o feminismo, entre outras, precisam ser trazidas para dentro das análises econômicas.

A partir de uma proposta fundamentada na insatisfação com o positivismo, com o falseacionismo, e mesmo com as correntes relativistas e pragmáticas pós-modernistas, apresentou-se as bases do realismo filosófico. Desde a contribuição original de Roy Bhaskar, com sua proposta crítica do realismo filosófico, a grande reviravolta causada por esse projeto foi a de propor uma realidade concreta inteligível, portanto distinta do idealismo, uma vez baseada em forças gerativas que operam numa dimensão intransitiva, essencial, por detrás do fenômeno empírico e aparente. Tais mecanismos de força produzem tendências de resultados que podem ou não ocorrer, em maior ou menor intensidade, dado o conjunto complexo da estrutura em que opera.

Mostrou-se ainda que Tony Lawson buscou trazer para o seio das ciências sociais, mais especificamente para a economia, a filosofia e o método do realismo crítico de Bhaskar. O resultado foi uma apreciação das variáveis econômicas pautadas na tendência de ocorrência, utilizando para tal um método próprio do realismo crítico, o da retrodução. A partir de uma abordagem holística, da percepção do objeto intransitivo e dos sistemas abertos, característicos da realidade econômico-social, um complexo mecanismo de forças atuantes e contra-atuantes é levado em consideração, em lugar da sempre presente abstração instrumental.

Estabelecendo-se, para fins da proposta aqui demarcada, um corte teórico entre as correntes ortodoxas e heterodoxas, onde se procurou identificar a ontologia presente em ambas as vertentes, e defendendo-se o pressuposto de que as correntes consideradas heterodoxas assumem um compromisso de abordagem mais realista do mundo, caminhou-se no sentido de aproximar nosso objeto de estudo ao da escola pós-keynesiana, em especial, a partir do trabalho de Jan Kregel.

Após apresentar sucintamente suas derivações de três modelos a partir da Teoria Geral, de Keynes, iniciando pela visão mais simplista, presente no equilíbrio estático, avançando em termos de realidade para o segundo estágio, de desequilíbrio de curto prazo com estado estacionário no longo prazo, até chegar ao terceiro e mais complexo modelo, aquele que segundo o autor é o ambiente real na economia, percebemos uma forte ligação entre o método apresentado por Kregel e a proposta presente no realismo crítico de Lawson.

O resultado a que chegamos foi o de perceber que a abordagem pós-keynesiana, tendo Kregel como exemplo, nos protege das irrealistas teses das regularidades empíricas que a tradição ortodoxa insiste em vislumbrar. Não utilizar como campo de pesquisa a realidade econômica viva, concreta, com todas as suas interações sociais cotidianas é o mesmo que refugiar-se em modelos econômicos fechados, com resultados previsíveis e interesses ideologicamente objetivados. Em contrapartida, reconhecer um mundo de comportamento e resultados não-ergódicos, em que o futuro é incerto e incognoscível, onde eventos presentes e futuros não podem ser previstos em termos de probabilidade estatística, é o mesmo que avançar no terreno das ciências sociais.

Além disso, compreender que mudanças econômicas surgem através de pessoas que interagem entre si, e com estruturas sociais e políticas, significa construir uma teoria que parte de um pressuposto realista, onde a atividade econômica não é analisada independentemente do sistema social em que está inserida e do sistema de poder hierárquico que, em grande medida, é derivado dela. Revela-se, assim, o compromisso em entender a dinâmica de uma sociedade de classes, como a sociedade capitalista em que vivemos.

Referências

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  • Tutor do PET Economia UFES
  • JEL Classification
    B40; B50
  • 1
    Vale destacar que o entendimento da expressão ontologia neste trabalho segue o mesmo sentido dado por Lawson (2022), ou seja, a ciência, ou o conhecimento, sobre a natureza e a estrutura da realidade. Tal entendimento pressupõe que o método de análise a ser utilizado na investigação está, necessariamente, influenciado por esta concepção do termo ontologia. Portanto, um debate ontológico significa aqui um debate sobre a natureza ou visão de mundo que antecede, ou mesmo, determina, a teoria ou método a ser utilizado em uma investigação científica.
  • 2
    Importante destacar que quando defendemos a influência de Bhaskar sobre Lawson, no que diz respeito às teses do realismo crítico, referimo-nos a uma influência vinda das três primeiras obras de Bhaskar, que compõem a primeira fase do autor, ou seja, A realist theory of science, publicada em 1975, The possibility of naturalism (1979) e Scientific realism and human emancipation, de 1986. Tal ressalva se faz necessária pois a trajetória intelectual de Bhaskar passará por uma verdadeira “virada espiritual” no pensamento do autor, marcadamente a partir da obra From east to west: odyssey of a soul, de 2000, na virada do século, onde Bhaskar reivindicará elementos espirituais, transcendentais em seu pensamento, estabelecendo a existência de Deus como categoria fundamental do universo. Lawson se afasta e desconsidera completamente esse momento de Bhaskar como parte da filosofia do realismo crítico (Rodriguez 2020, 22-25) . Para uma análise mais detalhada sobre o tema, ver Rodriguez (2020).
  • 3
    Tal seção baseia-se nas primeiras formulações de Lawson, construída ao longo dos anos 1980 e 1990, onde a preocupação do autor concentrou-se em questões metodológicas da Economia e sua crítica ao realismo empirista (Almeida 2023). Importante frisar que em sua época mais recente, Lawson também tem se dedicado a outros temas dentro da ciência econômica, como em Nature and state of modern economics, de 2015, para os quais o debate filosófico sobre o realismo na ciência não se faz tão central na investigação.
  • 4
    Importante destacar que Almeida (2023) divide a trajetória científica e filosófica de Tony Lawson em três fases, onde, na primeira, correspondente aos anos de 1980 e 1990, o autor se dedica a realizar uma crítica metodológica à teoria das Ciências Econômicas, na qual as contribuições de Keynes e Roy Bhaskar são fundamentais, uma vez que preparam o caminho para aquela que seria a segunda fase, que vai de 1998 a 2009, onde a ênfase recai na perspectiva filosófica do realismo crítico. A partir de 2009, período consagrado à “virada ontológica”, Lawson passa a referenciar sua teoria como uma ontologia social, dando destaque à teoria do “posicionamento social” como unidade ontológica essencial para o entendimento das ciências sociais de modo geral. Para mais sobre o assunto, ver Almeida (2023).
  • 5
    “As the economic world is not static, a formal theory is never complete, but undergoes continual modification with ever newer data relating to newly emerging patterns or configurations of economic reality. (...) Consequently, the formal economic theory is empirically specific, historically contingent” (Lee 2022, 14-15).
  • 6
    “Heterodox economists extend their theory to examining issues associated with the process of social provisioning, such as racism, gender, and ideologies and myths (Lee 2012, 4).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    12 Nov 2022
  • Revisado
    09 Fev 2024
  • Aceito
    13 Mar 2024
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