Acessibilidade / Reportar erro

Trânsitos e circulações de mundos: comparar literaturas na África

Transits and Circulations of Worlds: Comparing Literatures in Africa

RESUMO

O presente artigo, após uma análise crítica preliminar da presença da África nos estudos em torno da Literatura-mundo, propõe pensar a inclusão de autores e obras africanos/as no debate sobre a questão a partir do paradigma da mobilidade de Achille Mbembe. Em Sair da grande noite: ensaio sobre África descolonizada (2019MBEMBE, Achille. Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada. Petrópolis: Editora Vozes, 2019. ), Mbembe pensa a África e as suas produções culturais em perspectiva “afropolitana”, isto é, não apenas por meio da oposição binária centro/periferia, mas a partir das possibilidades abertas pelas múltiplas circulações alternativas que proliferaram nas últimas décadas, colocando o continente no cerne de uma densa rede de trocas globais. Trata-se de um outro “afrotopos”, como diria Felwine Sarr, mudança epistemológica que obrigaria a reconsiderar também a maneira de pensar as literaturas e as culturas no continente africano, destacando justamente as densas relações e circulações de caráter mundial que as moldam.

Palavras-chave:
Literatura-mundo; literatura comparada; literaturas africanas; eurocentrismo; circulação

ABSTRACT

The present article, after a preliminary critical analysis of the presence of Africa in studies around World Literature, proposes to think about the inclusion of African authors and works in the debate on the issue from Achille Mbembe’s mobility paradigm. In Out of the Dark Night: Essays on Decolonization (2019MBEMBE, Achille. Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada. Petrópolis: Editora Vozes, 2019. ), Mbembe thinks about Africa and its cultural productions from an “Afropolitan” perspective, that is, not only through the binary opposition center/periphery but from the possibilities opened by the multiple alternative circulations that have proliferated in recent decades, placing the continent at the heart of a dense network of global exchanges. This is another “afrotopos”, as Felwine Sarr would say, an epistemological change that would force us to reconsider the way we think about literature and cultures on the African continent, highlighting precisely the dense global relations and circulations that shape them.

Keywords:
World Literature; Comparative Literature; Africans Literatures; Eurocentrism; Circulation

O universo da Literatura Comparada e dos Estudos Comparatistas tem sido, nas últimas duas décadas, dominado pela reflexão crítica em torno da chamada World Literature - Literatura-mundo, em português, como propõe Helena Carvalhão Buescu (2013BUESCU, Helena Carvalhão. Experiência do incomum e boa vizinhança: literatura comparada e literatura-mundo. Porto: Porto Editora, 2013. )1 1 Escreve a estudiosa: “O que, sim, julgo importante no contexto português é a percepção da riqueza e da diferenciação interna das comunidades, percebendo ao mesmo tempo que elas não fazem perigar, antes realçam, a partilha de problemas, interrogações, experiências, formas e temas. Através do conceito de literatura-mundo podemos encontrar um ponto de observação privilegiado em português. Esse ponto de observação não se limita a (embora integre) o uso de uma língua em comum: em português não é apenas em língua portuguesa, estritamente falando. É uma forma de observar que concorre para aquele ‘modo especial de leitura’ que David Damrosch (2003) considera caracterizar a world literature: não tanto uma soma de textos cuja canonização dependesse de critérios nacionais; não tanto uma forma de pré-definição de um centro e das suas periferias; mas sobretudo uma forma de ler que aceita o caráter supranacional de certos fenómenos estéticos e literários, e que lhes reconhece capacidade trans-histórica (e por isso mesmo não a-histórica).” (Buescu, 2013, pp. 35-36). . Desde as propostas divergentes - e algumas particularmente polêmicas - de Pascale Casanova (1999CASANOVA, Pascale. La République mondiale das Lettres. Paris: Seuil, 1999. ), Franco Moretti (2000MORETTI, Franco. Conjectures on World Literature. New Left Review, 1, pp. 54-68, jan.-fev. 2000./2003MORETTI, Franco. More Conjectures. New Left Review , 20, pp. 73-81, mar.-apr. 2003.) e David Damrosh (2003), o campo de estudo foi atravessado por profundas inovações, como assinalam Eduardo Coutinho (2019COUTINHO, Eduardo. Nuevos rumbos del comparatismo: literatura comparada y literatura-mundo. El hilo de la fábula: Revista anual del Centro de Estudios Comparados, Diecinueve, pp. 15-24, 2019.) e Ursula Heise (2017HEISE, Ursula (Org.). Futures of Comparative Literature: ACLA State of the Discipline Report. New York: Routledge , 2017.), estimulando numerosos e prolíficos debates com ênfase na tradução e no multilinguismo (Apter, 2006APTER, Emily. The Translation Zone: A New Comparative Literature. Princeton: Princeton University Press, 2006.), nas formas de abordar o texto literário (Moretti, 2013MORETTI, Franco. Distant Readings. London: Verso 2013.) e nas dinâmicas centro/periferia na produção e circulação das obras (WReC 2020WReC − Warwick Research Collective. Desenvolvimento combinado e desigual: por uma nova teoria da literatura-mundial. Campinas: Editora Unicamp, 2020.), entre outras perspectivas.

Relevantes projetos científicos e editoriais foram também implementados. Veja-se como exemplo o trabalho de David Damrosch, Theo D’Haen, Longxi Zhang e Francesca Orsini, Editors-in-Chief da revista Journal of World Literatures, que, de 2016 até 2022, publicou 28 números de caráter certamente multicultural, multitemporal e multilinguístico, sublinhando a necessidade de abordagens específicas e heterogêneas. De acordo com Eduardo Coutinho (2019COUTINHO, Eduardo. Nuevos rumbos del comparatismo: literatura comparada y literatura-mundo. El hilo de la fábula: Revista anual del Centro de Estudios Comparados, Diecinueve, pp. 15-24, 2019., pp. 20-21):

Os cursos de literatura do mundo são geralmente multitemporais e multiculturais, podendo incluir obras de épocas e lugares muito diversos, inclusive produzidos em uma expressão linguística marginalizada, como o livro Meu nome é Rigoberta Menchú. Essa visão da literatura mundial como uma paisagem ampla e abrangente foi apreciada tanto por comparatistas que buscam uma escala planetária como uma reação a todos os tipos de etnocentrismo quanto por aqueles que criticaram o globalismo por suas implicações de ordem imperialista ou por relegar para o segundo plano os estudos de literatura mais focados no texto. No entanto, esse novo paradigma também trouxe alguns problemas, como a mediação entre uma abordagem mais genérica da literatura e outra de sentido mais atomístico, como a que os norte-americanos têm chamado de close reading, presente, por exemplo, em correntes denominadas imanentistas ou intrínsecas. [...] Em todos esses casos, a perspectiva adotada pelo comparatista está sempre condicionada ao seu locus de enunciação, porque os padrões de circulação global da literatura-mundo tomam forma em suas manifestações locais2 2 No original: “Los cursos de literatura-mundo son en general multitemporales y multiculturales, y pueden abarcar obras provenientes de tiempos y lugares bastante distintos, incluso producidos en una expresión lingüística dejada a la orilla, como el libro Me llamo Rigoberta Menchú. Esta visión de la literatura-mundo como un paisaje amplio y abarcador ha sido apreciada tanto por los comparatistas que están en búsqueda de una escala planetaria como reacción a todo tipo de etnocentrismo como por los que han criticado el globalismo por sus implicaciones de orden imperialista o por relegar a un segundo plano los estudios de literatura más centrados en el texto. Sin embargo, este nuevo paradigma ha portado también algunos problemas, como el de la mediación entre un abordaje de carácter más genérico de la literatura y otro con un sentido más atomístico como el que los norteamericanos han designado de close reading, presente, por ejemplo, en las corrientes llamadas inmanentistas o intrínsecas. [...] En todos esos casos, la perspectiva adoptada por el comparatista está siempre condicionada a su locus de enunciación, porque los patrones globales de circulación de la literatura-mundo toman forma en sus manifestaciones locales.” . (Tradução minha).

Dentro desse amplo e estimulante panorama, marcado por certa abertura e ampliação dos horizontes de leitura e análise, tornar-se-ia, no entanto, necessário pensar qual a presença que o continente africano - as suas específicas geografias literárias e culturais, bem como as próprias obras de autores africanos - ocupa. De que maneira as peculiaridades estéticas e formais, bem como as contingências políticas das múltiplas Áfricas, entram no debate contemporâneo acerca da Literatura-mundo - debate cuja genealogia é certamente europeia (Buschmeier, 2018BUSCHMEIER, Matthias. “Western” Histories of World Literature. Journal of World Literature, v. 3, issue 4, pp. 524-551, 2018. ).

De fato, quando se pensa a África na Literatura-mundo, o que é predominantemente debatido refere-se apenas a um restrito corpus de obras e um conjunto de autores que, por ter uma projeção global e o reconhecimento nos circuitos acadêmicos e editoriais euro-estadunidenses, passa a ser considerado como um patrimônio mundial. É o caso, entre outros, dos escritores sul-africanos J. M. Coetzee e Nadine Gordiner. Mais recentemente, dos nigerianos radicados nos Estados Unidos Chimamanda Ngozi Adiche e Teju Cole, entre outros3 3 Embora quantitativamente menores, existem obviamente algumas importantes excepções. Veja-se, apenas como exemplo, o dossiê temático “Contemporary Congolese Literature as World Literature”, organizado por Julien Jeusette e Silvia Riva (2021). . Diferentes nomes são, eventualmente, convocados: os prêmios Nobel do continente, assim como figuras de destaque dentro de determinados universos linguísticos, quais o inglês, o francês e, em menor medida, o português - de qualquer forma, quase exclusivamente línguas europeias. Essas considerações levantariam, portanto, um conjunto de problemáticas que seria necessário, mesmo que de forma singela, abordar.

Três questões poderiam ser destacadas: em primeiro lugar, a hegemonia da língua inglesa e, em termos de gêneros literários, a do romance. Como apontam Alexander Fyfe e Madhu Krishnan em “African Literatures and the Problem of ‘The World’” (2022 FYFE, Alexander; KRISHNAN, Madhu (Eds.). African Literatures as World Literatures . New York; London; Oxford; New Delhi; Sydney: Bloomsbury Academic , 2022.), a maioria dos estudos sobre Literatura-mundo que se debruçam sobre a África - geralmente desenvolvidos nas geografias acadêmicas euro-estadunidenses - tem como referência apenas o romance escrito em língua inglesa. Numericamente inferiores são as investigações que incluem obras em francês; ainda menores as relativas ao universo literário africano em língua portuguesa - este último restrito apenas aos especialistas da área. É obviamente necessário evidenciar, mais uma vez, a clamorosa ausência de qualquer debate em torno das obras escritas originariamente nas línguas africanas.

Rara é também a presença de poetas e dramaturgos, como se a experiência literária africana e a contribuição das obras literárias escritas na África pudessem, de fato, reduzir-se apenas ao romance. Nesse cenário, o universo da língua portuguesa oferece uma sugestiva excepção. Refiro-me às antologias Literatura-mundo comparada: Perspectivas em português - Mundos em português (2017BUESCU, Helena Carvalhão; MATA, Inocência. Literatura-mundo comparada: Perspectivas em português - Mundos em português. Lisboa: Tinta-da-China, 2017.), volumes 1 e 2, organizadas por Helena Carvalhão Buescu e Inocência Mata. Divididas em dez seções ou linhas temáticas4 4 A saber: (1) Conflito e violência; (2) Memória e vida; (3) Humor, sátira e ironia; (4) Poesia sobre poesia; (5) Viagens e (des)conhecimento do outro; (6) Amor e experiência; (7) História e identidade; (8) Cartografias da tradição; (9) Literatura e condição humana; (10) Língua e variação. , as antologias colocam em diálogo a poesia de Almeida Garrett com a de José Luiz Tavares e Odete Semedo; a de Agostinho Neto, Castro Alves e Luís de Camões com a escrita de, entre outros, António Lobo Antunes, Lília Momplé e Graciliano Ramos. À multiplicidade geográfica e temporal caraterística dos trabalhos em torno da Literatura-mundo, os dois primeiros volumes da antologia organizada por Buescu e Mata acrescentam também a variedade de gêneros literários, costurando contatos e proximidades entre autores aparentemente distantes - distância exacerbada tanto pelas fragmentações disciplinares quanto por questões históricas, contextuais e políticas.

Em segundo lugar, é também oportuno destacar a experiência pessoal e literária dos autores africanos frequentemente mencionados nos estudos em torno da Literatura-mundo. Trata-se predominantemente ou de autores de clara descendência europeia - os já mencionados J. M. Coetzee e Nadine Gordimer, mas também João Paulo Borges Coelho5 5 O número 40 da revista brasileira Via Atlântica, “A Literatura-Mundial e o Sistema-Mundial Moderno”, organizado por Emanuelle Rodrigues dos Santos, Mário César Lugarinho e Paulo de Medeiros, aborda a questão da Literatura-mundo a partir da perspectiva proposta pelo Warwick Research Collective (2020). Dentro dos romancistas africanos discutidos no número, João Paulo Borges Coelho é o que tem maior destaque. , olhando para a língua portuguesa - ou de autores de classe média/média alta, radicados no eixo Londres/Nova Yorque, cidades que têm também uma certa relevância nas geografias encenadas por esses autores. Isto é, não se trata apenas de autores que vivem determinadas latitudes, como também escrevem sobre elas. É o caso, por exemplo, do belíssimo romance Open city(2010), de Teju ColeCOLE, Teju. Open City. Faber & Faber, London, 2012., obra frequentemente citada quando se discute sobre o cosmopolitismo dos escritores africanos contemporâneos.

Quer a priori, ou seja, o país de nascimento, a descendência, os laços familiares e culturais; quer a posteriori, a vivência nas geografias de uma determinada diáspora (a da classe média e média/alta), a África que habita o debate sobre Literatura-mundo é uma África estritamente ligada ao ocidente euro-estadunidense. Grace Musila (2016MUSILA, Grace A. Part-Time Africans, Europolitans and “Africa lite”. Journal of African Cultural Studies, v. 28, n. 1, pp. 109-113, 2016.), docente em Johannesburg, em seu ensaio “Part-Time Africans, Europolitans and ‘Africa lite’” destaca o impacto e a relevância do leitor euro-estadunidense por trás do sucesso de crítica e público de determinados autores e autoras. Para ela, o público “ocidental”, também acadêmico, teria um certo interesse e uma certa paixão pela África desde que seja relativamente pouco africana - apenas o suficiente, talvez, para satisfazer um certo exotismo, uma certa demanda para um produto outro que, no entanto, compartilhe determinados códigos. De acordo com Grace Musila, tratar-se-ia de depurar o romance africano da complexidade do continente, para que o leitor e a leitora euro-estadunidense não fiquem demasiado perturbados. Perturbação que envolve, a meu ver, tanto o plano formal - dentro de uma certa sensibilidade literária europeia ou “ocidental” parece haver muito pouca abertura para a existência de outros mundos, inclusive linguísticos, no ofício literário -, como envolve também o plano ético: ler sobre o cosmopolitismo da elite africana contemporânea permitiria retirar determinados graus de violência do presente, inibindo também de olhar para a precariedade, a violência e a responsabilidade histórica do imperialismo ocidental no próprio continente africano.

Como Grace Musila, também Brian Bwesigye (2013BWESIGYE, Brian. Brian Bwesigye Interview. 2013. Youth Village: Youth Village: https://youthvillage.co.za/2013/10/brian-bwesigye-interview/ . Acesso em: 15 mar. 2023.
https://youthvillage.co.za/2013/10/brian...
), autor e crítico ugandês, tece algumas, no seu caso, irônicas críticas a essa literatura africana “ocidentalizante”. Para ele, seria uma forma de a elite africana cosmopolita lembrar da própria africanidade. Uma maneira de provar a africanidade de elites culturalmente londrinas (London-minded elites). Parafraseando as palavras de uma jovem escritora nigeriana, chamada Faith, entrevistada por Noor Saro-Wiwa, filha do escritor e ativista nigeriano Ken Saro-Wiwa, no seu livro Looking for Transwonderland (2012SARO-WIWA, Noor. Looking for Transwonderland: Tavels in Nigeria. London: Granta Books, 2012. ), para ser um escritor nigeriano é necessário viver a diáspora. Os leitores não estão interessados em ler nigerianos publicados na Nigeria.

O que está em discussão não é, obviamente, a africanidade maior ou menor desse conjunto de escritores e das suas respectivas obras, que são, obviamente, africanas. Não se trata, portanto, de reproduzir nenhum tipo de essencialismo identitário nem qualquer fetichismo para a pureza das origens, suposta ou imaginada. Tampouco reduzir a complexidade do debate à oposição binária entre experiência nômade versus sedentária - roots versus routes, como sintetiza Paul Gilroy (2012GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Editora 34, 2012.). O que é efetivamente problemático é o fato de essas referências, frequentemente justificadas a partir de um supostamente objetivo “valor literário”, monopolizarem o debate sobre a África na Literatura-mundo, e de a grande maioria de obras e de autores mencionados nos estudos em torno da Literatura-mundo na África estarem estritamente ligados às geografias euro-estadunidenses, reduzindo, em termos formais, linguísticos e estéticos, assim como em termos políticos e até mesmo culturais, a pluralidade de um continente historicamente moldado por processos de imersão e dispersão, como escreve Achille Mbembe (2019MBEMBE, Achille. Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada. Petrópolis: Editora Vozes, 2019. ).

Não se trata, também, de questionar o “valor” literário de figuras quais Nadine Gordimer, Teju Cole ou João Paulo Borges Coelho, mas sublinhar, com Paul Gilroy, a necessidade de “rastrear as origens dos sinais raciais a partir dos quais se construiu o discurso do valor cultural e suas condições de existência” (Gilroy, 2012GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Editora 34, 2012., p. 44). O valor, a noção de qualidade literária e/ou cultural, constituiu-se historicamente em determinadas geografias, moldando sensibilidades6 6 Veja-se também o ensaio “Literatura-Mundo em Português: encruzilhadas em África” (2013), de Inocência Mata. . Olhar para África em perspectiva comparativa ou dentro dos anseios da Literatura-mundo deveria convidar à abertura também epistemológica. Citando Armando Gnisci, comparatista italiano com o olhar projetado para fora do “ocidente”:

A literatura mundial não é mais o sistema de valores estéticos e culturais europeus projetados mais ou menos sub-repticiamente no mundo, mas é a dimensão concreta da produção, da recepção e dos estudos literários hoje. O escritor e o estudioso que estão fora dessas coordenadas finalmente gerais devem ser reeducados ou tocados. Em suma, quero afirmar que: a única teoria e metodologia que pode ser proposta nos estudos interculturais - literários e não literários - consiste na apreciação preliminar e específica do grau histórico e pessoal de envolvimento e conhecimento dos parceiros epistêmicos em jogo. E o jogo, hoje, é o mais geral que já foi jogado no curso da humanidade7 7 No original: “La letteratura mondiale non è più il sistema di valori estetici e culturali europei proiettati più o meno sur-rettiziamente sul mondo ma è la dimensione concreta della produzione, ricezione e studio letterario oggi. Lo scrittore e lo studioso che sta fuori di queste coordinate finalmente generali bisogna che si rieduchi otoccia. Insomma, voglio affermare che: l’unica teoria e metodologia proponibili negli studi interculturali - letterari e non - consistono nel preliminare e specifico apprezzamento del grado storico e personale dicoinvolgimento e di conoscenza dei partner epistemici in gioco. E il gioco, oggi, é quello più generale chesia mais stato giocato nel corso dell’umanità.” (Gnisci, 2003, p. 25). . (Tradução minha).

Essas considerações, bem como o convite de Armando Gnisci para pensarmos os valores estéticos em conjunto com outros parceiros epistêmicos, introduzem a terceira e última problemática. Se a África entra no debate sobre Literatura-mundo apenas por meio de um conjunto de obras que, por sua projeção internacional (ou pelo menos euro-estadunidense), passam a ser consideradas como um patrimônio mundial, por outro lado parece não haver espaço para interrogações teóricas e conceituais que conversem com as especificidades ou as propostas africanas. No plano teórico, de produção de conhecimento e construção de ferramentas conceituais, pensadores e teóricos africanos são interlocutores frequentemente silenciados - “parceiros” epistêmicos à margem.

Diversos fatores participam dessa dinâmica de desvalorização moderna, mais ou menos ambígua, do pensamento africano como interlocutor. Desvalorização moderna, pois, como aponta Sophie Bessis em seu L’occident et les autres: Histoire d’une suprématie (2001BESSIS, Sophie. L’Occident et les autres. Histoire d’une suprématie. Paris: La Découverte, 2001. ), é a partir da época moderna que a densa rede de trocas intelectuais que existia entre Europa e África - principalmente o norte do continente -, de fato, é interrompida pela construção de hierarquias entre os saberes que se querem inabaláveis.

Felwine Sarr, em seu ensaio Afrotopia (2021SARR, Felwine. Afrotopia. Lisboa: Antígona, 2021. ), denuncia como a lógica tecnicista que organiza os ritmos da vida e o pensamento no “ocidente” continua a projetar sobre a África o estigma da carência, cujas palavras-chaves são “desenvolvimento”, “emergência” (econômica, sanitária, demográfica, ambiental), “crescimento”, “luta contra a pobreza”. Amparados pela frieza dos indicadores estatísticos, a narrativa ocidental da carência inibe qualquer olhar sobre as específicas formas de sociabilidade nas múltiplas Áfricas; sobre a relação do eu com o divino, por exemplo; sobre as mitologias do cotidiano e, portanto, sobre como tais visões do mundo entram no campo literário como formas de pensar o eu (self), a África e, também, o mundo visto da África.

Tal “narrativa da carência” não é, obviamente, uma invenção contemporânea, mas mantém as suas raízes amparadas no pensamento colonial, segundo o qual a África seria ora o lócus de negação de valores, e os africanos ontologicamente Outros (Fanon, 1961FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1961. ), ora o espaço de uma humanidade em atraso, isto é, não simultânea. Amparado numa construção linear de progresso, liderado pelo ocidente, o pensamento africano seria condenado a ser sempre intempestivo. Tal intempestividade torná-lo-ia um pensamento definitivamente local, a negação de qualquer pretensão universal.

Destas constatações surgem pelo menos duas consequências evidentes, que podem ser sintetizadas como negligência e inadequação. Negligência, pois iniciativas, movimentos, festivais africanos com projeção internacional e transnacional - que, inclusive, se interrogam sobre o Mundo a partir da África - são, parcial ou totalmente, ausentes no debate euro-americano, embora levantem questões fulcrais para pensar a inserção contemporânea da África no mundo e no debate sobre Literatura-mundo, como analisa Claire Ducournau em “African Cultural Festivals and World Literature” (2019DUCOURNAU, Claire. African Cultural Festivals and World Literature. Journal of World Literature , v. 4, issue 2, pp. 237-257, 2019.).

Apenas para trazer alguns exemplos, Munyao Kilolo, no ensaio “African Multilingualism as an Asset in World Literature” (2022KILOLO, Munyao. African Multilingualism as an Asset in World Literature: A Case Against Cultural Conformity and Uniformity. In: FYFE, Alexander; KRISHNAN, Madhu (Eds.). African Literatures as World Literatures . New York; London; Oxford; New Delhi; Sydney: Bloomsbury Academic , 2022. pp. 139-152. ), destaca o projeto editorial do coletivo panafricanista Jalada, voltado para a publicação, a disseminação e a tradução, em línguas africanas, de autores do continente. Por sua vez, em “New Cartographies for World Literary Space” (2022), Zamda GuezaGUEZA, Zamda R.; WALLIS, Kate. New Cartographies for World Literary Space: Locating Pan-African Publishing and Prizing. In: FYFE, Alexander; KRISHNAN, Madhu (Eds.). African Literatures as World Literatures . New York; London; Oxford; New Delhi; Sydney: Bloomsbury Academic , 2022. pp. 153-182. e Kate Wallis debruçam-se sobre o prêmio literário Mabati Cornell Kiswahili, voltado para obras escritas em swahili, mostrando as possibilidades de pensar a circulação literária fora do eixo centro/periferia. Outras iniciativas deveriam ser mencionadas como formas de inserção do continente no espaço literário mundial. O Aké Festival, em Lagos, mas também o Festival Literatura-mundo do Sal, em Cabo Verde, que na última edição - junho de 2022 com a curadoria científica de Inocência Mata -, ao homenagear o cosmopolita8 8 Sobre o cosmopolitismo da poesia caboverdiana e, em particular, o de João Vário, Arménio Vieira e José Luiz Tavares, veja-se Silva (2013). poeta caboverdiano João Vário e o escritor malinês Amadou Hampâté Bâ, propôs um instigante debate sobre a oralidade, elemento incontornável para pensar a literatura na África e também no mundo - sem as múltiplas ligações e influências do patrimônio oral não teríamos, entre outras obras primas do cânone ocidental, A Comédia, de Dante Alighieri, ou o Decameron, de Giovanni Boccaccio. Ao longo das suas quatro edições, que tiveram extensões também fora da África, em Portugal e na Itália, figuras de destaque no panorama literário em português, mas não só, circularam pelo arquipélago africano: a poetisa angolana Paula Tavares; os caboverdianos Arménio Vieira, Evel Rocha, Filinto Elísio - juntamente com Márcia Souto, organizadores do festival e editores da Rosa de Porcelana, editora com publicações em português, caboverdiano, espanhol e italiano -, Germano Almeida, José Carlos Fonseca e José Luiz Tavares, entre outros; os brasileiros Geovani Martins e Julián Fuks; o moçambicano Luís Carlos Patraquim; os portugueses Afonso Reis Cabral, Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto e Henrique Levy, poeta atlântico - cidadão português com nacionalidade caboverdiana radicado nos Açores -; a são-tomense Conceição Lima. Outros autores também participaram no festival, no entanto, esse conjunto de nomes é suficiente para compreender o impacto e a dimensão do festival no universo literário em português, embora a sua proposta não se reduza a essa língua ibérica. Se a quarta edição estabeleceu constante diálogos com o francês, por meio das homenagens a Amadou Hampâté Bâ e da presença do filósofo e escritor senegalês Hamidou Kassé, a quinta edição, em junho de 2023, escolheu o diálogo com o universo literário italiano, ao homenagear Antonio Tabucchi. Nesse panorama multilinguístico destaca-se ainda a presença constante da língua caboverdiana, que culminará com a outra homenageada da edição de 2023, a linguista Dulce Almada Duarte, cujos trabalhos sobre o “crioulo caboverdiano” (1968DUARTE, Dulce Almada. Bilinguismo ou diglossia?: as relações de força entre o crioulo e o português na sociedade cabo-verdiana. Praia: Spleen Edições, 1968.) são certamente pioneiros. As diversas edições elegeram, portanto, a Ilha do Sal, em Cabo Verde, como espaço de convergência e confluência de mundos, bem como lócus de reflexão privilegiado para pensar a mundanidade da experiência literária africana.

A outra consequência, como antecipei, é a inadequação, ou a parcial adequação, de certos modelos, propostos como modelos úteis para pensar também a África, mas que efetivamente ignoram qualquer produção de conhecimento na África - aliás, propõem, ainda, teorias e construções conceituais cuja genealogia é estritamente europeia. Refiro-me ao texto Desenvolvimento combinado e desigual: para uma nova teoria da literatura-mundo (2020), do Coletivo de Pesquisa de Warwick. Duas das suas referências fulcrais, Franco Moretti (2000MORETTI, Franco. Conjectures on World Literature. New Left Review, 1, pp. 54-68, jan.-fev. 2000.) e o Frederic Jameson da “literatura do terceiro-mundo” (1986JAMESON, Fredric. Third-World Literature in the Era of Multinational Capitalism. Social Text, Durham, n. 15, pp. 65-88, autumn 1986.), já foram suficientemente discutidas e criticadas (Ahmad, 1992AHMAD, Aijaz. Jameson’s Rhetoric of Otherness and the “National Allegory”. In: AHMAD, Aijaz. Theory: Classes, Nations, Literatures. London: Verso, 1992. pp. 95-112.; Sánchez-Prado, 2006SÁNCHEZ-PRADO, Ignacio M. (Ed.). América Latina en la “literatura mundial”. Pittsburgh: Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana; Universidad de Pittsburgh, “Biblioteca de América”, 2006. ), portanto, não há a necessidade de demorar sobre isto. É suficiente lembrar, com Ignacio Sanchez Prado em seu La literatura mundial en la América Latina (2006), que nem sempre a escrita literária e a produção cultural podem ser lidas a partir das relações de poder e proliferação de modelos entre centro/periferia/(semi)periferia. Ou que existem redes de trocas intelectuais e artísticas, mas também de visões de mundo e construção de afinidades afetivas, completamente indiferentes aos ditames do centro, como lembra Silviano Santiago no seu célebre ensaio O cosmopolitismo do pobre (2004SANTIAGO, Silviano. O cosmopolitismo do pobre. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.): as Kizombas de Martinho da Vila, os encontros internacionais de arte negra, a experiência artística de Clara Nunes, a “mineira guerreira, filha de Ogum com Yansã”, estabelecem diálogos e solidariedades entre o sul global que não dependem dos mandamentos de Washington ou de Lisboa.

Deveria ainda se destacar a recusa, categórica, das contribuições dos Estudos pós-coloniais, dos estudos étnicos, feministas e culturais, considerados pelo Coletivo de Pesquisa de Warwick como fora do prazo de validade: “a emergência de várias novas iniciativas - entre elas, o pós-colonial, os próprios estudos étnicos e feministas, os estudos culturais, as intervenções epistemológicas e metodológicas do pós-estruturalismo, do pós-moderno e da desconstrução -, talvez o momento atual seja marcado pelo reconhecimento que essas ‘novas formações’ tenham ultrapassado suas datas de validade” (2000, p. 21). Ainda, a imposição - problemática e talvez um tanto arrogante - de uma única modernidade, invalidando décadas de reflexões prolíficas em torno daquelas que foram chamadas “modernidades alternativas” ou “modernidades periféricas”, ou ainda “modernidades múltiplas” - isto é, atravessadas por diversas temporalidades, todas simultâneas. Penso nas propostas de Dipesh Chakrabarty (2000CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press , 2000.), de Dilip Gaonkar (2001GAONKAR, Dilip Parameshwar. Alternative Modernities. Durham: Duke University Press, 2001. ), de Paul Gilroy sobre a modernidade do Atlântico negro (2012GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Editora 34, 2012.), ou de Beatriz Sarlo sobre modernidade periférica, vista a partir de Buenos Aires (2005SARLO, Beatriz. Una modernità periferica: Buenos Aires 1920-1930. Macerata: Quodlibet, 2005. ). Não surpreende, portanto, que até a palavra Ocidente, homogeneizante e tendente à essencialização, conforme a leitura que o Coletivo de Pesquisa de Warwick propõe (2020, pp. 68-69), seja obliterada em favor de um “sistema-mundo capitalista” - como se a sua emergência e consolidação não fossem geograficamente rastreáveis. Karima Laachir, Sara Marzagora e Francesca Orsini, em “Significant Geographies” (2018LAACHIR, Karima; MARZAGORA, Sara; ORSINI, Francesca. Significant Geographies. Journal of World Literature , v. 3, issue 3, pp. 290-310, 2018. ), sintetizam magistralmente parte das problemáticas que emergem da proposta do Coletivo:

Esses modelos globalizantes enfatizam a estrutura em detrimento do agenciamento. Claro, assim como outros atores sociais, escritores e oradores operam em contextos em que a criatividade individual e o agenciamento são limitados pelas estruturas socioeconômicas existentes. Mas modelos determinísticos como os do Warwick Research Collective ou do Moretti usam estruturas derivadas das ciências sociais, como a teoria do sistema mundo, para explicar fenômenos literários, incluindo escolhas estilísticas, de uma forma que se torna plana e reducionista. E quando essas análises se estendem à produção, circulação e recepção literária em todo o mundo além da Europa, a complexidade do mundo literário é reduzida a quadros econômicos ou políticos como o “sistema capitalista global” ou o “império”, que inevitavelmente encorajam modelos de “difusão” e “assimilação” de literaturas não-ocidentais em categorias ocidentais (Mufti) e direcionam a atenção para algumas formas literárias (o romance, principalmente, ou travelogue) e afastam-se de outras que, por mais mundanas que sejam, tornam-se “não-mundo”9 9 No original: “Such globalizing models emphasize structure at the expense of agency. Of course, just like other social actors, writers and orators operate in contexts where individual creativity and agency are limited by existing socio-economic structures. But deterministic models like the Warwick Research Collective’s or Moretti’s use frameworks derived from the social sciences like world system theory to explain literary phenomena, including stylistic choices, in a way that becomes flat and reductionist. And when these analyses extend to literary production, circulation and reception across the world beyond Europe, the complexity of the literary world gets reduced to economic or political frames such as the ‘global capitalist system’ or ‘empire’ that inevitably encourage models of ‘diffusion’ and ‘assimilation’ of non-Western literatures into Western categories (Mufti) and direct attention to some literary forms (the novel, principally, or the travelogue) and away from others which, however worldly they may be, become ‘not-world’.” (Laachir; Marzagora; Orsini, 2018, p. 292). . (Tradução minha).

Quais poderiam ser, portanto, maneiras para pensar a Literatura-mundo na África, para pensar formas de construir pontes entre específicas geografias do norte e do sul global, sem cair na armadilha da homogeneização ou do assimilacionismo? Tendo as produções literárias na África como fonte primária de reflexão - não apenas como uma quantitativamente modesta lista de nomes a ser incluídos no mapa-múndi literário do ocidente -, quais dinâmicas emergiriam?

Dois estudos recentes apontam para o movimento, a circulação de mundos e nos mundos - com os seus desdobramentos estéticos e políticos - como dinâmicas chaves para ler e comparar as literaturas na África. Não apenas os processos de disjunção e dispersão caraterísticos das diásporas, nem, obviamente, o cosmopolitismo das elites, mas uma ideia de cultura e de produções literárias moldadas por seculares processos de encontros e de colisões entre alteridades, que tiveram lugar principalmente, mas não só, no continente africano. Refiro-me às coletâneas de ensaios Afropolitan Literatures as World Literatures (2020HODAPP, James. Afropolitan Literatures as World Literatures. New York; London; Oxford; New Delhi; Sydney: Bloomsbury Academic , 2020. ), organizada por James Hodapp, e African Literatures as World Literatures, publicada em dezembro de 2022 FYFE, Alexander; KRISHNAN, Madhu (Eds.). African Literatures as World Literatures . New York; London; Oxford; New Delhi; Sydney: Bloomsbury Academic , 2022. por Madhu Krishnan e Alexander Fyfe. Trata-se de estudos marcados por diferenças conceituais profundas - em primeiro lugar, a autoridade da experiência cosmopolita no contexto africano -, no entanto, ambas as propostas apontam para a urgência de decifrar o impacto dos movimentos individuais, coletivos, culturais, físicos e metafóricos na produção artística e literária africana.

O mais recente, African Literatures as World Literatures, para além de denunciar o desinteresse euro-americano para com as iniciativas literárias na África, propõe pensarmos o mundo não enquanto uma abstração - um modelo, ou um sistema, supostamente regrado por leis (como, por exemplo, as do mercado) -, mas enquanto geografias concretas, reais ou imaginadas, que determinadas comunidades linguísticas, determinados textos e autores habitam e/ou produzem. Trata-se de uma forma de mapear trajetórias e trajetos que habitam o próprio texto, destacando a experiência subjetiva e/ou coletiva de um determinado autor ou de um determinado grupo. Vejam-se, apenas como um exemplo dentro dos muitos possíveis, as literaturas em línguas semíticas do Corno da África, como as em língua tigrínia. Trata-se, principalmente, de literaturas orais cujas composições poéticas têm um valor litúrgico, mas também político - é o caso dos chamados melques, que são cantos-lamentações. Ou do massè e do aulò, cantos-poemas em rima, declarados para louvar, condenar, culpar ou defender-se de uma condenação. O universo cultural árabe, especialmente o da vizinha península arábica, oferece justamente o substrato linguístico e cultural. No entanto, várias geografias sobrepõem-se, como na obra da poetisa Ribka Sibhatu. Refiro-me à coletânea de poemas e memórias Aulò, canto-poesia dall’Eritrea (1993SIBHATU, Ribka. Aulò, canto-poema dall’Eritrea. Roma: Sinnos Editrice, 1993.), escrita primeiramente em tigrínia e posteriormente traduzida em italiano pela própria poetisa. Estamos perante um texto híbrido, que mescla memórias em prosa e em poesia e no qual se misturam múltiplas geografias e diversos modelos literários. O conflito entre Etiópia e Eritreia, a detenção arbitrária da autora - que foi presa por ter recusado o casamento com um oficial etíope -, as torturas e a fuga dentro da própria Eritreia, e de lá para a Europa, são o pano de fundo. Acompanhando o fluxo das memórias, em termos geográficos, a capital da Eritreia, Asmara, sobrepõe-se à região do Tigré, entre Etiópia e Eritreia, mas também às cidades de Paris e de Roma, cenários da experiência pessoal da própria poetisa. Podemos vislumbrar, pelo menos, dois modelos literários: o da literatura de testemunho, com a sua obra arquétipo, Se questo é um Uomo(1947), de Primo LeviLEVI, Primo. Se questo è un uomo. Torino: De Silva, 1947., como referência incontornável, assim como a tradição dos poemas cantados oralmente entre os tigrínias. A partir dessas duas referências, destes dois modelos que moldam a escrita da Ribka Sibhatu, a forma conjuga-se às demandas políticas, lembrando, com Jacques Rancière (2005RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005.), que estética e política não são dois polos antagônicos, mas habitam simultaneamente a arte e a escrita literária. Os mundos que emergem da experiência literária de Ribka Sibhatu são os do Corno da África, da península arábica - o Reino de Sabá e o Califado, intrínsecos na própria língua, bem como nas tradições religiosas -, o do colonialismo italiano, com a transcrição de um aulò contra Benito Mussolini10 10 Tradução minha: “Aulò... aulò...aulò...Quero dizer um aulò poderoso como um trovão!/ Já que Mussolini diz tantas coisas absurdas/ Quero dizer um aulò poderoso como um trovão!/ Ó Virgem Maria!/ se estiveres comigo, tenho certeza que/ virás ao meu socorro, visto que tens o poder/ para desfazer o projeto humano!/ Ó palácios asmarinos/ Esperamos que sejais ocupados por nós, abissínios!”. No original: “Aulò... aulò... aulò/ Voglio dire un aulò potente quanto il tuono!/ Poiché Mussolini dice tante cose assurde/ voglio dire un aulò potente quanto il tuono!/ O Vergine Maria!/ se sarai con me, sono sicuro che/ verrai in mio aiuto, poiché hai il potere/ di disfare il progetto umano!/ O palazzi asmarini/ Speriamo che sarete occupati da noi abissini!” (Sibhatu, 1993, p. 62). cantado para condenar as Leis raciais de 1938, a União Soviética, que na época apoiava Adis Abeba, e a Europa (França e Itália) do exílio. Esses mundos conjugam-se e deles resultam os poemas e as memórias que compõem a obra, assim como uma escrita marcada pelo movimento geográfico, mas também formal, entre diversas referências.

A urgência de pensar os fluxos, os movimentos e as circulações de mundos orientam também os ensaios incluídos em Afropolitan Literature as a World Literature. O adjetivo “afropolitano” mereceria ser ulteriormente debatido em outras circunstâncias, pois já foi objeto de um amplo debate. No entanto, é suficiente evidenciar que a proposta do editor da coletânea deve muito às reflexões de Achille Mbembe (2019MBEMBE, Achille. Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada. Petrópolis: Editora Vozes, 2019. ), enquanto, ao mesmo tempo, recusa as perspectivas celebratórias sobre o “afropolitismo” que se multiplicaram a partir da publicação do artigo “Bye Bye Barbar” (2005SELASI,Taiye. Bye-byeBabar.TheLip. 3 mar.2005. Disponívelem: Disponívelem: http://thelip.robertsharp.co.uk/?p=76 . Acesso em: 15 mar. 2023.
http://thelip.robertsharp.co.uk/?p=76...
), pela romancista Taiye Selasi11 11 Escreve Birgit Neumann (2020): “Seguindo a sugestão do ensaio viral de Selasi ‘Bye Bye Barbar’, publicado na revista LIP em 2005, os críticos foram rápidos em incluir esses autores sob o rótulo de ‘Afropolitanos’. Segundo Selasi, o termo designa as elegantes ‘misturas étnicas’, o multilinguismo aparentemente sem esforço, os ‘sucessos académicos’ e o estilo de vida moderno da ‘nova geração de emigrantes africanos’. Esta nova geração de emigrantes africanos do século XXI já não se define pelos legados da escravatura transatlântica ou de outras formas de violência colonial; os afropolitanos não deixam a África para trás para escapar da pobreza ou da opressão no estado-nação pós-colonial. Em vez disso, eles abraçam as oportunidades oferecidas por um mundo globalizado, mobilizando prontamente seu hibridismo cultural para garantir o sucesso individual. Selasi oferece, assim, o termo como um elemento central da ‘política de identidade africana’ contemporânea, que, imersa no individualismo neoliberal, é projetada para combater o chamado afro-pessimismo e celebrar um genuinamente ‘ethos africano’ no mundo.” (Tradução minha). No original: “Taking their cue from Selasi’s viral essay ‘Bye Bye Barbar’, published in LIP magazine in 2005, critics were quick to subsume these authors under the label ‘Afropolitan.’ According to Selasi, the term designates the stylish ‘ethnic mixes’, the seemingly effortless multilingualism, ‘academic successes’ and rather hip lifestyle of the ‘newest Generation of African emigrants’. This new generation of Twenty-first century African emigrants is no longer defined by the legacies of transatlantic slavery or other forms of colonial violence; the Afropolitans do not leave Africa behind to escape poverty or oppression in the post-colonial nation-state. Rather, They embrace the opportunities offered by a globalizred world, readily mobilizing their coltural hybrydity to secure individual success. Selasi thus offers the term as a core element of contemporary ‘African identity politics’, which, steeped in neoliberal individualism, is designed to counter so-called Afro-pessimism and to celebrate a genuinely ‘African ethos’ in the world.” (2020, p.17). , autora do belíssimo romance Ghana must go (2013SELASI, Taiye. Ghana Must Go. New York: Viking, 2013.) - traduzido para o português como A beleza das coisas frágeis.

Achille Mbembe publica em 2007MBEMBE, Achille. Afropolitanism. Africa Remix: Contemporary Art of a Continent. Johannesburg, South Africa: Jacana Media, 2007., na revista Africa Remix: Contemporary Art of a Continent, o artigo chamado, justamente, “Afropolitanism”. Posteriormente, o mesmo texto tornar-se-á parte de um estudo bem mais abrangente, traduzido para o português com o título Sair da grande noite (2019MBEMBE, Achille. Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada. Petrópolis: Editora Vozes, 2019. ). O texto é, substancialmente, uma interrogação continua sobre o devir da África descolonializada, sobre a emergência do humano após a noite colonial, e contém, no âmbito teórico, a marca dos tantos deslocamentos do filósofo entre os Camarões, a França, os Estados Unidos e a África do Sul - apenas para lembrar que os trânsitos geográficos têm um peso específico também sobre as formulações conceituais, sobre as formas de ver, ler e compartilhar o mundo.

No ensaio, Achille Mbembe evidencia dois momentos do afropolitanismo: um primeiro seria o pós-colonial propriamente dito, e teria sido inaugurado pelos romances Les soleil des indépendances(1968), de Ahmadou KouroumaKOUROUMA, Ahmadou. Les soleil des indépendances. Paris: Editions du Seuil, 2013 [1968]., e Devoir de violence(1968), de Yambo OuologuemOUOLOGUEM, Yambo. Le Devoir de violence. Paris: Editions du Seuil , 2018 [1968].. Nessa primeira fase, “escrever o eu, escrever o mundo e o outro mundo é antes de tudo escrever em fusão, escrever o estupro e a violação. A voz desaparece, substituída pelo grito” (Mbembe, 2019MBEMBE, Achille. Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada. Petrópolis: Editora Vozes, 2019. , p. 229). Atualmente, no entanto, seria possível decifrar um segundo momento do afropolitanismo:

O segundo momento do afropolitanismo corresponde à entrada da África numa nova era de dispersão e circulação. Essa nova era se caracteriza pela intensificação das migrações e pela implantação de novas diásporas africanas no mundo. Com o surgimento dessas novas diásporas, a África não constitui mais um centro em si mesma. Hoje ela é feita de polos entre os quais há constantemente passagens, circulação e aberturas de caminhos. [...] A criação africana não cessa de extrair deles regiões, camadas, jazidas. Seja no domínio da música ou da literatura, a questão não é mais saber de que essência é a perda: é saber como construir novas formas do real - formas flutuantes e móveis (Mbembe, 2019MBEMBE, Achille. Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada. Petrópolis: Editora Vozes, 2019. , p. 230).

Apesar do destaque que a questão da mobilidade tem na contemporaneidade africana, para o filosofo camaronês essa realidade marcada pelos fluxos é parte integrante da história do continente: “a história cultural do continente não pode ser compreendida fora do paradigma da viagem, da mobilidade, do deslocamento. Aliás, é essa cultura da mobilidade que a colonização se esforçou, na sua época, para congelar através da instituição moderna da fronteira” (Mbembe, 2019MBEMBE, Achille. Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada. Petrópolis: Editora Vozes, 2019. , p. 233).

A questão torna-se, portanto, como escrever essas histórias em trânsito, qual sentido dar a essa mobilidade, como costurar aquilo que Achille Mbembe chama de “estética do entrelaçamento”. Nesse conjunto de estudos aqui citados, pensar a Literatura-mundo na África poderia justamente significar pensar estratégias ou modos de ler as experiências dos mundos encenadas pela escrita. Essas experiências e circulações de mundos, nas diversas partes da África, ganham múltiplas formas e experimentações literárias inéditas ou certamente cativantes, capazes de expandir os horizontes da escrita. Tal paradigma da mobilidade aparece particularmente adequado também no âmbito das literaturas africanas de língua portuguesa, não apenas como contraponto à(s) escrita(s) da(s) Nação(ões) - que, de qualquer forma, a perspectiva afropolitana coloca definitivamente em cheque (Balakrishnan, 2019BALAKRISHNAN, Sarah. Afropolitanism and the End of Black Nationalism. In: DELANTY, Gerald. Routledge International Handbook of Cosmopolitanism Studies. New York: Routledge, 2019. pp. 575-585.) -, mas como forma de articular também as reflexões sobre a própria terra. Veja-se, para concluir, a escrita poética do caboverdiano José Luís Tavares, autor de Paraíso apagado por um trovão (2003TAVARES, José Luís. Paraíso apagado por um trovão. Cidade da Praia: Spleen Edições , 2003.), fulgurante estreia literária que ganhou uma reedição bilíngue português-caboverdiano, traduzida pelo próprio autor. As leituras críticas de Ana Cordeiro, Pires Laranjeira e António Cabrita, entre outras reunidas no volume Uma pedra contra o firmamento (Tavares, 2022TAVARES, José Luís. Pátria soletrada à vista do Harmatão [andanças por Cabo Verde & outras paragens]. In: TAVARES, José Luiz. Uma pedra contra o firmamento. Praia: Livraria Pedro Cardoso, 2022a. pp. 11-79.), destacam a multiplicidade das referências poéticas do autor: de Rilke a João Vário, de Cesário a Corsino Fortes. Essas referências planetárias, no sentido dado ao termo por Gayatri Chakravorty Spivak (2003SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Morte di una disciplina. Roma: Meltemi , 2003.), assim como a própria experiência desterritorializada do poeta, não se traduzem num universalismo abstrato nem num cosmopolitismo acrítico. Pelo contrário, tornam-se ferramentas e/ou interlocuções necessárias para costurar estratégias para pensar e cantar o eu e a casa/pátria (home, em Spivak). É na tensão entre o léxico do movimento e as paisagens/memórias familiares - tradução em versos da oposição tipicamente insular entre a fluidez do mar (movimento) e a solidez da terra (raízes) - que Tavares desenha o poema que introduz a primeira obra, “Descer - ao chão antigo,/ agreste, familiar; [...] Regressar - à vida rude, elementar/ veredas de antigos passos” (Tavares, 2003TAVARES, José Luís. Paraíso apagado por um trovão. Cidade da Praia: Spleen Edições , 2003., p. 9, itálico meu).

Essa mesma tensão entre o movimento e a casa, que não se resolve na oposição binária de elementos antagônicos, mas na articulação dos opostos no ofício poético - poética do entrelaçamento, poder-se-ia dizer, com Achille Mbembe -, abre também uma das últimas obras do poeta, “Pátria soletrada à vista do Harmatão [andanças por Cabo Verde & outras paragens]” (2022TAVARES, José Luís. Pátria soletrada à vista do Harmatão [andanças por Cabo Verde & outras paragens]. In: TAVARES, José Luiz. Uma pedra contra o firmamento. Praia: Livraria Pedro Cardoso, 2022a. pp. 11-79.):

Partirás ao vento e à chuva que falta aos campos do teu país. Mas corrigirás no poema este descuido dos deuses pregando a bátega benfazeja sempre à cabeceira do teu poema. E, lá onde seu estrépito se ouvir, escutarás a voz da mãe chamando-te para dentro de casa, para te benzer com o fumo e a resina que te salvarão do naufrágio e outros padecimentos.

Partiremos peregrinando por essa estrada estreita em busca do melhor de nós, na tradição dos que compreenderam que nada nos manterá ao abrigo da ruína; adiando, porém, o tempo da queda, indo de póvoa em póvoa, acendendo esse fósforo antiquíssimo da fraternidade (Tavares, 2022TAVARES, José Luiz. Uma pedra contra o firmamento . Praia: Livraria Pedro Cardoso , 2022b. , p. 13, itálico do autor).

As palavras de José Luís Tavares resumem alguns dos anseios da Literatura-mundo. O paradigma do movimento - fulcral para pensar as literaturas na África -, as circulações, passagens e os caminhos abertos, sejam físicos, concretos ou metafóricos, visam, no final, acender “esse antiquíssimo fosforo da fraternidade”. Construir sólidas ligações entre mundos sem homogeneizar, mas também sem perder, ao mesmo tempo, a perspectiva de horizontes em comum.

REFERÊNCIAS

  • AHMAD, Aijaz. Jameson’s Rhetoric of Otherness and the “National Allegory”. In: AHMAD, Aijaz. Theory: Classes, Nations, Literatures. London: Verso, 1992. pp. 95-112.
  • APTER, Emily. The Translation Zone: A New Comparative Literature. Princeton: Princeton University Press, 2006.
  • BALAKRISHNAN, Sarah. Afropolitanism and the End of Black Nationalism. In: DELANTY, Gerald. Routledge International Handbook of Cosmopolitanism Studies. New York: Routledge, 2019. pp. 575-585.
  • BESSIS, Sophie. L’Occident et les autres. Histoire d’une suprématie. Paris: La Découverte, 2001.
  • BUESCU, Helena Carvalhão. Experiência do incomum e boa vizinhança: literatura comparada e literatura-mundo. Porto: Porto Editora, 2013.
  • BUESCU, Helena Carvalhão; MATA, Inocência. Literatura-mundo comparada: Perspectivas em português - Mundos em português. Lisboa: Tinta-da-China, 2017.
  • BUSCHMEIER, Matthias. “Western” Histories of World Literature. Journal of World Literature, v. 3, issue 4, pp. 524-551, 2018.
  • BWESIGYE, Brian. Brian Bwesigye Interview. 2013. Youth Village: Youth Village: https://youthvillage.co.za/2013/10/brian-bwesigye-interview/ Acesso em: 15 mar. 2023.
    » https://youthvillage.co.za/2013/10/brian-bwesigye-interview/
  • CASANOVA, Pascale. La République mondiale das Lettres. Paris: Seuil, 1999.
  • CHAKRABARTY, Dipesh. Provincializing Europe: Postcolonial Thought and Historical Difference. Princeton: Princeton University Press , 2000.
  • COLE, Teju. Open City. Faber & Faber, London, 2012.
  • COUTINHO, Eduardo. Nuevos rumbos del comparatismo: literatura comparada y literatura-mundo. El hilo de la fábula: Revista anual del Centro de Estudios Comparados, Diecinueve, pp. 15-24, 2019.
  • DAMROSCH, David. What is World Literature?. Princeton; Oxford: Princeton University Press, 2003.
  • DUCOURNAU, Claire. African Cultural Festivals and World Literature. Journal of World Literature , v. 4, issue 2, pp. 237-257, 2019.
  • DUARTE, Dulce Almada. Bilinguismo ou diglossia?: as relações de força entre o crioulo e o português na sociedade cabo-verdiana. Praia: Spleen Edições, 1968.
  • FANON, Frantz. Os condenados da terra. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1961.
  • FYFE, Alexander; KRISHNAN, Madhu (Eds.). Introduction: African Literatures and the Problem of “The World”. In: FYFE, Alexander; KRISHNAN, Madhu (Eds.). African Literatures as World Literatures. New York; London; Oxford; New Delhi; Sydney: Bloomsbury Academic, 2022. pp. 1-16.
  • FYFE, Alexander; KRISHNAN, Madhu (Eds.). African Literatures as World Literatures . New York; London; Oxford; New Delhi; Sydney: Bloomsbury Academic , 2022.
  • GAONKAR, Dilip Parameshwar. Alternative Modernities. Durham: Duke University Press, 2001.
  • GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência. Rio de Janeiro: Editora 34, 2012.
  • GNISCI, Armando. Creolizzare l’Europa: letteratura e migrazione. Roma: Meltemi, 2003.
  • GUEZA, Zamda R.; WALLIS, Kate. New Cartographies for World Literary Space: Locating Pan-African Publishing and Prizing. In: FYFE, Alexander; KRISHNAN, Madhu (Eds.). African Literatures as World Literatures . New York; London; Oxford; New Delhi; Sydney: Bloomsbury Academic , 2022. pp. 153-182.
  • HEISE, Ursula (Org.). Futures of Comparative Literature: ACLA State of the Discipline Report. New York: Routledge , 2017.
  • HODAPP, James. Afropolitan Literatures as World Literatures. New York; London; Oxford; New Delhi; Sydney: Bloomsbury Academic , 2020.
  • JAMESON, Fredric. Third-World Literature in the Era of Multinational Capitalism. Social Text, Durham, n. 15, pp. 65-88, autumn 1986.
  • JEUSETTE, Julien; RIVA, Silvia. Contemporary Congolese Literature as World Literature. Journal of World Literature , v. 6, issue 2, pp. 123-132, 2021.
  • KILOLO, Munyao. African Multilingualism as an Asset in World Literature: A Case Against Cultural Conformity and Uniformity. In: FYFE, Alexander; KRISHNAN, Madhu (Eds.). African Literatures as World Literatures . New York; London; Oxford; New Delhi; Sydney: Bloomsbury Academic , 2022. pp. 139-152.
  • KOUROUMA, Ahmadou. Les soleil des indépendances. Paris: Editions du Seuil, 2013 [1968].
  • LAACHIR, Karima; MARZAGORA, Sara; ORSINI, Francesca. Significant Geographies. Journal of World Literature , v. 3, issue 3, pp. 290-310, 2018.
  • LEVI, Primo. Se questo è un uomo. Torino: De Silva, 1947.
  • MATA, Inocência. Literatura-Mundo em Português: encruzilhadas em África. Anuário de Literatura Comparada, n. 3, pp. 103-115, 2013.
  • MBEMBE, Achille. Afropolitanism. Africa Remix: Contemporary Art of a Continent. Johannesburg, South Africa: Jacana Media, 2007.
  • MBEMBE, Achille. Sair da grande noite: ensaio sobre a África descolonizada. Petrópolis: Editora Vozes, 2019.
  • MORETTI, Franco. Conjectures on World Literature. New Left Review, 1, pp. 54-68, jan.-fev. 2000.
  • MORETTI, Franco. More Conjectures. New Left Review , 20, pp. 73-81, mar.-apr. 2003.
  • MORETTI, Franco. Distant Readings. London: Verso 2013.
  • MUSILA, Grace A. Part-Time Africans, Europolitans and “Africa lite”. Journal of African Cultural Studies, v. 28, n. 1, pp. 109-113, 2016.
  • NEUMAN, Birgit. The worlds of Afropolitan World Literature: Modeling Intra-African Afropolitanism in Yvone Adhiambo Owuor’s Dust. In: HODAPP, James (Ed.). Afropolitan Literature as World Literature. New York; London; Oxford; New Delhi; Sydney: Bloomsbury Academic , 2020, pp. 13-36.
  • OUOLOGUEM, Yambo. Le Devoir de violence. Paris: Editions du Seuil , 2018 [1968].
  • RANCIÈRE, Jacques. A partilha do sensível: estética e política. São Paulo: Editora 34, 2005.
  • SÁNCHEZ-PRADO, Ignacio M. (Ed.). América Latina en la “literatura mundial”. Pittsburgh: Instituto Internacional de Literatura Iberoamericana; Universidad de Pittsburgh, “Biblioteca de América”, 2006.
  • SANTIAGO, Silviano. O cosmopolitismo do pobre. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.
  • SARLO, Beatriz. Una modernità periferica: Buenos Aires 1920-1930. Macerata: Quodlibet, 2005.
  • SARO-WIWA, Noor. Looking for Transwonderland: Tavels in Nigeria. London: Granta Books, 2012.
  • SARR, Felwine. Afrotopia. Lisboa: Antígona, 2021.
  • SELASI,Taiye. Bye-byeBabar.TheLip. 3 mar.2005. Disponívelem: Disponívelem: http://thelip.robertsharp.co.uk/?p=76 Acesso em: 15 mar. 2023.
    » http://thelip.robertsharp.co.uk/?p=76
  • SELASI, Taiye. Ghana Must Go. New York: Viking, 2013.
  • SIBHATU, Ribka. Aulò, canto-poema dall’Eritrea. Roma: Sinnos Editrice, 1993.
  • SILVA, Rui Guilherme Figueiredo da. Exemplo cosmopolita: João Vário, Arménio Vieira e José Luiz Tavares. Tese (Doutorado em Literatura) - Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra. Coimbra: 2013.
  • SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Morte di una disciplina. Roma: Meltemi , 2003.
  • TAVARES, José Luís. Paraíso apagado por um trovão. Cidade da Praia: Spleen Edições , 2003.
  • TAVARES, José Luís. Pátria soletrada à vista do Harmatão [andanças por Cabo Verde & outras paragens]. In: TAVARES, José Luiz. Uma pedra contra o firmamento. Praia: Livraria Pedro Cardoso, 2022a. pp. 11-79.
  • TAVARES, José Luiz. Uma pedra contra o firmamento . Praia: Livraria Pedro Cardoso , 2022b.
  • WReC − Warwick Research Collective. Desenvolvimento combinado e desigual: por uma nova teoria da literatura-mundial. Campinas: Editora Unicamp, 2020.
  • 1
    Escreve a estudiosa: “O que, sim, julgo importante no contexto português é a percepção da riqueza e da diferenciação interna das comunidades, percebendo ao mesmo tempo que elas não fazem perigar, antes realçam, a partilha de problemas, interrogações, experiências, formas e temas. Através do conceito de literatura-mundo podemos encontrar um ponto de observação privilegiado em português. Esse ponto de observação não se limita a (embora integre) o uso de uma língua em comum: em português não é apenas em língua portuguesa, estritamente falando. É uma forma de observar que concorre para aquele ‘modo especial de leitura’ que David Damrosch (2003)DAMROSCH, David. What is World Literature?. Princeton; Oxford: Princeton University Press, 2003. considera caracterizar a world literature: não tanto uma soma de textos cuja canonização dependesse de critérios nacionais; não tanto uma forma de pré-definição de um centro e das suas periferias; mas sobretudo uma forma de ler que aceita o caráter supranacional de certos fenómenos estéticos e literários, e que lhes reconhece capacidade trans-histórica (e por isso mesmo não a-histórica).” (Buescu, 2013BUESCU, Helena Carvalhão. Experiência do incomum e boa vizinhança: literatura comparada e literatura-mundo. Porto: Porto Editora, 2013. , pp. 35-36).
  • 2
    No original: “Los cursos de literatura-mundo son en general multitemporales y multiculturales, y pueden abarcar obras provenientes de tiempos y lugares bastante distintos, incluso producidos en una expresión lingüística dejada a la orilla, como el libro Me llamo Rigoberta Menchú. Esta visión de la literatura-mundo como un paisaje amplio y abarcador ha sido apreciada tanto por los comparatistas que están en búsqueda de una escala planetaria como reacción a todo tipo de etnocentrismo como por los que han criticado el globalismo por sus implicaciones de orden imperialista o por relegar a un segundo plano los estudios de literatura más centrados en el texto. Sin embargo, este nuevo paradigma ha portado también algunos problemas, como el de la mediación entre un abordaje de carácter más genérico de la literatura y otro con un sentido más atomístico como el que los norteamericanos han designado de close reading, presente, por ejemplo, en las corrientes llamadas inmanentistas o intrínsecas. [...] En todos esos casos, la perspectiva adoptada por el comparatista está siempre condicionada a su locus de enunciación, porque los patrones globales de circulación de la literatura-mundo toman forma en sus manifestaciones locales.”
  • 3
    Embora quantitativamente menores, existem obviamente algumas importantes excepções. Veja-se, apenas como exemplo, o dossiê temático “Contemporary Congolese Literature as World Literature”, organizado por Julien Jeusette e Silvia Riva (2021)JEUSETTE, Julien; RIVA, Silvia. Contemporary Congolese Literature as World Literature. Journal of World Literature , v. 6, issue 2, pp. 123-132, 2021. .
  • 4
    A saber: (1) Conflito e violência; (2) Memória e vida; (3) Humor, sátira e ironia; (4) Poesia sobre poesia; (5) Viagens e (des)conhecimento do outro; (6) Amor e experiência; (7) História e identidade; (8) Cartografias da tradição; (9) Literatura e condição humana; (10) Língua e variação.
  • 5
    O número 40 da revista brasileira Via Atlântica, “A Literatura-Mundial e o Sistema-Mundial Moderno”, organizado por Emanuelle Rodrigues dos Santos, Mário César Lugarinho e Paulo de Medeiros, aborda a questão da Literatura-mundo a partir da perspectiva proposta pelo Warwick Research Collective (2020)WReC − Warwick Research Collective. Desenvolvimento combinado e desigual: por uma nova teoria da literatura-mundial. Campinas: Editora Unicamp, 2020.. Dentro dos romancistas africanos discutidos no número, João Paulo Borges Coelho é o que tem maior destaque.
  • 6
    Veja-se também o ensaio “Literatura-Mundo em Português: encruzilhadas em África” (2013), de Inocência MataMATA, Inocência. Literatura-Mundo em Português: encruzilhadas em África. Anuário de Literatura Comparada, n. 3, pp. 103-115, 2013..
  • 7
    No original: “La letteratura mondiale non è più il sistema di valori estetici e culturali europei proiettati più o meno sur-rettiziamente sul mondo ma è la dimensione concreta della produzione, ricezione e studio letterario oggi. Lo scrittore e lo studioso che sta fuori di queste coordinate finalmente generali bisogna che si rieduchi otoccia. Insomma, voglio affermare che: l’unica teoria e metodologia proponibili negli studi interculturali - letterari e non - consistono nel preliminare e specifico apprezzamento del grado storico e personale dicoinvolgimento e di conoscenza dei partner epistemici in gioco. E il gioco, oggi, é quello più generale chesia mais stato giocato nel corso dell’umanità.” (Gnisci, 2003GNISCI, Armando. Creolizzare l’Europa: letteratura e migrazione. Roma: Meltemi, 2003., p. 25).
  • 8
    Sobre o cosmopolitismo da poesia caboverdiana e, em particular, o de João Vário, Arménio Vieira e José Luiz Tavares, veja-se Silva (2013)SILVA, Rui Guilherme Figueiredo da. Exemplo cosmopolita: João Vário, Arménio Vieira e José Luiz Tavares. Tese (Doutorado em Literatura) - Faculdade de Letras, Universidade de Coimbra. Coimbra: 2013. .
  • 9
    No original: “Such globalizing models emphasize structure at the expense of agency. Of course, just like other social actors, writers and orators operate in contexts where individual creativity and agency are limited by existing socio-economic structures. But deterministic models like the Warwick Research Collective’s or Moretti’s use frameworks derived from the social sciences like world system theory to explain literary phenomena, including stylistic choices, in a way that becomes flat and reductionist. And when these analyses extend to literary production, circulation and reception across the world beyond Europe, the complexity of the literary world gets reduced to economic or political frames such as the ‘global capitalist system’ or ‘empire’ that inevitably encourage models of ‘diffusion’ and ‘assimilation’ of non-Western literatures into Western categories (Mufti) and direct attention to some literary forms (the novel, principally, or the travelogue) and away from others which, however worldly they may be, become ‘not-world’.” (Laachir; Marzagora; Orsini, 2018LAACHIR, Karima; MARZAGORA, Sara; ORSINI, Francesca. Significant Geographies. Journal of World Literature , v. 3, issue 3, pp. 290-310, 2018. , p. 292).
  • 10
    Tradução minha: “Aulò... aulò...aulò...Quero dizer um aulò poderoso como um trovão!/ Já que Mussolini diz tantas coisas absurdas/ Quero dizer um aulò poderoso como um trovão!/ Ó Virgem Maria!/ se estiveres comigo, tenho certeza que/ virás ao meu socorro, visto que tens o poder/ para desfazer o projeto humano!/ Ó palácios asmarinos/ Esperamos que sejais ocupados por nós, abissínios!”. No original: “Aulò... aulò... aulò/ Voglio dire un aulò potente quanto il tuono!/ Poiché Mussolini dice tante cose assurde/ voglio dire un aulò potente quanto il tuono!/ O Vergine Maria!/ se sarai con me, sono sicuro che/ verrai in mio aiuto, poiché hai il potere/ di disfare il progetto umano!/ O palazzi asmarini/ Speriamo che sarete occupati da noi abissini!” (Sibhatu, 1993SIBHATU, Ribka. Aulò, canto-poema dall’Eritrea. Roma: Sinnos Editrice, 1993., p. 62).
  • 11
    Escreve Birgit Neumann (2020)NEUMAN, Birgit. The worlds of Afropolitan World Literature: Modeling Intra-African Afropolitanism in Yvone Adhiambo Owuor’s Dust. In: HODAPP, James (Ed.). Afropolitan Literature as World Literature. New York; London; Oxford; New Delhi; Sydney: Bloomsbury Academic , 2020, pp. 13-36.: “Seguindo a sugestão do ensaio viral de Selasi ‘Bye Bye Barbar’, publicado na revista LIP em 2005, os críticos foram rápidos em incluir esses autores sob o rótulo de ‘Afropolitanos’. Segundo Selasi, o termo designa as elegantes ‘misturas étnicas’, o multilinguismo aparentemente sem esforço, os ‘sucessos académicos’ e o estilo de vida moderno da ‘nova geração de emigrantes africanos’. Esta nova geração de emigrantes africanos do século XXI já não se define pelos legados da escravatura transatlântica ou de outras formas de violência colonial; os afropolitanos não deixam a África para trás para escapar da pobreza ou da opressão no estado-nação pós-colonial. Em vez disso, eles abraçam as oportunidades oferecidas por um mundo globalizado, mobilizando prontamente seu hibridismo cultural para garantir o sucesso individual. Selasi oferece, assim, o termo como um elemento central da ‘política de identidade africana’ contemporânea, que, imersa no individualismo neoliberal, é projetada para combater o chamado afro-pessimismo e celebrar um genuinamente ‘ethos africano’ no mundo.” (Tradução minha). No original: “Taking their cue from Selasi’s viral essay ‘Bye Bye Barbar’, published in LIP magazine in 2005, critics were quick to subsume these authors under the label ‘Afropolitan.’ According to Selasi, the term designates the stylish ‘ethnic mixes’, the seemingly effortless multilingualism, ‘academic successes’ and rather hip lifestyle of the ‘newest Generation of African emigrants’. This new generation of Twenty-first century African emigrants is no longer defined by the legacies of transatlantic slavery or other forms of colonial violence; the Afropolitans do not leave Africa behind to escape poverty or oppression in the post-colonial nation-state. Rather, They embrace the opportunities offered by a globalizred world, readily mobilizing their coltural hybrydity to secure individual success. Selasi thus offers the term as a core element of contemporary ‘African identity politics’, which, steeped in neoliberal individualism, is designed to counter so-called Afro-pessimism and to celebrate a genuinely ‘African ethos’ in the world.” (2020, p.17).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2023
  • Aceito
    19 Abr 2023
Associação Nacional de História - ANPUH Av. Professor Lineu Prestes, 338, Cidade Universitária, Caixa Postal 8105, 05508-900 São Paulo SP Brazil, Tel. / Fax: +55 11 3091-3047 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rbh@anpuh.org