Acessibilidade / Reportar erro

A segregação residencial socioeconômica está associada aos problemas do sono? Insights do ELSA-Brasil

Is socioeconomic residential segregation associated with sleep problems? Insights from ELSA-Brasil

¿Está asociada la segregación residencial socioeconómica con problemas de sueño? Insights de ELSA-Brasil

Resumo:

O sono é influenciado por diversos fatores e é essencial para a saúde. O papel do contexto socioeconômico da vizinhança na saúde do sono foi estudado nos últimos anos, mas os resultados são inconsistentes. O objetivo deste estudo foi investigar a associação entre a segregação residencial socioeconômica e os problemas do sono. Utilizou-se dados da 2ª avaliação (2012-2014) de 9.918 servidores públicos participantes do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil). A segregação residencial socioeconômica foi avaliada por meio da estatística Getis-Ord Local Gi*, e a duração e privação do sono, as queixas de insônia e a sonolência diurna foram obtidas por meio de entrevistas. Para as estimativas da odds ratio (OR), foram utilizados modelos de regressão logística binomial e multinomial. Em relação ao sono, 49% tinham curta duração e 3% longa duração, 23% relataram queixas de insônia, 45% relataram privação do sono, 42% relataram sonolência diurna e 48% relataram ≥ 2 problemas do sono. No modelo ajustado por variáveis demográficas e socioeconômicas, houve associação entre alta segregação residencial socioeconômica e duração curta do sono (OR = 1,22; IC95%: 1,07; 1,40), privação do sono (OR = 1,20; IC95%: 1,05; 1,37), sonolência diurna (OR = 1,17; IC95%: 1,03; 1,34) e ≥ 2 problemas associados do sono (OR = 1,24; IC95%: 1,08; 1,41). Indivíduos que vivem em vizinhanças com alta segregação residencial socioeconômica apresentam maior chance de terem curta duração, privação do sono, sonolência diurna e ≥ 2 problemas associados ao sono. Essas informações reforçam que políticas públicas para reduzir as desigualdades socioeconômicas podem contribuir para melhorar a saúde do sono da população.

Palavras-chave:
Duração do Sono; Insônia; Sonolência Diurna; Vizinhança; Segregação Residencial

Abstract:

Several factors influence sleep, which is essential for health. While the role of neighborhood socioeconomic context on sleep health has been studied in recent years, results are inconsistent. The study aimed to investigate the association between socioeconomic residential segregation and sleep problems, using data from the second evaluation (2012-2014) of 9,918 public servants participating in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Socioeconomic residential segregation was assessed using the Getis-Ord Local Gi* statistic. Sleep duration and deprivation, complaints of insomnia, and daytime sleepiness were obtained through interviews. Binomial and multinomial logistic regression models were used to estimate the odds ratio (OR). Regarding sleep, 49% had short duration and 3% long duration, 23% reported complaints of insomnia, 45% sleep deprivation, 42% daytime sleepiness, and 48% reported ≥ 2 sleep problems. In the model adjusted for demographic and socioeconomic variables, there was an association between high socioeconomic residential segregation and short sleep duration (OR = 1.22; 95%CI: 1.07; 1.40), sleep deprivation (OR = 1.20; 95%CI: 1.05; 1.37), daytime sleepiness (OR = 1.17; 95%CI: 1.03; 1.34) and ≥ 2 associated sleep problems (OR = 1.24; 95%CI: 1.08; 1.41). Individuals living in neighborhoods with high socioeconomic residential segregation are more likely to have short sleep duration, sleep deprivation, daytime sleepiness, and ≥ 2 associated sleep problems. This information reinforces that public policy measures to reduce socioeconomic inequalities can improve the population’s sleep health.

Keywords:
Sleep Duration; Insomnia; Daytime Somnolence; Neighborhood; Residential Segregation

Resumen:

El sueño se influye por varios factores y es esencial para la salud. Se estudió el papel del contexto socioeconómico del barrio en la salud del sueño en los últimos años, pero los resultados son inconsistentes. El objetivo del estudio fue investigar la asociación entre la segregación residencial socioeconómica y los problemas de sueño. Se utilizó datos de la 2ª evaluación (2012-2014) de 9918 servidores públicos participantes del Estudio Longitudinal de Salud del Adulto (ELSA-Brasil). Se evaluó la segregación residencial socioeconómica a través de la estadística Getis-Ord Local Gi*. La duración y privación del sueño, las quejas de insomnio y somnolencia diurna se obtuvieron a través de entrevista. Se utilizaron modelos de regresión logística binomial y multinominal para estimar el odds ratio (OR). Con respecto al sueño, el 49% tenía una duración corta y el 3% tenía una duración larga, el 23% relató quejas de insomnio, el 45% relató privación de sueño, el 42% relató somnolencia diurna y el 48% relató ≥ 2 problemas de sueño. En el modelo ajustado por variables demográficas y socioeconómicas, hubo una asociación entre la alta segregación residencial socioeconómica y la duración corta de sueño (OR = 1,22; IC95%: 1,07; 1,40), la privación de sueño (OR = 1,20; IC95%: 1,05; 1,37), la somnolencia diurna (OR = 1,17; IC95%: 1,03; 1,34) y ≥ 2 problemas asociados con el sueño (OR = 1,24; IC95%: 1,08; 1,41). Personas que viven en barrios con una alta segregación residencial socioeconómica presentan una mayor probabilidad de tener duración corta del sueño, privación de sueño, somnolencia diurna y ≥ 2 problemas asociados con el sueño. Estas informaciones resaltan que medidas de políticas públicas para reducir las desigualdades socioeconómicas pueden contribuir a mejorar la salud del sueño en la población.

Palabras-clave:
Duración del Sueño; Insomnio; Somnolencia Diurna; Vecindarios; Segregación Residencial

Introdução

O sono é essencial para a vida humana, sendo influenciado pelo ambiente e estando sujeito a fatores interpessoais e sociais 11. Grandner MA. Sleep, health, and society. Sleep Med Clin 2020; 15:319-340.. A boa saúde do sono é resultante de um padrão multidimensional complexo de variação do sono-vigília, sendo definida pela satisfação subjetiva, duração adequada, alta eficiência e estado de alerta sustentado durante as horas de vigília 22. Buysse DJ. Sleep health: can we define it? Does it matter? Sleep 2014; 37:9-17..

Problemas como curta duração e baixa qualidade do sono têm sido associados com diversos desfechos negativos de saúde, tal qual problemas cognitivos, psicossociais e cardiometabólicos, além de aumentar o risco de condições específicas como diabetes mellitus, doenças cardiovasculares e obesidade 33. Matricciani L, Bin YS, Lallukka T, Kronholm E, Wake M, Paquet C, et al. Rethinking the sleep-health link. Sleep Health 2018; 4:339-48..

Nas últimas décadas, a pesquisa sobre os problemas do sono e seus determinantes individuais e contextuais tem crescido, procurando identificar grupos sociais que estão em maior risco e entender como o contexto do ambiente físico e social da vizinhança atuam na saúde do sono. Como os fatores individuais e contextuais, como as vizinhanças e seus relacionamentos, influenciam o sono, identificar grupos sociais que estão em risco de desenvolver problemas nesse âmbito e entender os mecanismos subjacentes pode ser importante para reduzir as disparidades e promover a saúde do sono 44. Chen JH. Social epidemiology of sleep: extant evidence and future directions. Curr Epidemiol Rep 2019; 6:449-65.. Nesse sentido, as vizinhanças surgiram como contextos potencialmente relevantes, porque têm atributos físicos e sociais que são capazes de afetar plausivelmente a saúde dos indivíduos 55. Diez Roux AV, Mair C. Neighborhoods and health. Ann N Y Acad Sci 2010; 1186:125-45.,66. Desantis AS, Diez Roux AV, Moore K, Baron KG, Mujahid MS, Nieto FJ. Associations of neighborhood characteristics with sleep timing and quality: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis. Sleep 2013; 36:1543-51..

O papel do contexto socioeconômico da vizinhança na saúde do sono foi estudado nos últimos anos, e os resultados apresentam algumas inconsistências. Há estudos que apontam que as vizinhanças com menor nível socioeconômico têm associação com o sono de curta duração 77. Fang SC, Subramanian SV, Piccolo R, Yang M, Yaggi HK, Bliwise DL, et al. Geographic variations in sleep duration: a multilevel analysis from the Boston Area Community Health (BACH) survey. J Epidemiol Community Health 2015; 69:63-9.,88. Watson NF, Horn E, Duncan GE, Buchwald D, Vitiello MV, Turkheimer E. Sleep duration and area-level deprivation in twins. Sleep 2016; 39:67-77.,99. Xiao Q, Hale L. Neighborhood socioeconomic status, sleep duration, and napping in middle-to-old aged US men and women. Sleep 2018; 41:zsy076.. Além disso, existem evidências de associação entre vizinhanças com alto nível de desemprego e maior frequência de insônia 1010. Riedel N, Fuks K, Hoffmann B, Weyers S, Siegrist J, Erbel R, et al. Insomnia and urban neighbourhood contexts - are associations modified by individual social characteristics and change of residence? Results from a population-based study using residential histories. BMC Public Health 2012; 20:810.. Por outro lado, os resultados de alguns estudos sugerem que não há associação do nível socioeconômico da vizinhança com a duração do sono 1111. Johnson DA, Brown DL, Morgenstern LB, Meurer WJ, Lisabeth LD. The association of neighborhood characteristics with sleep duration and daytime sleepiness. Sleep Health 2015; 1:148-55.,1212. Lukic R, Olstad DL, Doyle-Baker PK, Potestio ML, McCormack GR. Associations between neighbourhood street pattern, neighbourhood socioeconomic status and sleep in adults. Prev Med Rep 2021; 22:101345. e a insônia 66. Desantis AS, Diez Roux AV, Moore K, Baron KG, Mujahid MS, Nieto FJ. Associations of neighborhood characteristics with sleep timing and quality: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis. Sleep 2013; 36:1543-51..

Estudos que examinaram a relação entre as características da vizinhança e o sono mostraram que as condições ambientais (sons, luzes, temperatura, umidade e atmosfera), o ambiente social (coesão social, segurança, violência e desordem) e as características do ambiente físico da vizinhança (área para caminhada, espaço verde e densidade populacional) podem afetá-lo 1313. Johnson DA, Billings ME, Hale L. Environmental determinants of insufficient sleep and sleep disorders: implications for population health. Curr Epidemiol Rep 2018; 5:61-9.,1414. Billings ME, Hale L, Johnson DA. Physical and social environment relationship with sleep health and disorders. Chest 2020; 157:1304-12.. Há fortes evidências para a associação de ruído ambiental, falta de coesão social e sensação de insegurança com problemas de sono 1515. Hunter JC, Hayden KM. The association of sleep with neighborhood physical and social environment. Public Health 2018; 162:126-34..

A desvantagem social da vizinhança, expressa pela falta de recursos econômicos e sociais, captura os aspectos dos ambientes de moradia e incluem dimensões adicionais de marginalização social 1616. Bassett E, Moore S. Neighbourhood disadvantage, network capital and restless sleep: is the association moderated by gender in urban-dwelling adults? Soc Sci Med 2014; 108:185-93.. A desigualdade social caracterizada pela diferença entre as vizinhanças é conhecida como segregação residencial, que se refere à separação física dos indivíduos pela distribuição espacial da população na área metropolitana de acordo com a raça e/ou condição socioeconômica 1717. Williams DR, Collins C. Racial residential segregation: a fundamental cause of racial disparities in health. Public Health Rep 2001; 116:404-16.,1818. Acevedo-Garcia D, Lochner KA, Osypuk TL, Subramanian SV. Future directions in residential segregation and health research: a multilevel approach. Am J Public Health 2003; 93:215-21..

A segregação residencial socioeconômica, em particular de renda, implica que as famílias mais pobres residem em vizinhanças com renda média mais baixa do que as famílias mais ricas 1919. Reardon SF, Bischoff K. Income inequality and income segregation. AJS 2011; 116:1092-153.. Evidências demonstraram que a segregação residencial está associada a desfechos negativos de saúde 2020. Kershaw KN, Albrecht SS. Racial/ethnic residential segregation and cardiovascular disease risk. Curr Cardiovasc Risk Rep 2015; 9:10.,2121. Barber S, Diez Roux AV, Cardoso L, Santos S, Toste V, James S, et al. At the intersection of place, race, and health in Brazil: residential segregation and cardio-metabolic risk factors in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Soc Sci Med 2018; 199:67-76.. No Brasil, Barber et al. 2121. Barber S, Diez Roux AV, Cardoso L, Santos S, Toste V, James S, et al. At the intersection of place, race, and health in Brazil: residential segregation and cardio-metabolic risk factors in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Soc Sci Med 2018; 199:67-76. identificaram que indivíduos que moravam em vizinhanças economicamente segregadas eram mais propensos a terem hipertensão e diabetes mellitus.

Apesar do conhecimento sobre alguns aspectos da vizinhança modificarem o sono, até esse momento a relação entre a segregação residencial socioeconômica e o sono não foi explorada na literatura. Portanto, o objetivo deste estudo foi verificar essa associação (duração e privação do sono, insônia, sonolência diurna e dois ou mais problemas do sono). Nossa hipótese é que indivíduos que moram em vizinhanças com alta segregação residencial socioeconômica têm mais chance de disporem de sono de curta duração, queixas de insônia, privação do sono e sonolência diurna, bem como mais chance de apresentarem dois ou mais problemas do sono concomitantemente.

Métodos

População do estudo

O Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) é um estudo de coorte, composto por servidores públicos ativos e aposentados de ambos os sexos e com idades entre 35 e 74 anos, pertencentes a sete instituições públicas (Universidade Federal da Bahia - UFBA, Universidade Federal do Espírito Santo - UFES, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, Universidade de São Paulo - USP, Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais - CEFET-MG, e Fundação Oswaldo Cruz - FIOCRUZ) 2222. Schmidt MI, Duncan BB, Mill JG, Lotufo PA, Chor D, Barreto SM, et al. Cohort profile: Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Int J Epidemiol 2015; 44:68-75..

A população da linha de base foi constituída de 15.105 servidores públicos que se voluntariaram ou foram ativamente recrutados, com o objetivo de preencher cotas específicas de sexo, idade e categoria ocupacional para garantir variabilidade amostral 2222. Schmidt MI, Duncan BB, Mill JG, Lotufo PA, Chor D, Barreto SM, et al. Cohort profile: Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Int J Epidemiol 2015; 44:68-75.. O estudo foi aprovado pelos Comitês de Pesquisa e Ética das instituições envolvidas (Instituto de Saúde Coletiva/UFBA - 0017.1.069.000-06; FIOCRUZ - 0058.0.011.000-07; Hospital Universitário/USP - 0016.1.198.000-06; UFMG - 0186.1.203.000-06; Centro de Ciências da Saúde/UFES - 08109612.7.2003.5060; e Hospital de Clínicas de Porto Alegre/UFRGS - 48608515.5.1001.5327) e todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Para este estudo, foram utilizados os dados da segunda visita de entrevistas e exames (Onda 2), que ocorreu entre 2012 e 2014. Nesse período, foram reavaliados 14.014 participantes (6.357 homens e 7.657 mulheres) e o questionário multidimensional foi aplicado com o intuito de atualizar os dados obtidos na linha de base; na Onda 2, foram inseridas questões sobre o sono 2323. Chor D, Alves MGM, Giatti L, Cade NV, Nunes MA, Molina MC, et al. Questionário do ELSA-Brasil: desafios na elaboração de instrumento multidimensional. Rev Saúde Pública 2013; 47:27-36.,2424. Silva-Costa A, Rotenberg L, Nobre AA, Chor D, Aquino EM, Melo EC, et al. Sex differences in the association between self-reported sleep duration, insomnia symptoms and cardiometabolic risk factors: cross-sectional findings from Brazilian Longitudinal Study of Adult Health. Arch Public Health 2020; 29:78-48.. O questionário foi aplicado em entrevista face-a-face realizada por equipe treinada e certificada, seguindo rigoroso padrão de garantia e controle de qualidade 2323. Chor D, Alves MGM, Giatti L, Cade NV, Nunes MA, Molina MC, et al. Questionário do ELSA-Brasil: desafios na elaboração de instrumento multidimensional. Rev Saúde Pública 2013; 47:27-36.,2424. Silva-Costa A, Rotenberg L, Nobre AA, Chor D, Aquino EM, Melo EC, et al. Sex differences in the association between self-reported sleep duration, insomnia symptoms and cardiometabolic risk factors: cross-sectional findings from Brazilian Longitudinal Study of Adult Health. Arch Public Health 2020; 29:78-48..

Foram excluídos das análises os participantes com dados faltantes nas variáveis demográficas, socioeconômicas (1,6%) e relacionadas ao sono (1,1%). Para a variável de segregação residencial socioeconômica, também foram excluídos os que não moravam nas capitais onde ficavam localizados os centros de pesquisa (22,7%). Além disso, foram excluídos quem relatou duração do sono de < 3 horas ou > 12 horas (0,4%) 2525. Lima MG, Bergamo PMF, de Azevedo MBB. Sleep duration pattern and chronic diseases in Brazilian adults (ISACAMP, 2008/09). Sleep Med 2012; 13:139-44., assim como aqueles que se autodeclararam com raça/cor amarela ou indígenas, devido ao pequeno número de participantes em cada categoria (2,5% e 1%, respectivamente). Após a exclusão de 4.096 participantes (29,2%), a amostra final foi composta por 9.918 pessoas.

Variáveis selecionadas

Variável de exposição: segregação residencial socioeconômica

O registro dos endereços permitiu o georreferenciamento e a consideração dos dados de vizinhança no estudo. O recorte geográfico, aqui chamado de vizinhança, foi baseado em limites definidos pelo estudo e criados para cada local usando um método de agregação espacial baseado no Spatial ‘K’luster Analysis by Tree Edge Removal (SKATER). Esse método foi utilizado para criar aglomerados de setores censitários contíguos com população mínima de 5 mil habitantes e homogêneos em relação a quatro indicadores socioeconômicos do Censo Demográfico de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) 2626. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas do Censo Demográfico brasileiro, 2010. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.: proporção da população 0-4 anos de idade; tamanho do agregado familiar; média da renda familiar; e a proporção de brancos. As vizinhanças foram definidas nas localidades dentro das fronteiras metropolitanas dos seis centros de investigação ELSA-Brasil 2727. Santos SM, Chor D, Werneck GL. Demarcation of local neighborhoods to study relations between contextual factors and health. Int J Health Geogr 2010; 9:34..

Para o cálculo da medida de segregação residencial socioeconômica, foi utilizada a estatística Getis-Ord Local Gi* (estatística Gi*) 2828. Getis A, Ord JK. The analysis of spatial association by use of distance statistics. Geogr Anal 1992; 24:189-206., uma abordagem espacial que tem sido usada em investigações epidemiológicas de segregação residencial e doença cardiovascular 2020. Kershaw KN, Albrecht SS. Racial/ethnic residential segregation and cardiovascular disease risk. Curr Cardiovasc Risk Rep 2015; 9:10.. A estatística Gi* é um escore z ponderado espacialmente que representa o quanto uma composição de renda da vizinhança se desvia da média área metropolitana.

Além disso, essa estatística considera o agrupamento espacial da segregação (ou seja, vizinhanças pobres cercadas por outras vizinhanças pobres terão valores maiores) e a composição da renda da área metropolitana em que a vizinhança está inserida. Isso é particularmente importante porque uma vizinhança com um valor de composição de 50% de pobres significa algo muito diferente em termos de segregação: se 5% do total da população são pobres, a vizinhança é altamente segregada; entretanto, se 50% do total da população são pobres, a vizinhança não é segregada 2121. Barber S, Diez Roux AV, Cardoso L, Santos S, Toste V, James S, et al. At the intersection of place, race, and health in Brazil: residential segregation and cardio-metabolic risk factors in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Soc Sci Med 2018; 199:67-76..

Neste estudo, a estatística Gi* foi baseada na proporção de chefes de família em uma vizinhança que ganha uma renda mensal de 0-3 salários mínimos (ou seja, até três salários mínimos ou aproximadamente US$ 900 em 2010) e derivada dos dados do Censo Demográfico de 2010 do IBGE 2626. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas do Censo Demográfico brasileiro, 2010. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.. A decisão de usar três salários mínimos como ponto de corte foi baseada em estudos anteriores de segregação socioeconômica no Brasil 2929. Torres HG. Residential segregation and public policies: Sao Paulo in the 1990's. Rev Bras Ciênc Soc 2006; 2(selected edition). http://socialsciences.scielo.org/pdf/s_rbcsoc/v2nse/scs_a07.pdf.
http://socialsciences.scielo.org/pdf/s_r...
.

Altas pontuações positivas representam vizinhanças que são mais segregadas (ou seja, maior proporção de domicílios com 0-3 salários mínimos), enquanto escores negativos representam vizinhanças menos segregadas (ou seja, menor proporção de domicílios com 0-3 salários mínimos). Com base na distribuição da amostra, as categorias de segregação que representaram as vizinhanças com escores de segregação ± 1 desvio padrão (DP) acima da média metropolitana são: alta (estatística Gi* > 1), média (estatística Gi* entre 1 e -1) e baixa (estatística Gi* < -1) 2121. Barber S, Diez Roux AV, Cardoso L, Santos S, Toste V, James S, et al. At the intersection of place, race, and health in Brazil: residential segregation and cardio-metabolic risk factors in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Soc Sci Med 2018; 199:67-76..

Variáveis de desfecho

(1) Duração do sono - mensurada por meio da pergunta “Quantas horas, em média, o(a) senhor(a) dorme numa noite habitual de sono?”. Os participantes foram classificados em três grupos: duração curta do sono (≤ 6 horas), duração adequada do sono (> 6 e < 9 horas) e longa duração do sono (≥ 9 horas) 1111. Johnson DA, Brown DL, Morgenstern LB, Meurer WJ, Lisabeth LD. The association of neighborhood characteristics with sleep duration and daytime sleepiness. Sleep Health 2015; 1:148-55.. A pergunta apresentou uma boa confiabilidade teste-reteste, avaliada em uma subamostra (coeficiente de correlação intraclasse - CCI: 0,761; intervalo de 95% de confiança - IC95%: 0,685; 0,819) 2424. Silva-Costa A, Rotenberg L, Nobre AA, Chor D, Aquino EM, Melo EC, et al. Sex differences in the association between self-reported sleep duration, insomnia symptoms and cardiometabolic risk factors: cross-sectional findings from Brazilian Longitudinal Study of Adult Health. Arch Public Health 2020; 29:78-48..

(2) Queixas de insônia - avaliados pelas perguntas a seguir que foram precedidas pela frase “Agora, gostaríamos de saber com que frequência (nunca, raramente, às vezes, quase sempre, sempre) nas últimas trinta noites, o(a) senhor(a)”: “teve dificuldade em pegar no sono?”, “acordou durante o sono e teve dificuldade para dormir de novo?” e “acordou antes da hora desejada e não conseguiu adormecer novamente?”. Os participantes que relataram “quase sempre” ou “sempre” em uma das três queixas descritas acima foram classificados como indivíduos com insônia 3030. Silva-Costa A, Griep RH, Rotenberg L. Associations of a short sleep duration, insufficient sleep, and insomnia with self-rated health among nurses. PLoS One 2015; 10:e0126844.. Valores de kappa = 0,759 (IC95%: 0,651; 0,867) foram identificados na confiabilidade teste-reteste para as queixas de insônia 2424. Silva-Costa A, Rotenberg L, Nobre AA, Chor D, Aquino EM, Melo EC, et al. Sex differences in the association between self-reported sleep duration, insomnia symptoms and cardiometabolic risk factors: cross-sectional findings from Brazilian Longitudinal Study of Adult Health. Arch Public Health 2020; 29:78-48..

(3) Privação do sono - baseada na seguinte pergunta: “Quantas horas o(a) senhor(a) gostaria de dormir para se sentir recuperado(a)?”. Foi calculada a diferença do número de horas que o indivíduo relatou que habitualmente dorme e o número de horas que relatou precisar dormir para se sentir recuperado. Os participantes foram classificados em dois grupos: sem privação do sono (aqueles que dormem o suficiente para se sentirem recuperados) ou com privação do sono (aqueles com a diferença maior que uma hora em relação ao número de horas que dorme e o número de horas que precisaria dormir para se sentir recuperado) 3131. Hublin C, Kaprio J, Partinen M, Koskenvuo M. Insufficient sleep - a population-based study in adults. Sleep 2001; 24:392-400..

(4) Sonolência diurna: avaliada pela pergunta: “O(A) senhor(a) se sente frequentemente cansado(a), fatigado(a) ou sonolento(a) durante o dia?”. Foram classificados com sonolência diurna os que responderam sim e sem aqueles que responderam não.

(5) Dois ou mais problemas associados do sono: variável obtida a partir do número referido de problemas de sono (curta duração, sonolência diurna, insônia e privação de sono), classificando em “sem problemas do sono” aqueles que relataram até um e “com problemas de sono” para aqueles que relataram dois ou mais.

Covariáveis: variáveis demográficas e socioeconômicas

Foram utilizadas as seguintes variáveis: sexo, idade (anos), raça/cor autodeclarada de acordo com as categorias do Censo Demográfico (preta, parda, branca) e situação conjugal (unido [casado e vive em união] e não unido [separado, divorciado, viúvo e solteiro]). A escolaridade foi categorizada em baixa (Ensino Médio incompleto ou menos), média (Ensino Médio completo), alta (Ensino Superior completo com ou sem Pós-graduação lato sensu) e muito alta (Mestrado e Doutorado). Renda familiar per capita (calculada como a renda familiar total dividida pelo número de dependentes da renda) foi categorizada em 1 a 3 salários mínimos ou > 3 salários mínimos.

Análise estatística

Foi realizada análise descritiva das variáveis. Para as contínuas, os valores foram expressos pela média e DP; e para variáveis categóricas, em frequências absoluta e relativa.

Para examinar as estimativas de odds ratio (OR) e o IC95% da segregação residencial socioeconômica baixa/média/alta associada às categorias de duração do sono (curta vs. normal, longa vs. normal), foram aplicados modelos de regressão logística multinomial. Nos desfechos de queixas de insônia, privação do sono, sonolência diurna e dois ou mais problemas de sono, foram utilizados modelos de regressão logística binomial.

No primeiro modelo, ajustamos para idade e sexo. No segundo, ajustamos adicionalmente para raça/cor autodeclarada, situação conjugal, escolaridade e renda familiar per capita. Para verificar a multicolinearidade, foram examinados os fatores de inflação de variância (VIF) em cada modelo (variáveis: sexo, idade, raca/cor, situação conjugal, escolaridade, renda familiar per capita e segregação residencial socioeconômica), e nenhuma multicolinearidade relativa (VIF < 10) foi observada. Os dados foram analisados utilizando o software R versão 3.5.1 (http://www.r-project.org).

Resultados

A população deste estudo foi composta por 9.918 participantes (56,1% de mulheres), com média de idade de 56 anos. A maioria se autodeclarou branco (56,7%), casado (63,6%) e com escolaridade alta (31,9%) ou muito alta (31,3%), além de renda familiar per capita > 3 salários mínimos (63,2%) (Tabela 1).

Tabela 1
Prevalência dos fatores demográficos e socioeconômicos. Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), 2012-2014.

A média da duração do sono foi de 6,5 ± 1,3 horas. Quase metade dos participantes foram classificados com sono de curta duração (49,6%), com apenas 3,4% classificados com sono de longa duração (Tabela 2). Além disso, 23,2% relataram queixas de insônia, 45,7% privação do sono, 42,5% sonolência diurna e 48,6% foram classificadas com ≥ 2 problemas de sono (Tabela 3). A prevalência de sono de curta duração foi maior entre os homens. Por outro lado, as mulheres apresentaram maior prevalência de insônia, privação de sono, sonolência diurna e ≥ 2 problemas de sono. Notavelmente e de forma consistente, os pretos, seguidos pelos pardos, solteiros, com menor escolaridade e menor renda tiveram maior prevalência de todos os problemas de sono (Tabelas 2 e 3).

Tabela 2
Prevalência da duração do sono de acordo com os fatores demográficos, socioeconômicos e classificação da segregação residencial socioeconômica. Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), 2012-2014.

Tabela 3
Prevalência dos desfechos do sono de acordo com os fatores demográficos, socioeconômicos e classificação da segregação residencial socioeconômica. Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), 2012-2014.

Em relação a distribuição da segregação residencial, 58,9% residiam em vizinhanças de baixa segregação, 27,1% em regiões de média e 14% de alta segregação (Tabela 1). Entre os indivíduos que moravam em áreas de alta segregação residencial socioeconômica, 26% eram pretos, 19% pardos, 8% brancos e a maioria tinha baixa escolaridade e renda (Tabela 4).

Tabela 4
Prevalência da segregação residencial socioeconômica, de acordo com os fatores demográficos, socioeconômicos e desfechos do sono. Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA- Brasil), 2012-2014.

Os indivíduos que vivem em vizinhanças de alta segregação residencial socioeconômica dormiram em média 14 minutos a menos que aqueles que viviam em vizinhanças de baixa segregação residencial socioeconômica. Além disso, participantes que residiam em áreas de alta segregação residencial socioeconômica apresentaram maior prevalência de sono de curta e longa duração (53,6% e 4,9% respectivamente), queixas de insônia (26,6%), privação do sono (53,9%), sonolência diurna (48,3%) e ≥ 2 problemas associados do sono (57,4%). Foi possível observar um claro padrão de gradiente, em que todos os desfechos de sono aumentaram conforme o aumento da segregação residencial socioeconômica (Tabela 4). A associação entre essa alta e duração curta do sono foi atenuada, porém se manteve significativa após o ajuste pelas variáveis socioeconômicas (OR = 1,22; IC95%: 1,07; 1,40). A duração longa do sono teve associação com a alta segregação residencial socioeconômica apenas no modelo 1, perdendo a significância estatística após a inclusão das variáveis de ajuste do modelo 2 (OR = 1,33; IC95%: 0,95; 1,86). O mesmo padrão foi observado para as queixas de insônia (OR = 1,08; IC95%: 0,93; 1,26) (Tabela 5).

Tabela 5
Associações entre a segregação residencial socioeconômica e os desfechos de sono. Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil), 2012-2014.

Para os demais desfechos de sono, as associações se mantiveram significativas após ajustes. Assim, os participantes que viviam em vizinhanças de alta segregação residencial socioeconômica tiveram maior chance de ter privação do sono (OR = 1,20; IC95%: 1,05; 1,37), sonolência diurna (OR = 1,17; IC95%: 1,03; 1,34) e ≥ 2 problemas associados do sono (OR = 1,24; IC95%: 1,08; 1,41) quando comparados com os participantes que viviam em vizinhanças de baixa segregação. Vale destacar que houve um aumento gradual da OR de desfechos negativos de sono da média segregação residencial socioeconômica para alta, exceto para queixas de insônia no modelo ajustado (Tabela 5).

Discussão

Este foi o primeiro estudo que investigou a associação entre segregação residencial socioeconômica e múltiplas dimensões do sono no Brasil. Nossa hipótese foi parcialmente confirmada: a alta segregação residencial socioeconômica foi associada à duração curta e longa do sono, à queixas de insônia, à privação do sono, à sonolência diurna e à ≥ 2 problemas do sono após ajuste para sexo e idade. Porém, ao ajustar para outros fatores sociodemográficos, a associação não foi significativa para a duração longa do sono e para as queixas de insônia. Em geral, com o aumento da segregação residencial socioeconômica, também houve aumento da prevalência dos desfechos negativos do sono.

Em relação a duração do sono, indivíduos que moram em vizinhanças com média e alta segregação residencial socioeconômica tiveram, respectivamente, 13% e 22%, mais chance de terem um sono de curta duração (≤ 6 horas) do que aqueles que moram em áreas de baixa segregação residencial socioeconômica.

Não foram encontradas pesquisas sobre a segregação residencial socioeconômica e o sono para comparação dos resultados. Entretanto, estudos prévios verificaram a associação entre o nível socioeconômico da vizinhança e o sono de curta duração nos Estados Unidos. O nível socioeconômico mais baixo da vizinhança foi associado ao maior risco relativo de relatar sono muito curto (< 5 horas) e curto (5-6 horas) em um estudo longitudinal 99. Xiao Q, Hale L. Neighborhood socioeconomic status, sleep duration, and napping in middle-to-old aged US men and women. Sleep 2018; 41:zsy076.. Já nos transversais, foi demonstrado que viver em vizinhanças de baixo nível socioeconômico foi associado a maior chance de sono muito curto (< 5 horas) e curto (5-6,9 horas) 7 e também a menor duração do sono 88. Watson NF, Horn E, Duncan GE, Buchwald D, Vitiello MV, Turkheimer E. Sleep duration and area-level deprivation in twins. Sleep 2016; 39:67-77.. Vale ressaltar que o indicador de segregação residencial socioeconômica mensura a diferença entre as vizinhanças da mesma área urbana, todavia, as investigações supracitadas utilizaram apenas indicadores de nível socioeconômico delas.

Alguns fatores potenciais podem vincular os aspectos da vizinhança com o sono. Primeiro, o ambiente social dessa pode influenciar o sono indiretamente por meio da ativação dos sistemas de estresse do corpo 66. Desantis AS, Diez Roux AV, Moore K, Baron KG, Mujahid MS, Nieto FJ. Associations of neighborhood characteristics with sleep timing and quality: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis. Sleep 2013; 36:1543-51.. Por exemplo, o medo de crime e violência pode aumentar a ansiedade ou outros aspectos psicológicos, tendo potencial de levar à desregulação do sistema nervoso simpático, levar a hiperexcitação e vigilância e reduzir o tempo disponível para dormir 66. Desantis AS, Diez Roux AV, Moore K, Baron KG, Mujahid MS, Nieto FJ. Associations of neighborhood characteristics with sleep timing and quality: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis. Sleep 2013; 36:1543-51.,1313. Johnson DA, Billings ME, Hale L. Environmental determinants of insufficient sleep and sleep disorders: implications for population health. Curr Epidemiol Rep 2018; 5:61-9..

O ambiente físico, englobador da arquitetura e do planejamento da cidade como a conectividade das ruas, calçadas, áreas residenciais e comerciais, disponibilidade de alimentos saudáveis e espaços sociais (p.ex.: igrejas), pode afetar a mobilidade urbana, a atividade física, a coesão social e, consequentemente, o sono 1414. Billings ME, Hale L, Johnson DA. Physical and social environment relationship with sleep health and disorders. Chest 2020; 157:1304-12.. Similarmente, outros fatores ambientais físicos (ruído e tráfego nas ruas) podem prejudicar essa atividade de forma mais direta, perturbando o repouso devido aos distúrbios nas proximidades 66. Desantis AS, Diez Roux AV, Moore K, Baron KG, Mujahid MS, Nieto FJ. Associations of neighborhood characteristics with sleep timing and quality: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis. Sleep 2013; 36:1543-51.. Viver nessas áreas pode desencadear a liberação de hormônios do estresse como cortisol e epinefrina, que promovem a excitação mental e fisiológica em detrimento do sono 88. Watson NF, Horn E, Duncan GE, Buchwald D, Vitiello MV, Turkheimer E. Sleep duration and area-level deprivation in twins. Sleep 2016; 39:67-77..

A exposição às condições ambientais adversas tende a ser padronizada por raça e status socioeconômico, o que perpetua as disparidades de saúde e, particularmente, as da saúde do sono 1313. Johnson DA, Billings ME, Hale L. Environmental determinants of insufficient sleep and sleep disorders: implications for population health. Curr Epidemiol Rep 2018; 5:61-9.. A segregação residencial é a representação espacial das desigualdades raciais e socioeconômicas, consequência das estruturas de governança, trabalho e iniquidades, marcantes no Brasil 2121. Barber S, Diez Roux AV, Cardoso L, Santos S, Toste V, James S, et al. At the intersection of place, race, and health in Brazil: residential segregation and cardio-metabolic risk factors in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Soc Sci Med 2018; 199:67-76.,3232. Lopes MS, Caiaffa WT, Andrade ACS, Malta DC, Barber S, Friche AAL. Disparities in food consumption between economically segregated urban neighbourhoods. Public Health Nutr 2020; 23:525-37.. A separação espacial com base na classe social e na raça não se trata apenas da segregação das pessoas, mas também dos recursos econômicos e sociais necessários para alcançar a saúde ideal 2121. Barber S, Diez Roux AV, Cardoso L, Santos S, Toste V, James S, et al. At the intersection of place, race, and health in Brazil: residential segregation and cardio-metabolic risk factors in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Soc Sci Med 2018; 199:67-76..

Além disso, a exposição sistemática e desproporcional de pretos e pardos a ambientes de bairros socioeconomicamente segregados reflete a longa história de desigualdades raciais no Brasil, e pode ser uma forma de racismo estrutural que perpetua essas desigualdades em saúde no país 2121. Barber S, Diez Roux AV, Cardoso L, Santos S, Toste V, James S, et al. At the intersection of place, race, and health in Brazil: residential segregation and cardio-metabolic risk factors in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Soc Sci Med 2018; 199:67-76.. Recentemente, Guimarães et al. 3333. Guimarães JMN, Yamada G, Barber S, Caiaffa WT, Friche AAL, Menezes MC, et al. Racial inequities in self-rated health across Brazilian cities: does residential segregation play a role? Am J Epidemiol 2022; 4:kwac001. demonstraram que viver em vizinhanças com maior segregação socioeconômica foi associado à pior percepção de saúde em todos os grupos raciais, sendo ainda mais fortes entre pretos e pardos.

Por outro lado, não houve correlação entre as queixas de insônia com a alta segregação residencial socioeconômica após ajustes, divergindo do estudo de Riedel et al. 1010. Riedel N, Fuks K, Hoffmann B, Weyers S, Siegrist J, Erbel R, et al. Insomnia and urban neighbourhood contexts - are associations modified by individual social characteristics and change of residence? Results from a population-based study using residential histories. BMC Public Health 2012; 20:810. em que a chance de relatar insônia aumentou nos indivíduos que viviam em vizinhanças com alto índice de desemprego.

Outras pesquisas não encontraram relação entre a duração curta 66. Desantis AS, Diez Roux AV, Moore K, Baron KG, Mujahid MS, Nieto FJ. Associations of neighborhood characteristics with sleep timing and quality: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis. Sleep 2013; 36:1543-51.,1111. Johnson DA, Brown DL, Morgenstern LB, Meurer WJ, Lisabeth LD. The association of neighborhood characteristics with sleep duration and daytime sleepiness. Sleep Health 2015; 1:148-55.,1212. Lukic R, Olstad DL, Doyle-Baker PK, Potestio ML, McCormack GR. Associations between neighbourhood street pattern, neighbourhood socioeconomic status and sleep in adults. Prev Med Rep 2021; 22:101345. e longa do sono 1111. Johnson DA, Brown DL, Morgenstern LB, Meurer WJ, Lisabeth LD. The association of neighborhood characteristics with sleep duration and daytime sleepiness. Sleep Health 2015; 1:148-55.,1212. Lukic R, Olstad DL, Doyle-Baker PK, Potestio ML, McCormack GR. Associations between neighbourhood street pattern, neighbourhood socioeconomic status and sleep in adults. Prev Med Rep 2021; 22:101345., a sonolência diurna 1111. Johnson DA, Brown DL, Morgenstern LB, Meurer WJ, Lisabeth LD. The association of neighborhood characteristics with sleep duration and daytime sleepiness. Sleep Health 2015; 1:148-55. e a insônia 66. Desantis AS, Diez Roux AV, Moore K, Baron KG, Mujahid MS, Nieto FJ. Associations of neighborhood characteristics with sleep timing and quality: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis. Sleep 2013; 36:1543-51. com o baixo nível socioeconômico da vizinhança. Vale ressaltar que esses tiveram menor tamanho de amostra quando comparados com os que evidenciaram a associação entre os desfechos do sono e o nível socioeconômico da vizinhança.

Até onde se pode investigar, esse foi a primeira análise que demonstrou a conexão da alta segregação residencial socioeconômica da vizinhança com a privação do sono, a sonolência diurna e ≥ 2 problemas associados ao sono. Como pontos fortes deste estudo, é possível apontar o grande tamanho da amostra com ampla diversidade sociodemográfica, relevante variação geográfica (seis capitais estaduais das regiões Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil), ambientes urbanos com diversidade socioeconômica das vizinhanças, e medidas quantitativas e qualitativas do sono.

Contudo, podemos citar as limitações apresentadas, incluindo o uso da duração do sono autorreferida, que está sujeita a erro de medição. No entanto, essa é amplamente utilizada em estudos epidemiológicos em muitos países. Em nossa população amostral, esse desfecho apresentou boa confiabilidade teste-reteste em uma subamostra, apoiando a validação de nossos achados. Outro fato é que o modelo 2 poderia ser considerado “sobre ajustado” por variáveis sociodemográficas (renda e escolaridade), porém elas foram mantidas por serem individuais e porque a segregação residencial socioeconômica representa uma medida de nível da vizinhança.

Além disso, o ELSA-Brasil envolve apenas funcionários públicos, não incluindo indivíduos nos extremos da distribuição de renda brasileira. Dessa forma, a amostra não é totalmente representativa da população brasileira e os nossos resultados podem não ser generalizáveis para áreas não urbanas. Por fim, neste estudo foram utilizados apenas dados da 2ª onda, portanto, não é possível confirmar a existência de uma relação causal entre a segregação residencial socioeconômica e os desfechos do sono.

Com base nas informações anteriores, uma melhor compreensão da segregação residencial socioeconômica no Brasil poderia potencialmente informar políticas e/ou programas, refletindo a distribuição desigual de privações e privilégios, especialmente em um momento em que o progresso na redução de disparidades está ameaçado 3232. Lopes MS, Caiaffa WT, Andrade ACS, Malta DC, Barber S, Friche AAL. Disparities in food consumption between economically segregated urban neighbourhoods. Public Health Nutr 2020; 23:525-37..

Conclusão

Viver em vizinhanças com alta segregação residencial socioeconômica aumenta a chance de se ter duração curta do sono, privação do sono, sonolência diurna e ≥ 2 problemas associados ao sono. Com os resultados deste estudo, foi possível verificar que as dimensões da saúde do sono não estão distribuídas de forma equitativa pela população brasileira e que isso reforça a associação negativa entre elas e segregação residencial socioeconômica. Políticas públicas de saúde poderiam prover recursos para melhorar a saúde do sono nas populações mais vulneráveis, melhorar as condições ambientais de moradia, além de reduzirem as desigualdades socioeconômicas que são tão evidentes no Brasil.

Agradecimentos

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Referências

  • 1
    Grandner MA. Sleep, health, and society. Sleep Med Clin 2020; 15:319-340.
  • 2
    Buysse DJ. Sleep health: can we define it? Does it matter? Sleep 2014; 37:9-17.
  • 3
    Matricciani L, Bin YS, Lallukka T, Kronholm E, Wake M, Paquet C, et al. Rethinking the sleep-health link. Sleep Health 2018; 4:339-48.
  • 4
    Chen JH. Social epidemiology of sleep: extant evidence and future directions. Curr Epidemiol Rep 2019; 6:449-65.
  • 5
    Diez Roux AV, Mair C. Neighborhoods and health. Ann N Y Acad Sci 2010; 1186:125-45.
  • 6
    Desantis AS, Diez Roux AV, Moore K, Baron KG, Mujahid MS, Nieto FJ. Associations of neighborhood characteristics with sleep timing and quality: the Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis. Sleep 2013; 36:1543-51.
  • 7
    Fang SC, Subramanian SV, Piccolo R, Yang M, Yaggi HK, Bliwise DL, et al. Geographic variations in sleep duration: a multilevel analysis from the Boston Area Community Health (BACH) survey. J Epidemiol Community Health 2015; 69:63-9.
  • 8
    Watson NF, Horn E, Duncan GE, Buchwald D, Vitiello MV, Turkheimer E. Sleep duration and area-level deprivation in twins. Sleep 2016; 39:67-77.
  • 9
    Xiao Q, Hale L. Neighborhood socioeconomic status, sleep duration, and napping in middle-to-old aged US men and women. Sleep 2018; 41:zsy076.
  • 10
    Riedel N, Fuks K, Hoffmann B, Weyers S, Siegrist J, Erbel R, et al. Insomnia and urban neighbourhood contexts - are associations modified by individual social characteristics and change of residence? Results from a population-based study using residential histories. BMC Public Health 2012; 20:810.
  • 11
    Johnson DA, Brown DL, Morgenstern LB, Meurer WJ, Lisabeth LD. The association of neighborhood characteristics with sleep duration and daytime sleepiness. Sleep Health 2015; 1:148-55.
  • 12
    Lukic R, Olstad DL, Doyle-Baker PK, Potestio ML, McCormack GR. Associations between neighbourhood street pattern, neighbourhood socioeconomic status and sleep in adults. Prev Med Rep 2021; 22:101345.
  • 13
    Johnson DA, Billings ME, Hale L. Environmental determinants of insufficient sleep and sleep disorders: implications for population health. Curr Epidemiol Rep 2018; 5:61-9.
  • 14
    Billings ME, Hale L, Johnson DA. Physical and social environment relationship with sleep health and disorders. Chest 2020; 157:1304-12.
  • 15
    Hunter JC, Hayden KM. The association of sleep with neighborhood physical and social environment. Public Health 2018; 162:126-34.
  • 16
    Bassett E, Moore S. Neighbourhood disadvantage, network capital and restless sleep: is the association moderated by gender in urban-dwelling adults? Soc Sci Med 2014; 108:185-93.
  • 17
    Williams DR, Collins C. Racial residential segregation: a fundamental cause of racial disparities in health. Public Health Rep 2001; 116:404-16.
  • 18
    Acevedo-Garcia D, Lochner KA, Osypuk TL, Subramanian SV. Future directions in residential segregation and health research: a multilevel approach. Am J Public Health 2003; 93:215-21.
  • 19
    Reardon SF, Bischoff K. Income inequality and income segregation. AJS 2011; 116:1092-153.
  • 20
    Kershaw KN, Albrecht SS. Racial/ethnic residential segregation and cardiovascular disease risk. Curr Cardiovasc Risk Rep 2015; 9:10.
  • 21
    Barber S, Diez Roux AV, Cardoso L, Santos S, Toste V, James S, et al. At the intersection of place, race, and health in Brazil: residential segregation and cardio-metabolic risk factors in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Soc Sci Med 2018; 199:67-76.
  • 22
    Schmidt MI, Duncan BB, Mill JG, Lotufo PA, Chor D, Barreto SM, et al. Cohort profile: Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Int J Epidemiol 2015; 44:68-75.
  • 23
    Chor D, Alves MGM, Giatti L, Cade NV, Nunes MA, Molina MC, et al. Questionário do ELSA-Brasil: desafios na elaboração de instrumento multidimensional. Rev Saúde Pública 2013; 47:27-36.
  • 24
    Silva-Costa A, Rotenberg L, Nobre AA, Chor D, Aquino EM, Melo EC, et al. Sex differences in the association between self-reported sleep duration, insomnia symptoms and cardiometabolic risk factors: cross-sectional findings from Brazilian Longitudinal Study of Adult Health. Arch Public Health 2020; 29:78-48.
  • 25
    Lima MG, Bergamo PMF, de Azevedo MBB. Sleep duration pattern and chronic diseases in Brazilian adults (ISACAMP, 2008/09). Sleep Med 2012; 13:139-44.
  • 26
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Atlas do Censo Demográfico brasileiro, 2010. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2010.
  • 27
    Santos SM, Chor D, Werneck GL. Demarcation of local neighborhoods to study relations between contextual factors and health. Int J Health Geogr 2010; 9:34.
  • 28
    Getis A, Ord JK. The analysis of spatial association by use of distance statistics. Geogr Anal 1992; 24:189-206.
  • 29
    Torres HG. Residential segregation and public policies: Sao Paulo in the 1990's. Rev Bras Ciênc Soc 2006; 2(selected edition). http://socialsciences.scielo.org/pdf/s_rbcsoc/v2nse/scs_a07.pdf
    » http://socialsciences.scielo.org/pdf/s_rbcsoc/v2nse/scs_a07.pdf
  • 30
    Silva-Costa A, Griep RH, Rotenberg L. Associations of a short sleep duration, insufficient sleep, and insomnia with self-rated health among nurses. PLoS One 2015; 10:e0126844.
  • 31
    Hublin C, Kaprio J, Partinen M, Koskenvuo M. Insufficient sleep - a population-based study in adults. Sleep 2001; 24:392-400.
  • 32
    Lopes MS, Caiaffa WT, Andrade ACS, Malta DC, Barber S, Friche AAL. Disparities in food consumption between economically segregated urban neighbourhoods. Public Health Nutr 2020; 23:525-37.
  • 33
    Guimarães JMN, Yamada G, Barber S, Caiaffa WT, Friche AAL, Menezes MC, et al. Racial inequities in self-rated health across Brazilian cities: does residential segregation play a role? Am J Epidemiol 2022; 4:kwac001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Jul 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2023
  • Revisado
    21 Dez 2023
  • Aceito
    29 Jan 2024
Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões, 1480 , 21041-210 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.:+55 21 2598-2511, Fax: +55 21 2598-2737 / +55 21 2598-2514 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: cadernos@ensp.fiocruz.br