(Re)discutindo a emergência de gêneros na web

(Re)discussing the emergence of genres on the web

RESUMO

O ser humano, desde o Paleolítico, busca todos os recursos semióticos possíveis para ser compreendido. Em todas as tentativas de comunicação, utilizamos gêneros. Em tempos de intensas interações na internet é comum que os usuários se utilizem criativamente de recursos disponíveis em plataformas digitais para uma comunicação eficaz, atendendo a diferentes propósitos comunicativos. Essas ações podem ser a gênese de alguns gêneros, que passam por diferentes estágios de formação, em busca de estabilização. Este trabalho objetiva sugerir critérios que balizam o estágio de emergência de gêneros na web. Metodologicamente selecionamentos um exemplário de três memes que circularam no Facebook e uma postagem nos stories do Instagram, todos de perfis públicos, cujos critérios foram o de terem mais de cem compartilhamentos, curtições, comentários ou visualizações. A análise se pauta à luz da abordagem sociorretórica de gêneros (Miller, 2009; Bazerman, 2021), atrelada à análise dialógica do discurso (Bakhtin, 2016; Volóchinov, 2018). Os resultados apontam que é possível caracterizar a emergência como um estágio de um gênero em direção à sua estandardização, cujos traços são acabamento, falta de consenso identitário e remix.

Palavras-chave:
emergência de gêneros; critérios analíticos; web

ABSTRACT

Since the Paleolithic, genres have always been used in communication and human beings have exploited all semiotic resources to be understood. On the internet, it is common for users to use creative resources available on digital platforms, which serve different purposes, for creative communication. These actions may be the genesis of some genres, which go through distinct stages of formation until they stabilize. This paper aims to suggest criteria that guide the emergence of genres on the web. To that end three memes that circulated on Facebook and a post in Instagram stories were selected. The selection criterion used was the number of shares, likes, or comments, which had to be superior to 100. The analysis is based on the socio-rhetorical approach of genres (Miller, 2009; Bazerman, 2021) and dialogic discourse analysis (Bakhtin, 2016; Volóchinov, 2018). The results show that it is possible to characterize emergence as the first stage of a genre that has yet to be standardized. The features present at this stage are unity of meaning, lack of identity consensus, and remix.

Keywords:
the emergence of genres; analytical criteria; web

1. Introdução

O arqueólogo alemão Julius Jordan desenterrou em Uruk, que se localizava na antiga Babilônia, onde hoje fica o Iraque, no ano de 1929, diversas tábuas de argila com figuras que, a priori, pareciam ininteligíveis. Eram frascos, animais, pães, jarras, com mais de cinco mil anos de idade. Apenas em 1970, a arqueóloga Denise Schmandt-Besserat catalogou peças semelhantes na região da atual Turquia e Paquistão e chegou à conclusão de que aquelas tábuas serviam como registro de ida e vinda de peças, de bens ou de animais. À época, Uruk era um centro comercial cuja sociedade encontrou uma forma muito simples de fazer transações comerciais: fazendo marcas ou desenhos dos produtos comercializados nas peças de argila ainda mole. Emergiam, então, as primeiras planilhas de controle de estoque e os primeiros contratos comerciais. Diante da impossibilidade de se resgatar o contexto, uma hipótese aventada é que aquela escrita, que possibilitou a emergência de tantos gêneros, surgiu, sobretudo, para gerenciar questões administrativas, já que as tábuas eram inscritas com dados provavelmente para “apresentar a contabilidade dos produtos, movimentos de bens e medição de áreas” (Gróf, 2020, p. 33).

Bazerman (1988), por sua vez, mostra que o gênero artigo científico - relato de experiência - tem registros em fins do século XVII, oriundos das correspondências entre cientistas, sendo um deles o editor da revista Philosofical Transactions of the Royal Society, que começou em 1670. Era nas cartas, portanto, que a ciência defendia suas teses, relatava seus experimentos, patenteava suas invenções e narrava viagens e expedições, levantando grandes debates e ajudando a formar campos de atividade humana distintos para responder a necessidades enunciativas variadas, como as efervescências do campo discursivo acadêmico-científico.

Os exemplos apenas mostram que os gêneros hoje estandardizados estiveram, um dia, num processo de moldagem, sendo construídos, e é esse processo o objeto de estudo deste trabalho: a emergência de gêneros, aqui entendida como um estágio mais regular dos gêneros, reconhecido psicossocialmente pelos usuários de um campo de atividade humana e/ ou pelas instituições que regulam essas práticas de linguagem. Trata-se de um estágio por que todos e quaisquer gêneros passam antes da estandardização (Lima-Neto, 2014). Para mostrar isso, tenho como objetivo sugerir critérios que balizam o estágio de emergência de gêneros, fixando a atenção naqueles que se realizam na web. Divido este trabalho em quatro tópicos: primeiro, assumo o meu lugar de fala sobre gêneros, depois mostro as fragilidades das terminologias gêneros digitais e gêneros emergentes; em seguida, discorro sobre o conceito de emergência genérica e, por fim, demonstro, com um exemplário que circula em redes sociais, como Facebook e Instagram, como ele se caracteriza.

2. Gêneros

Embora tenha começado, nas considerações iniciais, com exemplificações de gêneros como o contrato comercial e o artigo científico, séculos mais velhos que os textos que circulam em memes e nos stories², eles são importantes para se compreender que assumo a perspectiva de gêneros das tradições retóricas e sociológicas. Entendo que os gêneros são ações retóricas tipificadas baseadas em situações retóricas recorrentes (Miller, 2009; Bazerman, 2021; Miller et al., 2018). Isso significa que nossa atenção se volta para a relação que existe entre os gêneros e as realizações culturais e cognitivas de ação social, ou seja, os gêneros têm muito mais a ver com como um sujeito, situado historicamente, realiza uma ação e responde a ela. Logo, gênero não se reduz a uma estrutura, a qual será também produto de uma tipificação que existe na recorrência de ações.

Dentro dessa perspectiva, “o gênero é retórico na medida em que categoriza a ação retórica, refletindo e moldando as experiências retóricas compartilhadas das comunidades relevantes” (Miller et al., 2018, p. 270)³. Por conta disso, o gênero é um artefato sócio-cultural, sendo um elemento que auxilia também na organização das sociedades.

Essa seara, reconhecida como Estudos Retóricos de Gênero (Bawarshi & Reiff, 2010), evita discussões sobre adjetivações que acompanham o termo, como gêneros discursivos (Bakhtin, 2016), textuais (Marcuschi, 2008), gêneros da linguagem (Oliveira e Paiva, 2019), uma vez que o foco está nas ações simbólicas dos sujeitos, representadas por um artefato semiótico que responderá a essas ações recorrentes. Linguagem, texto⁴ e discurso, por exemplo, atravessam toda e qualquer situação humana interativa, sendo redutor tratar de um desses traços em detrimento dos outros. Além disso, justifica-se também não usar outros dois adjetivos que, como já disse em trabalho anterior (Lima-Neto, 2014), são constantemente utilizados, mas sem um maior aprofundamento teórico: gêneros digitais e gêneros emergentes.

3. Gêneros digitais e gêneros emergentes: fragilidade terminológica?

Popularizou-se o termo gêneros digitais desde a década de 1990, nos Estados Unidos (Yates & Sumner, 1997), espraiando-se no Brasil pelo trabalho pioneiro de Marcuschi e Xavier (2004), até hoje um dos poucos livros que discutem o assunto. O termo passou a ser (e vem sendo) utilizado praticamente como sinônimo dos gêneros que circulam em ambientes digitais tanto no Brasil (Xavier, 2005; Pinheiro, 2010; Ferraz, 2010; Sant´ana, 2020) quanto no exterior (Dillon & Gushrowski, 2000; Askehave & Nielsen, 2005), com preocupações em descrever o funcionamento desses gêneros nesses ambientes, mas sem grandes reflexões terminológicas, desembocando, inclusive, na Base Nacional Comum Curricular (Brasil, 2017). Na grande maioria das vezes, esse adjetivo é intercambiável com o termo emergente (Marcuschi, 2002; 2004) para designar “gêneros textuais que estão surgindo juntamente com as novas demandas tecnológicas” (Marcuschi & Xavier, 2004, p. 7).

A própria terminologia parece ter sido importada de Crownston & Williams (1997), cujo foco era a de descrever a organização de documentos na internet: à luz de uma análise de cem homepages, propuseram uma enxuta categorização quanto aos gêneros que circulavam na web à época da pesquisa: gêneros reproduzidos - que já existiam antes da internet e podiam ser movidos intactamente para lá; gêneros adaptados - que, como o nome já diz, sofriam adaptações para se adequarem ao novo meio, como mudança de layout, inserção de links etc.; e gêneros emergentes - estes, sim, pensados e desenvolvidos especificamente para o novo meio, tendo a homepage como o primeiro exemplar. Há outras terminologias para darem conta dos enunciados que circulam na web, como cybergêneros (Sheperd & Watters, 1998), gêneros eletrônicos (Huckin, 2007), novos gêneros digitais (Xavier, 2005), gêneros hipertextuais (Cavalcante et al., 2019), tecnogêneros do discurso (Paveau, 2021) etc., todas dadas na tentativa de engendrar a construção teórica de um conceito que considere a constituição e o funcionamento de gêneros próprios do universo digital.

Araújo (2016) defende a tese de que não existem gêneros digitais, uma vez que, numa perspectiva bakhtiniana, “a web não é capaz de fornecer uma instância concreta de gêneros que atendam às demandas de um suposto discurso digital” (Araújo, 2016, p. 52). Logo, usar o adjetivo supõe que há gêneros que participam de um determinado campo digital de atividade humana, o que não se sustenta. Explico: segundo Bakhtin (2016), os campos de atividade humana são espaços de utilização da língua e têm condições e finalidades específicas. Cada um desses campos elabora e organiza em si um repertório de gêneros, que cresce e se complexifica ao sabor das necessidades enunciativas dos usuários de gêneros nesses campos. Logo, esses campos propiciam o surgimento de discursos bastante específicos, ajudando a construir um conjunto de rotinas comunicativas mais ou menos institucionalizadas. Por exemplo, podemos tratar de gêneros do campo acadêmico (artigo, dissertação, tese, monografia etc.), do campo jurídico (petição inicial, contestação, embargos de declaração, decisão interlocutória etc.), do campo humorístico (piadas, anedotas, charges, HQ etc.), do literário (poemas, romances, contos), mas não do campo “digital”, em paralelo aos anteriores.

Blogs (Paveau, 2021) e memes (Guerra; Botta, 2018)⁵ são exemplos do que, com certa frequência, têm sido chamados de gêneros digitais, sem considerar, por exemplo, que ambos podem trazer formas, conteúdos e estilos diferentes, podendo, na verdade, pertencer a campos de atividade os mais variados, como o humorístico, o jornalístico, o publicitário, o jurídico, o político, entre outros. Não nego, é evidente, que o ambiente de produção, circulação e recepção desses textos seja digital, fora do qual não existem. Defendo apenas, com Araújo (2016, p. 52), que a web “é um ambiente plural de profundo poder de absorção que transmuta para si diversas esferas da atividade humana e, com elas, seus gêneros discursivos”, ou seja, por ser democrática, a web contempla todos os campos de atividade humana e, por conseguinte, absorve também os gêneros que os constituem.

Problema semelhante vejo no uso do termo emergente para designar um gênero. Como um jargão já cristalizado, influenciado por autores americanos e propagado no Brasil pelos textos de Marcuschi (2002; 2004), a terminologia dá conta de gêneros que se realizam na web. Mas quais seriam emergentes? E-mail, chat, entrevista com convidado, lista de discussão, endereço eletrônico, blog, como outrora Marcuschi (2004) descreveu? Entendo que cada um desses ditos gêneros pressupõe instâncias enunciativas diferentes, é utilizado por sujeitos socio-historicamente situados, em diferentes situações comunicativas. Por conta disso, é perigoso que gêneros tão díspares, pertencentes a diferentes campos de atividade (Bakhtin, 2016), sejam irmanados sob o mesmo rótulo - no caso, o de gêneros emergentes⁶. Ao que me parece, o que os une é o traço de existirem na (a partir da) web. Parece, portanto, que a definição se dá muito mais pelo espaço de circulação/ ambientação desses enunciados e suas condições de produção, que absorvem traços do meio, do que propriamente as características de um sistema de gêneros ou de um campo específico.

Aqui insisto: o que estamos chamando de ambiente digital diz respeito a um espaço de unidades chamados de bits, que significa binary digit, representando as sequências numéricas 0 e 1 (Lévy, 1999). São esses códigos binários a linguagem dos computadores, mas chegam até nós transformados em textos verbais, imagéticos, sonoros ou a convergência de todos, por meio de telas que conseguem realizar essas leituras, como laptops, smartphones e tablets. Reconheço a existência de textos que são produzidos, distribuídos e recebidos nesse ambiente. Nesse processo, muitos dos elementos que são próprios da mídia digital influenciam na construção e constituição desses textos, que participarão de um gênero. O que precisa ficar claro é que esse movimento não é novo. Com o surgimento do rádio, da televisão e do jornal impresso, por exemplo, os textos (e os gêneros do qual eles participariam) também receberam características do meio em que passaram a existir (veja os jingles, por exemplo, próprios para circular em meios radiofônicos, tendo emergido de uma demanda da publicidade para esse meio específico; ou as telenovelas, oriundas do rádio, que migraram para a televisão e jamais voltaram para a mídia anterior). O ambiente, portanto, nada tem a ver com o conceito de campo de atividade humana: há um ambiente digital, mas não um campo digital.

Com base nisso, entendo que o termo digital é insuficiente, no sintagma gênero digital, uma vez que pode causar confusões conceituais: primeiro, o adjetivo existe para opor-se a/ diferenciar-se de algo já estabelecido. Nesse caso, o seu correspondente seria “gêneros analógicos” ou “gêneros não digitais”. Logo, por que usar esses sintagmas, se não temos o hábito de adjetivar aqueles que não circulam fora da web? O uso pode estabelecer algum tipo de relação de poder entre digital x não digital, que não deveria existir, uma vez que o primeiro clama por ser evidenciado nos textos em geral, como apontei na seção anterior. Segundo, tradicionalmente temos utilizado os adjetivos ou para diferir gêneros com os mesmos nomes, mas propósitos diferentes, caracterizando gêneros diferentes (p.e., carta de recomendação, carta de renúncia, carta pessoal, carta aberta etc.; anúncio publicitário, anúncio classificado, anúncio institucional) ou para classificá-los num mesmo campo (gêneros acadêmicos, gêneros jurídicos, gêneros humorísticos). Logo, usar o adjetivo digital para definir o ambiente de produção, circulação e distribuição dos gêneros nos parece levar a falsas correlações entre ambiente de circulação e campo de atividade humana. O e-mail, por exemplo, é digital por só ter razão de existência na internet, mas também pode ser acadêmico, pessoal, administrativo etc., a depender dos propósitos do envio. Gêneros são gêneros, independentemente do ambiente em que circulam.

É necessário lembrar que os gêneros não surgem do nada. Bakhtin (2008, p. 121) já dizia que:

O gênero sempre conserva os elementos imorredouros da archaica. É verdade que nele essa archaica só se conserva graças à sua permanente renovação, vale dizer, graças à atualização. O gênero sempre é e não é o mesmo, sempre é novo e velho ao mesmo tempo. O gênero renasce e se renova em cada nova etapa do desenvolvimento da literatura e em cada obra individual de um dado gênero. Nisto consiste a vida do gênero [...]. O gênero vive do presente mas sempre recorda o seu passado, o seu começo.

Ou seja, independentemente de onde ele se realize, o gênero tem como base gêneros precedentes, os quais deixaram marcas no curso de sua história. Muitos gêneros apenas sofrem alterações, não tendo necessariamente mudanças tão profundas em virtude do meio que julgue tratar-se de outros gêneros (veja o caso de notícias ou anúncios que circulam em ambiência digital: excetuando-se as características do meio, os propósitos e os elementos definidores do gênero se mantêm, independentemente do suporte); outros sofrem mudanças, a ponto de os sujeitos reconhecerem como outro gênero, que buscará se estabilizar, em virtude da eterna tensão existente entre as forças centrífugas (permanência) e centrípetas (inovação) da língua. É nesta tensão que o gênero tem sua força e sua existência.

Em trabalho anterior (Lima-Neto, 2014), por falta de nomenclatura melhor, acabei por escolher a terminologia gêneros discursivos digitais, com a justificativa de trabalhar com aqueles que circulam nessa ambiência. Hoje já revejo esse posicionamento, que, na verdade, mantém as mesmas problemáticas que discuti nesta seção. Tenho preferido, então, usar apenas gênero, seguindo a tradição dos estudos retóricos, porque é exatamente isso que são: respostas a ações sociais tipificadas, fundadas em situações recorrentes, construídas por sujeitos sociais e históricos, independentemente de as situações ocorrerem no meio digital ou não. São fenômenos da linguagem.

Quando estiver tratando da ambiência digital, então talvez seja melhor se referir a eles como gêneros na internet , uma vez que a preposição reitera apenas o lugar de manifestação do enunciado. Nem todos os gêneros que ali circulam são da internet. Isso posto, entendo que todo e qualquer gênero, como produto das sociedades e das demandas enunciativas dos seres humanos, se transformam ao longo do tempo, acompanhando o ritmo das mudanças sociais. Esse processo envolve inovação, que, de acordo com Miller (2016), pode cair tanto num processo de evolução quanto de emergência de um gênero.

4. Emergência de gêneros

Na seção anterior, fiz uma crítica aos sintagmas “gênero emergente” e “gênero digital”, o que não quer dizer que gêneros não passem por diferentes momentos, no curso de sua história. Um desses momentos é o de emergência, sobre o qual me debruçarei aqui.

Lüders et al. (2010) sustentam a tese de que os gêneros operam dinamicamente em duas dimensões independentes: convenções e expectativas. A primeira diz respeito aos traços constitutivos de cada gênero, como retórica, estilo, materialidade, enquanto a segunda diz respeito ao que os usuários de um gênero esperam quando se deparam com um determinado enunciado numa situação específica. Quando se trata de inovação, as misturas de gêneros podem ser importantes, pois as expectativas são quebradas, bem como certas convenções retóricas. Eis um caminho para um gênero emergir: na tensão entre convenções e expectativas.

Miller (2016) diz que há uma tendência de estudiosos de gêneros chamar de emergente aquilo que aparece como algo novo e sem precedentes. É talvez essa a questão que tenha levado diversos autores a atribuírem tanta importância ao adjetivo em questão para tratar dos fenômenos linguageiros da internet: está na internet, é diferente, é novo, então é um gênero emergente. A questão tende a ser redutora, uma vez que pouco considera a situação que gerou determinada prática de linguagem. Nas palavras da autora, “o que a emergência parece oferecer é um modelo menos preocupado com as relações cronológicas e nas adaptações e mais interessado na diferença, ruptura e novidade” (Miller, 2016, p.11). Essa é uma diferença importante entre as concepções de emergência e evolução: para ela, a evolução traz mais um modelo que contemple as mudanças diacrônicas e variações sincrônicas de um gênero: há ênfase na conexão e na ancestralidade. Tome-se como exemplo as mudanças porque passaram os editoriais ao longo dos anos (Zavam, 2009) ou as cartas (Bazerman, 1988), mostrando que algumas variações do gênero acabam por ser seletivamente preservadas, para atender às demandas enunciativas de uma população.

Já a emergência deve ser entendida como “uma impressão socialmente compartilhada ou a percepção que algo é qualitativamente novo, experiencialmente distinto e, ao mesmo tempo, significativo e útil.” (Miller, 2016, p. 15). A emergência de um gênero sempre vem de alguma coisa e, embora seja imprevisível, tem por trás um sistema de categorias familiares. Araújo (2016), ao analisar os gêneros que organizam práticas discursivas em sites de redes sociais, propõe o esquema apresentado na Figura 1, para compreender o fenômeno:

Figura 1
Processos de reelaboração de gêneros em sites de redes sociais

Araújo recorre à categoria de reelaboração, de Bakhtin (2016), para explicar essa dinâmica em sites de redes sociais: o autor russo entende a reelaboração de gêneros como uma correlação entre gêneros secundários, que têm feições mais complexas, e primários, que pertencem a campos de atividade mais corriqueiros e informais. Na reelaboração, os gêneros secundários podem absorver os primários, levando a inovações de ordem estrutural, conteudística, estilística na constituição dos gêneros envolvidos.

Em seu esquema, a reelaboração é o processo que leva à emergência genérica, uma vez que, em ambientes digitais, há espaço para maiores intervenções criativas dos usuários, que podem experimentar

diferentes técnicas de construção de textos híbridos que acontecem por meio das atividades de recortar/ copiar e colar, próprias das tecnologias digitais. Esse processo é mutante e criativo, como a própria língua, e, em função disso, as pessoas não param de inventar uma nova moda, decorrente da “vida” social existente nesses ambientes (Araújo, 2016, p. 58)

Como fruto de tais intervenções, cânones são frequentemente quebrados, dando lugar a novas experiências enunciativas e, por sua vez, genéricas que apresentam traços de remixabilidade (Manovich, 2005; Navas, 2010), já que, em ambientes digitais, o remix pode se caracterizar pela mistura de elementos resgatados de outros contextos e mesclados, por meio de um software de edição de imagens, formando um novo enunciado.

É, portanto, nessa linha que dirigimos nosso olhar: entendemos que a emergência não é o mesmo que evolução de um gênero, mas pode se tornar o processo seguinte dessa evolução, tendo em vista que um gênero pode sofrer mudanças profundas a ponto de não ser reconhecido mais pela comunidade que o utiliza pelo mesmo nome ou nas mesmas situações retóricas. É, então, um estágio por que passa um gênero em direção à estandardização. De maneira a contribuir com a questão, proponho agora mostrar algumas características que demarcam essa emergência, ajustando a lupa para práticas de linguagem em ambiência digital, em virtude da volatilidade do meio.

5. Estágio da emergência de um gênero em ambiente digital

Começo apontando para um padrão estrutural que circulou no Facebook há alguns anos e está retratado nas Figuras 2 a 4.

Figura 2
Rei Leão

Figura 3
Crepúsculo

Figura 4
Clube da Luta

Na análise da forma, os textos das figuras 2 a 4 se constituem numa narrativa quadro a quadro, e a fala das personagens aparece por meio de balões ou então sobrepostas nos quadros. Os três exemplares tiveram mais de 2000 compartilhamentos, o que demonstra compreensão de sentido e alto consumo desses textos pelos usuários do Facebook. Em pesquisa anterior (Lima-Neto, 2014), meu intuito era verificar, junto a pessoas que tinham um perfil na rede, como eles enxergavam esses textos. À época da coleta desses dados, lancei um questionário no Facebook que tinha quinze questões, mas resgato, para este momento, apenas três⁷.

• 1) Você daria algum nome a esses textos?

• 2) Se a resposta for positiva, que nome você daria?

• 3) Se for negativa, marque uma das alternativas abaixo:

• a. Eu reconheço os textos e os entendo, mas não sei o nome deles.

• b. Eu não conheço esse tipo de texto e não entendo o que são ou para que servem.

As respostas das questões objetivas (1 e 3) foram as seguintes:

Quadro 1
Resposta às questões

Você daria algum nome a esses textos?	SIM	63%
	NÃO	37%
Se a resposta for negativa, marque uma das alternativas abaixo.	Reconheço os textos, mas não sei o nome deles.	91%
	Não reconheço esse tipo de texto e não entendo o que são ou para que servem.	9%

• Fonte: Lima-Neto (2014)

Uma questão metodológica que se põe diante da caracterização de gêneros com os quais pouco se é familiarizado ou quando os outros os compreendem diferentemente é sugerida por Bazerman (2021, p. 69): “Uma forma mais geral de fazer isso, é pedir às pessoas de um certo campo que nomeiem os tipos de textos com os quais trabalham (para identificar seu conjunto de gêneros)”. São eles, portanto, que terão autoridade para atribuir nome às práticas de linguagem. Por conta disso, foi interessante descobrir que não foi consensual a questão da nomeação: dos 122 participantes, 63% disseram que dariam nome aos textos, enquanto 37% disseram que não nomeariam.

Do grupo que atribuiria nomes, em resposta à questão 2, surgiram os seguintes: gênero misto, montagem tosca, paródia, textos do Facebook, memes, colcha de retalhos, fotonovelas. Esse dado também interessa, pois indica que, mesmo aqueles que nomeiam essa prática, não estão de comum acordo sobre a identidade, e isso também mobiliza reconhecimento de determinadas situações retóricas e como reagimos a elas. Gêneros mais estandardizados e mais institucionalizados não trazem dúvidas sobre sua nomeação para uma comunidade discursiva de sujeitos que os utilizam nas mesmas situações.

Outra informação muito interessante são nomes como gênero misto, montagem tosca, colcha de retalhos. Esses dados apontam que há reconhecimento de traços de outros gêneros na constituição destes enunciados. Isso pode indicar, como afirma Miller (2016), que se trata de um processo em emergência, de provável formação de um gênero, uma vez que toda emergência parte de alguma coisa - um gênero já reconhecido? -, estando por trás de um conjunto de categorias familiares. Um caminho para a emergência é a montagem ou a hibridização de gêneros, que constituem a inovação. A meu ver, a categoria de remix (Manovich, 2005; Navas, 2010) lança luzes importantes sobre essas constituições genéricas em análise. Note, por exemplo, que os três textos exigem que os leitores recuperem, como pano de fundo, filmes. Todos eles são formatados pelo fenômeno da intertextualidade (Carvalho, 2018), uma vez que estabelece uma correlação com outros textos. A intertextualidade, aqui, é orquestrada a partir de um programa de edição de imagens, que flagra apenas determinadas cenas e as coloca em quadros, lembrando uma HQ, além de modificar as falas dos personagens, criando, portanto, outro cenário e, por conseguinte, outra significação. Retira-se, portanto, os frames das cenas de seu contexto original e os reconstrói, modificando e parodiando a cena. Isso só é possível por meio dos recursos de softwares de edição de imagens, utilizados criativamente pelos usuários para a construção de um novo texto. Na figura 4, há uma curiosidade, por haver uma inserção da figura do lutador Anderson Silva, mesclado a frames do filme Clube da Luta, do qual Anderson não participa. A montagem é um bom exemplo do que estou chamando de remix. Logo, embora sejam textos que pertencem a gêneros em emergência que só existem no meio digital, poderiam se enquadrar no campo humorístico, atravessado por um discurso satírico, cujo propósito é o de levar os leitores ao riso.

Quanto ao grupo que respondeu que não atribui nome aos textos, 91% deles disseram que reconhecem os textos, mas não os nomeia, enquanto apenas 9% não sabem para que servem. Centremos a atenção na discrepante quantidade de usuários que percebem que o enunciado em questão é uma resposta adequada a uma situação retórica recorrente, portanto é possível agir socialmente por meio dele, seja concordando, discordando, rindo, compartilhando etc. Nessa abordagem analítica, olhamos para as ações sociais, tendo o nome uma importância menor, mas, neste caso, é interessante saber que a grande massa dos usuários consegue interagir, por mais que não saiba nomear o enunciado. Entendem, por exemplo, que os textos levam ao riso, podendo fazer-se supor que estamos diante de algum gênero humorístico. Questões dessa natureza parecem ser um indicativo importante para designar uma entidade do mundo ainda em formação, em busca de acordos sociais. A Figura 5 proporciona mais um exemplo desse fenômeno.

Figura 5
Postagem nos stories do Instagram

Selecionei uma postagem de uma pessoa pública, a nutricionista Thaisa Leal⁸, que, com muita frequência, disponibiliza em suas redes receitas de alimentação saudável para quase um milhão de seguidores. No Instagram, lócus dessa postagem, além das receitas, é comum que ela compartilhe acontecimentos do seu dia-a-dia, assim como fazem milhões de outros usuários desse site.

Miller (2009) e Bazerman (2021) chamam a atenção que a formatação de um gênero é um traço importante para mostrar como uma sociedade tipifica suas respostas a situações recorrentes. Por isso, começo chamando a atenção para a constituição de seu texto: em 1⁹, temos o perfil de quem fez a postagem - no caso, a própria Thaísa; em 2, temos um print¹⁰ da postagem de uma terceira pessoa, provavelmente uma seguidora, que escreve: “@lealthaisa, olha quem voltou! #tapiovo”, um texto escrito sobreposto a uma foto do que seria um provável café da manhã. Em 3, os limites bidimensionais e inanimados deste suporte não permitem identificar que a figura “OMG”, num balão, é um GIF¹¹, que, em sua ambiência natural, tem efeito de sentido diferente do que está sendo lido agora, pois ele é animado. Em 4, o texto escrito “Uhuuu!!! Te amo!! Sdd!! Ja ja to ai❤️” é de autoria da dona da conta Thaísa Leal, que sugere ter como destinatário a seguidora @XXXX¹².

Dentre muitas questões que merecem destaque em postagens dessa natureza, por limitações de espaço, ajustarei a lupa para três elementos, à luz da abordagem de Miller (2009; 2016) e Bazerman (2021): a) a situação retórica recorrente; b) a tipificação; c) o público-alvo. Sobre a situação retórica recorrente, entende-se, com Miller (2009), que são as contingências pelas quais todos os sujeitos participantes de uma sociedade passam com o interesse de interagir e estabelecer comunicação. Logo, quando as situações se repetem mais ou menos nos mesmos contextos, tendemos a nos comportar de uma determinada forma, relativamente padronizada, como um contrato social que é reconhecido cognitivamente. No caso do Instagram, os stories são uma ferramenta pensada sobretudo para divulgação, promoção de um determinado fato/ evento, em busca de um maior engajamento de seguidores. No caso em tela, a usuária @XXXX divulgou, em seus stories, para todos os seus seguidores, uma situação do seu dia-a-dia - um lanche cotidiano -, embora tenha marcado na postagem a @lealthaisa. Entendo, então, que a situação retórica aqui é o ato de não apenas se promover - já que ela fez uma postagem pública, direcionada a muitas pessoas -, mas também divulgar uma receita possivelmente aprendida com a nutricionista marcada na postagem.

Diante dessa situação retórica, vem a possível resposta a essa ação: @XXXX produziu um enunciado multissemiótico, constituído por uma foto e um texto verbal sobreposto. O gênero é a ação que desenvolvemos para responder a determinadas situações retóricas. Como há uma tendência de termos similaridades na forma e na substância, quando as situações se repetem, temos um exemplo de tipificação. A forma é a maneira mais fácil de enxergar essa tipificação, porque ela também é moldável, embora seja reconhecida socialmente. Talvez não saibamos dizer a que gênero esse texto se enquadra - e nem importa no momento. O que interessa é que os usuários se utilizam dessas práticas - portanto agem socialmente - permitidas apenas por tecnologias digitais próprias da plataforma do Instagram.

Notemos agora a postagem da @lealthaisa: a autora copia o texto da colega (printa) e replica em sua conta do Instagram, o que é permitido apenas pelo uso de técnicas de captura de tela (hoje função disponível em qualquer smartphone) e replicação num site de rede social ou num aplicativo. É uma montagem que é desenvolvida e constitui todo o enunciado da nutricionista. Estamos aqui diante de um fenômeno de remix, que tende a ser um processo de construção de sentido já tipificado quando do uso dos stories. A própria ferramenta induz o usuário a ser criativo e explorar recursivamente as potencialidades enunciativas, “montando” o layout do seu texto da maneira que lhe convém, selecionando filtros diferentes ou figuras variadas que auxiliem o público-alvo a construir o sentido desejado pelo autor.

Por fim, o público-alvo: para quem as autoras direcionaram suas postagens? Uma para outra? Lembremos que @lealthaisa tem quase um milhão de seguidores. A que propósitos ela buscou alcançar quando publicou seu texto para que todos pudessem ver? Estamos diante de um gênero promocional (uma vez que há um propósito de engajamento) ou um gênero epistolar, do cotidiano (como se elas estivessem numa conversa informal, privada)? Parece-me que o propósito é muito mais publicitário do que epistolar, uma vez que postagens dessa natureza geram engajamento do seu público - que curtem, comentam e alguns compartilham esse story da pessoa pública. Veja como habilmente a autora acaba por misturar elementos tradicionais da epistolaridade para promover uma receita, gerando um texto que participa de um gênero promocional. De toda forma, não há dúvida de que se trata de um enunciado com sentido completo, que serviu aos propósitos dos envolvidos, efetivando a comunicação. Portanto, estamos diante de um texto (Cavalcante et al., 2019) que, assumimos, participa de um determinado gênero, que não sabemos o nome, é verdade, mas que resgata a essência das ações sociais que visam ao campo de atividade promocional.

O que me parece é que, na ambiência digital, essa tipificação, que é construída diante de situações retóricas recorrentes, acontece numa outra dinâmica temporal e com distintos padrões de reconhecimento de semelhanças por parte dos sujeitos. Aqui, o remix parece ser a regra, se utilizando de todos os recursos multissemióticos disponíveis para elevar a potencialidade enunciativa ao máximo. Nem sempre, portanto, os gêneros são novos. Apenas o modo como construímos essa tipificação muda, em decorrência das tecnologias digitais à disposição da criatividade dos usuários, que encontra caminhos eficazes na internet para se promover ou para levar ao riso, ações sociais constitutivas do ser humano. Apenas o tempo dirá se estamos diante de um gênero que está em emergência ou se é uma nova roupagem para um gênero já antigo. Como já afirmava Bakhtin (2016, p. 38), “em termos práticos, nós os empregamos [os gêneros] de forma segura e habilidosa; mas em termos teóricos podemos desconhecer inteiramente sua existência”.

O que quero dizer com isso é que o ambiente digital é um berço profícuo para a emergência de gêneros variados. Na internet, pelo fato de o tempo ser muito diferente do cronológico, é comum que consigamos ver, em pouco tempo, quando determinados padrões surgem, são utilizados até a saturação e, depois, tendem a desaparecer, para dar lugar a outros. Arrisco dizer que muitos, inclusive, sequer têm tempo de vida útil para chegar à estandardização, a ponto de os usuários das redes sociais rotularem diferentes produções textuais, participantes de diferentes gêneros, apenas por nomes mais consagrados no senso comum, como “memes”, “stories”, “postagens” etc., mesmo sabendo (inconscientemente) que eles são estratégias importantes para responder a ações sociais diversas, então guardam gêneros diferentes. Defendo, portanto, que a emergência é um fenômeno constitutivo da vida de todo e qualquer gênero e funciona de acordo com o expresso na Figura 6.

Figura 6
Percurso histórico de um gênero

O primeiro momento, o surgimento, não é necessariamente um gênero, mas representa uma determinada demanda enunciativa social. Foi assim com o movimento anterior à criação das escrituras nas tábuas de argila na sociedade de Uruk. A partir do momento em que essa situação começa a se repetir, os sujeitos sociais iniciam certa tipificação para agir socialmente diante da dita situação. É natural que, sociais que somos, recorramos a movimentos já anteriormente utilizados em outras situações: resgatamos aspectos de outros gêneros para tentar dar conta dessa nova situação. Os elementos funcionam de maneira mais ou menos amorfa, híbrida, uma vez que mescla elementos de outros gêneros. Eis aqui o processo de remix: as relações intertextuais e as mesclas genéricas são comuns nesse estágio, que chamo de emergência. É um processo de moldagem pela sociedade, que passa, inclusive, pelo acordo social da identificação - o nome daquele (possível) gênero. O caminho seguinte é a estandardização, quando as respostas às situações retóricas tipificadas já são bastante recorrentes, com traços bem definidos e reconhecidos socialmente, repetidos em larga escala por uma determinada comunidade.

Já temos indícios que apontam para o fato de que muitos dos gêneros menos institucionalizados praticados em ambientes digitais têm pouca chance de chegar à estandardização, por questões do tempo de vida na rede, que é curto. Todo dia, surgem novas formas, novos estilos, novas temáticas que rapidamente saturam o ambiente e logo ficam para trás, dando espaço a outras formas mais inovadoras, o que impede até mesmo de que muitos desses textos sejam registrados, como é o caso dos stories, que, se não printado, está perdido para sempre, uma vez que tem vida útil de 24h.

Muito, mas muito longe de fechar a questão, tentei mostrar, neste trabalho, que pelo menos três traços ajudam a explicar o estágio de emergência em gêneros que circulam em ambiência digital: há um acabamento reconhecido socialmente, o que garante a unidade de sentido construída pelos internautas e seus usos; há falta de consenso identitário, uma vez que os sujeitos não estão de acordo sobre como nomear esses gêneros, ainda em formação, o que não é empecilho para o consumo deles; há características típicas do remix, fruto de uma reelaboração de gêneros, seja pelo uso de características de outros gêneros ou de outros textos na composição do enunciado, seja pelos recursos disponíveis nas plataformas digitais, que atiçam a criatividade dos usuários ao limite das potencialidades enunciativas.

6. Considerações (longe de serem) finais

Meu objetivo foi o de sugerir critérios que balizam o estágio de emergência de gêneros na web. Para isso, recorri a três memes que circularam no Facebook e os submeti ao crivo dos usuários da rede, buscando entender como eles enxergam esses enunciados. Depois me debrucei sobre a análise de uma postagem nos stories do Instagram de uma pessoa pública, postagem essa que tem muita recorrência nessa plataforma digital.

Mesmo sabendo do risco de um corpus enxuto, com quatro produções textuais, tentei mostrar que esses textos - que são compreendidos pelos interactantes, portanto, constituem uma unidade de sentido, num determinado contexto, moldados por diferentes sistemas semióticos - participam de gêneros, os quais estão em níveis diferentes de estandardização em relação a outros com maior estabilidade, como os mais institucionalizados (acadêmicos, jurídicos, religiosos etc.). Esses gêneros, bem mais instáveis, plásticos e maleáveis, estão em formação e passam por um determinado estágio de sua evolução/ inovação que chamo de emergência, que tem pelo menos três características que o definem: acabamento, falta de consenso identitário e remix.

Embora meus objetos de análise tenham sido textos que circulam na web e só existem nela, defendo que o fenômeno da emergência não se limita à internet, mas é um estágio que perpassa a vida de todo e qualquer gênero, como os hoje conservadores contratos de compra e venda já foram, outrora, riscos numa tábua de argila e, ainda antes, muito possivelmente, gêneros da oralidade. Ou ainda os primeiros artigos científicos, que vieram de trocas de correspondências entre filósofos e cientistas, com traços da epistolaridade que temos hoje - ou seja, emergiram de uma demanda enunciativa. O que temos visto na internet passa pelo mesmo processo, que, é claro, tem outra duração temporal, muito mais rápida, mais dinâmica e mais complexa para nós entendermos.

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• 2
  Os stories são uma função que permite a publicação de fotos ou vídeos (geralmente são muito rápidos) que podem ser editados e devem ser visualizados por um rápido espaço de tempo, uma vez que fica disponível por 24h. Sites como o Instagram (desde 2016) e o Facebook, além de aplicativos como o WhatsApp, têm a função disponível.
• 3
  Todas as traduções neste artigo são de minha inteira responsabilidade.
• 4
  E aqui assumo o texto como “um enunciado, que acontece como evento singular, compondo uma unidade de comunicação e de sentido em contexto, expressa por uma combinação de sistemas semióticos”. (Cavalcante et al., 2019, p.26).
• 5
  Remeto o leitor a trabalho anterior (Lima-Neto, 2020) onde questiono o estatuto genérico do meme, levantando argumentos sob os quais se pode questionar também o estatuto do blog como gênero.
• 6
  É claro que, quando Marcuschi escreveu, no início dos anos 2000, sobre esses fenômenos, de fato, a humanidade estava vendo surgir, na tela do computador, uma série de práticas de linguagem com as quais ainda estava aprendendo a lidar. É compreensível e lógico, inclusive, importar e adotar as terminologias já usadas no exterior e que até hoje permanecem.
• 7
  Esses dados são um recorte de uma pesquisa maior, com oito questionários, cada um deles com quinze questões. Por questões de espaço, trago apenas parte dos dados de um desses questionários, respondido por 122 internautas.
• 8
  No Instagram, o perfil @lealthaisa é aberto.
• 9
  Os itens 1, 2, 3 e 4 foram colocados para didatizar minha explanação. Não fazem parte da postagem original.
• 10
  Um print é um recurso utilizado para capturar a tela do computador ou do celular. Em computadores, isso pode ser feito pela tela print screen.
• 11
  Graphic Interchange Format (GIF) é um formato digital para imagens animadas, cuja materialização só é possível em telas digitais (não necessariamente conectadas à internet).
• 12
  Como a seguidora não é uma pessoa pública, ela está anonimizada.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Out 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  24 Jan 2022
• Aceito
  17 Out 2022