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INTERAÇÃO DIALÓGICA COMO MEDIAÇÃO NO PROCESSO DE AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM ESCRITA POR SURDOS

LA INTERACCIÓN DIALÓGICA COMO MEDIACIÓN EN EL PROCESO DE ADQUISICIÓN DEL LENGUAJE ESCRITO POR PARTE DE LOS SORDOS

RESUMO:

O objetivo deste estudo foi investigar o processo de apropriação, pelo surdo, da língua portuguesa como segunda língua em interlocução com uma professora bilíngue por meio do diário de aprendizagem. Especificamente, foram caracterizadas as estratégias pedagógicas usadas pela professora para mediar o ensino da linguagem escrita e analisado o processo de apropriação da escrita pelos estudantes surdos. Foram coletados diários de aprendizagem produzidos por estudantes surdos do Ensino Fundamental II de uma escola inclusiva e que fazia parte de um Programa de Educação Bilíngue para surdos. A partir de uma análise indicial dos diários focamos na interlocução entre a professora e os estudantes presentes no texto dos diários atentando para as características e intenções contidas nos diálogos, bem como para as mudanças ocorridas nos textos dos estudantes. Os resultados indicaram que os diários se constituíram como meios de enunciação e de aprendizagem da linguagem escrita pelos surdos. A escrita, como meio semiótico de constituição e expressão do sujeito, favoreceu tanto a comunicação quanto a elaboração de conhecimentos sobre a escrita de uma segunda língua, além de mediar a conversão de processos de significação em processos internos que formam a base da consciência.

Palavras-chave:
Educação de Surdos; Bilinguismo; Linguagem Escrita; Surdez

RESUMEN:

El objetivo de este estudio fue investigar el proceso de apropiación, por parte de los sordos, de la lengua portuguesa como segunda lengua en diálogo con una profesora bilingüe a través del diario de aprendizaje. Específicamente, caracterizamos las estrategias pedagógicas utilizadas por la profesora para mediar la enseñanza del lenguaje escrito y analizar el proceso de apropiación de la escritura por parte de los estudiantes sordos. Tomamos los diarios de aprendizaje elaborados por estudiantes sordos de la Enseñanza Fundamental II de una escuela inclusiva y que hacía parte de un Programa de Educación Bilingüe para Sordos. A partir de un análisis indicial de los diarios nos centramos en la interlocución entre la profesora y los estudiantes presentes en el texto de los diarios prestando atención a las características e intenciones contenidas en los diálogos, así como a los cambios ocurridos en los textos de los estudiantes. Los resultados indicaron que los diarios se constituyeron como medios de enunciación y aprendizaje de la lengua escrita por parte de los sordos. La escritura, como medio semiótico de constitución y expresión del sujeto, favoreció tanto la comunicación como el desarrollo del conocimiento sobre la escritura de una segunda lengua, además de mediar la conversión de los procesos de significación en procesos internos que forman la base de la conciencia.

Palabras claves:
Educación para Sordos; Bilingüismo; Lenguaje Escrito; Sordera

ABSTRACT:

The objective of this study was to investigate the process of appropriation, by the deaf, of the Portuguese language as a second language in dialogue with a bilingual teacher through the learning diary. Specifically, the pedagogical strategies used by the teacher to mediate the teaching of written language were characterized and the process of appropriation of writing by deaf students was analyzed. Learning diaries produced by deaf students in Elementary School II (Middle school) from an inclusive school that was part of a Bilingual Education Program for the deaf were collected. Based on an indexical analysis of the diaries, we focused on the dialogue between the teacher and the students present in the text of the diaries, paying attention to the characteristics and intentions contained in the dialogues, as well as to the changes that occurred in the student's texts. The results indicated that the diaries were constituted as means of enunciation and learning of written language by the deaf. Writing, as a semiotic means of constitution and expression of the subject, favored both communication and the development of knowledge about writing a second language, in addition to mediating the conversion of processes of meaning into internal processes that form the basis of consciousness.

Keywords:
Deaf Education; Bilingualism; Written Language; Deafness

INTRODUÇÃO

O ensino da linguagem escrita tem sido um dos temas mais investigado na área da educação de surdos no Brasil, conforme apontou Botarelli (2014BOTARELLI, Geane Izabel Bento. O ensino-aprendizagem do português escrito para surdos em pesquisas: análise de resumos acadêmicos (1987-2010). 2014. 104f. Dissertação (Mestrado em Educação: história, política, sociedade), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Disponível em:<Disponível em:https://anpedsudeste2014.files.wordpress.com/2015/07/geane-izabel-bento-botarelli.pdf >. Acesso em: 10 jan. 2020.
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). Vários motivos justificam tamanho interesse; dentre os quais, ressaltamos as dúvidas a respeito de como estão se dando as práticas de ensino da escrita para surdos e suas contribuições para a aprendizagem deste estudante.

Do ponto de vista legal, a aprovação e implementação da Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002BRASIL. Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 abr. 2002. Disponível em:<Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm >. Acesso em: 25 out. 2022.
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, que discorre sobra a Língua Brasileira de Sinais (Libras), regulamentada pelo Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que garantiram à comunidade surda o direito ao uso da língua de sinais como língua de comunicação e instrução escolar. A Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014BRASIL. Lei nº. 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências. Diário Oficial [da] União, Seção 1, edição extra, Brasília, DF, 26 jun. 2014. Disponível em:<Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm >. Acesso em: 26 out. 2022.
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, que aprova o Plano Nacional de Educação, garantiu aos estudantes surdos o direito a uma educação bilíngue, tendo a Libras como primeira língua e a língua portuguesa na modalidade escrita como segunda língua. No ano de 2021 foi aprovada a Lei 14.191BRASIL. Lei nº. 14.191, de 3 de agosto de 2021. Regulamenta sobre a modalidade de educação bilíngue para surdos. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 04 ago. 2021. Disponível em:<Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Lei/L14191.htm >. Acesso em: 26 out. 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
, que altera o Capítulo V da Lei de Diretrizes e Bases (Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996BRASIL. Decreto nº. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº. 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e o art. 18 da Lei no. 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 23 dez. 2005. Disponível em: <Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm >. Acesso em: 25 out. 2022.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_at...
) e sanciona a educação bilíngue como modalidade de ensino para os surdos.

Refletir sobre o ensino da língua portuguesa na modalidade escrita para o público surdo é sempre complexo e desafiador. Essa elucubração implica, entre outras coisas, em pensar sobre a criação de condições de ensino para que o surdo, usuário de uma língua viso-gestual, aprenda e faça uso de uma linguagem escrita que é a materialidade de uma língua oral-auditiva, como segunda língua. Isto é, o surdo terá que adquirir uma linguagem escrita que, originalmente, se fundamenta na oralidade, o que demanda uma experiência linguística que grande parte das pessoas surdas não possui.

De acordo com Fernandes (1999aFERNANDES, Sueli F. É possível ser surdo em português? Língua de sinais e escrita: em busca de uma aproximação.In: SKLIAR, Carlos (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999a. p. 59-82.), o domínio de uma língua não está subordinado ao desempenho linguístico, mas relacionado ao contato, ao uso da língua. Os meios de acesso à língua, as modalidades na qual a língua é produzida (oral ou escrita) são importantes para a estrutura gramatical, mesmo que não administrem os mecanismos cerebrais envolvidos no processo de aprendizagem desta. No caso dos surdos, a aprendizagem da escrita está vinculada ao significado que esta língua assume nas práticas sociais das quais estes sujeitos participam e este significado só poderá ser construído na e pela língua de sinais (FERNANDES, 2006FERNANDES, Sueli F. Práticas de letramento na educação bilíngue para surdos. Curitiba: SEED, 2006. p. 28. Disponivel em: <Disponivel em: https://www.cultura-sorda.org/wp-content/uploads/2015/03/Fernandes_praticas_letramentos-surdos_2006.pdf >. Acesso em: 12 jan. 2020.
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).

Todavia, as práticas de ensino da língua portuguesa escrita para surdos ainda são comumente pautadas em metodologias fundamentadas na alfabetização de pessoas ouvintes. Estas práticas colaboram para dificuldades com a aquisição da escrita, uma vez que o contato com a escrita sistematizada carece de significado. O resultado deste tipo de ensino é a produção de letras e palavras sem significado para o sujeito, as quais são aprendidas por meio da cópia de modelos dados em sala de aula (FERNANDES, 2006FERNANDES, Sueli F. Práticas de letramento na educação bilíngue para surdos. Curitiba: SEED, 2006. p. 28. Disponivel em: <Disponivel em: https://www.cultura-sorda.org/wp-content/uploads/2015/03/Fernandes_praticas_letramentos-surdos_2006.pdf >. Acesso em: 12 jan. 2020.
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; PEREIRA 2009PEREIRA, Maria Cristina Cunha. Leitura, escrita e surdez. 2. ed. São Paulo: FDE, 2009. p. 104. Disponível em:<http://cape.edunet.sp.gov.br/textos/textos/leituraescritaesurdez.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2020.).

Quando o ensino da escrita para surdos está pautado em práticas de alfabetização que desconsideram a condição linguística e comunicativa deste sujeito o resultado é a produção de uma escrita carente de significados e sentidos, conforme mostram Lima e Cardoso (2016LIMA, Ezer W. Gomes; CARDOSO, Cancionila J. Um estudo sobre a escrita de surdos em processo de alfabetização. In: SIMPÓSIO EDUCAÇÃO E SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA: DESAFIOS E PROPOSTAS, 10., 2016, Rio de Janeiro. Anais [...]. Rio de Janeiro: Universidade Estadual do Rio de Janeiro, 2016, p. 1-16. Disponível em:<Disponível em:http://www.cap.uerj.br/site/images/stories/noticias/xsesc/um-estudo-sobrea-escrita.pdf >. Acesso em: 15 jan. 2020.
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), em seu estudo sobre a análise do processo de apropriação da escrita por uma criança surda em fase de alfabetização que frequentava a escola regular.

O ensino da linguagem escrita como segunda língua para surdos deve ocorrer através de práticas que incentivem um processo de aprendizagem significativo. Isso demanda práticas inovadoras, que garantam um processo de apropriação linguística com sentido, por meio de experiências de uso efetivo da escrita. Deste modo, a escrita pode ganhar consistência, complexidade, e se converter em processos mentais superiores (VYGOTSKI, 2012VYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras Escogidas III. Problemas del desarrollo de la psique. Madrid: Machado Grupo de Distribución, 2012. p. 384.). Para que isso ocorra, o processo de ensino deve envolver vivências com a língua, interlocução, negociação de sentidos por meio da escrita entre o adulto letrado e o estudante surdo (GUARINELLO, 2006GUARINELLO, Ana Cristina et al. A inserção do aluno surdo no ensino regular: visão de um grupo de professores do estado do Paraná. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 12, n. 3, p. 317-330, set.-dez. 2006. Disponível em:<Disponível em:https://www.scielo.br/j/rbee/a/dB8RVDj7Ygj8RxDcPzzpGrM/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em: 26 jan. 2020.
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).

Segundo Fernandes (2006FERNANDES, Sueli F. Práticas de letramento na educação bilíngue para surdos. Curitiba: SEED, 2006. p. 28. Disponivel em: <Disponivel em: https://www.cultura-sorda.org/wp-content/uploads/2015/03/Fernandes_praticas_letramentos-surdos_2006.pdf >. Acesso em: 12 jan. 2020.
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, p. 8), “quanto mais tradicional for a prática do professor, menores serão as chances de avanços dos alunos”. A solução para modificar esta realidade, observa a autora, é fundamentar as práticas de ensino da linguagem escrita para surdos em ações que respeitem sua condição linguística e que façam uso de recursos visuais, como a leitura e a produção de textos escritos. O processo de significação dos surdos passa pela visualidade (FERNANDES, 1999aFERNANDES, Sueli F. É possível ser surdo em português? Língua de sinais e escrita: em busca de uma aproximação.In: SKLIAR, Carlos (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999a. p. 59-82.; PEREIRA, 2014aPEREIRA, Maria Cristina Cunha. Papel da língua de sinais na aquisição da escrita por estudantes surdos. In: LODI, Ana Cláudia Balieiro et al. (Orgs.). Letramento e minorias. 7. ed. Porto Alegre: Mediação, 2014a. p. 45-52.; STREIECHEN; KRAUSE-LEMKE, 2014STREIECHEN, Eliziane Manosso; KRAUSE-LEMKE, Cibele. Análise da produção escrita de surdos alfabetizados com proposta bilíngue: implicações para a prática pedagógica. RBLA, Belo Horizonte, v. 14, n. 4, p. 957-986, 2014. Disponível em:<Disponível em:https://www.scielo.br/j/rbla/a/qmLbFqKMTNf6DJ9rPG3jHXk/?lang=pt&format=pdf >. Acesso em: 20 jan. 2020.
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), implicando, deste modo, na necessidade do ensino da leitura e escrita para surdos acontecer mediante práticas de letramento que considerem sua condição linguística (FERNANDES, 2006FERNANDES, Sueli F. Práticas de letramento na educação bilíngue para surdos. Curitiba: SEED, 2006. p. 28. Disponivel em: <Disponivel em: https://www.cultura-sorda.org/wp-content/uploads/2015/03/Fernandes_praticas_letramentos-surdos_2006.pdf >. Acesso em: 12 jan. 2020.
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).

Letramento é definido por Kleiman (1995KLEIMAN, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na escola. In: KLEIMAN, Angela B. (Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras , 1995. p. 15-64., p. 19) como uma série de “práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos para objetivos específicos”, ressaltando que as práticas tradicionais de alfabetização se tornam um tipo de letramento. A alfabetização favorece o desenvolvimento de algumas habilidades e determina uma forma de uso do conhecimento sobre a escrita, conguente a Soares (2001SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed.Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 128.), ao notar que, do ponto de vista individual, letramento envolve ler e escrever. Todavia, a dimensão social do letramento pode ser concebida, inclusive, definida por seu “valor pragmático, isto é, na necessidade de letramento para o efetivo funcionamento da sociedade [ou] em seu poder revolucionário, ou seja, em seu potencial para transformar relações e práticas sociais injustas” (idem, p. 78). A escola, principal agência de letramento, preocupa-se, sobreutdo, com a alfabetização (aquisição de códigos alfabéticos e numéricos), considerada fundamental para o sucesso escolar. Por outro lado, as demais agências de letramento (família, igreja, entre outras) mostram diferentes orientações desta prática educacional.

Rojo (1998ROJO, Roxane Helena Rodrigues. O letramento na ontogênese: uma perspectiva socioconstrutivista. In: ROJO, Roxane Helena Rodrigues (Org.). Alfabetização e letramento: perspectivas linguísticas. Campinas: Mercado de Letras , 1998.) destacou a necessidade de supervisionar o desenvolvimento da linguagem escrita da criança como um processo ligado não somente à oralidade, mas também aos modos de participação desta em práticas discursivas orais e de leitura/escrita na família. Em síntese, o processo de aquisição da escrita depende do grau de letramento das agências sociais nas quais o sujeito está inserido e, também, dos modos de participação deste sujeito nas práticas discursivas nas quais as atividades de leitura/escrita ganham sentido (ROJO, 1995ROJO, Roxane Helena Rodrigues. Concepções não-valorizadas de escrita: a escrita como “um outro modo de falar”. In: KLEIMAN, Angela. B. (Org.). Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado de Letras , 1995.).

O letramento, tomado como prática de comunicação social que utiliza a escrita e envolve ações discursivas de diferentes naturezas, demanda experiências com a leitura e a escrita que se iniciam antes da aquisição da escrita formal (LODI, 2004LODI, Ana Claudia Balieiro. A leitura como espaço discursivo de construção de sentidos: oficinas com surdos. 2004. 282f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Disponível em:<Disponível em:http://www.leffa.pro.br/tela4/Textos/Textos/Teses/ana_claudia_lodi.pdf >. Acesso em: 25 jan. 2020.
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). Deste modo, aprender a escrever é um processo que envolve vivências de letramento e o uso da linguagem em diferentes situações discursivas.

Gesueli e Moura (2006GESUELI, Zilda Maria; MOURA, Lia. Letramento e Surdez: a visualização das palavras. Educação Temática Digital, Campinas, v. 7, n. 2, p. 110 - 122, jun. 2006. Disponível em:<Disponível em:https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/796 >. Acesso em: 17 jan. 2020.
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, p. 111) afirmaram que “o letramento na surdez tem sido motivo de preocupação para os pesquisadores da área, provocando inúmeros questionamentos sobre as estratégias e métodos a serem utilizados no processo de construção da escrita do português”. Para as autoras, a aquisição da escrita pelo surdo ocorre, principalmente, pela visualização desta. O uso da língua de sinais e experiências discursivas serão fundamentais para que o surdo possa se apropriar da escrita.

O processo de aquisição da linguagem escrita pelo surdo percorre um caminho diferente daquele observado nos ouvintes, distanciando-se de uma experiência de relação entre som (fonema) e grafia, se orientando em por uma relação entre visualidade e o uso da língua por meio de práticas discursivas (GESUELI, 2015GESUELI, Zilda Maria. A escrita como fenômeno visual nas práticas discursivas de alunos surdos. In: LODI, Ana Claudia Balieiro; MELO, Ana Dorziat Barbosa; FERNANDES, Eulália (Orgs.). Letramento, Bilinguísmo e Educação de Surdos. Porto Alegre: Mediação, 2015. p.173-186.). Portanto, o surdo deve fazer uso significativo da língua de sinais, utilizando-a não apenas para estabelecer diálogos efetivos com o meio, mas também na produção e compreensão da escrita. Deste modo, o surdo assume o papel de interlocutor e de autor-leitor no processo de ensino e aprendizagem da escrita.

Existe uma descontinuidade entre língua de sinais (LS) e escrita alfabética, propondo como ponte metalinguística entre estas duas modalidades de linguagem o “ensino precoce e consistente da LS aos surdos, e de atividades que os levem a refletir sobre língua e linguagem a partir da LS” (PIRES, 2014PIRES, Vanessa de Oliveira Dagostim. A aprendizagem coletiva de língua portuguesa para surdos através das interações em língua de sinais. RBLA, Belo Horizonte, v. 14, n. 4, p. 987-1014, 2014. Disponível em:<Disponível em:https://www.scielo.br/j/rbla/a/dyqKdkyJgKyJJ5qpYSNhxYG/?lang=pt&format=pdf >. Acesso em: 22 jan. 2020.
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, p. 995). A aquisição da língua de sinais pode também ser permeada por experiências de letramento. Assim, a escrita pode e deve ser inserida nas práticas discursivas vivenciadas socialmente pelo surdo, favorecendo a aquisição da escrita formal.

Os surdos produzem uma interlíngua caracterizada “pela mistura de estruturas e funções entre a língua-base (Libras) e a língua-alvo (português)” (FERNANDES, 2011FERNANDES, Sueli F. Educação de surdos. 2. ed. Curitiba: Ibpex, 2011. p. 159., p. 113), peculiar em aprendizes de segunda língua. Como esse processo é desconhecido pela maioria dos professores que trabalham com o ensino da escrita de uma língua oral, não é incomum que vários profissionais desta área tomem a produção escrita do surdo como incorreta, sendo suas dificuldades vinculadas à sua condição “deficiente”, conforme destaca Fernandes (2011FERNANDES, Sueli F. Educação de surdos. 2. ed. Curitiba: Ibpex, 2011. p. 159.).

As maiores dificuldades tidas pelos surdos para a aquisição da escrita estão situadas nas metodologias utilizadas no ambiente de ensino. Giordani (2015GIORDANI, Liliane Ferrari. Encontros e desencontros da língua escrita na educação de surdos. In: LODI, Ana Claudia Balieiro; HARRISON, Kathryn M. P.; CAMPOS, Sandra. R. L. (Orgs.). Leitura e escrita no contexto da diversidade. 6. ed. Porto Alegre: Mediação, 2015. p.73-84.) ressaltou que, quando um professor bilíngue que utiliza diferentes recursos linguísticos derivados do domínio da língua de sinais passa a ministrar o ensino da escrita, o processo de aprendizagem destes aprendentes torna-se menos dificultoso. Por outro lado, Fernandes (2006FERNANDES, Sueli F. Práticas de letramento na educação bilíngue para surdos. Curitiba: SEED, 2006. p. 28. Disponivel em: <Disponivel em: https://www.cultura-sorda.org/wp-content/uploads/2015/03/Fernandes_praticas_letramentos-surdos_2006.pdf >. Acesso em: 12 jan. 2020.
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) atina que o trabalho de sistematização da linguagem escrita deve levar em conta a organização de aspectos funcionais (a função social da escrita), aspectos lexicais (estruturação do vocabulário, os significados e sentidos envolvidos, a intertextualidade com conhecimentos anteriores) e os aspectos gramaticais (regras e normas que permitem a construção de enunciados compreensíveis).

Acerca da elaboração dos significados no processo de aquisição da escrita e sobre a produção textual de surdos, Guarinello (2006GUARINELLO, Ana Cristina et al. A inserção do aluno surdo no ensino regular: visão de um grupo de professores do estado do Paraná. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 12, n. 3, p. 317-330, set.-dez. 2006. Disponível em:<Disponível em:https://www.scielo.br/j/rbee/a/dB8RVDj7Ygj8RxDcPzzpGrM/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em: 26 jan. 2020.
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) frisou a importância da construção conjunta do texto pelo surdo em parceria com um adulto que tenha domínio da língua portuguesa e da língua de sinais. Segundo a teórica, a aquisição da linguagem escrita pelo surdo demanda um trabalho em conjunto, com o adulto sendo responsável em mediar o acesso aos aspectos que darão coerência e coesão ao texto.

O processo de aprendizagem da escrita pelo surdo demanda leitura e um espaço educacional bilingue. É no encontro entre as diferentes formas de linguagem e nos diálogos que ocorrerá a elaboração e apropriação dos significados em ambas as línguas. Além disso, é necessário que o surdo adquira a língua de sinais como primeira língua, pois esta será a língua por meio da qual a pessoa surda vai elaborar os significados e sentidos da escrita e poder internalizá-la como linguagem em si e não somente como representação de objetos (LODI, 2004LODI, Ana Claudia Balieiro. A leitura como espaço discursivo de construção de sentidos: oficinas com surdos. 2004. 282f. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem), Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. Disponível em:<Disponível em:http://www.leffa.pro.br/tela4/Textos/Textos/Teses/ana_claudia_lodi.pdf >. Acesso em: 25 jan. 2020.
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; PEIXOTO, 2006PEIXOTO, Renata C. Algumas considerações sobre a interface entre a língua brasileira de sinais (LIBRAS) e a língua portuguesa na construção inicial da escrita pela criança surda. Cad. Cedes, Campinas, vol. 26, n. 69, p. 205-229, maio/ago, 2006. Disponível em:<Disponível em:https://www.scielo.br/j/ccedes/a/XRLzhSvHfY6zB6JrL4DWJsF/abstract/?lang=pt >. Acesso em: 12 jan. 2020.
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),

Desta maneira, consideramos inescusável que a língua de sinais seja utilizada como língua de instrução no processo de ensino e aprendizagem da linguagem escrita para/pelo surdo. Portanto, é fundamental que a educação de surdos esteja fundamentada nos pressupostos do bilinguismo e que a linguagem escrita seja tratada efetivamente como segunda língua. Neste contexto, esta pesquisa buscou investigar o processo de apropriação, pelo surdo, da língua portuguesa como segunda língua em interlocução com uma professora bilíngue por meio do diário de aprendizagem. Especificamente, foram caracterizadas as estratégias pedagógicas usadas pela professora para mediar o ensino da linguagem escrita e analisado o processo de apropriação da escrita pelos estudantes surdos.

ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Caracterizamos a presente proposta investigativa como uma pesquisa do tipo qualitativa fundamentada nos pressupostos da teoria histórico cultural tomando a linguagem como principal mediador na constituição do sujeito. Para Vygotski (2017VYGOTSKI, Lev Semiónovich. El desarrollo de los processos psicológicos superiores. Espanha: Austral, 2017. p. 230.), por meio da linguagem, o sujeito se comunica com o outro e através desta interação acontece a troca de significados e a aquisição de conhecimentos pelo sujeito. Segundo Abaurre (1997ABAURRE, Maria B. M.; FIAD, Raquel S.; MAYRINK-SABINSON, Marla L. T. Cenas de aquisição da escrita: o sujeito e o trabalho como texto. Campinas: Mercado de Letras, 1997. p. 204.), a concepção da linguagem como elemento de mediação eu-outro e como lugar de interlocução propicia a visualização de uma relação dinâmica e constitutiva entre sujeito e linguagem.

De acordo com Silveira e Córdova (2009SILVEIRA, Denise Tolfo; CÓRDOVA, Fernanda Peixoto. A Pesquisa Científica. In: GERHARDT, Tatiana Engel; SILVEIRA, Denise Tolfo (Org.). Métodos de Pesquisa. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009, p. 31-42. Disponível em:<Disponível em:https://cesad.ufs.br/ORBI/public/uploadCatalago/09520520042012Pratica_de_Pesquisa_I_Aula_2.pdf >. Acesso em: 22 jan. 2020.
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), a pesquisa qualitativa busca compreender, através do levantamento bibliográfico e documental, as histórias e organizações de grupos sociais pautando-se na busca por conceitos. Minayo (2001MINAYO, Maria Cecília de Souza (Org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. p. 80.) afirma que este tipo de investigação busca um universo de significados, crenças, valores e etc. o que corresponde a um espaço mais profundo das relações.

O presente estudo foi realizado em uma escola municipal de Ensino Fundamental situada em um município do interior de São Paulo onde funciona um Programa de Inclusão Bilíngue de alunos surdos. Este Programa existe há nove (9) anos e foi instituído por meio de uma parceria entre pesquisadores de uma universidade pública que funciona no município e a Secretaria Municipal de Educação (LACERDA, 2014LACERDA, Cristina B. F. Educação Inclusiva Bilíngue: acompanhamento implicações para ações pedagógicas junto a alunos surdos no ensino fundamental. São Paulo: FAPESP; UFSCar, 2014.; LACERDA, 2016LACERDA, Cristina B. F. Educação Inclusiva Bilíngue: acompanhamento implicações para ações pedagógicas junto a alunos surdos no ensino fundamental. São Paulo: FAPESP; UFSCar, 2016.).

Por envolver a participação de seres humanos, esta pesquisa foi submetida à análise do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do campus São Carlos da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e sua realização foi aprovada conforme o parecer consubstanciado de número 70084917.4.0000.5504, emitido pelo mencionado comitê.

Participaram a professora bilíngue (Solange) de Língua Portuguesa como segunda língua e seis estudantes surdos (Ana, Giovana, Marta, Gisele, Iana e Kauã) do Ensino Fundamental II, com idades entre 14 e 18 anos. Ressaltamos que os nomes atribuídos aos participantes são fictícios, a fim de preservar suas identidades.

Foram coletados diários de aprendizagem produzidos pelos estudantes ao longo de um ano e meio como parte das atividades da disciplina de Língua Portuguesa como segunda língua (L2). Estes eram escritos diariamente a pedido da professora, que solicitava que os estudantes registrassem sua rotina cotidiana. Uma vez por semana os diários eram recolhidos pela professora que os lia e fazia observações sobre os textos. Esta não era uma atividade com fins de atribuição de notas, porém era incentivada e usada pela professora como uma atividade de ensino e aprendizagem da escrita.

Quando usado com um cunho didático-pedagógico o diário é denominado como de aprendizagem e é considerado uma variação do diário íntimo. Reis (2012REIS, Valdeni S. A definição do diário como um gênero: entre diário íntimo e o diário de aprendizagem. Veredas Atemática, Juiz de Fora, v. 16, n. 2, p. 120-132, 2012. Disponível em:<Disponível em:https://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2012/10/artigo-8.pdf >. Acesso em: 22 jan. 2020.
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) avulta que a distinção entre ambos está situada na função que cada um cumpre. Enquanto o diário de aprendizagem permite o diálogo entre professor e estudantes ao longo do processo de ensino e aprendizagem, o diário íntimo se caracteriza por ser um espaço onde o autor dialoga consigo mesmo.

Os diários produzidos pelos estudantes surdos se constituíram como um espaço de interlocução entre professora e estudantes sobre a língua portuguesa como L2. A proposta de produção destes textos foi elaborada e executada como uma atividade pedagógica, que tinha por objetivo atribuir funcionalidade e sentido à língua portuguesa. Deste modo, os diários foram definidos como sendo de aprendizagem.

A análise do material coletado foi pautada no paradigma indiciário (GINZBURG, 1989GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das letras, 1989. p. 275.) que se caracteriza pela atenção ao detalhe, às pistas residuais, às minucias, aos episódios. Este seria um modelo epistemológico que se fundamenta na análise de manifestações singulares em uma determinada situação investigada. Deste modo, consideramos as características singulares da escrita produzida pelos sujeitos que por serem surdos e estarem em processo de aquisição da escrita como segunda língua, apresentaram uma produção textual com marcas de interlíngua (FERNANDES, 2011FERNANDES, Sueli F. Educação de surdos. 2. ed. Curitiba: Ibpex, 2011. p. 159.). Isto é, seus textos apresentaram uma estrutura ou organização que mistura aspectos da língua de sinais e da língua portuguesa escrita o que deixou sua produção diferente daquela produzida pelos ouvintes.

A leitura dos registros feitos nos diários considerou as estratégias de intervenção usadas pela professora no sentido de mediar o processo de apropriação e elaboração pelos alunos da escrita formal da língua portuguesa, bem como as estratégias usadas para a modificação do conteúdo dos registros, visando a ampliação do texto e um aprofundamento na abordagem dos assuntos apresentados.

Além das ações da professora, a análise também teve como foco as características da produção escrita dos alunos. Discutiu-se sobre o modo como a escrita foi se modificando e se tornando mais próxima do padrão da língua portuguesa considerando a interação com a professora que se dava por meio dos comentários e correções. Além disso, foram analisadas as expressões de conteúdos íntimos e afetivos nestes textos.

As ações da professora no processo de intervenção nos textos dos diários produzidos pelos alunos surdos foram caracterizadas como sendo voltadas para aspectos da forma e da elaboração textual da língua portuguesa como L2. Quanto à forma, estas ações dirigiram-se para a produção da língua portuguesa nos aspectos normativos referentes à grafia, acentuação, pontuação, uso de preposições, uso de verbos, ordem das palavras nas frases, entre outros aspectos gramaticais. Em relação à elaboração textual, as intervenções voltaram-se para a ampliação do texto, a explicitação das informações que constavam nos textos, para as escolhas lexicais e para o incentivo à produção. Além destas, também foram analisadas as ações da professora que incentivavam a explicitação de conteúdo emocional.

A partir da análise dos diários as interações discursivas ocorridas entre professora e alunos foram organizadas em três eixos analíticos: 1) o diário como espaço de ensino e aprendizagem de aspectos gramaticais, lexicais e ortográficos da língua portuguesa como L2; 2) o diário como espaço de elaboração textual da língua portuguesa como L2; 3) o diário como espaço emergente de enunciação de conteúdos emocionais.

Estes eixos permitiram conhecer e compreender os modos de enunciação dos estudantes em interação com a professora ocorridos no processo de apropriação de aspectos formais da escrita em língua portuguesa como L2, bem como, obter indícios da emergência de conteúdos afetivos.

ANÁLISE DOS DIÁRIOS DE APRENDIZAGEM

A seguir, apresentamos cada um dos eixos. As análises estão ilustradas com figuras retiradas de páginas dos diários que mostram como ocorreram os diálogos entre a professora e os estudantes durante o processo de produção dos textos. Tomando como referência os objetivos deste estudo, procuramos organizar os excertos, considerando os tipos de correções realizadas pela professora e suas sugestões de acordo com o direcionamento dado por ela em cada intervenção feita.

É importante destacar que as intervenções realizadas nos diários pela professora visavam mediar a aquisição da língua portuguesa escrita pelos estudantes surdos em um espaço de produção discursiva que favorecia certa liberdade e autonomia de produção pelos sujeitos. Assim, a professora quando realizava as correções, fazia escolhas focadas em seu objetivo, porém dava espaço para a criação e expressão subjetiva de cada um(a). Diante disso, em muitos momentos a professora priorizava a correção de alguns aspectos textuais e deixava outros de fora, conforme será observado em algumas figuras.

Diário como espaço de ensino e aprendizagem de aspectos gramaticais, lexicais e ortográficos da língua portuguesa como L2

Neste eixo, foram agrupadas as interações entre professora e estudantes relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem da ortografia, aspectos lexicais e gramaticais da língua portuguesa escrita. Os extratos das páginas dos diários apresentados a seguir mostram algumas das diversas maneiras utilizadas pela professora para intervir nos textos, e as respostas dadas pelos estudantes às suas solicitações e correções. É preciso atentar ao fato de que as interlocuções estabelecidas ao longo deste percurso aconteceram de forma individualizada, tendo o diário como palco dos diálogos tecidos entre autor (estudante) e leitor (professora).

Figura 1
Texto retirado do diário de Kauã produzido em 14/05/2015.

O trecho do diário representado na Figura 1 mostra intervenções feitas pela professora voltadas para o ensino da grafia de palavras. Diferentes estratégias eram usadas para destacar as inadequações que apareciam nos textos relacionadas aos aspectos ortográficos, gramaticais e lexicais. Na Figura 1, a professora escreve a palavra “Acordei” acima da grafia feita pelo estudante, e ao final do texto, chama a atenção de Kauã para a grafia desta palavra.

As inadequações que apareceram nos textos dos estudantes em relação à produção escrita da língua portuguesa eram de natureza diversa. Contudo, a professora parecia eleger apenas um ou alguns aspectos a cada intervenção, para serem apontados ao estudante, destacando poucos itens por vez. Ao mesmo tempo em que apontava os aspectos que precisavam ser modificados, Solange indicava no texto as características adequadas à língua, evidenciando que o estudante estava escrevendo e se comunicando a contento.

A professora demonstrava satisfação de forma explícita por meio de mensagens de motivação (parabenizando por ter feito o diário, por ter escrito bem, etc.) deixadas ao final do texto (Figura 1), ou por meio do carimbo, o qual também indicava que ela estava fazendo a leitura dos textos. É possível observar em suas ações uma consciência em relação aos seus objetivos, que são motivar o estudante a escrever e ensinar os aspectos formais da língua portuguesa escrita. Ao mesmo tempo em que valorizava o que foi aprendido, demonstrando aos estudantes seus avanços, atuava como mediadora no processo de aquisição da língua (VYGOTSKY, 2012VYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras Escogidas III. Problemas del desarrollo de la psique. Madrid: Machado Grupo de Distribución, 2012. p. 384.; 2014aVYGOTSKY, Lev Semiónovich. La imaginación y el arte en la infancia. Ensayo psicológico. Madrid: Ediciones Akal, 2014a. p. 43.; 2014bVYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras Escogidas II. Pensamiento y Lenguage. Conferencias sobre Psicología. Madrid: Machado Grupo de Distribución, 2014b. p. 512.).

A partir destas intervenções, destacamos a postura dialógica assumida pela professora na leitura dos diários. Por meio do diálogo e do tensionamento, ela ocupou uma posição de negociação, apontando no texto os problemas e sugerindo alternativas, além de chamar o estudante para também se posicionar. Fiorin (2016FIORIN, José Luiz. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Contexto, 2016. p. 160.) destacou que as relações dialógicas são constituídas por meio da tensão, da contradição por envolver diferentes posições sociais com interesses distintos. Os enunciados representam as vozes sociais e, como os enunciados se constituem dialogicamente, portanto, as relações dialógicas são sempre polêmicas ou contratuais, divergentes ou convergentes, de conciliação ou de luta.

Vygotsky (2000)VYGOTSKI, Lev Semiónovich. Manuscrito de 1929. Educação e Sociedade, Campinas, ano XXI, n. 71, p. 21-44, julho, 2000. Disponível em:<Disponível em:https://www.scielo.br/j/es/a/hgR8T8mmTkKsNq7TsTK3kfC/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em: 17 jan. 2020.
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afirmou que refletimos sobre nós mesmos a partir de nossa relação com o outro. Solange, nos casos aqui analisados, atuou como mediadora e figura de referência na relação dos sujeitos surdos com a linguagem escrita, assumindo o papel de adulto letrado, sendo modelo para os sujeitos em constituição, conforme ressaltou Mayrink-Sabinson (1997)MAYRINK-SABINSON, Maria. L. T. Um evento singular. In: ABAURRE, Maria B. M.; FIAD, Raquel S.; MAYRINK-SABINSON, Marla L. T. Cenas de aquisição da escrita: o sujeito e o trabalho como texto. Campinas: Mercado de Letras , 1997. p. 37-49.. Esta autora, inclusive, lembra que o processo de aquisição da linguagem acontece na interlocução entre os sujeitos, e esta interrelação implica um constante movimento de incorporação e tomada da palavra do outro, sendo este outro um interlocutor fisicamente presente ou representado, mas “necessário ponto de referência para este sujeito em constituição” (p. 41).

Figura 2
Texto retirado do diário de Iana produzido em 04/05/2015.

Figura 3
Texto retirado do diário de Marta produzido em 18/02/2016.

A Figura 2 mostra uma lista de expressões sugeridas pela professora à Iana para serem usadas em seu texto, após várias intervenções feitas em textos anteriores nos quais a estudante usou expressões que indicam ações de forma inadequada. Por meio de pistas visuais, a professora apontava para os estudantes as inadequações em seus textos e, ao mesmo tempo, indicava, com o uso de acréscimos ou retiradas de termos, o modo convencional de escrita (MAYRINK-SABINSON, 1997MAYRINK-SABINSON, Maria. L. T. Um evento singular. In: ABAURRE, Maria B. M.; FIAD, Raquel S.; MAYRINK-SABINSON, Marla L. T. Cenas de aquisição da escrita: o sujeito e o trabalho como texto. Campinas: Mercado de Letras , 1997. p. 37-49.; GESUELI; MOURA, 2006GESUELI, Zilda Maria; MOURA, Lia. Letramento e Surdez: a visualização das palavras. Educação Temática Digital, Campinas, v. 7, n. 2, p. 110 - 122, jun. 2006. Disponível em:<Disponível em:https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/796 >. Acesso em: 17 jan. 2020.
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; GESUELI, 2015GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das letras, 1989. p. 275.).

Na Figura 3, a intervenção estava voltada para a sugestão de diferentes conectivos em substituição à palavra “daí”, usada repetidamente por Marta. Além desta recomendação, Solange também fez uma observação a respeito do que pode ser usado no texto escrito A professora chamou atenção para uma norma de produção textual que faz parte da estrutura do texto escrito em língua portuguesa e, em seguida, sugeriu uma ampliação do léxico da estudante por meio da indicação do uso de diferentes palavras (“então, e, depois”) em substituição à palavra “daí”.

Estas intervenções, de modo geral, colaboraram para a ampliação lexical das estudantes. Constantemente, a professora realizava intervenções voltadas a esta finalidade nos diários de todos os estudantes. Por meio das sugestões, a educadora a mediava o processo de aquisição de vocabulário em língua portuguesa e colaborava para a autonomia dos estudantes na produção de textos, já que a lista de termos poderia ser usada como modelo a qualquer hora pelo estudante, sem se valer da intervenção contínua da professora no texto.

A professora não se limitava a indicar imprecisões, mas também fazia sugestões e dava alternativas aos estudantes para que, aos poucos, estes incorporassem outras formas de dizer/escrever em língua portuguesa. Ela assumiu uma parceria em relação às formas de dizer e isso auxiliava os estudantes (GUARINELLO, 2007GUARINELLO, Ana Cristina. O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São Paulo: Plexus, 2007. p. 157.; PEREIRA, 2009PEREIRA, Maria Cristina Cunha. Leitura, escrita e surdez. 2. ed. São Paulo: FDE, 2009. p. 104. Disponível em:<http://cape.edunet.sp.gov.br/textos/textos/leituraescritaesurdez.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2020.; 2014a; VIANA; LIMA, 2016VIANA, Manuela M. C.; LIMA, Veraluce S. A escrita da língua portuguesa como segunda língua por surdos nas redes sociais. Revista de Letras, Fortaleza, v. 1, n. 35, jan.-jun., p. 7-22, 2016. Disponível em:<Disponível em:http://www.periodicos.ufc.br/revletras/article/view/4234 >. Acesso em: 18 jan. 2020.
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). Segundo Fernandes (1999bFERNANDES, Eulalia. O som: esse ilustre desconhecido. In: SKLIAR, Carlos (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999b. p. 95-102.), é importante que o interlocutor mantenha uma atitude responsiva diante dos textos produzidos por surdos, focando nas possibilidades que as peculiaridades apresentadas no texto indicam.

Fernandes (2006FERNANDES, Sueli F. Práticas de letramento na educação bilíngue para surdos. Curitiba: SEED, 2006. p. 28. Disponivel em: <Disponivel em: https://www.cultura-sorda.org/wp-content/uploads/2015/03/Fernandes_praticas_letramentos-surdos_2006.pdf >. Acesso em: 12 jan. 2020.
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) orienta que a ampliação lexical do surdo é fundamental para a produção de uma escrita significativa. A aquisição de vocabulário também passa pela leitura, um dos principais meios, juntamente com a produção textual, de aquisição lexical, ortográfica e de compreensão gramatical da língua portuguesa pelo surdo. Portanto, é necessário que as práticas escolares de ensino de segunda língua para surdos trabalhem a aquisição da escrita vinculada à leitura. Em relação a isto, destacamos que a leitura também fazia parte da rotina de ensino e aprendizagem das turmas participantes deste estudo.

Figura 4
Texto retirado do diário de Iana produzido em 10/05/2015.

Figura 5
Texto retirado do diário de Marta produzido em 10/04/2016.

A Figura 4 mostra que Iana incorporou ao seu texto as sugestões de expressões apresentadas pela professora anteriormente (ver Figura 2). O texto mostra que a estudante não apenas passou a utilizar as opções dadas, como sua narrativa se tornou mais clara e compreensível. À medida que avançava em sua produção, Iana passou a utilizar de forma cada vez mais adequada as expressões mostradas por Solange, e ainda expandiu seu vocabulário, pois incorporou outras palavras além das sugeridas.

Em resposta à intervenção feita pela professora sobre o uso de conectivos e sobre as repetições observadas na Figura 3, Marta modificou seus textos, adequando-os às solicitações feitas. Já na Figura 5, é possível observar que Marta, incorporou os termos “e, então, depois” em substituição ao “daí”.

Nota-se que os textos ficaram mais compreensíveis e ganharam maior coesão e coerência após as modificações feitas pelas estudantes. A parceria entre a professora, por meio das correções e sugestões, e as estudantes, que alteraram seus textos considerando as intervenções feitas, permitiu que a escrita ganhasse qualidade, ficando estruturalmente mais organizada. Mudanças semelhantes também foram observadas nos diários de outros estudantes, indicando que o diálogo entre os interlocutores estava produzindo um aprimoramento da escrita formal em língua portuguesa.

O processo de produção de uma escrita adequada aos padrões da língua portuguesa formal pelos estudantes também apresentava momentos de involução, ou seja, em vários textos e em diferentes momentos da produção dos diários, os estudantes apresentavam uma escrita permeada por inadequações às normas da língua portuguesa e com características de interlíngua (VYGOTSKY, 2012VYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras Escogidas III. Problemas del desarrollo de la psique. Madrid: Machado Grupo de Distribución, 2012. p. 384.; 2013VYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras Escogidas I. El significado histórico de la crisis de la Psicología. Madrid: Machado Grupo de Distribución, 2013. p. 707.; 2014bVYGOTSKY, Lev Semiónovich. La imaginación y el arte en la infancia. Ensayo psicológico. Madrid: Ediciones Akal, 2014a. p. 43.; FERNANDES, E., 1999bFERNANDES, Eulalia. O som: esse ilustre desconhecido. In: SKLIAR, Carlos (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999b. p. 95-102.; FERNANDES, S., 2006FERNANDES, Sueli F. É possível ser surdo em português? Língua de sinais e escrita: em busca de uma aproximação.In: SKLIAR, Carlos (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999a. p. 59-82.).

Contudo, à medida em que avançam temporalmente na produção do diário, embora algumas inadequações ou marcas de interlíngua reaparecessem, a quantidade de intervenções requeridas para a modificação destes tornava-se cada vez menor, chegando, às vezes, a desaparecer dos textos. Os próprios estudantes, de forma autônoma, adequavam sua escrita às normas sem precisar de intervenção, e isto pode ser observado em marcas deixadas por eles, como as correções feitas após terem apagado palavras com borracha, ou mesmo com pequenas correções sobrepostas às palavras escritas, conforme pode ser identificado no texto de Iana, na Figura 7, no qual corrige palavra geografia.

Estas marcas de refacção textual apontam para um processo de reelaboração das normas linguísticas do português escrito, indicando um processo de reflexão da estudante sobre a escrita. Abaurre (1997ABAURRE, Maria B. M.; FIAD, Raquel S.; MAYRINK-SABINSON, Marla L. T. Cenas de aquisição da escrita: o sujeito e o trabalho como texto. Campinas: Mercado de Letras, 1997. p. 204., p. 112) reiterou que o processo de reelaboração textual indica a constituição de um sujeito autônomo em relação à linguagem, demonstrando que estamos “diante de alguém que se constitui em sujeito da linguagem, para o que, evidentemente, em muito deve ter contribuído a qualidade da interação que manteve com o outro, representado, [...] através de seus vários interlocutores” (grifo da autora).

Salientamos que as dificuldades e inadequações na escrita dos estudantes apresentadas neste eixo não são encontradas apenas na escrita dos surdos. Ainda que as marcas de interlíngua observadas em muitas situações sejam características de condições específicas de significação da escrita pelo surdo, que utiliza a língua de sinais para atribuir significados aos conteúdos da escrita da língua portuguesa. Os problemas de ortografia, pontuação e demais inadequações, também são encontrados na escrita de ouvintes, conforme apontam os estudos de Cagliari (1989CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Scipione, 1989.) e Abaurre (1997ABAURRE, Maria B. M.; FIAD, Raquel S.; MAYRINK-SABINSON, Marla L. T. Cenas de aquisição da escrita: o sujeito e o trabalho como texto. Campinas: Mercado de Letras, 1997. p. 204.).

A parceria entre a professora e os estudantes, por meio dos diálogos estabelecidos nos diários, favoreceu a produção de textos cada vez mais complexos do ponto de vista linguístico e com características de autonomia na produção escrita. Conforme avançavam temporalmente na escrita dos diários, os estudantes apresentavam maior independência em relação ao uso dos aspectos formais da língua portuguesa escrita, demandando cada vez menos intervenções da professora voltadas à correção das inadequações gramaticais, ortográficas e lexicais.

Por meio da interlocução estabelecida com os estudantes individualmente, a professora foi capaz de atuar nas zonas de desenvolvimento proximal destes, oferecendo apoio de acordo com as necessidades que emergiam durante o processo de escrita dos diários (VYGOTSKY, 2014aVYGOTSKY, Lev Semiónovich. La imaginación y el arte en la infancia. Ensayo psicológico. Madrid: Ediciones Akal, 2014a. p. 43.; 2014bVYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras Escogidas II. Pensamiento y Lenguage. Conferencias sobre Psicología. Madrid: Machado Grupo de Distribución, 2014b. p. 512.). Nesse movimento, os estudantes tiveram a oportunidade de tomar consciência dos efeitos de sua escrita sobre o outro/leitor, fato que favoreceu as mudanças ocorridas nas produções e a internalização dos aspectos linguísticos apontados ao longo do processo de escrita. A aquisição dos aspectos estruturais da língua portuguesa promove a reflexão e o acesso à metalinguagem, o que favorece o deslocamento interno do sujeito, colaborando para a modificação e ascensão das estruturas psíquicas a níveis cada vez mais elevados de complexidade (VYGOTSKY, 2012VYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras Escogidas III. Problemas del desarrollo de la psique. Madrid: Machado Grupo de Distribución, 2012. p. 384.; 2013VYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras Escogidas I. El significado histórico de la crisis de la Psicología. Madrid: Machado Grupo de Distribución, 2013. p. 707.; 2014bVYGOTSKY, Lev Semiónovich. La imaginación y el arte en la infancia. Ensayo psicológico. Madrid: Ediciones Akal, 2014a. p. 43.).

Karnopp (2015aKARNOPP, Lodenir B. Práticas de leitura e escrita entre surdos. In: LODI, Ana Claudia Balieiro; MÉLO, Ana D. B.; FERNANDES, Eulalia (Orgs.). Letramento, Bilinguísmo e Educação de Surdos. Porto Alegre: Mediação, 2015ª. p. 153-172.; 2015bKARNOPP, Lodenir B. Língua de sinais e língua portuguesa: em busca de um diálogo. In: LODI, Ana Claudia Balieiro; MÉLO, Ana D. B.; FERNANDES, Eulalia (Orgs.). Letramento, Bilinguísmo e Educação de Surdos. Porto Alegre: Mediação, 2015b. p. 225-234.) destacou que, para os surdos, é importante conhecer seu interlocutor, saber para quem escreve, pois, na maior parte das vezes, o surdo é colocado no lugar daquele que não possui conhecimentos suficientes para escrever ou que não sabe escrever. Esta ideia, na perspectiva da referida autora, é equivocada, pois foi construída com base em uma tradição de ensino da língua portuguesa escrita como código linguístico. Esta compreensão, associada a um não reconhecimento por parte da escola da condição bilíngue do surdo, tornou o espaço escolar intolerante a diversidade linguística. Quanto a isso, Fernandes (1999bFERNANDES, Eulalia. O som: esse ilustre desconhecido. In: SKLIAR, Carlos (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999b. p. 95-102.) e Guarinello (2007GUARINELLO, Ana Cristina. O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São Paulo: Plexus, 2007. p. 157.) ressaltaram que o interlocutor que interage com a escrita do surdo precisa ser sensível às peculiaridades desta escrita e colaborar para o processo de aquisição pelo surdo da linguagem escrita, como meio de enunciação e de expressão discursiva.

A seguir, faremos uma caracterização das interlocuções entre professora e estudantes voltadas ao conteúdo dos textos.

Diário como espaço de elaboração textual da língua portuguesa como L2

Neste segundo eixo, foram agrupadas as interlocuções voltadas à organização e ampliação textual. De igual modo à categoria anterior, realizaremos uma investigação a partir de sequências interativas ocorridas nos textos, nas quais a professora dialogava com os estudantes por meio de comentários e solicitações, com o objetivo de melhorar a coerência, a coesão e a compreensão dos estudantes acerca do gênero diário.

Figura 6
Texto retirado do diário de Giovana produzido em 17/04/2016.

Na Figura 6, a professora informa Giovana sobre temas pontuais que ela não quer mais que sejam abordados, pois são assuntos que a estudante vinha relatando de forma recorrente e Solange já havia solicitando de diferentes maneiras a variação de tema. No trecho apresentado na Figura 6, a professora optou em explicitar diretamente sua opinião sobre os temas abordados nos textos e seu interesse pela variação de tema.

Intervenções com objetivo de variação do tema abordado nos diários eram comuns. Com frequência, Solange solicitava aos estudantes que escrevessem sobre “coisas diferentes” ou fazia questionamentos sobre situações que sabia que os estudantes tinham vivenciado, pedindo que falassem sobre essas experiências nos diários. A maioria dos estudantes atendia aos pedidos da professora e passava a abordar temas que iam além da descrição de suas rotinas na escola ou em casa. Todavia, este tipo de descrição acabou sendo o tema predominante nas narrativas dos diários.

Ao pedir que os estudantes abordassem outros temas, a professora os desafiava. Escrever sobre as mesmas coisas parecia confortável, conhecido e não implicava maiores riscos. O desafio proposto por Solange de enfrentar temas novos implicava em fazer uso de palavras diferentes e de novas formas de dizer/escrever. Entretanto, a professora fazia isso como um convite, instigando o estudante ao novo. Na posição de interlocutora/leitora, a professora conduz os estudantes à novas experiências por meio da mudança temática, o que tem como consequência a ampliação lexical.

Guarinello (2007GUARINELLO, Ana Cristina. O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São Paulo: Plexus, 2007. p. 157.) afirmou que, em geral, os textos produzidos por surdos apresentam pobreza de vocabulário que decorrem da falta de experiência com o uso da língua portuguesa escrita e com a pouca leitura. Por conta disso, é fundamental que o professor estimule a leitura e a produção escrita dos estudantes surdos e fundamente este trabalho em uma variedade de textos e na exploração destes por meio da língua de sinais, conforme sugeriu Fernandes (2006FERNANDES, Sueli F. Práticas de letramento na educação bilíngue para surdos. Curitiba: SEED, 2006. p. 28. Disponivel em: <Disponivel em: https://www.cultura-sorda.org/wp-content/uploads/2015/03/Fernandes_praticas_letramentos-surdos_2006.pdf >. Acesso em: 12 jan. 2020.
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).

Figura 7
Texto retirado do diário de Giovana produzido em 27/04/2016.

À medida que avançavam na produção dos diários e por meio das intervenções da professora, os estudantes passavam a incluir diferentes assuntos em seus textos. A Figura 7 mostra que Giovana aborda em seu diário detalhes sobre seu dia que ainda não haviam aparecido em sua narrativa, como: a descrição de como se sentiu ao ver a imagem de “um menino que sofre e trabalha”; contar sobre a borboleta que ganhou ao visitar a escola de crianças; e sobre o colar que ganhou de um amigo.

As solicitações de variação temática foram feitas para todos os estudantes e, a depender do movimento de produção do diário, a professora solicitava com maior ou menor frequência mudanças nos temas abordados. Consideramos que, por meio dessa intervenção, Solange estimulava uma ampliação no léxico dos estudantes, visto que escrever sobre diferentes coisas implica no uso de um vocabulário diversificado e numa ampliação do conhecimento sobre o uso das palavras no texto (GUARINELLO, 2007GUARINELLO, Ana Cristina. O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São Paulo: Plexus, 2007. p. 157.; FERNANDES, 2006FERNANDES, Sueli F. Práticas de letramento na educação bilíngue para surdos. Curitiba: SEED, 2006. p. 28. Disponivel em: <Disponivel em: https://www.cultura-sorda.org/wp-content/uploads/2015/03/Fernandes_praticas_letramentos-surdos_2006.pdf >. Acesso em: 12 jan. 2020.
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). Além disso, à medida que diversificavam os assuntos, os estudantes tinham a oportunidade de ampliar e tomar consciência dos conhecimentos adquiridos nas suas experiências vividas e sobre o meio onde vivem.

Para Giordani (2015GIORDANI, Liliane Ferrari. Encontros e desencontros da língua escrita na educação de surdos. In: LODI, Ana Claudia Balieiro; HARRISON, Kathryn M. P.; CAMPOS, Sandra. R. L. (Orgs.). Leitura e escrita no contexto da diversidade. 6. ed. Porto Alegre: Mediação, 2015. p.73-84.), a aquisição de habilidades de leitura e de produção escrita pode ser fomentada pela imersão do estudante surdo em uma rede de interações com usuários competentes na língua portuguesa. Assim, o interlocutor (adulto letrado/professor) ganha importância e precisa atuar como um problematizador e criar desafios aos estudantes, elaborando desafios que precisam ser superados durante o processo de produção de textos ou de leitura.

Fernandes (2006FERNANDES, Sueli F. Práticas de letramento na educação bilíngue para surdos. Curitiba: SEED, 2006. p. 28. Disponivel em: <Disponivel em: https://www.cultura-sorda.org/wp-content/uploads/2015/03/Fernandes_praticas_letramentos-surdos_2006.pdf >. Acesso em: 12 jan. 2020.
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, p. 14) sinalou que o texto tem uma função social por estar dirigido a alguém e por ter uma intenção, uma vez que “seu sentido só pode ser apreendido se articulado à prática social que lhe deu origem”. No caso dos diários aqui analisados, estes tinham como interlocutor direto a professora, e por se tratar de uma atividade proposta no espaço escolar, tornou-se um meio de ensino e aprendizagem da língua portuguesa escrita. Desta maneira, as intervenções da professora buscavam estimular os estudantes a melhorar sua escrita e a ampliar seus conhecimentos sobre a língua portuguesa, enquanto os estudantes adquiriam habilidades linguísticas, de organização e elaboração textual, tornando-se cada vez mais competentes na tarefa de produção de textos.

Embora nem todos os estudantes tenham chegado a produzir narrativas detalhadas, abordando temas diversificados e com uma coerência textual totalmente adequada à normatização da língua portuguesa, todos tiveram avanços em suas produções, em razão de partirem de um momento em que a escrita do diário resumia-se a descrever a hora que acordavam, o que haviam comido nas refeições, as aulas tidas na escola e concluíam informando que haviam dormido. O principal e, por vezes, único tema abordado, era a rotina básica.

Aos poucos, a narrativa sobre a rotina foi ganhando mais elementos, passaram a contar sobre as atividades que faziam em família durante a semana, posteriormente, aos finais de semana, e alguns passaram a narrar sobre vivências em outros locais (Kauã abordou sua experiência com seu primeiro emprego; Iana falou sobre a igreja; Gisele falou sobre o emprego do pai) e com outras pessoas (Kauã falou sobre a primeira namorada; todos falaram sobre suas vivências com amigos fora do ambiente escolar).

Desta maneira, alguns não apenas ampliaram e detalharam mais suas narrativas, como variaram os temas e passaram a abordar questões mais íntimas, como as experiências emocionais. Ao final do período de produção do diário, todos tiveram avanços tanto na organização textual, quanto na modificação e diversificação do conteúdo. A presença de um leitor qualificado que incentiva e confere sentido à escrita, favorece o fortalecimento do escritor, que por sua vez, se sente motivado a escrever mais e melhor.

Quando falamos em formação do escritor, não nos referimos à preparação do estudante para tornar-se um escritor profissional, mas um escritor/autor que tenha conhecimento de diferentes gêneros discursivos e que consiga se expressar por meio deles de forma compreensível e autônoma (SILVA; STURM, 2013SILVA, Júlia D.; STURM, Ingrid N. Escrita e subjetividade: as marcas de autoria no texto escolar. 2013. 16 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gramática e Ensino de Língua Portuguesa) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Letras, Rio Grande do Sul, 2013. Disponível em:<Disponível em:https://lume.ufrgs.br/handle/10183/96181 >. Acesso em: 26 jan. 2020.
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). Ao adquirir confiança em sua capacidade de produção textual, o estudante pode passar a usar a escrita para refletir, organizar-se, elaborar emoções, entre outras funções (VYGOTSKY, 2012VYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras Escogidas III. Problemas del desarrollo de la psique. Madrid: Machado Grupo de Distribución, 2012. p. 384.; 2013VYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras Escogidas I. El significado histórico de la crisis de la Psicología. Madrid: Machado Grupo de Distribución, 2013. p. 707.; 2014aVYGOTSKY, Lev Semiónovich. La imaginación y el arte en la infancia. Ensayo psicológico. Madrid: Ediciones Akal, 2014a. p. 43.; 2014bVYGOTSKI, Lev Semiónovich. El desarrollo de los processos psicológicos superiores. Espanha: Austral, 2017. p. 230.).

Em geral, os surdos têm dificuldade com a escrita e não chegam, em sua maioria, à autoria e autonomia, muitas vezes, devido ao processo de ensino da língua portuguesa ao qual estão submetidos ( FERNANDES, E., 1999bFERNANDES, Eulalia. O som: esse ilustre desconhecido. In: SKLIAR, Carlos (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999b. p. 95-102.; FERNANDES, S., 2006FERNANDES, Sueli F. É possível ser surdo em português? Língua de sinais e escrita: em busca de uma aproximação.In: SKLIAR, Carlos (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999a. p. 59-82.; PEREIRA, 2009PEREIRA, Maria Cristina Cunha. Leitura, escrita e surdez. 2. ed. São Paulo: FDE, 2009. p. 104. Disponível em:<http://cape.edunet.sp.gov.br/textos/textos/leituraescritaesurdez.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2020.; 2014aPEREIRA, Maria Cristina Cunha. Papel da língua de sinais na aquisição da escrita por estudantes surdos. In: LODI, Ana Cláudia Balieiro et al. (Orgs.). Letramento e minorias. 7. ed. Porto Alegre: Mediação, 2014a. p. 45-52.; 2014bPEREIRA, Maria Cristina Cunha. O ensino de português como segunda língua para surdos: princípios teóricos e metodológicos. Educar em Revista, Curitiba, Edição Especial, n. 2, p. 143-157, 2014b. Disponível em:<Disponível em:https://www.scielo.br/j/er/a/sXkGQKsnKbhgRBsPD4mvSjy/abstract/?lang=pt >. Acesso em: 27 jan. 2020.
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; GIORDANI, 2015GIORDANI, Liliane Ferrari. Encontros e desencontros da língua escrita na educação de surdos. In: LODI, Ana Claudia Balieiro; HARRISON, Kathryn M. P.; CAMPOS, Sandra. R. L. (Orgs.). Leitura e escrita no contexto da diversidade. 6. ed. Porto Alegre: Mediação, 2015. p.73-84.). Os estudantes participantes desta pesquisa caminhavam em direção à escrita autônoma e autoral, e avançavam na expressão de aspectos afetivos pela escrita, permitindo elaborações acerca de sentimentos e emoções vivenciadas por meio de suas experiências de vida.

Diário como espaço de enunciação e significação de conteúdos emocionais

Neste terceiro eixo, foram agrupadas narrativas que continham indícios de relatos sobre emoções vivenciadas pelos estudantes. Embora o gênero aqui analisado pudesse ser um espaço favorável ao relato de conteúdo íntimo e de vivências emocionais, este tema apareceu de forma tímida nos textos dos estudantes. Um dos motivos que pode justificar esta ausência é o fato de que o diário se tornou um instrumento de ensino e aprendizagem da língua portuguesa escrita, resultando na abordagem dos temas limitar-se a descrições de experiências que envolviam a escola, a sala de aula, o cotidiano familiar e, eventualmente, adentravam nos aspectos afetivos.

Todavia, mesmo raros, os relatos que tocavam em questões afetivas emergiram. A seguir, apresentaremos alguns extratos dos diários que exemplificam estas situações e analisaremos os modos como as narrativas sobre conteúdo emocional foram trazidas.

Figura 8
Texto retirado do diário de Iana produzido em 20/05/2015.

Figura 9
Texto retirado do diário de Iana produzido em 20/05/2015

Outra estratégia usada pela professora era os comentários em que dialogava com os estudantes sobre relatos dos diários que expunham angústia, insatisfação, alegrias, tristezas, entre outras emoções vividas. As Figuras 8 e 9 apresentam exemplos de um diálogo entre a professora e Iana referente a uma insatisfação narrada pela jovem em seu diário. Iana relatou que estava triste com suas amigas de turma porque estas estavam se afastando dela e, por este fato, gostaria de mudar de escola, mas esbarrava no problema da falta de intérprete em outro local. Solange, em resposta ao desabafo da estudante, ponderou que a escola em que estuda é a melhor para atender às suas necessidades e afirma que ela é querida por todos, embora precise aprender a lidar com seus ciúmes em relação às amigas.

Ressaltamos, contudo, o aparecimento da preocupação de Iana com a falta de adequação escolar a sua condição de surdez. Ao expor, textualmente, que seu desejo em mudar de escola só poderia se tornar real caso houvesse no futuro espaço educacional a presença do intérprete de língua de sinais, nos tornamos conscientes que a jovem está a par de sua condição e das dificuldades que pode enfrentar em um local que não reconheça esta condição. A preocupação da estudante também revela um desejo por ser respeitada como surda e por ter liberdade de circulação no ambiente social no qual está inserida.

A convivência dos surdos em um meio ouvinte que não reconhece ou não aceita sua condição linguística conduz à opressão da comunidade surda, que fica submetida a relações de poder, de dominação, de normalização por parte da comunidade ouvinte, que impõe meios de controle da comunidade surda que destaca a soberania ouvinte. Lane (1992LANE, Harlan. A Máscara da Benevolência: a comunidade surda amordaçada. São Paulo: Instituto Piaget, 1992. p. 286.) e Skliar (1999SKLIAR, Carlos. A localização política da educação bilíngue para surdos. In: SKLIAR, Carlos. (Org.). Atualidade da educação bilíngue para surdos. Porto Alegre: Mediação, 1999. p. 7-14.) discutiram que, embora a comunidade ouvinte tente exercer dominação sobre a comunidade surda na tentativa de adequá-la aos padrões de normalidade, os surdos rompem com essa relação ao se afirmarem por meio da língua de sinais, por meio da qual vão constituindo sua cultura e sua identidade.

Embora a presença do intérprete de língua de sinais seja uma condição necessária para que o estudante surdo tenha acesso aos conhecimentos acadêmicos no ambiente educacional inclusivo, não há garantias de sanar as demais necessidades educacionais tidas pelo surdo, conforme ressaltaram Lacerda e Bernardino (2010LACERDA, Cristina B. F.; BERNARDINO, B. M. O papel do intérprete de língua de sinais nas etapas iniciais de escolarização. In: LODI, Ana Claudia Balieiro; LACERDA, Cristina B. F. (Orgs.). Uma escola, duas línguas: letramento em língua portuguesa e língua de sinais nas etapas iniciais de escolarização. 2. ed. Porto Alegre: Mediação, 2010, p. 65-80.). Segundo Campos (2013CAMPOS, Mariana L. I. L. Educação inclusiva para surdos e as políticas vigentes. In: LACERDA, Cristina B. F.; SANTOS, Lara F. (Orgs.). Tenho um aluno surdo, e agora? introdução à Libras e educação de surdos. São Carlos: EdUFSCar, 2013. p. 37-61.), a inclusão escolar do surdo precisa garantir a presença da língua de sinais em sala de aula, mas também é fundamental ensejar formação aos profissionais que atuam com este público, além de utilizar metodologias e didática de ensino que contemplem as características linguísticas e de aprendizagem dos estudantes surdos.

Além da necessidade de ser um espaço que dê condições para a circulação da língua de sinais e de conteúdos educacionais, Moura (2013MOURA, Maria C. Surdez e linguagem. In: LACERDA, Cristina B. F.; SANTOS, Lara F. (Orgs.). Tenho um aluno surdo, e agora? introdução à Libras e educação de surdos. São Carlos: EdUFSCar, 2013. p. 13-26.) discutiu que o ambiente escolar também deve ser um espaço onde a cultura surda esteja presente. A garantia da presença da língua de sinais e da cultura surda na escola são condições necessárias para a constituição dos sujeitos surdos.

Voltando à situação em análise, ressaltamos outro aspecto que emerge no relato de Iana relacionado à exposição de seu sentimento de tristeza. A estudante percebe a professora como alguém que pode ouvir suas queixas, acolhê-la, conseguindo expor sua inquietação e sobre seus desejos. Ao mesmo tempo, a estudante não se restringe a queixar-se, mas também, se justifica e problematiza as soluções que já lhe ocorreram. É possível ver suas elaborações/reflexões sendo expressas ou sendo provocadas pela escrita. (VYGOTSKY, 2012VYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras Escogidas III. Problemas del desarrollo de la psique. Madrid: Machado Grupo de Distribución, 2012. p. 384.; 2014aVYGOTSKY, Lev Semiónovich. La imaginación y el arte en la infancia. Ensayo psicológico. Madrid: Ediciones Akal, 2014a. p. 43.; 2014bVYGOTSKI, Lev Semiónovich. Obras Escogidas II. Pensamiento y Lenguage. Conferencias sobre Psicología. Madrid: Machado Grupo de Distribución, 2014b. p. 512.; 2000VYGOTSKI, Lev Semiónovich. Manuscrito de 1929. Educação e Sociedade, Campinas, ano XXI, n. 71, p. 21-44, julho, 2000. Disponível em:<Disponível em:https://www.scielo.br/j/es/a/hgR8T8mmTkKsNq7TsTK3kfC/?format=pdf⟨=pt >. Acesso em: 17 jan. 2020.
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) destacou o papel da escrita como meio de aquisição e de elaboração de significados que se convertem em estruturas internas responsáveis por vários processos complexos que ocorrem no pensamento.

Algumas vezes, quando os estudantes externavam conflitos internos, Solange nomeava as emoções vivenciadas. Situações deste tipo não eram comuns, porém, quando aconteciam, a professora intervinha destacando os aspectos afetivos envolvidos. Deste modo, abria espaço para que o diário se tornasse um espaço de elaboração de experiências que envolviam afeto.

Estes comentários e outros feitos nos diários dos demais estudantes indicam que a professora também utilizava o referido recurso como um meio de dialogar com os estudantes sobre assuntos íntimos que, muitas vezes, não chegam até a sala de aula por falta de oportunidade de criar espaços para a expressão das emoções e do conteúdo afetivo. Por meio do diário, a professora conseguiu não somente criar um espaço diferenciado de diálogo com os estudantes sobre a língua portuguesa escrita, como ainda, conseguiu estabelecer uma comunicação sobre conteúdos afetivos.

Ao possibilitar situações para a expressão de aspectos relacionados ao afeto nos diários, a professora criou condições para conhecer mais e melhor seus estudantes. O acolhimento aos conflitos relatados nos diários e a colaboração para a solução dos problemas vivenciados pelos alunos, deram à professora uma visão mais ampliada sobre as questões afetivas experenciadas internamente pelos alunos, as quais podem interferir na rotina diária de sala de aula, no processo de ensino e aprendizagem e nas relações entre os interlocutores nesse processo.

Dificilmente, o ambiente escolar, no geral, cria condições para que o professor consiga acessar este nível de informação sobre os estudantes, porém, a prática desta professora, em específico, a fez. Podemos afirmar que esta conquista está relacionada tanto à fundamentação discursiva de sua prática de ensino da língua portuguesa L2, quanto em relação ao compartilhamento de uma mesma língua com seus estudantes, já que a professora fazia uso proficiente da língua de sinais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise geral dos diários coletados nesta pesquisa mostrou que estes eram compostos por narrativas que se referiam às situações vivenciadas pelos autores em seu cotidiano, ocorridas em um passado recente ou no presente. Os relatos abordaram situações vividas dentro e fora da escola e, eventualmente, foram trazidas questões referentes a conteúdos interiores, como as emoções. A escrita dos diários proporcionou aos estudantes uma experiência de escrita autônoma e o desenvolvimento de uma competência da escrita formal da língua portuguesa. (DARSIE, 1996DARSIE, Marta M. P. Avaliação e aprendizagem. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 99, p.47-59, 1996. Disponível em:<Disponível em:https://publicacoes.fcc.org.br/cp/article/view/785 >. Acesso em: 26 jan. 2020.
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; ANDRÉ; PONTIN 2010ANDRÉ, Marli E. D. A.; PONTIN, Marta M. D. O diário reflexivo, avaliação e investigação didática. Meta, Rio de Janeiro, v. 2, n. 4, p. 13-30, 2010. Disponível em:<Disponível em:https://revistas.cesgranrio.org.br/index.php/metaavaliacao/article/download/66/62 >. Acesso em: 18 jan. 2020.
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; FRANGO, 2014FRANGO, Florência R. B. O diário de aprendizagem na aula de ELE - Espanhol Língua Estrangeira II: um estudo exploratório. 2014. 115f. Dissertação (Mestrado em Ensino de Inglês e Espanhol) - Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Castelo Branco, Castelo Branco, Portugual, 2014. Disponível em:<Disponível em:https://repositorio.ipcb.pt/bitstream/10400.11/2567/1/Projeto%20FB_24_09_2014.pdf >. Acesso em: 28 jan. 2020.
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; FERREIRA; MARQUES-SCHÄFER; 2016FERREIRA, Margenfel; MARQUES-SCHÄFER, Gabriela. A consultoria individual e o diário de aprendizagem como instrumentos para o desenvolvimento de autonomia no contexto de ensino de alemão como língua estrangeira. Pandaemonium, São Paulo, v. 19, n. 28, p. 101-123, set.-out. 2016. Disponível em:<Disponível em:https://www.revistas.usp.br/pg/article/view/119175 >. Acesso em: 11 de jan. 2020.
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).

Conforme dito anteriormente, o movimento de aprendizagem das normas da escrita da língua portuguesa observado em todos os diários não segue uma linearidade e nem um padrão crescente de internalização. Pelo contrário, é marcado por evoluções e retrocessos, que não necessariamente significam um retorno ao ponto inicial, mas que demonstram que a conversão dos conhecimentos que estão em negociação demanda experiência no uso do objeto de conhecimento que está sendo ensinado e diálogo sobre as formas de uso deste, para que, finalmente, possa ser usado de forma autônoma. Esse movimento envolve conflito e a resolução destes, portanto, é importante destacar que as ações da professora seguem um ritmo que respeita e acompanha o processo de cada estudante individualmente.

Esta forma de intervir se mostra respeitosa e em diálogo com os estudantes, que seguem escrevendo e vão, aos poucos, incorporando as informações trazidas pelas professoras. Ao longo do tempo é possível ver que os estudantes não cometem os mesmos erros, e vão se apropriando de várias regras de uso da língua portuguesa. Esse trabalho fundamental da professora parece abrir espaço para uma escrita mais autônoma e de autoria, podendo criar condições para tornar a escrita um meio de reflexão sobre si e sobre o outro.

As produções analisadas trouxeram indícios de uma escrita com marcas de interlíngua. Estas marcas aparecem usualmente em textos de pessoas que estão em processo de aquisição de uma segunda língua e indicam a elaboração desta pelo sujeito. De maneira geral, as produções favoreceram que os estudantes surdos escrevessem sobre situações concretamente vividas, elaborassem significados sistematizados presentes nas interlocuções acerca da estrutura e funcionamento da língua portuguesa como L2 e, também, sentidos construídos nesse encontro entre o conhecimento escolarizado e os conhecimentos já adquiridos pelos surdos nas suas experiências de uso da segunda língua, tendo a Libras como principal mediador do pensamento em diálogo com a língua portuguesa.

Esta pesquisa mostra como práticas pedagógicas adequadas podem levar estudantes surdos a um domínio consistente da escrita, atingindo, por meio da apropriação da escrita, níveis mais complexos de raciocínio. Os resultados evidenciaram indícios de elaborações psíquicas mediadas pela escrita e pela língua de sinais atuando no processo de produção de seus textos escritos. Isto resultou de uma prática educacional pautada nos princípios bilíngues que, quando assumidos de fato, criam condições para aprendizagem efetiva da língua portuguesa como segunda língua, gerando autonomia e reflexividade no sujeito.

Em síntese, a partir da análise das produções é possível afirmar que os surdos, tendo se apropriado da linguagem escrita, são capazes de elaborar discursos estruturados em uma segunda língua e, por meio desta, se apropriar de significados e sentidos construídos na interlocução com o outro ou consigo mesmo na/pela escrita. Conforme se apropriam das normas e fazem uso significativo da linguagem escrita, os surdos podem utilizá-la como meio de interação com o outro, podendo este outro ocupar o papel de leitor ou de autor, e de aquisição de conhecimentos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Ago 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2020
  • Aceito
    03 Nov 2022
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